PROCESSO DE PROMOÇÃO E PROTEÇÃO
MEDIDA DE ENTREGA A INSTITUIÇÃO COM VISTA A ADOÇÃO
INTERESSES CONFLITUANTES ENTRE MENOR E PROGENITORES
DEBATE JUDICIAL
DEFENSOR OFICIOSO
TUTELA JURISDICIONAL EFETIVA
NOMEAÇÃO DE ACORDO COM A LEI DO PATROCÍNIO JUDICIÁRIO
Sumário

I – Constitui regra geral que a representação dos menores cabe aos progenitores não inibidos das responsabilidades parentais (cfr. artº 16, nº2 do C.P.C.), podendo estes, nos processos de promoção e protecção, de acordo com o artº 103, nº1 da LPCJP (na redacção da Lei 142/2015 de 08/09) “constituir advogado ou requerer a nomeação de patrono que o represente, a si ou à criança ou ao jovem.”
II – No entanto, o artº 103, nº3, da LPCJP, impõe uma restrição a esta regra geral de representação do menor, quando se perspective a existência de interesses conflituantes entre o menor e os seus progenitores, que passa a ser representado e defendido, não pelos seus progenitores, mas por defensor oficioso, nomeado de acordo com a lei do patrocínio judiciário.
III – A nomeação de patrono ao menor é obrigatória no debate judicial “quando esteja em causa a aplicação da medida prevista na alínea g) do n.º 1 do artigo 35.º” (nº 4 do artº 103 da LPCJP), ou seja, “Confiança a pessoa selecionada para a adoção, a família de acolhimento ou a instituição com vista à adoção.”
IV – Constitui esta uma exigência legal que, ao restringir o direito dos progenitores, visa assegurar que o menor mantenha o exercício efectivo dos seus direitos de defesa, de ver os seus interesses apreciados e decididos, ainda que em conflito com os interesses dos seus progenitores, de exercer o contraditório, de expressar posições em desacordo com a daqueles progenitores e de, inclusive, apresentar prova independente daquela apresentada pelos seus progenitores (conforme o exigem os artº 20 e 69 da Constituição e o artº 13 da Convenção sobre os Direitos da Criança).
V – Este objectivo de assegurar uma representação condigna e desinteressada ao menor é posto em causa se os progenitores do menor, em sua representação, constituírem mandatário forense, ainda que este mandatário seja distinto daquele que os representa, por em causa estar a prática de actos em representação do menor por parte de quem tem interesses que podem conflituar com o superior interesse do menor e de influir no mandato constituído em sua representação.
(Sumário elaborado pela Relatora)

Texto Integral

Relator: Cristina Neves
Adjuntos: Sílvia Pires
Luís Ricardo

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Acordam os Juízes na 3ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:

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RELATÓRIO
Foi intentado processo de promoção e protecção pelo Ministério Público, em 12/07/2023, referente ao menor AA, nascido em ../../2020, filha de BB e de CC, acolhida no Centro de Acolhimento Temporário “...”, requerendo que seja aplicada a medida de acolhimento residencial em benefício deste menor.
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Designada data para tomada de declarações aos progenitores, não aceitando estes a medida proposta, foi proferido despacho em 16/08/2023, determinando a nomeação de defensor oficioso ao menor.
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Com data de 09/11/2023, veio o Ministério Público requerer a confiança do menor a uma instituição, com vista a futura adopção e a inibição das responsabilidades parentais dos seus progenitores.
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Com data de 21/05/2024, foi requerida a junção de procuração forense aos autos a favor da Drª DD, com escritório na Praceta ..., ..., ..., conferida pelo menor, representado no acto pelos seus progenitores.
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Após, foi proferido despacho, em 23/05/2024, nos seguintes termos:
O Ministério Publico, veio, em representação da criança, nos termos do disposto nos art.ºs 4.º n.º al. i), 9.º al. d) da LPCJP, instaurar processo de promoção e proteção em beneficio da criança AA, requerendo a aplicação de medida cautelar, nos termos do disposto nos art.º 3.º n.ºs 1 e 2 als. c) e f), 35.º n.ºs 1 al. f) e 37.º da LPCJP, o que veio a ser efetuado por despacho judicial datado de 17.07.2023.
Encontra-se, neste momento pendente para apreciação em fase de debate a medida de entrega a instituição com vista a futura adopção.
Não existindo consenso na sua aplicação, os autos estão a prosseguir para debate judicial veio a ser nomeado defensor em conformidade com o disposto no art.º 103.º n.º 3 da LPCJP.
A medida foi proposta, alegadamente, em benefício da criança da criança cujo superior interesse, assim entendido é conflituante com o interesse dos pais, atenta a posição que assumiram nos autos, pelo que permitir-se a constituição de mandatário para a criança sob proposta dos pais, no caso dos autos, seria desvirtuar totalmente as finalidades que se visam alcançar com a nomeação de defensor pelo tribunal, legalmente imposta, por se presumir claramente essa conflitualidade, o que constitui violação ao art.º 4.º al. a) da LPCJP e ao artigo 9º, n.º1 da Convenção Europeia Sobre o Exercício dos Direitos da Criança.
São termos em que se rejeita a procuração junta pelos pais com vista a constituir mandatário para seu filho.
Notifique.
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Não conformado com este despacho, veio o menor, representado pela Dra. DD, apresentar recurso concluindo da seguinte forma:

(…).


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Pelo Ministério Público foram interpostas contra-alegações, tendo concluído da seguinte forma:

(…).


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QUESTÕES A DECIDIR


Nos termos do disposto nos artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pp. 84-85. Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. artigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas. Abrantes Geraldes, Op. Cit., p. 87.

Conforme se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7.7.2016, Gonçalves Rocha, 156/12, «Efetivamente, e como é entendimento pacífico e consolidado na doutrina e na Jurisprudência, não é lícito invocar nos recursos questões que não tenham sido objeto de apreciação da decisão recorrida, pois os recursos são meros meios de impugnação das decisões judiciais pelos quais se visa a sua reapreciação e consequente alteração e/ou revogação». No mesmo sentido, cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4.10.2007, Simas Santos, 07P2433, de 9.4.2015, Silva Miguel, 353/13.
Nestes termos as questões a decidir são as seguintes:

a) Se a decisão que não admitiu a junção de procuração forense pelo menor, representado pelos seus progenitores, é nula por falta de fundamentação legal, por obscuridade e ininteligibilidade, nos termos do artº 615, do C.P.C.

b) Se, nessa medida, deve esta decisão ser revogada, sendo admitida a procuração, por se mostrar violado o direito do menor ao patrocínio judiciário, do acesso ao direito e aos tribunais e de defesa.


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FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Os factos necessários à decisão do recurso, são os acima consignados.
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FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO


No presente recurso, foi requerida a declaração de nulidade da decisão, considerando que esta enferma de falta de fundamentação legal, obscuridade e ininteligibilidade.

Cumpre-nos assim, apreciar a primeira questão colocada.

a) Se a decisão que não admitiu a junção de procuração forense pelo menor, representado pelos seus progenitores, é nula por falta de fundamentação legal, por obscuridade e ininteligibilidade.

Nas suas conclusões recursórias invoca o apelante a nulidade da decisão recorrida, alegando falta de fundamentação legal e obscuridade da decisão.

Apreciando o primeiro dos fundamentos invocados, a sentença ou despacho (artº 613, nº3 do C.P.C.), é nulo quando:

b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;”

Trata-se este de um vício formal que respeita à estrutura da sentença e cuja verificação afecta a sua validade. Esta nulidade apenas se verifica quando exista absoluta falta de fundamentação, seja de facto ou de direito e não apenas fundamentação medíocre, deficiente, quiçá errada.

Com efeito, ao juiz cabe especificar os fundamentos de facto e de direito da decisão que profere, nos termos do disposto no artº 607 nº3 e 4, de forma a que a decisão que profere seja perceptível para os seus destinatários.

Não cumpre esta norma, existindo falta absoluta de motivação, quando exista ausência total de fundamentos de direito e de facto. Neste sentido vidé LEBRE DE FREITAS e OUTROS, Código de Processo Civil Anotado, II Vol., 2001, p. 669

Já Teixeira de Sousa TEIXEIRA DE SOUSA, Miguel Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Editora Lex, 1997 pág. 221, referia que: “o dever de fundamentação restringe-se às decisões proferidas sobre um pedido controvertido ou sobre uma dúvida suscitada no processo (...) e apenas a ausência de qualquer fundamentação conduz à nulidade da decisão (...); a fundamentação insuficiente ou deficiente não constitui causa de nulidade da decisão, embora justifique a sua impugnação mediante recurso, se este for admissível”, pelo que de acordo com Tomé Gomes Tomé Gomes, “Da Sentença Cível”, O Novo Processo Civil, caderno V, ebook publicado pelo Centro de Estudos Judiciários, Jan. 2014, p. 370, disponível em http://www.cej.mj.pt/cej/recursos/ebooks/ProcessoCivil/CadernoV_NCPC_Textos_Jurisprudencia.pdf, p. 39.
a falta de fundamentação de facto ocorre quando, na sentença, se omite ou se mostre de todo ininteligível o quadro factual em que era suposto assentar. Situação diferente é aquela em que os factos especificados são insuficientes para suportar a solução jurídica adotada, ou seja, quando a fundamentação de facto se mostra medíocre e, portanto, passível de um juízo de mérito negativo. / A falta de fundamentação de direito existe quando, não obstante a indicação do universo factual, na sentença, não se revela qualquer enquadramento jurídico ainda que implícito, de forma a deixar, no mínimo, ininteligível os fundamentos da decisão.»
Este dever geral de fundamentação dos despachos e sentenças proferidos no processo, está de acordo com exigência constitucional, prevista no artº 205 nº1 da C.R.P., que exige que as decisões do tribunal, que não sejam de mero expediente sejam fundamentadas na forma prevista na lei, de molde a assegurar a todos os cidadãos um processo equitativo, conforme decorre do disposto no artº 20 nº4 da C.R.P.
Ora, o despacho recorrido mostra-se fundamentado conforme dele resulta, elencando os preceitos legais aplicáveis e os fundamentos para a rejeição da procuração. O error in judicando não se confunde com a nulidade por falta de fundamentação.
Por outro lado, não é este despacho também obscuro ou ininteligível, por forma a poder ser considerado nulo ao abrigo da alínea c) do nº1 do artº 615 do C.P.C.
Constitui entendimento igualmente pacífico da doutrina e da nossa jurisprudência que a nulidade prevista no artº 615, nº 1, al. c) do NCPC (correspondente ao artº. 668º, nº. 1, al. c) anterior à reforma introduzida pela Lei nº 41/2013 de 26/6) só se verifica quando os fundamentos invocados na sentença devessem, logicamente, conduzir a uma decisão diversa da que a sentença expressa, ou seja, o raciocínio do juiz aponta num determinado sentido e o dispositivo conclui de modo oposto ou diferente cfr. Prof. Alberto dos Reis, CPC Anotado, Vol. V, Coimbra Editora, pág. 141; acórdãos do STJ de 23/11/2006, proc. nº. 06B4007 e da RE de 19/01/2012, proc. nº. 1458/08.5TBSTB e de 19/12/2013, proc. nº. 538/09.4TBELV, Ac. do T.R.E. de 25/06/2015, Proc. nº 855/15.4T8PTM.E1 todos acessíveis em www.dgsi.pt. , sabido que essa contradição remete-nos para o princípio da coerência lógica da sentença, pois que entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica.
Realidade distinta desta é o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou erro na interpretação desta norma jurídica, ou seja, quando – embora mal – o juiz entenda que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação ou dela decorre, o que existe é erro de julgamento e não oposição nos termos aludidos. cfr. LEBRE DE FREITAS, José A Ação Declarativa Comum, Gestlegal 2023, pg. 298.
Ora, examinado o despacho recorrido não se verifica qualquer oposição entre os fundamentos e a decisão. O raciocínio exposto na decisão recorrida conduzia logicamente ao resultado alcançado, independentemente da sua correcção jurídica.
Não é esta também ambígua ou obscura, no sentido de que se “preste a interpretações diferentes. Num caso não se sabe o que o juiz quis dizer; no outro hesita-se entre dois sentidos diferentes e porventura opostos.» ALBERTO DOS REIS, Código de Processo Civil Anotado, V Volume, p. 151 .
A decisão recorrida é plenamente inteligível, como aliás o demonstra o próprio apelante nas suas alegações de recurso, que bem a percebeu e com a qual não concorda.
Improcede assim a arguição de nulidade da decisão.


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Cumpre-nos assim, apreciar o segundo fundamento de impugnação:

c) Se a decisão que rejeitou a procuração forense viola o direito do menor ao patrocínio judiciário, de acesso ao direito e aos tribunais e de defesa.

Alega o apelante que o despacho em apreço viola o seu direito de constituição de mandatário, de acesso ao direito e aos tribunais e de defesa e, nessa medida é inconstitucional, por violação do artº 20 da nossa Constituição. O princípio da tutela jurisdicional efectiva implica o direito de acesso ao direito e aos tribunais que, conforme definido pela nossa jurisprudência constitucional Acórdão do Tribunal Constitucional nº 259/2000, publicado no (DR, II série, de 7 de Novembro de 2000., constitui “o direito a uma solução jurídica dos conflitos, a que se deve chegar em prazo razoável e com observância das garantias de imparcialidade e independência, possibilitando-se, designadamente, um correcto funcionamento das regras do contraditório, em termos de cada das partes poder aduzir as suas razões (de facto e de direito), oferecer as suas provas, controlar as provas do adversário e discretear sobre o valor e o resultado de umas e outras” MIRANDA, Jorge, MEDEIROS, Rui, Constituição Portuguesa Anotada, Vol. I, Universidade Católica Editora, 2017, pág. 321. .

A garantia de acesso aos tribunais decorre do princípio do Estado de direito, encontra consagração nas Constituições dos Estados membros (de que são exemplos o artº 20 da nossa Constituição, o artº 24 da Constituição Italiana, o artº 24 nº1 da Constituição Espanhola e o artº 19 §4 da Constituição Alemã) e nos instrumentos de direito internacional a que os Estados membros se encontram vinculados, nomeadamente os artºs 6 nº1 e 13 da CEDH (reconhecidos pelos artºs 6 nº3 e 2 do TUE)

É este direito de acesso aos tribunais, conforme referem J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª edição revista, Coimbra Editora, págs. 162/163. um “elemento integrante do princípio material da igualdade (…) e do próprio princípio democrático (…). O direito de acesso aos tribunais (nº1) inclui, desde logo, no seu âmbito normativo, o direito de acção, isto é, o direito subjectivo de levar determinada pretensão ao conhecimento de um órgão jurisdicional, (….) com o consequente dever (direito ao processo) do mesmo órgão de sobre ela se pronunciar mediante decisão fundamentada” e em prazo razoável, de forma a que o direito que se pretende tutelar não se torne um direito desprovido de conteúdo e sem efectividade prática, inutilizando-se por esta via o direito que se pretendia fazer valer.

Ora, este direito de acção ou direito de agir em juízo, tem em si implícito a exigência de um processo “encarado num sentido amplo, não só como um processo justo na sua conformação legislativa (exigência de um procedimento legislativo devido na conformação do processo), mas também como um processo materialmente informado pelos princípios materiais da justiça nos vários momentos processuais” SANTOS, Maria Amália, “O direito constitucionalmente garantido dos cidadãos à tutela jurisdicional efectiva” Revista Julgar Online, Novembro de 2019, pág. 3, disponível no sítio http://julgar.pt., nele se incluindo o direito à igualdade processual, ao contraditório, à defesa e o direito de se fazer assessorar por mandatário judicial, livremente escolhido pela parte ou por defensor oficioso custeado pelo Estado.

Se assim é e se, em regra, a constituição de mandatário judicial pela parte determina a cessação do patrocínio oficioso - nomeadamente nos casos de defesa do incapaz por defensor oficioso, cfr. o exige o artº 21, nº3 do C.P.C. - os processos de jurisdição voluntária, em especial os de promoção e protecção dos direitos do menor, contêm normas específicas que visam a protecção dos direitos do menor, quando conflituantes com os dos seus progenitores.

Constitui igualmente regra geral que a representação dos menores cabe aos progenitores não inibidos das responsabilidades parentais (cfr. artº 16, nº2 do C.P.C.). No entanto, casos há em que a lei impõe a sua representação em juízo por pessoa distinta dos seus progenitores, quando a necessidade de acautelar os direitos destes menores assim o exige.

Nestes termos, o artº 103, nº1 da LPCJP (na redacção da Lei 142/2015 de 08/09) dispõe como regra geral que “Os pais, o representante legal ou quem tiver a guarda de facto podem, em qualquer fase do processo, constituir advogado ou requerer a nomeação de patrono que o represente, a si ou à criança ou ao jovem.” Se esta constitui a regra geral, o nº 2 deste preceito impõe obrigatoriamente a nomeação de patrono a este menor, de acordo com a lei do patrocínio judiciário (nº3), logo que se perspective a existência de interesses conflituantes entre o menor e os seus pais, representantes legais ou quem tenha a guarda de facto.

Decorre ainda do nº 4 deste preceito legal que a nomeação de patrono ao menor, se ainda não nomeado, é ainda obrigatória no debate judicial “quando esteja em causa a aplicação da medida prevista na alínea g) do n.º 1 do artigo 35.º”, ou seja, Confiança a pessoa selecionada para a adoção, a família de acolhimento ou a instituição com vista à adoção.”

A razão para a imposição de nomeação de um patrono oficioso ao menor é ainda a mesma: a existência de interesses conflituantes entre o menor e os seus progenitores -representantes legais do menor até serem inibidos das suas responsabilidades parentais - que justificam esta restrição à regra da representação do menor, que passa a ser representado e defendido, não pelos seus progenitores, mas por defensor oficioso, nomeado de acordo com a lei do patrocínio judiciário e independente destes. Trata-se de exigência legal que, ao restringir o direito dos progenitores, visa precisamente assegurar que o menor mantenha o exercício efectivo dos seus direitos de defesa, o direito de ver os seus interesses apreciados e decididos, ainda que em conflito com os interesses dos seus progenitores, o direito de exercer o contraditório, de expressar posições em desacordo com a daqueles progenitores e de, inclusive, apresentar prova independente daquela apresentada pelos seus progenitores. Esta exigência justifica-se pelo facto de, nos presentes autos, se discutir precisamente a confiança do menor para adopção e a inibição das responsabilidades parentais dos progenitores biológicos.

Ora, este objectivo de assegurar uma representação condigna e desinteressada ao menor é posto em causa se os progenitores do menor, em sua representação, constituírem mandatário forense, ainda que este mandatário seja distinto daquele que os representa. Em causa está sempre a prática de actos em representação do menor por parte de quem tem interesses que podem conflituar com o superior interesse do menor, sendo certo que o exercício do mandato, embora formalmente em defesa do menor, sempre dependeria das instruções dadas dos seus legais representantes, precisamente aqueles que em nome do menor, constituíram o mandato.

Estaria encontrado o caminho para contornar a imposição da lei de ser assegurada a representação do menor por defensor, em clara violação do artº 103, nº2 e 3 e artº 4, al. a), da LPCJP e em clara violação dos direitos do menor de ver apreciados e defendidos os seus direitos e legítimos interesses, estes com cobertura constitucional, conforme decorre do disposto no artº 20 e 69 da Constituição.

Aliás, a Convenção sobre os Direitos das Crianças, no seu artº 13, expressamente estipula que a esta é reconhecido o direito a formar e exprimir a sua opinião, a participar nas decisões que lhe digam respeito e a pronunciar-se sobre as mesmas, de forma independente e sem interferências dos seus progenitores, direito assegurado pelos artºs 4, al. j), 84 e 103 da LPCJP.

Nestes termos, conforme referido no Ac. do TRL de 23/05/2024 Proferido no proc. 22446/18.8T8LSB-A.L1-2, de que foi relator Arlindo Crua, disponível in www.dgsi.pt, a solução prevista no artº 103, “garante total isenção e imparcialidade na representação dos menores, na concretização do critério orientador do superior interesse da criança (que não dos seus pais) e evita que a sua posição possa ser contaminada ou influenciada pelos interesses dos seus progenitores, salvaguardando e tutelando que os únicos interesses que venham a ser afirmados em tribunal, pelo competente técnico jurídico nomeado, correspondam, com efectividade, aos interesses dos menores representados.”

Nesta medida se conclui que os direitos do menor - naqueles casos em que se perspective a existência de um conflito com os seus progenitores - apenas são assegurados pela sua representação por defensor oficioso e não por mandatário constituído pelos seus progenitores, em sua representação, improcedendo o recurso interposto nos autos.


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DECISÃO


Pelo exposto, acordam os Juízes desta relação em julgar improcedente a apelação, confirmando-se o despacho recorrido.

Sem Custas (artº 4 nº2 f) do RCP).

Coimbra 10/07/24