PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE AGRAVADA / VIOLAÇÃO DE REGRAS DE SEGURANÇA
DIREITOS INDISPONÍVEIS
INTERVENÇÃO OFICIOSA DA RELAÇÃO
Sumário

I – A responsabilidade agravada prevista no artigo 18.º da Lei n.º 98/2009, de 4-09, na situação de violação de regras de segurança, pressupõe a verificação cumulativa: (i) do incumprimento do dever de observância de regras de segurança e saúde no trabalho; (ii) de uma relação de causalidade adequada entre tal omissão e o acidente, na sua formulação negativa, nos termos da qual apenas se exige que o facto não tenha sido, de todo em todo, indiferente para a produção do acidente, dentro dos juízos de previsibilidade que decorrem das regras da experiência comum, perfilando-se o sinistro como uma consequência normal, previsível da violação das regras de segurança.
II – O direito do trabalhador, vítima de acidente de trabalho à justa reparação tem assento no artigo 59.º, n.º 1, alínea f), da Constituição da República Portuguesa, constituindo os créditos provenientes do direito à reparação fixados na Lei n.º 98/2009 de 4-09 direitos indisponíveis e o respetivo valor é de conhecimento oficioso, sendo que, não tendo ocorrido trânsito em julgado da decisão da matéria de facto e sobre a responsabilidade agravada da empregadora, ainda que apenas esta tenha recorrido, deve a Relação oficiosamente, fixar a indemnização por incapacidade temporária e o capital de remição de acordo com as normas legais e os factos provados, nos termos dos artigos 74º do CPT, 608.º, n.º 2 e 663.º, n.º 2, ambos do CPC, estes ex vi artigo 1.º, n.º 2, alínea a), do CPT.

Texto Integral

Apelação/Processo nº 229/20.5T8PNF.P1

Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este – Juízo do Trabalho de Penafiel, Juiz 1

Relatora: Germana Ferreira Lopes
1º Adjunto: Nelson Fernandes
2ª Adjunta: Rita Romeira

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I - RELATÓRIO
Não se tendo alcançado acordo na respetiva fase conciliatória, AA (Sinistrado/Autor) apresentou petição inicial para dar início à fase contenciosa deste processo para a efetivação de direitos resultantes de acidente de trabalho (artigo 117.º, n.º 1, alínea a), do Código de Processo do Trabalho) contra A...-Companhia de Seguros, SA, pedindo que esta fosse condenada a pagar-lhe:
a) a quantia de 11.159,41€, referente à ITA, de 2-10-2019 a 31-09-2020 – 303 dias a que deverão acrescer os juros de mora e até integral pagamento.
b) o capital de remição na quantia de 5.754,99€, acrescido de juros de mora desde 31-07-2020 e até integral pagamento.
Fundamentou o peticionado alegando, em síntese, que sofreu acidente de trabalho em 2-10-2019, de que resultaram as incapacidades para o trabalho com base nas quais pede o pagamento das prestações.

Citada, a Ré seguradora apresentou contestação, alegando, em resumo, que o acidente em causa ficou a dever-se à violação das regras de segurança e saúde no trabalho por parte da entidade empregadora, que por isso é responsável pelo pagamento das prestações legais devidas ao sinistrado. Conclui que a ação deve ser julgada improcedente com todas as consequências legais no que se refere à Ré seguradora.

Citado o Centro Distrital da Segurança Social ..., nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 1.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 59/89, de 22 de fevereiro, veio o Instituto da Segurança Social, I.P. apresentar “pedido de reembolso de subsídio de doença” contra a Ré Seguradora, pedindo o pagamento da quantia de € 3.111,06, acrescida de juros de mora à taxa legal, correspondente a subsídio de doença no período de 23-11-2019 a 31-07-2020.

A Ré Seguradora apresentou resposta ao pedido de reembolso deduzido pelo Instituto da Segurança Social, I.P., concluindo dever o mesmo ser julgado improcedente, com todas as consequências legais.

Foi proferido despacho a determinar a intervenção processual na ação da entidade empregadora B..., Lda., para contestar, nos termos previstos nos artigos 127.º e 128.º do Código de Processo do Trabalho.
Citada, a entidade empregadora apresentou contestação, sustentando que não incumpriu com nenhum dever a que se encontrava adstrita, nomeadamente no que às normas de segurança concerne, pelo que deve ser absolvida do pedido.

Foi proferido despacho saneador, após o que foram consignados os factos assentes, identificado o objeto do litígio e enunciados os temas de prova.

Foi determinada a abertura de apenso de incapacidade [apenso com a letra A], no qual, depois de realizado exame por junta médica, foi decidido o seguinte:
«Tendo em conta o parecer unânime dos peritos, bem como a resposta aos quesitos formulados, e atendendo aos demais elementos trazidos ao processo, nada há que habilite o tribunal a discordar da conclusão a que chegaram os Ex.mos Peritos, pelo que é de subscrever o grau de incapacidade por eles arbitrado. Assim, considero o sinistrado clinicamente curado, mas portador da incapacidade permanente parcial (IPP) de 5,9253% desde o dia imediato ao da alta.».

Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, concluída com o dispositivo seguinte (que se transcreve):

«Pelo exposto, julgo a acção parcialmente procedente e, em consequência:

A) Condena-se a 1ª R. A... - Companhia de Seguros, S.A. no pagamento ao A. AA das seguintes quantias:

1) O capital de remição correspondente à pensão anual e vitalícia no montante de € 599,17 (quinhentos e noventa e nove euros e dezassete cêntimos), acrescido dos juros de mora devidos desde 01/08/2020 até efectivo e integral pagamento, nos termos previstos no artigo 135º do CPT;

2) € 8.366,74 (oito mil trezentos e sessenta e seis euros e setenta e quatro cêntimos) referente a indemnização pelo período de incapacidade temporária, acrescido dos juros de mora desde 01/08/2020 até efectivo e integral pagamento, nos termos previstos no artigo 135º do CPT

3) € 17,14 (dezassete euros e catorze cêntimos) a título de transportes, acrescido dos juros de mora até efectivo e integral pagamento, nos termos previstos no artigo 135º do CPT;

B) Declara-se ser a interveniente entidade empregadora B..., Lda. responsável pelo pagamento ao A. das seguintes quantias:

1) € 3.585,74 (três mil quinhentos e oitenta e cinco euros e setenta e quatro cêntimos) a título de indemnização por incapacidade temporária devida desde 01/08/2020, acrescido dos juros de mora até efectivo e integral pagamento, nos termos previstos no artigo 135º do CPT;

2) Capital de remição- correspondente à pensão anual e vitalícia, com início em 01/08/2020, no montante de € 256,79 (duzentos e cinquenta e seis euros e setenta e nove cêntimos), acrescido dos juros de mora devidos desde aquela data até efectivo e integral pagamento, nos termos previstos no artigo 135º do CPT;

C) Condena-se a R. A... - Companhia de Seguros, S.A. no pagamento ao Interveniente Instituto da Segurança Social, I.P. do valor pago por este ao A. a título de subsídios de doença, no total de € 3.111,06 (três mil cento e onze euros e seis cêntimos), acrescido de juros de mora à taxa legal desde a citação da R. até efectivo e integral pagamento, valor este a ser deduzido ao montante a pagar pela R. ao A. no quadro da indemnização devida pelo acidente de trabalho.


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Custas a cargo do A. e da R., nos termos do disposto no artigo 527º nºs. 1 e 2 do CPC, na proporção do respectiv-o decaimento.

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Valor da acção – € 22.076,16 (cfr. artigo 120º do CPT).

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Uma vez que o A. sinistrado deverá receber um capital de remição, cumpra o disposto nos artigos 148º nºs. 3 e 4 e 149º do CPT.

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Registe e notifique.»

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Não se conformando com a sentença proferida, a entidade empregadora B..., Lda., apresentou recurso de apelação, tendo formulado as seguintes CONCLUSÕES (que se transcrevem[1]):

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A Ré seguradora apresentou contra-alegações, formulando as seguintes conclusões:

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Foi proferido despacho a determinar a subida do recurso de apelação, imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

O Exmº Srº Procurador-Geral-Adjunto junto deste Tribunal de recurso emitiu o parecer a que alude o artigo 87º, nº 3, do CPT, pronunciando-se como se segue (transcrição):
«[…] 4. Impugna a Recorrente a matéria de facto e subsequente decisão de direito.
4.1. Quanto àquela põe em causa a matéria de facto dada como provada nos pontos N, U e W.
Entende que da prova testemunhal produzida não deveriam considerar-se provados e antes provado o que consta do ponto 1 dos factos não provados.
Os elementos de prova são apenas as declarações do sinistrado e das testemunhas inquiridas sendo uma o perito averiguador do acidente.
É certo que este último não presenciou o acidente. Elaborou um relatório com base no que lhe foi referido na visita ao local do acidente, e sobre ele falou em julgamento.
Aparentemente seria o sinistrado e as temais testemunhas que estavam no local à data do acidente que melhor podiam explicar como este ocorreu.
Podendo as declarações de parte podem ser valoradas em sentido favorável à parte, desde que haja uma convicção suficientemente segura quanto à sua correspondência com a realidade, a qual deve ser formada numa ponderação global de todos os meios de prova que incidam sobre essa matéria, fazendo-se uma valoração em termos lógicos e de acordo com as regras da experiência, como se pode ler no sumário do Ac. do TRP, de 28.11.2022, processo 4251/19.6 T8OAZ.P1, Referência 16361496.
Porém a douta sentença em recurso valorizou o depoimento daquele perito averiguador.
4.2. Como é sabido os depoimentos das testemunhas são livremente apreciados pelo juiz – art.º 396º do CC, e art.º 607º, n.º 5 do CPC.
Segundo este principio da livre apreciação da prova o juiz deve decidir sobre a matéria de facto da causa, segundo a sua íntima convicção, formada no confronto com os vários meios de prova.
Porém, a livre apreciação da prova não consente que o julgador forme a sua convicção arbitrariamente, antes lhe impondo um processo de valoração racional, dirigido à formação de um prudente juízo crítico global, o qual deve assentar na ponderação conjugada dos diversos meios de prova, aferidos segundo regras da experiência, atendendo aos princípios de racionalidade lógica e considerando as circunstâncias do caso.
O resultado desse processo deve ter respaldo na prova produzida e tal deve decorrer, em termos suficientemente claros e objectivos, da fundamentação da decisão sobre a matéria de facto.
Para que um facto se considere provado é necessário que, à luz de critérios de razoabilidade, se crie no espírito do julgador um estado de convicção, assente na certeza relativa do facto - Ac. do TRP, de 28.11.2022, processo 4251/19.6 T8OAZ.P1, Referência 16361496.
O principio da livre apreciação da prova é ainda, corroborado pelos princípios da oralidade e da imediação, que se complementam, tomando o juiz do julgamento contacto direto com a prova testemunhal e outros elementos que o ajudam a formar a sua convicção.
Além disso a douta sentença em recurso fundamenta exaustivamente a decisão da matéria de facto e expressamente em relação a estes três pontos N, U e W.
Aí se lê que: “Deram-se como provados os pontos N), U) e W), e não provado o ponto 1), com base no seguinte:” … … … expondo depois as razões da sua convicção, que aqui se dão como reproduzidas, evitando desnecessária repetição.
Razões que ressaltam das transcrições feitas constantes da alegação e resposta ao recurso. E não vem referido qualquer erro de apreciação da prova ou violação de regra da experiência.
Assim, entende-se não merecer censura a douta sentença recorrida neste particular.
4.3. E com esta matéria de facto dada como provada, nomeadamente dos pontos N, U e W, a decisão de direito só podia ser esta.
Na verdade, dando-se como provado que “a entidade empregadora não forneceu ao A. o empurrador que faz parte da máquina” e que “a entidade empregadora permitiu ao A. executar a função colocando-se em risco de acidente como se veio a verificar”, com os demais factos provados, então está preenchida a previsão do artigo 18º da Lei 98/2009, de 04 de setembro.
Com efeito como se refere no Ac. do TRP do Porto, de 09.10.2023, Proc: nº. 164/18. 7T8PNF.P2, “Nos termos do art.º 18º da Lei 98/2009, para que o acidente recaia sob a sua alçada é necessário que: a) sobre a entidade empregadora recaia o dever de observar determinada(s) norma (s) ou regra(s) de segurança, que a(s) não haja observado e que essa inobservância lhe seja imputável; b) entre essa conduta omissiva e o acidente ocorra um nexo de causalidade adequada, na sua formulação negativa, nos termos do qual apenas se exige que o facto não tenha sido, de todo em todo, indiferente para a produção do dano, dentro dos juízos de previsibilidade que decorrem das regras da experiência comum, não sendo indispensável, para que haja causa adequada, que o facto, só por si, sem a colaboração de outros, tenha produzido o dano, não sendo a responsabilidade afastada na hipótese de concorrência de causas.”
E no Ac. do STJ, de 03.11.2023, processo 151/21.8T8OAZ.P1.S1., www.dgsi.pt, “A responsabilidade agravada do empregador pode ter dois fundamentos autónomos: um comportamento culposo da sua parte (a título de dolo ou negligência), criador de uma situação perigosa (e inerente esfera de risco); ou a violação pelo empregador de regras de segurança ou saúde no trabalho que ele estivesse diretamente obrigado a observar e de cuja omissão resulte o acidente (hipótese em que é desnecessária prova da culpa, ao contrário do que acontece naquele primeiro caso).
Ambos os fundamentos exigem (para além do “comportamento culposo” ou da violação normativa) a prova do nexo causal entre determinada conduta (ato ou omissão) e o acidente.”
Neste caso para além dos demais factos provados, a Recorrente não fornecendo ao A. o empurrador que faz parte integrante da máquina e permitindo ao A. executar a função colocando-se em risco de acidente como se veio a verificar, verifica-se um comportamento e a violação de regras de segurança por parte da Recorrente.
E, sendo fornecido e usado este equipamento o acidente ter-se-ia evitado, sendo, por isso, a recorrente responsável pela ocorrência do acidente.
5. Pelo que, ressalvando sempre diferente e melhor opinião, se emite parecer no sentido de que deverá confirmar-se a douta sentença recorrida.».

Procedeu-se a exame preliminar, foram colhidos os vistos, após o que o processo foi submetido à conferência.


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II – Questões a resolver

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação apresentada, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, que não tenham sido apreciadas com trânsito em julgado e das que se não encontrem prejudicadas pela solução dada a outras [artigos 635.º, n.º 4, 637.º n.º 2, 1ª parte, 639.º, n.ºs 1 e 2, 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil[2], aplicáveis por força do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho[3]].

Assim, são as seguintes as questões a decidir:
(1) Impugnação da decisão da matéria de facto;
(2) Saber se a sentença recorrida errou na aplicação da matéria de direito a respeito da questão da violação de regras de segurança por parte da Ré empregadora, ora Recorrente;
(3) Intervenção oficiosa/artigo 74.º do CPT.


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III – FUNDAMENTAÇÃO

1) Decisão da matéria de facto proferida pela 1ª instância

A decisão da matéria de facto proferida na 1ª instância é a seguinte (transcrição):

«Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos:

Factos assentes por acordo:

A) O A. nasceu em ../../1964;

B) O A. exercia a profissão carpinteiro de limpos e de tosco, mediante contrato de trabalho celebrado com a sociedade comercial “B... LDA”, ora Interveniente, com sede na Rua ..., ..., desde agosto de 2018;

C) Mediante o pagamento mensal de 650,00€ acrescido das respetivas ajudas de custo no montante de 445,49€ (650,00 x14 + 445,49 x 12), num total anual de € 14.445,88;

D) À data do acidente, a Interveniente tinha a responsabilidade por acidentes de trabalho transferida para a R., através de Contrato de Seguro titulado pela apólice nº ..., nos termos constantes de fls. 34 a 37 dos autos e que se dão por integralmente reproduzidas;

E) O A. sofreu um acidente no dia 02/10/2019, pelas 11h00, quando desempenhava as suas funções de carpinteiro, sob as ordens, direção e fiscalização da sua entidade patronal, ora Interveniente, numa obra que a esta lhe tinha sido adjudicada, sita em ..., Póvoa de Varzim;

F) Em 03/10/2019 tal facto foi participado à R., nos termos constantes de fls. 120 a 123 dos autos e que se dão por integralmente reproduzidas;

G) Entre o dia 03/10/2019 até 15/11/2019, o A passou a receber tratamentos na Casa de Saúde ..., no Porto, no âmbito da cobertura do seguro de acidente de trabalho;

H) Em 20/11/2019, a R. emitiu carta ao A. a declinar toda e qualquer responsabilidade no sinistro em causa, suas despesas e consequências, fundamentando a sua decisão no argumento de que o acidente se deveu a exclusivamente a incumprimento das normas de segurança no local de trabalho pelo trabalhador;

I) E consequentemente, as consultas e tratamentos agendados na Casa de Saúde ..., no Porto, foram dados sem efeito;

J) Insatisfeito com a decisão assumida pela R., o A. emite a esta, reclamação datada de 28/11/2019, nos termos constantes de fls. 144 e 145 dos autos e que se dão por integralmente reproduzidas;

K) Todavia, a R. reitera a posição anteriormente assumida, por carta enviada ao A. a 10/12/2019, nos termos constantes de fls. 146 e que se dá por integralmente reproduzida;

L) O acidente identificado em F) ocorreu quando o A. estava a cortar madeira numa mesa de serra / de corte de madeira, a fazer cunhas de 5 cm x 5 cm, e feriu os dedos polegar e indicador da mão esquerda no disco de corte da mesa, resultando para o A. esfacelo da mão esquerda ao nível dos dedos polegar e indicador;

M) O empurrador de corte serve para empurrar o objecto a cortar quando este é de pequena dimensão, mantendo assim as mãos fora do alcance do disco de corte;

Factos demonstrados por produção de prova:

N) Quando o A. se encontrava a realizar a tarefa indicada em L), sem que nada o fizesse prever, a madeira que empurrava ressaltou e deu origem a que os dedos polegar e indicador da mão esquerda tocassem no disco de corte da máquina, dando origem às lesões nos dedos;

O) O A. foi de imediato transportado e assistido no serviço de urgência do centro hospitalar ...;

P) Na sequência do descrito em H), o A. teve de recorrer ao centro de saúde de ..., Marco de Canaveses, para ali continuar os seus tratamentos, nomeadamente de fisioterapia durante dois meses;

Q) Tendo o A., em consequência do acidente, estado de baixa médica pelo período compreendido entre 23/11/2019 até 31/07/2020;

R) Em consequência das lesões sofridas no acidente, o Interveniente Instituto da Segurança Social IP pagou ao A., a título de subsídio de doença, o montante de € 3.111,06 no período decorrido de 23/11/2019 a 31/07/2020;

S) De acordo com o manual do equipamento em causa este é fornecido com um resguardo lateral, que não se encontrava colocado na máquina no momento do acidente;

T) E ainda com um empurrador de corte, precisamente para empurrar as peças mais pequenas;

U) A entidade empregadora não forneceu ao A. o empurrador que faz parte da máquina;

V) Empurrar directamente com as mãos um objecto pequeno propicia e dá causa a acidentes como aquele que ocorreu;

W) A entidade empregadora permitiu ao A. executar a função colocando-se em risco de acidente como se veio a verificar;

X) A mesa de serra detém ambos os utensílios de segurança supra referidos;

Y) O resguardo lateral apenas é utilizado para orientação e guia de corte da peça a trabalhar, e não se mostrava necessário na execução do trabalho a desempenhar pelo A.;

Z) O trabalhador tem de usar o empurrador, uma vez que este serve para empurrar os objectos a cortar;

AA) Do acidente resultou para o A. um período de ITA de 03/10/2019 a 31/07/2020, data da alta médica;

BB) Em consequência directa e necessária daquelas lesões, resultou para uma IPP de 3,9502%, bonificada pelo factor 1,5 em função da idade, o que resulta numa IPP final de 5,9253%, por sequelas de cicatrizes no 1º raio (com alteração da sensibilidade da polpa do polegar com perda tegumental) e cicatrizes no 2º raio com rigidez da IFP e IFP distal.

Da discussão da causa não resultaram provados os seguintes factos:

1) Quando o A. se encontrava a realizar a tarefa indicada em L) dos factos provados, o mesmo encontrava-se a utilizar o empurrador;

2) A empregadora sempre se preocupou em garantir a segurança dos seus trabalhadores, colocando ao seu dispor, todos os equipamentos de segurança para o bom desempenho das suas funções;

3) Depois das orientações prestadas, a entidade patronal respeita a autonomia técnica de cada trabalhador, tanto mais que o A. já é carpinteiro há mais de 18 anos, sabendo perfeitamente como manusear o equipamento aludido nos autos.».


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2) Impugnação da decisão relativa à matéria de facto

A Recorrente manifesta a respetiva discordância quanto à decisão da matéria de facto proferida pelo Tribunal a quo, dizendo que: “não efetuou uma equilibrada e ponderada avaliação da prova produzida nos presentes autos, tendo antes elevado ao estatuto de dogma, ou seja, de verdade absoluta e inquestionável a versão dos factos apresentada pela Ré A..., através da sua testemunha BB, descurando toda a demais prova produzida não só as declarações prestadas em depoimento de parte quanto às circunstâncias em que ocorreu o acidente de trabalho de que foi vítima, bem como as declarações das demais testemunhas arroladas pela Apelante e Autor que acabaram por corroborar aquelas declarações”.

Contrapõe a Recorrida Seguradora que a decisão proferida pelo Tribunal a quo encontra fundamentação na globalidade da prova produzida, com recurso a regras da lógica, razoabilidade, experiência comum e padrões de normalidade, não padecendo de qualquer erro ou imprecisão, sendo que a alegação da Recorrente se baseia na simples crítica à formação da livre convicção do julgador a respeito da (des)credibilidade da prova testemunhal.

Defende ainda a Recorrida que deverá ser rejeitada a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, nos termos do artigo 640.º, n.º 1,do CPC, dizendo que: “na apelação da Recorrente não são apontados, relativamente a cada concreto ponto de facto, os meios probatórios que apontam para decisão diversa, pois a Recorrente limita-se a transcrever segmentos do depoimento das testemunhas que não têm outro sustentáculo probatório, sendo que depois, de forma pouco clara, refere o que pretende ver alterado em termos de factos; “[d]e facto, a Recorrente não refere a decisão que, do seu ponto de vista, deve ser proferida sobre a matéria que impugna”; “[a]cresce que a Recorrente não faz uma análise crítica relativa à fundamentação da decisão de facto nem relativamente à prova produzida, confrontando os vários meios de prova de forma a demonstrar por que razão se impugna a formação de uma convicção noutro sentido diverso do vertido na sentença recorrida”; “[e]m bom rigor, a Recorrente limita-se a demonstrar, com passagens dos depoimentos das testemunhas, a forma como fabricou a sua convicção e que esta não se encontra de acordo com a do douto Tribunal a quo”; “[a] Recorrida não aceita que a prova seja individualizada e selecionada da forma que a Recorrente fez, em termos que a fundamentação do ataque à decisão da matéria de facto assente na “livre seleção de prova” do Recorrente em detrimento da livre convicção do julgador.”.

O Exmo. Procurador-Geral Adjunto no parecer emitido em cumprimento do disposto no artigo 87.º, n.º 3, do CPT, refere que não vem referido qualquer erro de apreciação da prova ou violação de regra de experiência, entendendo não merecer censura a sentença recorrida neste particular.

Preliminarmente, e considerando desde logo a questão suscitada pela Recorrida que contende com a admissibilidade da impugnação da decisão da matéria de facto apresentada, importa fazer uma breve incursão sobre os termos em que tem lugar a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, mormente quanto aos ónus exigíveis ao recorrente quando impugne a matéria de facto e, bem assim, os critérios/parâmetros que devem presidir à reapreciação factual por parte do Tribunal da Relação.

Como refere António Santos Abrantes Geraldes[4], quanto às funções atribuídas à Relação em sede de intervenção na decisão da matéria de facto, “foram recusadas soluções maximalistas que pudessem reconduzir-nos a uma repetição dos julgamentos, tal como foi rejeitada a admissibilidade de recursos genéricos contra a decisão da matéria de facto, tendo o legislador optado por restringir a possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas e relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências por parte do recorrente”.

Em conformidade, refere-se no Acórdão desta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto de 17-04-2023[5] que no caso «de impugnação da decisão sobre a matéria de facto com fundamento em erro de julgamento, é necessário que se indiquem elementos de prova que não tenham sido tomados em conta pelo tribunal a quo quando deveriam tê-lo sido; ou assinalar que não deveriam ter sido considerados certos meios de prova por haver alguma proibição a esse respeito; ou ainda que se ponha em causa a avaliação da prova feita pelo tribunal a quo, assinalando as deficiências de raciocínio que levaram a determinadas conclusões ou assinalando a insuficiência dos elementos considerados para as conclusões tiradas. É que, a reapreciação pelo Tribunal da Relação da decisão da matéria de facto proferida em 1ª instância não corresponde a um segundo (novo) julgamento da matéria de facto, apenas reapreciando o Tribunal da Relação os pontos de facto enunciados pelo interessado (que circunscrevem o objeto do recurso).».
Sobre a modificabilidade da decisão de facto no âmbito do recurso de apelação, estabelece o n.º 1 do artigo 662.º do CPC que «A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa» (sublinhou-se).

Não se questionando a amplitude de conhecimento por parte do Tribunal da Relação, nos moldes que vem sendo reconhecida em jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal de Justiça[6] – de maneira a que fique plenamente assegurado o duplo grau de jurisdição -, o certo é que o poder/dever previsto neste último normativo – de alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa – significa que para tal alteração, como se afirma no citado Acórdão de 17-04-2023, “não basta que os meios de prova admitam, permitam ou consintam uma decisão diversa da recorrida”.

Apelando mais uma vez ao citado Acórdão desta Secção Social de 17-04-2023[7], «a parte recorrente não pode simplesmente invocar um generalizado erro de julgamento tendente a uma reapreciação global dos meios de prova, não podendo a censura do recorrente quanto ao modo de formação da convicção do tribunal a quo assentar, de forma simplista, no ataque da fase final da formação de tal convicção, isto é, simplesmente em defender que a sua valoração da prova deve substituir a valoração feita pelo julgador; antes tal censura tem que assentar na violação de qualquer dos passos para a formação de tal convicção, designadamente por não existirem os dados objetivos que se apontam na motivação ou por se terem violado os princípios para a aquisição desses dados objetivos ou ainda por não ter existido liberdade de formação da convicção [21 – É que de outra forma, ocorreria uma inversão da posição dos intervenientes no processo, mediante a substituição da convicção de quem tem que julgar pela convicção de quem espera a decisão].».

Em consonância, pretendendo a parte impugnar a decisão da matéria de facto, deve observar determinados ónus de impugnação previstos no artigo 640.º do CPC.

O n.º 1 deste último normativo, impõe ao recorrente, na impugnação da matéria de facto, a obrigação de especificar, sob pena de rejeição:

a) “os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados” (tem que haver indicação inequívoca dos segmentos da decisão que considera afetados por erro de julgamento);

b) “os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida” (tem que fundamentar os motivos da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios de prova produzidos – constantes dos autos ou da gravação – que, no seu entender, implicam uma decisão diversa da impugnada);

c) “a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”.

No que respeita ao ónus previsto na alínea b), determina o legislador no n.º 2 do mesmo artigo que se observe o seguinte:

a) “quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”;

b) “independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes”.

Refira-se que se entende inexistir despacho de aperfeiçoamento quanto ao recurso da decisão da matéria de facto[8]. Neste sentido, vejam-se, entre outros, os recentes Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça (adiante STJ) de 6-02-2024[9] e de 23-01-2024[10]. Este entendimento vem também sendo seguido nesta Secção Social, de forma que se pensa unânime, e de que é exemplo o Acórdão de 5-06-2023[11].

Assim, e como também refere António Santos Abrantes Geraldes[12], a rejeição do recurso (total ou parcial) respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto deve verificar-se em alguma das seguintes situações (o elenco indicado tem por base o entendimento jurisprudencial que vem sendo sufragado nesta matéria, máxime pelo STJ):

a - Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto [artigos 635.º, n.º 4 e 641.º, n.º 2, alínea b), do CPC)];

b - Falta de especificação, nas conclusões, dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorretamente julgados [artigo 640.º, n.º 1, alínea a), do CPC)];

c - Falta de especificação, na motivação, dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc);

d - Falta de indicação exata, na motivação, das passagens da gravação em que o recorrente se funda;

e - Falta de posição expressa, na motivação, sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento de impugnação.

No que respeita à situação plasmada na alínea e), tenha-se presente que o Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão n.º 12/2023[13], uniformizou jurisprudência nos seguintes moldes:

«Nos termos da alínea c), do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações.».

Como também sublinha António Abrantes Geraldes[14], as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor, decorrência do princípio da autorresponsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconformismo. Contudo, importa que não exponenciem os requisitos formais a um ponto que seja violado o princípio da proporcionalidade e seja denegada a reapreciação da decisão da matéria de facto com invocação de fundamentos que não encontram sustentação clara na letra ou no espírito do legislador.

Nesta decorrência, e a propósito do ónus previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 640.º do CPC, como também é entendimento do Supremo Tribunal de Justiça, existem casos em que, apesar da impugnação da matéria de facto se dirigir a blocos de factos, ainda assim deverá ser admitida, nomeadamente, quando o conjunto de factos impugnados respeitem à mesma realidade ou tratando-se de matéria conexa e os concretos meios de prova indicados sejam comuns a esses factos. Neste sentido, vejam-se, entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 19-05-2021[15], 27-10-2021[16] e de 1-06-2022[17].

Feitas estas considerações, haverá agora que incidir a análise sobre o caso vertente.

No caso, verifica-se o cumprimento do ónus primário de delimitação do objeto do recurso, resultando das conclusões da apelação que a Recorrente impugna, em concreto, os pontos U) e W) dos factos provados e o ponto 2) dos factos não provados (conclusões 4., 5., 6., 7., 11., 15., 17., 18. da apelação).

Mais resulta da conjugação da alegação e respetivas conclusões a decisão que no seu entender sobre tais pontos deveria ter sido proferida – diz que perante a prova produzida os referidos pontos U) e W) não poderiam ser dados como provados (ou seja, entende-se perfeitamente que pretende que os mesmos sejam dados como não provados), e o referido ponto 2) devia ter sido dado como provado.

Especifica ainda na motivação os elementos probatórios, cujo registo gravado consta do processo e considera devem conduzir à alteração daqueles pontos impugnados, indicando com exatidão, na motivação, as passagens da gravação em que funda o seu recurso, transcrevendo esses excertos.

Sustenta a Recorrida, como vimos, que no recurso apresentado não são apontados, relativamente a cada concreto ponto de facto, os meios probatórios que apontam para decisão diversa.

Neste particular, pese embora a Recorrente tenha agrupado a matéria em causa, considerando que se trata de matéria conexa e que à mesma se reportam os mesmos meios de prova invocados, para além de que estão em causa “apenas” 3 pontos de facto e a Recorrente acaba por fazer a conexão dos excertos da prova com os pontos impugnados, conclui-se não se verificar obstáculo ao conhecimento da impugnação. Se atentarmos, aliás, na sentença recorrida, constata-se que a matéria em causa foi também agrupada em sede de fundamentação em termos de apreciação crítica dos elementos probatórios.

Refere ainda a Recorrida que a impugnação deve ser rejeitada uma vez que a Recorrente “não faz uma análise crítica relativa à fundamentação da decisão de facto nem relativamente à prova produzida, confrontando os vários meios de prova de forma a demonstrar por que razão se impugna a formação de uma convicção noutro sentido diversos do vertido na sentença recorrida”.

É inegável que a impugnação da decisão da matéria de facto deverá ser fundamentada, sendo que, como se dá nota no ponto II do sumário do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6-10-2022[18], «[i]mpugnar uma decisão significa refutar as premissas e os motivos que lhe subjazem, contrapondo-lhe um pensamento (racionalidade) alternativo, que não dispensa a justificação das afirmações e a expressão de argumentos (tendentes a demonstrar a bondade dos motivos apresentados como sendo “bons motivos”)».

No entanto, como se refere no Acórdão desta Secção Social de 27-11-2023[19], «tal exigência coloca-se, essencialmente, ao nível da apreciação de mérito da impugnação, não tanto ao nível da apreciação dos requisitos, de natureza formal, de cuja preterição resulta, nos termos do art. 640º, nº 1, a imediata rejeição da impugnação. Ou seja, dito de outro modo, tal fundamentação melhor justificará ou evidenciará o (eventual) erro da decisão quer por, embora com apelo à prova que invoca, não o demonstrar devida ou suficientemente, quer por não afastar (ou por não indicar fundamentos para isso) eventuais outros meios de prova que tenham sido produzidos, mormente em sentido contrário, e atendidos pela 1ª instância. Ou seja, a falta de apreciação crítica dos depoimentos invocados não determina, só por si, e salvo melhor opinião, a imediata rejeição da impugnação aduzida.».

Em suma, no caso dos autos, considera-se que a impugnação apresentada cumpre o que se entende exigível, enunciando os factos impugnados e indicando as alterações pretendidas. O mesmo se diga quanto ao cumprimento dos demais ónus de impugnação da decisão da matéria de facto, tendo em conta que foram indicados na motivação os meios de prova pessoal gravada em que sustenta a impugnação, os tempos de gravação dos extratos transcritos e, bem assim, aduzida argumentação para justificar as pretendidas alterações.

Isto posto, haverá que apreciar a impugnação apresentada.

Deixa-se desde já consignado que nesta sede recursiva, a par da leitura de todas as transcrições dos depoimentos invocados pela Recorrente e pela Recorrida Seguradora, se procedeu igualmente à audição integral dos mencionados depoimentos (do Autor e das testemunhas CC, DD, EE, BB, assim como se visualizaram as fotografias juntas aos autos (fls. 164, 168, 173 a 176). Foi ainda analisado o relatório de averiguação efetuado pela testemunha BB junto aos autos (fls. 163 e ss., onde se incluem as mencionadas fotos e ainda fls. 171 e fls. 184 – expressamente mencionados na fundamentação da sentença recorrida), bem como o manual de instruções da máquina junto a fls. 188 e seguintes também mencionado na fundamentação da decisão recorrida.

Relembre-se a redação dos pontos impugnados:

Pontos dos factos provados que a Recorrente considera que devem passar a figurar nos factos não provados:

U) A entidade empregadora não forneceu ao A. o empurrador que faz parte da máquina;

W) A entidade empregadora permitiu ao A. executar a função colocando-se em risco de acidente como se veio a verificar;

Ponto dos factos não provados que a Recorrente considera que deve passar a figurar nos factos provados:

2) A empregadora sempre se preocupou em garantir a segurança dos seus trabalhadores, colocando ao seu dispor, todos os equipamentos de segurança para o bom desempenho das suas funções.

Consta na sentença recorrida em sede de motivação, com pertinência para a matéria em causa, o seguinte:

«Deram-se como provados os pontos N), U) e W), e não provado o ponto 1), com base no seguinte: o A., em depoimento de parte, afirmou que no momento do acidente se encontrava a fazer cunhas em madeira e palmetas de 5 x 5 cm e que a peça em madeira a cortar ressaltou (porque teria algum nó), fazendo com que a mão esquerda batesse na serra de corte, tendo afirmado que estava a usar o empurrador da máquina (mesa de corte). A testemunha CC, encarregado da Interveniente entidade empregadora na obra onde ocorreu o acidente, afirmou não ter assistido ao acidente, apenas sabendo que o A. estava a fazer cunhas de 5 cm por tal lhe ter sido referido já após o acidente. Referiu ainda que acompanhou o perito averiguador da R. que se deslocou ao local da obra e que lhe mostrou o local do acidente e a máquina, sendo que nada lhe foi perguntado sobre o acidente, tendo o perito apenas pedido para explicar o que era um pedaço de madeira de 5 cm e exemplificar com uma pela de 15 cm. Confirmou quem o perito tirou fotografias e referiu que a empregadora fornece todos os meios de segurança, nomeadamente o empurrador. A testemunha DD, que trabalhou para a empregadora até 2022, confirmou não ter presenciado o acidente e afirmou que se deslocava uma a duas vezes por semana à obra para perceber se está tudo conforme. Declarou que o A. estava a fazer uma cunha, sendo que para o efeito é possível, com cuidado, usar o empurrador, embora não fosse fácil por não ser uma peça a direito. Afirmou que em questões de segurança dizia para usar o empurrador. A testemunha BB, perito averiguador da empresa C..., que presta serviços à R., confirmou ter-se deslocado à obra e que disse ao encarregado que queria ver a máquina do acidente e fotografar a máquina onde o mesmo ocorreu, tendo-lhe perguntado como tinha ocorrido o acidente e como é que o A. estava a proceder na altura. Referiu ainda ter pedido ao encarregado para mostrar uma peça com dimensões semelhantes à do acidente e o encarregado cortou uma. A testemunha confirmou que a fotografia de fls. 173 foi por si tirada e corresponde à simulação do encarregado do modo como o A. estava a cortar. Referiu ainda ter perguntado ao encarregado pelo empurrador, sendo que no local não se encontrava nenhum, tendo este ido procurar um bocado de madeira que disse usarem como empurrador, sem apresentar outra justificação. Mais referiu que antes da visita ao local ouviu o A. e este disse que estava a empurrar a peça com as mãos, esclarecendo que o teor de fls. 184 corresponde ao depoimento escrito do A., nos termos em que este quis e sem instruções da testemunha. Por último, a testemunha EE declarou ter trabalhado na empregadora até há um ano e que não presenciou o acidente. Conversou com o A. sobre o acidente, sendo que este lhe disse que estava a cortar uma ponta de madeira de pequenas dimensões com o empurrador e que a peça saltou e ele cortou os dedos. Referiu ainda que trabalhava com esta máquina e que a mesma apresentava paralela e empurrador com um cabo de 30 cm. No entanto, de todos estes depoimentos, o único que se mostrou credível quanto ao modo como o acidente ocorreu e o não uso do empurrador pelo A. foi o da testemunha BB. Com efeito, as demais testemunhas contradisseram-se desde logo quanto à composição do empurrador, sendo que o A. referiu que talvez fosse de plástico, com uma pega de cerca de 40-50 cm de comprimento; CC indicou que seria de plástico, acrílico ou “algo do género”; DD mencionou ser uma peça de plástico ou madeira; e EE mencionou ser de osso. Por outro lado, e analisado o desenho da mesa de corte e respectivo empurrador de corte de fls. 171 dos autos, referente à página 8 do relatório de averiguação efectuado por BB e que foi confirmado por este como sendo referente ao manual de instruções da mesa de corte onde ocorreu o acidente (o que também foi confirmado pelo A.), constata-se tratar-se de uma peça comprida e que necessita de ser segura com a mão esquerda, em forma de punho fechado, com excepção do dedo polegar, sendo que o mesmo apresenta na ponta que toca na peça de madeira um gancho que encaixa nesta. Ora, tendo sido demonstrado que do acidente resultou para o A. sequelas de cicatrizes no 1º raio (com alteração da sensibilidade da polpa do polegar com perda tegumental) e cicatrizes no 2º raio com rigidez da IFP e IFP distal da mão esquerda, ou seja, cicatrizes na parte externa destes dois dedos, só se pode concluir que o A. não estava, no momento do acidente, a usar o dito empurrador. E isto porque, atenta a posição da mão para segurar neste, em forma de punho fechado, mesmo que a peça de madeira ressaltasse, como ressaltou, nunca o dedo indicador teria sido atingido pelo disco de corte, já que se encontrava precisamente na posição oposta à do polegar e, mesmo este, teria sido atingido na parte interior ou posterior. As sequelas do A. demonstram que as lesões foram provocadas por a mão esquerda se encontrar precisamente como demonstrado na fotografia de fls. 17, em que, aí sim, havendo ressalto da peça de madeira, a mão esquerda seria projectada para o disco de corte, atingindo estes dois dedos precisamente no 1º e 2º raios nos termos dados como provados, pelo que não se considerou, face a estes elementos objectivos, minimamente credíveis nesta parte as declarações do A.. Por outro lado, também o depoimento de CC quanto ao modo como ocorreu a visita do perito averiguador BB e o que lhe foi solicitado por este, não mereceu a mínima credibilidade. Com efeito, deslocando-se o perito averiguador ao local para averiguar o acidente e tendo o encarregado CC mostrado o local do acidente do A., não é minimamente plausível que este não soubesse ou não lhe tivesse sido indicado pelo perito que lá se encontrava por causa do acidente em causa nos autos e que o solicitado quanto à demonstração fosse somente explicar o que era um bocado de madeira. Com efeito, se assim tivesse sucedido, não teria CC demonstrado, para efeitos fotográficos, a posição da peça de madeira junto ao disco de corte, nos termos constantes de fls. 173 a 175 dos autos, antes teria apenas exibido a peça ao averiguador. Assim, e quanto a esta visita pelo averiguador, considerou-se mais credível o depoimento deste em detrimento do encarregado. Acresce que, se fosse hábito o uso do alegado empurrador no corte destas peças, não teria o encarregado demonstrado o corte com o uso das mãos, mas sim, espontaneamente, com o uso do empurrador (que o perito afirmou não se encontrar no local), pois seria este um acto reflexo face à habituação do uso do empurrador, o que não sucedeu. Pelo contrário, nem sequer foi exibido o empurrador, como afirmado pela testemunha BB. Sendo que também não colhe a justificação de que o empurrador se teria partido no acidente e que o perito averiguador só se teria deslocado à obra cerca de um mês após o acidente, na medida em que, se tal tivesse sucedido e a empregadora fosse ciosa no cumprimento das normas de segurança e uso do empurrador, teria tido a mesma tal período para substituir aquele, o que manifestamente não fez, pelo que, nesta parte, quanto ao cumprimento de todas as normas e visitas periódicas do engenheiro da obra, DD, para aferir da conformidade das normas de segurança não mereceu credibilidade, como também não o mereceu o depoimento de EE, face ao já supra exposto quanto às incongruências dos vários depoimentos quanto à composição do empurrador. Nestes termos, conclui-se que o A. não se encontrava a usar o empurrador no momento do acidente nem a entidade empregadora o havia fornecido ao A., tendo permitido que este executasse a função inerente sem tal protecção e com risco de acidente.

(…)

Foram dados como provados os pontos S) e T) com base nas declarações do A. e depoimento das testemunhas inquiridas, que neste aspecto foram coincidentes. Consequentemente, foi dado como não provado o ponto 2), face ao já supra exposto quanto à motivação do ponto N) e confirmação do não uso, no momento do acidente, da paralela.

Os pontos V) e Y) foram dados como provados com base no depoimento de DD, que confirmou que a função do empurrador é auxiliar o corte de peças pequenas, conjugado com o teor do manual de instruções da máquina em causa, junto a fls. 188 e ss. dos autos, o qual identifica expressamente como dispositivos de segurança, nas suas páginas 7 e 8 (cfr. fls. 197 e 198 dos autos), o protector do disco, o resguardo lateral (ou paralela), o travão mecânico e o empurrador, sendo que, quanto a este último, indica que o mesmo serve para empurrar o objecto a cortar quando este é de pequena dimensão, mantendo assim as mãos afastadas do disco de corte e adverte que empurrar directamente com as mãos um objecto pequeno pode dar lugar a um acidente, como facilmente se conclui da análise das fotografias de fls. 164, 168 e 173, nas quais se visualiza perfeitamente a proximidade ao disco de corte das mãos que seguram o pedaço de madeira. Daqui resulta a obrigatoriedade de uso deste dispositivo.

Ficou demonstrado o ponto X) da análise do manual de instruções da máquina em causa, junto a fls. 188 e ss. dos autos, nos termos já supra expostos, o depoimento de DD, que confirmou a função de fazer um corte mais direito, e o depoimento do A., que nesta parte, mereceram credibilidade por serem corroboradas pelo teor do manual em questão. (…)».

A Recorrente, como resulta das suas alegações, discorda desta fundamentação, por considerar que perante a prova produzida e que indica, o Tribunal a quo não poderia ter dado como provados os pontos U) e W) e devia ter dado como provado o ponto 2) dos factos não provados, sustentando, em substância, que a valoração efetuada pelo Tribunal a quo não traduz uma ponderada e prudente valoração das declarações e depoimento de parte do Autor e das testemunhas.

Que dizer?

Ora, analisados os argumentos da Recorrente para sustentar a impugnação dos pontos agora em causa, o que se constata é que a mesma procura pôr em causa a correção do juízo de livre convicção formado pelo julgador ao valorizar determinada prova em detrimento de outra.

Nesse pressuposto, importa sublinhar que o juiz, como regra, aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto (artigo 607.º, n.º 5, do CPC). Pode também dizer-se que é entendimento pacífico da doutrina e jurisprudência, que a livre apreciação da prova não consente que o julgador forme a sua convicção arbitrariamente, impondo-se ao invés um processo de valoração racional, dirigido à formação de um prudente juízo crítico global. Este juízo deve assentar na ponderação conjugada dos diversos meios de prova, aferido segundo regras de experiência, atendendo aos princípios de racionalidade lógica e considerando as circunstâncias do caso.

Claro está que o resultado desse processo deve ter suporte na prova produzida e tal deve emanar, em termos suficientemente claros e objetivos, da fundamentação da decisão da matéria de facto.

Por outro lado, e como é evidente, tal resultado não pressupõe uma certeza absoluta, sendo sim necessário que a prova permita criar a convicção da realidade de um facto [nas palavras de Antunes Varela, J.Miguel Bezerra e Sampaio e Nora[20], “grau especial de convicção, traduzido na certeza subjetiva”].

Como se enfatiza no Acórdão desta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto de 4-05-2022[21], «[e]ssa certeza subjetiva, com alto grau de probabilidade, há-de resultar da conjugação de todos os meios de prova produzidos sobre um mesmo facto, ponderando-se a coerência que exista num determinado sentido e aferindo-se esse resultado convergente em termos de razoabilidade e lógica. Se pelo contrário, existir insuficiência, contradição ou incoerência entre os meios de prova produzidos, ou mesmo se o sentido da prova produzida se apresentar como irrazoável ou ilógico, então haverá um dúvida séria e incontornável quanto à probabilidade dos factos em causa serem certos, obstando a que se considere o facto provado.».

No presente caso, lendo a fundamentação fáctica da sentença recorrida, constata-se que a Recorrente faz uma apreciação dos elementos probatórios diversa do Tribunal a quo e entende que deveria ser acolhida a sua apreciação, o que, sendo-lhe legítimo, não resultou em evidenciar a ocorrência de qualquer erro do julgador na formação da sua convicção.

Da análise crítica e conjugada efetuada de todas as provas produzidas nos autos, consideradas pela Mª Juíza a quo quanto aos factos impugnados, não vislumbramos razões para não consideramos que a decisão recorrida motivou e analisou, de forma ponderada e clara, a globalidade da prova produzida. A Mmª Juíza a quo firmou a sua convicção, fundamentada na globalidade e apreciação conjunta de todas as provas produzidas, que analisou por forma clara e detalhada, com apelo às regras da experiência e aos princípios da racionalidade lógica, não padecendo de incongruências na apreciação do valor probatório dos meios de prova que no caso foram produzidos. O Tribunal a quo justificou a valoração que fez em termos de credibilidade – ou ausência dela – quanto aos depoimentos produzidos, concatenando-os com os demais elementos probatórios que identifica, logrando explicitar o resultado da convicção a que chegou em termos de razoabilidade e lógica.

Não encontramos, pois, elementos para afastar a convicção do Tribunal a quo, que, como se pode constatar pela transcrição efetuada, não só é clara e elucidativa, como recolhe apoio em dados concretos que foram explicitados em sede de fundamentação e que respondem já em toda linha à argumentação aduzida pela Recorrente.

Não obstante, não resistimos a tecer meras considerações adicionais que advêm da análise da prova que efetuamos.

No que toca ao convocado “depoimento escrito de fls. 184”, datado de 18-10-2019, que a Recorrente refere “não ter sido redigido pelo punho do Autor”, indicando para o efeito extratos do depoimento do Autor em que o mesmo confrontado com o dito depoimento de fls. 184 e questionado sobre se foi ele que o escreveu respondeu “não” e depois continua “Não, eu estava com muita dor, quem me preencheu foi um perito que me preencheu… Foi um perito que veio ter comigo ao hospital, eu estava no hospital ..., a fazer os tratamentos e ele ligou-me e foi lá ter comigo e, então, pronto, foi ele que escreveu”.

Não deixa de ser curiosa esta afirmação do Autor quando é certo que o próprio Autor juntou com a petição inicial uma comunicação escrita que dirigiu à Ré Seguradora e que consta a fls. 144 e 145 dos autos (mencionada na alínea J) dos factos assentes por acordo – não impugnada), datada de 28-11-2019, na qual consta (transcrição):

«Venho por este meio dar conhecimento da minha perplexidade e veementemente reclamar da posição assumida por V./Exas na carta enviada em 20/11/2019, na qual informam “que e o acidente se deveu exclusivamente a incumprimento das normas de segurança no local de trabalho pelo trabalhador, nos termos legalmente previstos. Nesta conformidade, informamos que declinamos toda e qualquer responsabilidade no sinistro em causa, suas consequências”.

Essa afirmação não corresponde à verdade na forma como o sinistro aconteceu, sendo que da informação que eu passei para o averiguador foi que estava a trabalhar numa serra de mesa fazendo cunhas (…), usando todos os devidos utensílios de proteção, e quando estava a empurrar a madeira com o empurrador (utensílio de segurança), sem que, se fizesse prever a madeira possivelmente teria um nó o que fez com que esta salta-se, originando a que os dedos fossem ao disco. Ou seja, trata-se realmente e infelizmente de um acidente de trabalho e em nenhuma altura houve negligência ou desrespeito pelas normas de segurança.

No entanto, o averiguador mencionou que seria melhor descrever de uma forma mais “resumida” e para “não causar problemas” na Companhia de Seguros. Assim, quando é mencionado no relatório de averiguação que “estava a encaminhar a peça com as duas mãos”, a peça ao qual me estava a referir era o empurrador.

De facto, o Sr. Averiguador aproveitou-se da minha fragilidade física e emocional em que me encontrava, e ainda me encontro, e depois de me DITAR aquilo que queria que eu escrevesse aproveitou-se mais uma vez da minha “humildade e simplicidade” e do facto de me encontrar só, para me pressionar a assinar o relatório por si DITADO ainda sob ameaça de que se não o fizesse a Companhia de Seguros pararia com os tratamentos e declinaria o sinistro.

(…)».

Ou seja, o sinistrado nessa comunicação de novembro de 2019 que fez à Seguradora, não dizia que não escreveu o que consta a fls. 184, e cuja subscrição nem nessa carta nem nos autos (nem, aliás, no seu depoimento em julgamento colocou em crise), mas sim que o seu conteúdo foi afinal ditado pela testemunha BB. Agora no seu depoimento já diz que afinal não escreveu o que consta a fls. 184.

São as chamadas incongruências – contradições – que, à semelhança de outras que foram apontadas na decisão recorrida, não colhem de todo explicação no decurso do tempo volvido entre a carta e a prestação do depoimento.

Não se esqueça também o contexto em que surge a menção ao uso do empurrador na dita carta e a explicação aí contida - de que a peça que se estava a referir que estava a encaminhar com as duas mãos era o empurrador -, em que a Seguradora havia na altura declinado a responsabilidade do sinistro por incumprimento das regras de segurança no trabalho pelo trabalhador (carta de 20-11-2019 a que se alude na alínea H) dos factos provados).

A fls. 184, a seguir ao item “como ocorreu o sinistro”, consta o seguinte: “Dia 2 de Outubro por volta das 11 horas estando a trabalhar numa mesa de corte a fazer cunhas (0,5 cmx0,5cm) estava a encaminhar a peça com as duas mãos com a protecção ao disco aplicada, possivelmente a madeira tinha um nó e ressaltou e deu origem a que os dedos fossem ao disco”.

A sobredita explicitação quanto ao que o Autor queria referir com a expressão “peça” contida na frase “estava a encaminhar a peça com as duas mãos”, replicada pelo Autor no seu depoimento (e também, aliás, mencionada no artigo 12.º da contestação da Recorrente entidade empregadora) não colhe minimamente à luz das regras da lógica e da experiência. Porque se assim fosse, então o Autor estava a encaminhar o empurrador com as duas mãos, o que para executar a tarefa plasmada no ponto L) dos factos provados (não impugnado) seria absolutamente impossível. Agora em sede de depoimento, o Autor já diz, ainda que sem ter convencido, que estava usar as duas mãos uma na madeira e outra… (pausa) no empurrador, (…) “usando as duas mãos” (sic).

Refira-se que são inteiramente lógicas e coerentes em face das regras da experiência as considerações tecidas pelo Tribunal a quo que conduziram à sua convicção de que o Autor não se encontrava a usar o empurrador no momento do acidente nem a entidade empregadora o havia fornecido ao Autor, tendo permitido que este executasse a função inerente sem tal proteção e com risco de acidente.

Neste particular, não se esqueça ainda o que resultou provado sob os pontos M), T) e Z) (não impugnados). Ademais, se analisarmos o manual de instruções da máquina, verificamos que no mesmo a pág. 198 dos autos consta que na lateral da mesa de corte há um pequeno cabide onde pode ser colocado o empurrador quando não estiver em uso, com a expressa advertência de que deverá ser mantido o empurrador de corte à disposição dos usuários. Ou seja, a própria máquina tem um local específico destinado à colocação do empurrador de corte quando não está em uso, precisamente para que esteja disponível para os utilizadores da máquina.

Uma última palavra para dizer que relativamente ao ponto 2) dos factos não provados o mesmo contém matéria meramente genérica e conclusiva que nunca poderia integrar o elenco dos factos provados.

Com efeito, conforme vem sendo entendimento pacífico desta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto, em linha com posição seguida na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, as conclusões apenas podem extrair-se de factos materiais, concretos e precisos que tenham sido alegados, sobre os quais tenha recaído prova que suporte o sentido dessas alegações, sendo esse juízo conclusivo formulado a jusante, na sentença, onde cabe fazer a apreciação crítica da matéria de facto provada. Daí que, quando o tribunal a quo se tenha pronunciado em sede de matéria de facto sobre afirmações conclusivas, essa pronúncia deve ter-se por não escrita[22].

Como tal, versando o indicado ponto sofre afirmações meramente conclusivas, não sustentadas nos necessários factos concretos, nunca poderiam as mesmas figurar no elenco dos factos provados.

Em conclusão, não ficou demonstrado que a prova produzida impusesse decisão diversa da proferida pelo Tribunal a quo em sede de matéria de facto, improcedendo a impugnação da Recorrente.


*

Improcedendo as conclusões do recurso da Recorrente entidade empregadora quanto à impugnação da matéria de facto, o elenco factual a atender para o conhecimento do direito do caso é o mesmo que para o efeito foi fixado pelo Tribunal recorrido e que se mostra já supra transcrito.

*

3) Aplicação do direito - Saber se a sentença recorrida errou na aplicação do direito a respeito da questão da violação de regras de segurança por parte da entidade empregadora, ora Recorrente.

Face ao que resulta das conclusões do recurso, baseando-se aqui também na alteração da pronúncia em sede de matéria de facto (que, como vimos, improcedeu), misturando argumentação fáctica – por reporte, aliás, a alguns factos que nem sequer foram alegados e, consequentemente, não se mostram provados – com argumentação jurídica, a Recorrente, invoca, em síntese, que:

- a responsabilidade agravada da empregadora prevista no citado artigo 18.º da Lei n.º 98/2009 de 4-09[23], em qualquer um dos seus fundamentos, pressupõe a necessária prova do nexo causal entre o ato ou omissão que os corporizam e o acidente que veio a ocorrer, sendo necessário demonstrar que se tivessem sido adotadas as medidas de prevenção o acidente não teria ocorrido;

- a Apelante não violou qualquer norma que estivesse obrigada a cumprir, designadamente o não fornecimento do empurrador;

- não se descortina qualquer regra concreta de segurança que a Apelante estivesse obrigada a observar (e tenha violado), no âmbito da qual o acidente tivesse ocorrido e que a ter sido respeitada, evitaria o acidente.

- ao decidir como decidiu a sentença recorrida violou designadamente o disposto no artigo 18.º n.ºs 1 e 4 da NLAT.

Por sua vez, a Recorrida Ré Seguradora defende que o recurso deve ser julgado totalmente improcedente, no mesmo sentido se pronunciando o Ilustre Procurador Geral Adjunto no seu parecer.

A sentença recorrida considerou que se verificou, por parte da Ré Recorrente (entidade empregadora), violação de normas de segurança e que o acidente decorreu de tal violação, com a seguinte fundamentação (transcrição):

«Da actuação culposa da entidade empregadora, ora 2ª R.:

Estabelece o artigo 18º nº 1 do RJAT que “Quando o acidente tiver sido provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra, ou resultar de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, a responsabilidade individual ou solidária pela indemnização abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais”.

Esta norma pressupõe a verificação dos seguintes requisitos: a) que sobre a empregadora ou qualquer outra das entidades mencionadas no normativo recaia o dever de observância de determinadas normas ou regras de segurança (entendidas como normas que consagram deveres especiais de cuidado em matéria de segurança e saúde no trabalho); b) que aquela as não haja, efetivamente cumprido; c) que se verifique uma relação de causalidade adequada entre aquela omissão e o acidente (neste sentido, cfr., entre outros, Acórdãos do STJ de 06/05/2015, proc. 220/11.2TTTVD.L1.S1, e de 14/01/2015, proc. 644/09.5T2SNS.E1.S1, e Acórdão do TRÉvora de 21/12/2017, proc. 572/15.5T8LRA.E1, todos disp. in www.dgsi.pt).

Ora, o Decreto-Lei nº 50/2005, de 25/02, que transpõe para a ordem jurídica interna a Diretiva nº 89/655/CEE, do Conselho, de 30/11, alterada pela Diretiva nº 95/63/CE, do Conselho, de 05/12, e pela Diretiva nº 2001/45/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27/06, relativa às prescrições mínimas de segurança e de saúde para a utilização pelos trabalhadores de equipamentos de trabalho, veio dispor sobre as prescrições mínimas de segurança e de saúde para a utilização pelos trabalhadores de equipamentos de trabalho.

Sendo que o seu artigo 2º alíneas a) e c) definem como equipamento de trabalho qualquer máquina, aparelho, ferramenta ou instalação utilizado no trabalho; e zona perigosa qualquer zona dentro ou em torno de um equipamento de trabalho onde a presença de um trabalhador exposto o submeta a riscos para a sua segurança ou saúde, pelo que a máquina aqui em causa se enquadra no âmbito de aplicação deste diploma legal.

O artigo 3º estabelece as obrigações gerais do empregador para assegurar a segurança e saúde dos trabalhadores na utilização de equipamentos de trabalho, salientando-se as suas alíneas a) e b), nos termos das quais, para assegurar a segurança e a saúde dos trabalhadores na utilização de equipamentos de trabalho, o empregador deve assegurar que os equipamentos de trabalho são adequados ou convenientemente adaptados ao trabalho a efectuar e garantem a segurança e a saúde dos trabalhadores durante a sua utilização e atender, na escolha dos equipamentos de trabalho, às condições e características específicas do trabalho, aos riscos existentes para a segurança e a saúde dos trabalhadores, bem como aos novos riscos resultantes da sua utilização.

O artigo 5º determina que sempre que a utilização de um equipamento de trabalho possa apresentar risco específico para a segurança ou a saúde dos trabalhadores, o empregador deve tomar as medidas necessárias para que a sua utilização seja reservada a operador especificamente habilitado para o efeito, considerando a correspondente actividade.

Já quanto aos riscos de contacto mecânico, e por força da remissão prevista no artigo 4º nº 1, temos de atentar no artigo 16º, cujo nº 1 estabelece que “Os elementos móveis de um equipamento de trabalho que possam causar acidentes por contacto mecânico devem dispor de protetores que impeçam o acesso às zonas perigosas ou de dispositivos que interrompam o movimento dos elementos móveis antes do acesso a essas zonas”.

Esclarece o nº 2 que “Os protetores e os dispositivos de proteção: a) Devem ser de construção robusta; b) Não devem ocasionar riscos suplementares; c) Não devem poder ser facilmente neutralizados ou tornados inoperantes; d) Devem estar situados a uma distância suficiente da zona perigosa; e) Não devem limitar a observação do ciclo de trabalho mais do que o necessário.

De acordo com o seu nº 3, “Os protetores e os dispositivos de proteção devem permitir, se possível sem a sua desmontagem, as intervenções necessárias à colocação ou substituição de elementos do equipamento, bem como à sua manutenção, possibilitando o acesso apenas ao sector em que esta deve ser realizada”.

Refira-se ainda que a Lei nº 102/2009, de 10/09, que regulamenta o regime jurídico da promoção e prevenção da segurança e da saúde no trabalho, de acordo com o previsto no artigo 284º do CT, no que respeita à prevenção, prevê, no seu artigo 5º nº 1, que “O trabalhador tem direito à prestação de trabalho em condições que respeitem a sua segurança e a sua saúde, asseguradas pelo empregador ou, nas situações identificadas na lei, pela pessoa, individual ou colectiva, que detenha a gestão das instalações em que a actividade é desenvolvida”, reforçado no seu artigo 15º nº 1.

Acrescentando o artigo 17º nº 1 alínea a) da citada Lei que “Constituem obrigações do trabalhador cumprir as prescrições de segurança e de saúde no trabalho estabelecidas nas disposições legais e em instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho, bem como as instruções determinadas com esse fim pelo empregador”, obrigações estas que não excluem as obrigações gerais do empregador previstas no artigo 15º.

A este respeito ficou demonstrado nos autos que a máquina em questão é uma máquina industrial, que se destina a cortar madeira em obra e possui um disco de corte na mesa.

Ficou demonstrado que a máquina dispunha de uma protecção do disco de corte, que no entanto não o protege na totalidade. No entanto, ficou também demonstrado que um dispositivo de segurança deste tipo de máquina é o empurrador, que serve precisamente para distanciar as mãos do disco de corte e impedir o contacto daquelas neste.

Empurrador esse que não estava a ser usado pelo A. nem havia sido fornecido pela entidade empregadora, sendo que a ausência deste dispositivo foi causa adequada para a ocorrência do acidente, já que o seu uso permitiria manter afastada a mão do disco, acidente este que resultou de violação, pela entidade empregadora, das normas supra identificadas.

Ficou assim demonstrado que o acidente resultou da falta de observação, pela entidade empregadora, das regras de segurança e saúde no trabalho impostas pelas normas supra citadas.

Consequentemente, será aplicável aos presentes autos o disposto no artigo 18º do RJAT.».

Diremos, desde já adiantando a conclusão, e sempre ressalvando o devido respeito por entendimento divergente, que a sentença recorrida na questão jurídica em análise contém cabal fundamentação, com apelo às normas legais aplicáveis, que, no essencial, acompanhamos e para a qual remetemos para evitar desnecessárias repetições.

Com efeito, perante a factualidade provada sob os pontos E), L), M), N), S) e T), U), V), W), X) e Z), não temos dúvidas na afirmação que se encontra comprovada uma situação de violação por parte da Ré empregadora de uma regra de segurança que no caso se impunha – ao não fornecer o dispositivo de segurança (empurrador de corte), para a execução da tarefa que o Autor estava a desempenhar, dispositivo esse cuja função é precisamente empurrar as peças mais pequenas, mantendo assim as mãos fora do alcance do disco de corte – e, bem assim, verificado o necessário pressuposto do nexo de causalidade entre essa conduta omissiva e o acidente.

Não há dúvida que sobre a empregadora recaía o dever de observar uma determinada regra de comportamento – no caso, o fornecimento ao trabalhador do empurrador de corte que constituía um dispositivo de segurança da máquina de serra de corte, destinando-se a empurrar o objeto a cortar quando este é de pequena dimensão, mantendo assim as mãos fora do alcance do disco de corte -, cuja observância teria impedido, segura ou muito provavelmente, a consumação do evento, assim se omitindo o cuidado exigível a um empregador normal.

Quanto ao nexo causal, e lançando mão da formulação negativa da teoria da causalidade adequada (formulação que, de acordo, com o entendimento tradicional da jurisprudência e da doutrina, se encontra consagrada no artigo 563.º do Código Civil), conclui-se que se encontra comprovado o nexo de causalidade entre a conduta omissiva da Ré empregadora e a produção do acidente em causa.

Conforme se considerou no Acórdão desta Secção Social de 9-10-2023[24]: «Seguindo de perto o Acórdão do STJ de 23.09.2009 (processo nº 107/05.8TTLRA.C1), e no qual se apela aos ensinamentos dos Professores Antunes Varela e Pessoa Jorge, de acordo com a teoria da causalidade adequada na sua formulação negativa o estabelecimento do nexo de causalidade juridicamente relevante para efeito de imputação da responsabilidade, pressupõe que o facto ilícito, praticado pelo agente, tenha atuado como condição da verificação de certo dano, apenas se exigindo que o facto não tenha sido, de todo em todo, indiferente para a produção do dano, dentro dos juízos de previsibilidade que decorrem das regras da experiência comum. O dano haverá que se apresentar como consequência normal, típica ou provável do facto, mas havendo, para o efeito, que se ter em conta, não o facto e o dano isoladamente considerados, mas sim o processo factual que, em concreto, conduziu ao dano, sendo este, processual factual, que caberá na aptidão geral e abstrata do facto para produzir o dano.»

Ou seja, a adequação traduz-se em termos de probabilidade fundada nos conhecimentos médios, de harmonia com a experiência comum, atendendo às circunstâncias do caso.

No caso, a violação das apontadas regras de segurança surge como condição relevante e efetiva para a ocorrência do sinistro laboral e este apresenta-se como consequência normal, típica ou provável daquela violação.

Sobre a temática do nexo de causalidade e respetiva interpretação no âmbito dos sinistros laborais podem ver-se, entre outros, os atuais Acórdãos da Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça de 23-06-2023[25], 3-11-2023[26] e de 22-05-2024[27].

Do mesmo passo, não poderá deixar de se ter presente o muito recente Acórdão do Pleno da Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça, n.º 6/2024[28] de 13-05, que uniformizou jurisprudência nos seguintes moldes:

«Para que se possa imputar o acidente e suas consequências danosas à violação culposa das regras de segurança pelo empregador, ou por uma qualquer das pessoas mencionadas no artigo 18.º, n.º 1 da LAT, é necessário apurar se nas circunstâncias do caso concreto tal violação se traduziu em um aumento da probabilidade de ocorrência do acidente, tal como ele efetivamente veio a verificar-se, embora não seja exigível a demonstração de que o acidente não teria ocorrido sem a referida violação».

Em conclusão, nenhuma censura merece a sentença recorrida ao afirmar a responsabilidade agravada da entidade empregadora, ora Recorrente, e ao considerar que será aplicável o disposto no artigo 18.º da NLAT, improcedendo também as conclusões da apelação quanto à questão em análise.


*

4) Intervenção oficiosa/artigo 74.º do CPT:

Aqui chegados, colocam-se agora questões de conhecimento oficioso que se prendem com as consequências indemnizatórias, mais precisamente no que respeita ao montante da indemnização pelo período de incapacidade temporária reconhecido e às consequências resultantes da afirmação da responsabilidade agravada da Recorrente entidade empregadora no que toca à respetiva responsabilidade pelo pagamento da indemnização pelo período de incapacidade temporária absoluta (ITA) e pelo pagamento do capital de remição correspondente à pensão anual decorrente da incapacidade permanente parcial reconhecida (IPP).

Sublinhe-se que, quanto a tais consequências indemnizatórias – pensão e indemnização por incapacidade temporária decorrente de acidente – e no que toca à responsabilidade agravada da entidade empregadora inexiste trânsito em julgado, para além de que está em causa o direito a indemnização por acidente de trabalho, matéria de conhecimento oficioso, e tendo a mesma sido já discutida nos autos, estando assim cumprido o contraditório, nada impede o seu conhecimento por este Tribunal, em face daquela que foi a própria fundamentação da sentença recorrida [como melhor se explicitará infra].

Atente-se que, em face da questão da responsabilidade agravada e seus pressupostos ter sido objeto do presente recurso, sobre a mesma não incide o caso julgado e, por consequência, também não se formou relativamente à questão dos valores da indemnização por incapacidade temporária (seja o valor da prestação agravada, seja o valor da prestação normal), que são mera consequência daquela.

De facto, e como se expõe no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19-12-2018[29], cujas considerações são inteiramente transponíveis para o caso dos autos, e que aqui acompanhamos, citando:

«O valor da indemnização e da pensão é uma mera decorrência ou sub-questão relativamente à questão principal que, no caso, era a da culpa, ou não da empregadora na produção do acidente.

A culpa tem que ser aferida pelos factos provados.

Ora, tendo a entidade empregadora apelado e impugnado parcialmente a decisão da matéria de facto, apenas quando esta questão estiver decidida, ou seja, quando os factos estiverem definitivamente fixados, se pode aferir definitivamente da existência ou não de culpa da empregadora (questão que também constituía o objeto da apelação) bem como as respetivas consequências. O recurso da empregadora impediu a formação do caso julgado relativamente à sua culpa. Por consequência, também não se formou relativamente às demais questões ou sub-questões, como o são os valores da indemnização por incapacidade temporária e da pensão, que são mera consequência daquela.

O direito do trabalhador, vítima de acidente de trabalho, à “justa reparação” tem assento no art. 59º, nº 1, al. f) da Constituição da República Portuguesa.

Positivando este direito constitucional, estabelece o art. 283º, nº 1 do Código do Trabalho: “[o] trabalhador e os seus familiares têm direito à reparação de danos emergentes de acidente de trabalho ou doença profissional”, remetendo o art. 284º a regulamentação da referida reparação para legislação específica.

Preceitua por seu turno o art. 78.º da LAT: “[o]s créditos provenientes do direito à reparação estabelecida na presente lei são inalienáveis, impenhoráveis e irrenunciáveis e gozam das garantias consignadas no Código do Trabalho.

É por isso que nos termos do art. 114º do CPT, o acordo obtido na fase conciliatória do processo apenas é homologado pelo juiz “se verificar a sua conformidade com os elementos fornecidos pelo processo e com as normas legais, regulamentares ou convencionais”.

E que, estando “em discussão a determinação da entidade responsável, o juiz pode, até ao encerramento da audiência, mandar intervir na acção qualquer entidade que julgue ser eventual responsável” (art. 127º, nº 1 do CPT).

Estipula o art. 74º do CPT “[o] juiz deve condenar em quantidade superior ao pedido ou em objeto diverso dele quando isso resulte da aplicação à matéria provada ou aos factos de que possa servir-se, nos termos do artigo 514º do Código de Processo Civil, de preceitos inderrogáveis de leis ou instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho”.

Este dever oficioso do juiz, privativo do processo laboral, nos termos do qual “[o] tribunal pode movimentar-se na acção, sem que a limitação dos termos em que foi proposta ou contestada constitua impedimento a fazer coincidir o que é direito” – pretensão substantiva – “com a intenção do demandante em pedir tudo a quanto tem direito” – pretensão processual – “eventualmente condenando em conformidade([3]), contrapõe-se ao princípio do dispositivo estabelecido no art. 264º do CPC, pese embora também este não seja absoluto, mesmo no regime processual civil, como resulta da ressalva do art. 608º, nº 2, in fine, do mesmo diploma.

Para que a norma do artigo 74.º do CPT logre aplicar-se, é necessário que se verifiquem duas condições:

1) Que estejam em causa preceitos inderrogáveis de leis ou Instrumentos de Regulamentação Colectiva de trabalho;

2) Que os factos em que se funda tal condenação sejam os factos provados no processo ou de que o Juiz se possa servir nos termos do artigo 514.º do CPC([4]) [a que corresponde o art. 412º do CPC vigente].

Como é referido no acórdão desta 4ª Secção de 30.09.2004 ([5]) «[t]êm a doutrina e a jurisprudência feito uma distinção básica entre os direitos de existência necessária, mas que não são de exercício necessário, como é o caso do direito ao salário após a cessação do contrato, e os direitos cuja existência e exercício são necessários, como é o caso do direito a indemnização por acidente de trabalho do direito ao salário na vigência do contrato, considerando que a condenação “extra vel ultra petitum” só se justifica neste segundo tipo de direitos que têm subjacentes interesses de ordem pública, cabendo ao juiz o suprimento dos direitos de exercício necessário imperfeitamente exercidos pelo seu titular (ou seu representante).

Nestes casos, a actividade do julgador não deve confinar-se ao pedido formulado pelo autor no seu aspecto quantitativo e qualitativo, pois tal equivaleria a frustrar o carácter público e a finalidade social daquelas leis pela aceitação tácita e implícita da sua renunciabilidade. Com o dever que impõe ao juiz de definir o direito material fora, ou para além, dos limites constantes do pedido formulado, o legislador pretendeu reduzir ao mínimo aquele risco».

O direito de reparação por acidentes de trabalho é um direito que a lei quer não só que exista, como também que seja exercido. É nestes direitos que a vontade das partes se torna irrelevante, quer no plano prático, quer no plano jurídico.

O regime excepcional do artigo 74º do CPT só se justifica, realmente, considerando que a condenação em quantidade superior ao pedido, ou em objecto diverso dele, tem em vista o suprimento pelo juiz.

(…) Esta possibilidade de o magistrado judicial condenar para além do pedido, resulta da circunstância nada despicienda de estarmos na presença de direitos imbuídos de uma natureza muito específica. Respeitam a aspectos de assistência na doença e na invalidez. Buscam, portanto, a sua indisponibilidade absoluta em razões de interesse e de ordem pública, isto é, em interesses supra-individuais.

Destarte, é da mais elementar justiça material que, se o interessado não actua, exercendo os direitos com vista à indemnização por acidente de trabalho ou doença profissional (reitere-se, direitos de exercício necessário), o juiz se lhe deve sobrepor, atribuindo-lhe e arbitrando-lhe as indemnizações resultantes de previsão legal no ordenamento jurídico-laboral nacional” ([6]).

Temos assim por assente que, tratando-se, como se trata de direitos indisponíveis, o montante devido pela reparação do acidente é de conhecimento oficioso, devendo o juiz fixá-lo de acordo com as normas legais aplicáveis aos factos provados, independentemente dos valores peticionados.

Por consequência, não tendo ocorrido o trânsito em julgado da decisão sobre a matéria de facto e sobre a culpa da empregadora, ainda que a questão daqueles valores não tivesse sido suscitada, como foi, pelo Ministério Público no âmbito do disposto no art. 87º, nº 3 do CPT, e apesar de nem a A. nem o MºPº terem apelado, deveria a Relação ter fixado a indemnização por incapacidade temporária e a pensão por morte de acordo com as normas legais e os factos provados, nos termos dos arts. 74º, do CPT, 608º, nº 2 e 663º, nº 2, ambos do CPC, estes “ex vi” do art. 1º, nº 2, al. a), do CPT.».

Vejamos.

A primeira questão que se coloca, prende-se com a indemnização por incapacidade temporária absoluta.

Da sentença recorrida fez-se constar o seguinte:

«No que toca à indemnização por incapacidade temporária, esta verificou-se enquanto incapacidade temporária absoluta (ITA) entre 03/10/2019 e 31/07/2020.

A indemnização diária devida é correspondente a 100% da retribuição no caso da ITA (RA/365xnº de dias), nos termos previstos no artigo 18º nº 1 alínea a) do RJAT, ou seja, € 14.445,88/365x302 dias, o que perfaz € 11.952,48, da responsabilidade da entidade empregadora, sendo aplicável o disposto no artigo 74º do CPT.

A Ré seguradora apenas é responsável até ao limite previsto nos artigos 79º nº 3 e 48º do RJAT, ou seja, € 8.366,74 pelo período de ITA.».

Sucede que a sentença recorrida padece de um lapso material manifesto no que respeita à contagem do nº total de dias referentes ao período de ITA, na medida em que refere que o período entre 3-10-2019 a 31-07-2020 corresponde a 302 dias, quando constitui facto incontornável que o total de dias são 303.

Esse período e o correspondente número total de 303 dias foi sucessivamente considerado ao longo de todo o processo, seja na fase conciliatória [cfr. relatório de pericial de avaliação de dano corporal datado de 24-12-2020 – no qual consta um período de incapacidade temporária absoluta de 303 dias; no auto de tentativa de conciliação no qual o Sinistrado reclamou o montante de € 8.394,44 de indemnização pelo período de incapacidade temporária que corresponde precisamente ao valor indemnizatório pela responsabilidade normal sem o agravamento previsto no artigo 18.º da NLAT – (€ 14.445,88x70%):365x303)], seja na contenciosa [cfr. petição incial - artigo 17º e pedido, onde são mencionados 303 dias].

Ora, não há dúvidas que o período de ITA que resultou provado sob a alínea AA) dos factos provados como tendo resultado para o Autor do acidente foi o período de 3-10-2019 a 31-07-2020, o que constitui um total de 303 dias de ITA.

A consideração do total de 302 dias que entrou nos cálculos da sentença recorrida deveu-se, pois, a lapso material manifesto, que urge corrigir, com a inerente consideração do correto número total de dias na contabilização da indemnização devida.

Nesta decorrência, o valor correto da indemnização referente ao período de ITA resultante do acidente, no que respeita à responsabilidade agravada da entidade empregadora ascende ao montante de € 11.992,06 (€ 14.445,88/365x303), nos termos do artigo 18.º, n.º 4, alínea a), da NLAT, sendo a responsabilidade da Ré Seguradora sobre o montante de € 8.394,44 [(€ 14.445,88x70%):365x303] nos termos dos artigos 48.º, n.º 3, alínea e), e 79.º, n.º 3, da NLAT.

Acresce que na fundamentação da sentença recorrida, depois de afirmada a responsabilidade da Ré empregadora e a aplicabilidade do artigo 18.º da NLAT, a propósito da responsabilidade pela indemnização pelo período de incapacidade temporária absoluta e da pensão anual pela incapacidade permanente de que ficou afetado o sinistrado, consta o seguinte:

«Sendo essa a conclusão, deve a entidade empregadora responder pela totalidade dos prejuízos sofridos pelo A., nos termos do disposto no nº 1 do artigo 18º do RJAT, sendo as prestações calculadas nos termos definidos no nº 4 dessa mesma norma.

A R. seguradora será solidariamente responsável pelo pagamento das prestações que seriam devidas caso não houvesse culpa, tendo posteriormente eventual direito de regresso perante a entidade empregadora, conforme dispõe o artigo 79º nº 3 do RJAT.


*

Determinada a ocorrência de um acidente de trabalho, vejamos as quantias a que tem o A. direito.

(…)

No que toca à incapacidade temporária, esta verificou-se enquanto incapacidade temporária absoluta (ITA) entre 03/10/2019 e 31/07/2020.

A indemnização diária devida é correspondente a 100% da retribuição no caso da ITA (RA / 365 x nº de dias), nos termos previstos no artigo 18º nº 1 alínea a) do RJAT, ou seja, € 14.445,88 / 365 x 302 dias, o que perfaz € 11.952,48, da responsabilidade da entidade empregadora, sendo aplicável o disposto no artigo 74º do CPT.

A R. seguradora apenas é responsável até ao limite previsto nos artigos 79º nº 3 e 48º do RJAT, ou seja, € 8.366,74 pelo período de ITA.

A responsabilidade da interveniente entidade empregadora perante o A. é, apenas, referente à diferença, de € 3.585,74.

(…)

No que diz respeito à incapacidade permanente parcial, a reparação deve consistir na entrega do capital de remição de uma pensão anual e vitalícia correspondente a 70% da redução sofrida na capacidade geral de ganho, vencida desde o dia seguinte à alta, nos termos do disposto no artigo 48º nº 1 alínea c) do RJAT.

Com efeito, o regime legal a considerar é o que decorre do disposto nos artigos 48º nº 3 alínea c), 39º, 75º e 79º do RJAT e 135º do CPT.

No entanto, tendo havido falta de observação das regras sobre segurança e saúde no trabalho por parte da entidade empregadora, será a reparação calculada em relação à totalidade da diminuição da capacidade, por força do disposto no artigo 18º nº 4 alínea c) do RJAT.

Assim, tem o A. direito ao capital de remição da pensão anual e vitalícia que corresponde à pensão anual de RA x IPP (€ 14.445,88 x 5,9253%), devida em 01/08/2020 (dia seguinte ao da alta) no valor de € 855,96, da responsabilidade da entidade empregadora.

A 1ª R., entidade seguradora, é responsável apenas pelo capital de remição da pensão anual e vitalícia correspondente à pensão anual de RA x 0,7 x IPP, ou seja, à pensão de € 599,17.

A entidade empregadora é responsável pelo pagamento ao A., a diferença, de € 256,79.

(…)


*

Consigna-se que, na presente sentença, se fixa a pensão anual devida pela entidade empregadora em quantidade superior ao pedido e em objecto diverso dele (quanto à pensão devida por fixação de IPP) por tal resultar da aplicação à matéria de facto provada de preceitos legais inderrogáveis, nos termos previstos no artigo 74º do CPT, na medida em que no âmbito dos acidentes de trabalho os direitos fixados legalmente aos sinistrados constituem direitos indisponíveis.».

Em sede de dispositivo, no que ora releva, consta da sentença recorrida o seguinte:

«A) Condena-se a 1ª R. A... - Companhia de Seguros, S.A. no pagamento ao A. AA das seguintes quantias:

1) O capital de remição correspondente à pensão anual e vitalícia no montante de € 599,17 (quinhentos e noventa e nove euros e dezassete cêntimos), acrescido dos juros de mora devidos desde 01/08/2020 até efectivo e integral pagamento, nos termos previstos no artigo 135º do CPT;

2) € 8.366,74 (oito mil trezentos e sessenta e seis euros e setenta e quatro cêntimos) referente a indemnização pelo período de incapacidade temporária, acrescido dos juros de mora desde 01/08/2020 até efectivo e integral pagamento, nos termos previstos no artigo 135º do CPT

3) € 17,14 (dezassete euros e catorze cêntimos) a título de transportes, acrescido dos juros de mora até efectivo e integral pagamento, nos termos previstos no artigo 135º do CPT;

B) Declara-se ser a interveniente entidade empregadora B..., Lda. responsável pelo pagamento ao A. das seguintes quantias:

1) € 3.585,74 (três mil quinhentos e oitenta e cinco euros e setenta e quatro cêntimos) a título de indemnização por incapacidade temporária devida desde 01/08/2020, acrescido dos juros de mora até efectivo e integral pagamento, nos termos previstos no artigo 135º do CPT;

2) Capital de remição correspondente à pensão anual e vitalícia, com início em 01/08/2020, no montante de € 256,79 (duzentos e cinquenta e seis euros e setenta e nove cêntimos), acrescido dos juros de mora devidos desde aquela data até efectivo e integral pagamento, nos termos previstos no artigo 135º do CPT; (…)».

A sentença recorrida contém uma contradição nos seus termos.

Por um lado, e como intróito afirma, e bem, que a entidade empregadora deve responder pelas prestações calculadas nos termos definidos no artigo 18.º, n.º 4, da NLAT e que a seguradora será solidariamente responsável pelo pagamento das prestações que seriam devidas caso não houvesse culpa, tendo posteriormente eventual direito de regresso perante a entidade empregadora, conforme dispõe o artigo 78.º, n.º 3, da NLAT.

Depois, calcula nos termos previstos naquele normativo as prestações, a título de indemnização por incapacidade temporária absoluta (ainda que com o já apontado lapso material quanto ao nº total de dias pressuposto) e de pensão anual a cujo capital de remição o Autor tem direito pela incapacidade permanente parcial de que ficou a padecer, reiterando aquando de cada um desses cálculos a afirmação que tais prestações são da responsabilidade da entidade empregadora.

Quanto à Ré Seguradora refere a sentença que a mesma apenas é responsável até ao limite previsto nos artigos 79.º, n.º 3 e 48.º da NLAT, nos montantes que calcula a título de indemnização pelo período de ITA e de pensão anual relativa ao capital de remição a que o Autor tem direito.

Por outro lado, e depois dos indicados cálculos e a seguir ao cálculo dos montantes atinentes à responsabilidade da Seguradora, a sentença recorrida afirma que a responsabilidade da interveniente entidade empregadora perante o Autor é apenas da diferença, no montante de € 3.585,74 quanto à indemnização por ITA (isto tendo em conta o lapso cometido quanto ao número total de dias a considerar) e no montante de € 256,79 quanto à pensão anual, o que replica no dispositivo nos termos já transcritos.

Como resulta de parte da própria fundamentação da sentença, a responsabilidade da entidade empregadora, ora Recorrente, não é tão só pela diferença entre aquelas prestações agravadas e as que seriam devidas se não houvesse atuação culposa.

Prescreve o artigo 18.º da NLAT o seguinte:

“1. Quando o acidente tiver sido provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra, ou resultar de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança, e saúde no trabalho, a responsabilidade individual ou solidária pela indemnização abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais.

2 - O disposto no número anterior não prejudica a responsabilidade criminal em que os responsáveis aí previstos tenham incorrido.

3 – Se, nas condições previstas neste artigo, o acidente tiver sido provocado pelo representante do empregador, este terá direito de regresso contra aquele.

4 – No caso previsto no presente artigo, e sem prejuízo do ressarcimento dos prejuízos patrimoniais e dos prejuízos não patrimoniais, bem como das demais prestações devidas por atuação não culposa, é devida uma pensão anual ou indemnização diária, destinada a reparar a redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte, fixada segundo as regras seguintes:

a) Nos casos de incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho, ou incapacidade temporária absoluta, e de morte, igual à retribuição;

b) Nos casos de incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, compreendida entre 70% e 100% da retribuição, conforme a maior ou menor capacidade funcional residual para o exercício de outra profissão compatível;

c) Nos casos de incapacidade parcial, permanente ou temporária, tendo por base a redução da capacidade resultante do acidente.

5 – No caso de morte, a pensão prevista no número anterior é repartida pelos beneficiários do sinistrado, de acordo com as proporções previstas nos artigos 59º a 61º.

6 – No caso de se verificar uma alteração na situação dos beneficiários, a pensão é modificada, de acordo com as regras previstas no número anterior”.

Por seu turno, o nº 3 do artigo 79º estabelece que “verificando-se alguma das situações referidas no artigo 18º, a seguradora do responsável satisfaz o pagamento das prestações que seriam devidas caso não houvesse atuação culposa, sem prejuízo do direito de regresso”.

Destes normativos resulta, por um lado, um agravamento da responsabilidade da entidade empregadora sempre que o acidente tenha sido provocado por esta ou seus representantes ou resultar de inobservância de regras de segurança e saúde no trabalho, e por outro que, nesses casos, existindo seguro, a responsabilidade da seguradora está limitada ao pagamento das prestações que seriam devidas caso não existisse atuação culposa (e, como é evidente, dentro do âmbito da responsabilidade pela retribuição transferida), sem prejuízo do direito de regresso.

Na presente lei de reparação de acidente de trabalho, nas situações de responsabilidade agravada (artigo 18.º), a seguradora satisfaz, solidariamente, o pagamento das prestações que seriam devidas caso não houvesse atuação culposa, sem prejuízo do direito de regresso sobre a entidade empregadora.

Assim, e no que respeita às referidas prestações de indemnização por incapacidade temporária absoluta e de capital de remição pela incapacidade permanente parcial, a responsabilidade da Recorrente entidade empregadora é pela globalidade das prestações agravadas (indemnização por ITA de € 11.992,06 – já com a contabilização do nº total de 303 dias - e capital de remição correspondente à pensão anual de € 855,96), respondendo solidariamente a Ré Seguradora até ao montante das prestações em causa que seriam devidas caso não houvesse atuação culposa (ou seja, indemnização por ITA de € 8.394,44 e capital de remição correspondente à pensão anual de € 599,17), sem prejuízo do direito de regresso sobre a entidade empregadora.

Como tal, a condenação da Recorrente entidade empregadora não poderá ser apenas sobre o montante da diferença entre as prestações agravadas e as prestações decorrentes do regime geral (ou seja, sem aplicação do artigo 18.º da NLAT), mas sim sobre a totalidade dessas prestações agravadas (ou seja, sobre o montante de € 11.992,06 a título de indemnização por ITA e sobre o capital de remição da pensão anual de € 855,96), sendo por sua vez a responsabilidade da seguradora solidária até ao montante das prestações decorrentes do regime geral e sem prejuízo do direito de regresso sobre a entidade empregadora (ou seja, sobre o montante de € 8.394,44 a título de indemnização por ITA e sobre o capital de remição da pensão de € 599,17).

Sublinhe-se que o decidido em 1ª instância relativamente ao pedido de reembolso formulado pelo Instituto de Segurança Social se mostra transitado em julgado, sendo certo que tal pedido o foi apenas quanto à responsável Seguradora e integra-se ainda dentro dos limites do montante pelo qual a Seguradora responde solidariamente a título de indemnização por ITA. Refira-se que na sentença recorrida ficou previsto expressamente que o montante a reembolsar pela Seguradora ao Instituto da Segurança Social será deduzido ao montante a pagar ao Autor.

A verdade é que, para não haver duplicação e enriquecimento sem causa do Autor, haverá que deduzir ao valor total da indemnização a entregar ao Autor a título de indemnização por ITA (no montante total de € 11.992,06, referente ao período de 3-10-2019 a 31-07-2010), o valor de € 3.111,06 (ponto R) dos factos provados) que a Ré Seguradora foi condenada a reembolsar ao Instituto da Segurança Social, IP.

Em suma,

- A Recorrente entidade empregadora deve ser condenada a pagar ao sinistrado Autor:

a) € 11.992,06 (onze mil novecentos e noventa e dois euros e seis cêntimos) a título de indemnização por incapacidade temporária, sendo que deste valor terá que ser deduzido o montante de € 3.111,06 (três mil cento e onze euros e seis cêntimos) que o Autor já recebeu a título de subsídio de doença e que a Ré Seguradora sem prejuízo do seu direito de regresso terá que reembolsar ao Instituto de Segurança Social;

b) Capital de remição correspondente à pensão anual e vitalícia no montante de € 855,96 (oitocentos e cinquenta e cinco euros e noventa e seis cêntimos).

- A Ré Seguradora, responde solidariamente pelo pagamento das prestações que seriam devidas caso não houvesse atuação culposa, sem prejuízo do direito de regresso nos termos do artigo 79.º, n.º 3, da NLAT, ou seja, nos termos e até aos montantes que foi condenada a satisfazer em 1ª instância, corrigindo-se, porém, o valor da indemnização por ITA para € 8.394,44 (oito mil trezentos e noventa e quatro euros e quarenta e quatro cêntimos), por padecer de lapso o valor fixado na sentença.


*

IV – DECISÃO

Em face do exposto, acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto em julgar totalmente improcedente o recurso interposto pela Recorrente e ainda, por intervenção oficiosa desta Relação, mantendo-a no mais, em alterar a sentença recorrida:

- Quanto à condenação da interveniente entidade empregadora B..., Lda., constante da alínea B) do dispositivo, que será substituído pelo presente acórdão, em que se decide o seguinte (com o destaque em sublinhado da alteração efetuada):

“B) Declara-se ser a interveniente entidade empregadora B..., Lda. responsável pelo pagamento ao Autor as seguintes quantias:

1) € 11.992,06 (onze mil novecentos e noventa e dois euros e seis cêntimos) a título de indemnização por incapacidade temporária - deduzindo-se a esse valor o montante de € 3.111,06 (três mil cento e onze euros e seis cêntimos) que o Autor já recebeu a título de subsídio de doença e que a Ré Seguradora sem prejuízo do seu direito de regresso terá que reembolsar ao Instituto de Segurança Social - devida desde 1/08/2020, acrescido dos juros de mora até efetivo e integral pagamento, nos termos previstos no artigo 135.º do CPT;

2) Capital de remição correspondente à pensão anual e vitalícia no montante de € 855,96 (oitocentos e cinquenta e cinco euros e noventa e seis cêntimos), acrescido dos juros de mora até efetivo e integral pagamento, nos termos previstos no artigo 135.º do CPT;”

- A Ré Seguradora A...- Companhia de Seguros, SA responde solidariamente até aos valores em que foi condenada em 1ª instância, corrigindo-se, porém, o valor da indemnização pelo período de incapacidade temporária constante do ponto 2) da alínea A), do dispositivo para € 8.394,44 (oito mil trezentos e noventa -e quatro euros e quarenta e quatro cêntimos), sem prejuízo do direito de regresso contra a entidade empregadora.

Custas do recurso pela Recorrente.

Nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do CPC, anexa-se o sumário do presente acórdão.

Notifique e registe.


*

(texto processado e revisto pela relatora, assinado eletronicamente)


Porto, 10 de julho de 2024
Germana Ferreira Lopes
Nelson Fernandes
Rita Romeira
________________
[1] Consigna-se que em todas as transcrições será respeitado o original, com a salvaguarda da correção de lapsos materiais evidentes e de sublinhados/realces que não serão mantidos.
[2] Adiante CPC.
[3] Adiante CPT.
[4] In “Recursos em Processo Civil – Recursos nos Processos Especiais, Recursos no Processo do Trabalho”, Almedina, 7ª edição atualizada, 2022, pág. 195.
[5] Processo n.º 1321/20.1.T8OAZ.P1, Relator Desembargador António Luís Carvalhão.
[6] Cfr., entre outros, Acórdãos de 9-02-2017 (processo n.º 8228/03.5TVLSB.L1.S2, Relator Conselheiro Tomé Gomes), de 8-03-2022 (processo n.º 656/20.8T8PRT.L1.S1, Relatora Conselheira Maria dos Prazeres Pizarro Beleza) e de 24-10-2023 (processo n.º 4689/20.6T8CBR.C1.S1, Relator Conselheiro Nuno Pinto Oliveira).
[7] Inserindo-se no texto a nota de rodapé 21 do Acórdão em causa.
[8] António Santos Abrantes Geraldes, obra citada, pág. 199.
[9] Processo n.º 18321/21.7T8PRT.P1.S1, Relator Conselheiro Nelson Borges Carneiro.
[10] Processo n.º 2605/20.4L1.S1, Relator Conselheiro Pedro de Lima Gonçalves.
[11] Processo n.º 125/22.1T8AVR.P1, relatado pelo aqui 1º Adjunto Desembargador Nelson Fernandes e no qual interveio como Adjunta a aqui 2ª Adjunta Desembargadora Rita Romeira.
[12] In obra citada, págs. 200 e 201.
[13] Publicado no DR, Série I, n.º 220/2023, de 14-11-2023 – cujo sumário foi retificado pela Declaração de Retificação n.º 35/2023, de 28 de novembro, publicado no DR, Série I, de 28-11-2023.
[14] Obra citada, págs. 201 e 202.
[15] Processo nº 4925/17.6T8OAZ.P1.S1, Relator Conselheiro Chambel Mourisco.
[16] Processo nº 1372/19.9T8VFR.P1.S1, Relator Conselheiro Chambel Mourisco.
[17] Processo nº 1104/18.9T8LMG.C1.S1, Relator Conselheiro Mário Belo Morgado.
[18] Processo nº 3683/20.1T8VNG.P1.S1, Relator Conselheiro Mário Belo Morgado.
[19] Processo nº 3371/21.1T8MTS.P1, relatado pela hoje Juíza Conselheira Paula Leal de Carvalho, e no qual teve também intervenção como Adjunta a aqui 2ª Adjunta Desembargadora Rita Romeira.
[20] In Manual de Processo Civil, 2ª Edição revista e Atualizada, Coimbra Editora, Almedina, pág. 436 e 437.
[21] Processo n.º 1166/20.9T8MTS.P1, Relator Desembargador Jerónimo Freitas, no qual intervieram como Adjuntos os aqui 1º e 2º Adjuntos, Desembargadores Nelson Fernandes e Rita Romeira, respetivamente.
[22] Veja-se, a título meramente exemplificativo: o Acórdão desta Secção Social de 13-07-2022, processo n.º 3642/20.4T8VFR.P1, Relatora Desembargadora Teresa Sá Lopes; os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 21-10-2009 (processo nº 272/09.5YFLSB, Relator Conselheiro Vasques Dinis), 12-03-2014 (processo n.º 590/12.5TTLRA.C1.S1, Relator Conselheiro Mário Belo Morgado), 28-01-2016, (processo nº 1715/12.6TTPRT.P1.S1, Relator Conselheiro António Leones Dantas), de 28-10-2021 (processo nº 4150/14.8T8VNG-A.P1.S1, Relator Conselheiro João Cura Mariano).
[23] Adiante NLAT.
[24] Processo n.º 164/18.7T8PNF.P2, relatado pela hoje Juíza Conselheira Paula Leal de Carvalho, e no qual a aqui Relatora interveio como Adjunta.
[25] Processo n.º 179/19.8T8GRD.C1.S1, Relator Conselheiro Ramalho Pinto.
[26] Processo n.º 151/21.8T8OAZ.P1.S1, Relator Mário Belo Morgado.
[27] Processo n.º 8464/20.0T8LRS.L1.S1, Relator Domingo José de Morais.
[28] Publicado no DR, Série I, n.º 92/2024, de 13-05-2024 – cujo sumário foi retificado pela Declaração de Retificação n.º 35/2023, de 28 de novembro, publicado no DR, Série I, de 28-11-2023.
[29] Processo n.º 620/16.1T8LMG.C1.S1, Relator Conselheiro Ribeiro Cardoso.
Sobre a modificabilidade da decisão de facto no âmbito do recurso de apelação, estabelece o n.º 1 do artigo 662.º do CPC que «A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa» (sublinhou-se).