OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
CONDENAÇÃO COMO LITIGANTE DE MÁ FÉ
VALOR DA INDEMNIZAÇÃO
Sumário

I - As causas determinantes da nulidade da sentença enumeradas, taxativamente, no nº1, do art. 615º do CPC, correspondem a casos de irregularidades que afectam formalmente aquela e provocam dúvidas sobre a sua autenticidade, ou seja, são vícios que encerram um desvalor que excede o erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário.
II - A nulidade prevista na al. b) do nº 1 daquele art. 615º, verifica-se em caso de falta absoluta ou total de fundamentos ou de motivação, de facto ou de direito, em que assenta a decisão e não quando a sua fundamentação ou motivação seja deficiente, insuficiente, medíocre ou até errada.
III – Pois, se a falta de fundamentação não for absoluta, apenas se apresentando insuficiente ou errada, tal poderá afectar o valor da sentença, eventualmente, levando a que seja revogada ou alterada em recurso, mas, não determina a sua nulidade, nos termos enunciados naquele artigo.
IV – Em caso de oposição à penhora, não tendo sido feita a prova do valor de mercado do imóvel penhorado, onde a executada tem a sua sede, (nem de outros imóveis de que a executada/embargante é proprietária), não é lícito concluir que a penhora daquele imóvel viola os princípios da adequação e proporcionalidade previstos no nº1 e no nº2 do art. 751º do CPC.
V - Não obsta à penhora, o facto de no imóvel a embargante/executada ter a sua sede e o seu estabelecimento comercial, se não for alegado, nem se provar, que o dito imóvel constitui “instrumento de trabalho e objeto indispensável ao exercício da atividade” daquela, conforme nº2 do art. 737º do CPC.
VI - A responsabilização e condenação da parte como litigante de má-fé só deverá ocorrer quando se demonstre nos autos, de forma manifesta e inequívoca, que a parte agiu, conscientemente, com dolo ou negligência grave, de forma manifestamente reprovável, com vista a impedir ou a entorpecer a acção da justiça, ou, a deduzir pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar.
VII – Em caso de condenação, como litigante de má-fé, previamente à fixação do montante da indemnização, a que aludem os art.s 542º e 543º, do CPC, impõe-se que o Tribunal, ouça as partes e, quanto à fixação do montante da multa, em obediência ao disposto no nº4 do art. 27º do RCP, que apure a situação económica da parte condenada, procedendo às diligências que tiver por necessárias e convenientes.
VIII - O simples facto de se apurar que a embargante é proprietária de 5 imóveis não permite, por si só, concluir que a sua situação económica é desafogada, quando na mesma decisão se afirma não se saber qual a sua situação económica daquela.

Texto Integral

Proc. nº 171/21.2T8PNF-A.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este - Juízo do Trabalho de Penafiel - Juiz 1
Recorrente: A..., Ldª
Recorrida: AA

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

I – RELATÓRIO
Por apenso, à execução para pagamento da quantia global de 35 180,55 €, a que devem acrescer os juros e sanção pecuniária compulsória, vencidos e que se vencerem até efectivo e integral pagamento, com vista ao cumprimento da sentença condenatória, transitada em julgado, proferida no âmbito do processo de Acção de Impugnação Judicial da Regularidade e Licitude do Despedimento, que correu temos sob o n.º 171/21.2T8PNF, instaurada por AA, através da apresentação do requerimento em formulário próprio a que se referem os artigos 98.º C e 98.º D do Código de Processo do Trabalho, contra A..., Lda, veio, esta, deduzir oposição àquela e à penhora, através da presente acção de embargos de executado, formulando o pedido de que, «deve a presente oposição à execução e à penhora ser recebida e, consequentemente:
- Ser suspenso o prosseguimento da presente execução;
- Ser julgada procedente a oposição à execução e à penhora, com todos os efeitos e consequências legais, designadamente:
A) Ser a exequente condenada a pagar à executada/embargante a quantia global de €40.000,00 (quarenta mil euros) a título de danos patrimoniais e não patrimoniais causados;
B) Ser a exequente condenada nos termos do disposto no art. 858º do CPC.
- Ser a acção executiva julgada improcedente, absolvendo-se a executada, ora embargante, do pedido contra si formulado, com todos os efeitos e legais consequências.».
Fundamenta o seu pedido invocando que não foi interpelada anteriormente à propositura da execução para proceder ao pagamento da quantia exequenda nem prestou a caução necessária nos termos exigidos pelo artigo 715º do CPC, uma vez que a sentença que constitui título executivo não tinha transitado em julgado àquela data. Conclui que o requerimento executivo deve ser assim recusado.
Alega ainda, por esse motivo, a inadmissibilidade da forma sumária do processado.
Em sede de oposição à execução, alega que a sentença que fundamenta a causa de pedir não constitui título executivo para exigir o pagamento da quantia exequenda sem prestar caução, invocando o disposto nos artigos 703º e 704º do CPC e concluindo pela inexequibilidade do título executivo e incobrabilidade da quantia exequenda, defendendo que apenas são verdadeiros títulos executivos exequíveis as sentenças transitadas em julgado.
Mais alega a inexigibilidade da quantia exequenda referente a taxa de justiça paga em sede de execução, por apenas se poder apurar o valor devido a título de custas de parte. Requer também a suspensão da execução sem prestação de caução ou, caso assim não se entenda, que se considere o prédio penhorado como caução, face ao seu valor.
Em sede de oposição à penhora alega que o imóvel penhorado tem o valor patrimonial de € 128.887,76 e que foi pedida também a penhora da conta bancária, na qual são depositados valores dos clientes da Embargante para pagamento de impostos à AT e ao ISS.
Alega que tal penhora causou danos à Embargante, por não ter podido movimentar a conta durante 12 dias; que a sua imagem e bom nome comercial ficou denegrida, tendo tido de recorrer a artifícios para poder cumprir com as suas obrigações para com os clientes num período em que decorriam prazos de pagamento de impostos e/ou contribuições, requerendo uma indemnização não inferior a € 30.000,00, bem como danos não patrimoniais no valor de € 10.000,00. Alega que face ao valor patrimonial do prédio penhorado e quantia exequenda, agiu o exequente em abuso de direito. Alega que o imóvel em causa é isento de penhora por ser o estabelecimento comercial da Embargante, nos termos do disposto nos artigos 737º nºs. 21 e 3 e 751º do CPC. A Embargada sabe que a Embargante tem outros imóveis de valor mais adequado à quantia exequenda. Requer assim o levantamento da penhora e cancelamento dos registos respectivos.

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Admitida liminarmente a oposição à execução e “Considerando que, no caso em apreço, e não obstante não expressamente invocado pela oponente, o alegado se enquadra no disposto no artigo 733º nº 1 alínea c) do CPC,”, nos termos do despacho de 25.03.2022, a Mª Juíza “a quo”, ordenou a notificação da exequente para contestar e, “no prazo da contestação, se pronunciar sobre a requerida suspensão do processo executivo.”.
Realizada a ordenada notificação da exequente, nos termos e para os efeitos previstos no nº 2 do art. 732º do CPC, veio a mesma apresentar contestação, nos termos que constam do requerimento junto em 02.05.2022, desde logo, invocando, em síntese, a excepção prevista no artigo 704º nº 1, 2ª parte, do CPC quanto à constituição, como título executivo, de sentenças não transitadas em julgado, se o recurso interposto tiver efeito meramente devolutivo, como sucedeu no caso concreto, pelo que não devia ser liminarmente indeferida a execução. No mais, impugna o alegado pela Embargante.
Conclui pedindo que, “deve ser a presente oposição à execução julgada procedente, com as legais consequências daí decorrentes.”.
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Nos termos do despacho de 27.05.2022, considerou-se que, “Face ao alegado pela embargante e o disposto nos artigos 733º nº 1 alínea c), nº 4 e 704º nº 3 do CPC, considera-se que não se justifica a suspensão da execução sem prestação de caução.”.
E designada, realizou-se audiência prévia, conforme consta da acta de 17.06.2022, rectificada nos termos do despacho de 02.09.2022, onde após, sem êxito, ser tentada a conciliação das partes, a Mª Juíza “a quo” considerou o seguinte: “dever ser dada a palavra às partes para se pronunciarem sobre a existência de litigância de má-fé por parte da embargante, ao abrigo do disposto no art.º 542.º, n. º1 e 2 alíneas a) e d) do C.P.C.
Concede-se ainda a palavra às partes para, ao abrigo do disposto no art.º 591.º n.º1 alínea d) do CPC, se pronunciarem sobre a possibilidade de prolação de sentença em sede de despacho saneador, no que se refere aos embargos por Oposição à Execução.
Considerando os fundamentos legais previstos no art.º 784.º do C.P.C., para oposição à penhora, mais se concede a palavra às partes, para se pronunciarem sobre a inadmissibilidade legal do pedido formulado pela embargante sobre a alínea a), ou seja, na condenação da exequente no pagamento da quantia de 40.000,00 € a título de danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes da penhora concretizada no processo de execução”.
Notificado, este, as partes disseram nada opor à prolação da sentença de acordo com o art.º 591.º n. º1 alínea d) C.P.C. e a Mª Juíza proferiu o seguinte despacho:
“No que se refere ao alegado nos artigos 28.º e 29 da petição inicial de embargos, considerando a desistência formulada pela exequente, considera-se existir inutilidade superveniente da lide nesta parte e, como tal, declaram-se extintos o processo executivo e os presentes embargos quanto a tais valores.
As custas processuais são, nesta parte, a suportar pela embargada/exequente.
Notifique.
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Considerando o prazo concedido às partes para pronúncia de litigância de má-fé, não se profere de imediato despacho saneador, devendo para o efeito, os autos serem oportunamente conclusos.
Notifique.
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Quanto à parte da oposição à penhora, mais se determina a notificação das partes para, em 10 dias, se pronunciarem sobre o valor comercial do imóvel penhorado, e, caso não seja aceite pelas mesmas como correspondendo ao valor patrimonial, se pronunciarem sobre a realização de avaliação ao imóvel e indicarem entidade competente para o efeito.
Notifique.”.
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Ambas as partes vieram pronunciar-se, sobre a litigância de má fé da Embargada, sendo que a Embargante pugnou pela condenação daquela, incluindo em multa e indemnização não inferior a € 5.000,00, e a Embargada pugnou pela sua não condenação dada a ausência de má fé.
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Após as diligências tidas por convenientes, foi proferido saneador tabelar, fixado o valor da causa em € 204.068,31 e, na consideração do processo se encontrar já em condições para o efeito foi proferida sentença que, apreciando da “viabilidade dos fundamentos apresentados pela Embargada em sede de oposição à execução” terminou com a seguinte decisão:
Conclui-se, assim, pela total ausência de fundamento para a oposição à execução proposta, que assim se julga totalmente improcedente.
Sendo improcedente a oposição à execução deduzida, só se pode também julgar improcedente o pedido de condenação da Exequente/Embargada nos termos do disposto no artigo 858º do CPC, que tem por pressuposto precisamente a procedência da oposição à execução, que não se verifica.
Custas, nesta parte, a cargo da Embargante, quanto ao valor de € 35.129,55, e da Embargada, quanto ao valor de € 51,00.”.
No âmbito da apreciação à oposição à penhora, na consideração de ser também possível, proferir desde já sentença, a Mª Juíza decidiu, “impõe-se que seja declarada a nulidade de todo o processo, excepção dilatória insuprível de conhecimento oficioso (cfr. artigos 577º alínea b) e 578º do CPC), que dá lugar à absolvição da instância (cfr. artigo 278º nº 1 alínea b) do CPC), nos termos do disposto no artigo 590º nº 1 do CPC, ex vi do artigo 1º nº 2 alínea a) do CPT.
Custas, nesta parte, a cargo da Embargante.” e, no mais, determinou o prosseguimento dos autos para julgamento.
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A embargante veio interpor recurso deste tendo, o Tribunal “a quo”, determinado “o desentranhamento da alegação de recurso apresentada a fls. 109 e ss. e sua devolução ao apresentante.
Condena-se a Embargante nas custas do presente incidente.”, conforme despacho de 08.02.2023.
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Realizado o julgamento, nos termos documentados na acta de 08.09.2023, foram os autos conclusos e proferida sentença que terminou com o seguinte “Dispositivo:
Pelo exposto:
A) Julga-se a presente oposição à penhora totalmente improcedente e, em consequência, determina-se o prosseguimento dos autos de execução apensos;
B) Condena-se a Embargante como litigante de má fé, no pagamento de multa de valor equivalente a 30 (trinta) UC e de indemnização à Embargada no valor de € 5.000,00 (cinco mil euros).
Custas a cargo da Embargante (cfr. artigo 527º nºs. 1 e 2 do CPC).
Registe e notifique.”.
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Inconformada a executada/embargante interpôs recurso, cujas alegações, terminou com as seguintes “CONCLUSÕES:
A. Não se conforma a Recorrente com a sentença proferida pelo Tribunal a quo, nos termos da qual declara se julga totalmente improcedente a oposição à penhora, bem como ainda se condena a Recorrente como litigante de má-fé, no pagamento de uma multa equivalente a 30 (trinta) UC e de indemnização à Recorrida no valor de € 5.000,00 (cinco mil euros).
B. E não pode a Recorrente resignar-se com tal decisão, porquanto a Mm. Juiz a quo procedeu a uma errada valoração da prova carreada para os autos e, bem assim da prova produzida em julgamento,
C. prova essa que não permite dar como não provado o ponto 1. dos factos não provados, no qual se lê que:
1) Os imóveis identificados em I) têm um valor de mercado mais baixo do que o identificado em E) dos factos provados”.
D. Antes, a prova carreada para os autos e produzida em julgamento impunha decisão oposta – ou seja – deveria ter-se o Tribunal a quo pela procedência da Oposição à penhora, bem como se deveria ter abstido de condenar a Recorrente em qualquer multa ou indemnização por litigância de má-fé,
E. pois da prova produzida que o valor patrimonial do imóvel identificado em E) dos factos provados – ou seja, aquele que serve de sede e estabelecimento comercial à sociedade – tem um valor objetivamente superior aos demais imóveis de que é proprietária a Recorrente (e se encontram discriminados em I) dos factos provados,
F. Conquanto tal resulta, de forma objetiva, do Documento n.º 3 junto com a P. I. de Embargos, em 21/03/2022; dos Documentos n.ºs 1 a 5, juntos com o requerimento de 20/10/2022, com a referência 43628538; dos Códigos de consulta de Certidões Prediais Permanentes juntas com o requerimento de 18/11/2022, com a referência 43916154; e ainda do depoimento prestado pela testemunha BB, a qual afirmou que, para suportar a sua conclusão de que estava certo acerca de tal, baseava-se ainda em critérios como as áreas dos imóveis ou o preço de aquisição de cada um deles.
G. Assim, de forma objetiva – e independentemente de não ter sido realizada a perícia, a qual não representa o único meio de prova do valor daqueles imóveis– logrou a Recorrente fazer a prova de que o imóvel penhorado tem um valor substancialmente superior a todos os seus demais imóveis, pelo que a penhora em questão é desadequada e desproporcional e, portanto, violadora dos n.ºs 1 e 2 do art. 751.º do C. P. C..
H. Assim, não poderia a Mm. Juiz a quo concluir que “embora coubesse à Embargante o ónus de prova do valor pecuniário dos imóveis (…) é também certo que aquela não logrou fazer tal prova”.
I. A propósito, não podemos deixar de dizer que, ainda que se possa concorda ainda que se pudesse concordar que “em regra as avaliações fiscais dos imóveis situam o respectivo valor abaixo do seu valor de mercado”, como indica expressamente o Tribunal a quo na sentença recorrida, também teria que se aceitar que a avaliação tributária de um imóvel – a qual assenta em critérios objetivos como a área, o conforto, a localização, a qualidade, entre outros – ainda que não reflita a valorização do imóvel em termos absolutos, não tem como não ser idóneo a provar, em termos relativos (ou seja, em termos comparativos), qual dos imóveis tem o valor mais elevado, isto é, se com base em determinados critérios objetivos se conclui que um determinado imóvel (neste caso, a sede da sociedade) tem um valor tributário bastante superior ao valor tributário de outros imóveis, também se tem que (ainda que os valores não sejam ajustados com o mercado) o valor real desse imóvel será sempre superior ao dos outros imóveis que têm valores patrimoniais inferiores.
J. A este respeito, não podemos deixar de sublinhar que, na sentença recorrida, embora a Mm.ª Juiz a quo tenha entendido que “em regra as avaliações fiscais dos imóveis situam o respectivo valor abaixo do seu valor de mercado, não é possível concluir ser esse o caso quanto aos imóveis em questão nos autos, nomeadamente o penhorado”, entendeu também – no parágrafo imediatamente seguinte – que “Sendo certo que, por outro lado, a venda executiva é, em regra, realizada por um preço muito aquém do valor real dos imóveis”.
K. Ou seja, acontece que, no nosso entendimento, e salvo devido respeito por diversa opinião, tal interpretação carece de coerência, dado que não pode a sentença recorrida concluir de forma diferente em dois casos semelhantes, não aplicando num deles a regra geral ao caso concreto, e de seguida retirar uma conclusão sustentada numa regra geral (que também não poderia ter sido aplicada ao caso concreto).”
L. Sucede de igual modo quando, seguidamente, consta da sentença recorrida que “No entanto, a diferença de valor real entre o prédio penhorado e o identificado em I.1) é de apenas € 28.000,00, o que numa venda executiva facilmente é anulado. A que acresce o facto de, no prédio penhorado, se situar o estabelecimento comercial da Embargante, com todas as limitações daí decorrentes, sendo um factor de desvalorização do prédio, para efeitos de venda judicial, já que os eventuais interessados têm consciência da existência de um ónus que lhes poderá dificultar o acesso ao imóvel”, onde novamente se aplica uma regra geral ao caso concreto, que é precisamente aquilo que o Douto Tribunal tinha referido que não era possível de ser efetuado.
M. Aliás, tal supracitada conclusão não poderia o Douto Tribunal a quo adotar, porquanto não existem na matéria de facto provada quaisquer factos que permitissem àquele Douto Tribunal retirar tal conclusão, nem sequer tentou qualquer uma das partes fazer a prova desse facto,
N. Uma vez que se assim o tivessem pretendido, teriam certamente inquirido em sede de audiência de julgamento os “eventuais interessados” que faz o Douto Tribunal a quo referência.
O. Assim, parece-nos óbvio que, se a Sociedade Recorrente é proprietária três imóveis com valor patrimonial superior à quantia exequenda (€ 38.698,60), qualquer um destes imóveis seria suficiente para garantir o pagamento à Embargada da dita quantia exequenda,
P. Ainda para mais, quando o próprio Tribunal refere expressamente que, “em regra as avaliações fiscais dos imóveis situam o respectivo valor abaixo do seu valor de mercado (…)”,
Q. Pelo que, através da aludida transcrição refere, de forma tácita, o Tribunal a quo que qualquer um dos demais imóveis se venderia por preço substancialmente superior à quantia exequenda.
R. Posto isto, resulta de modo evidente que a penhora realizada ao imóvel que representa a sede da sociedade é ilícita, por evidente violação dos princípios da adequação e proporcionalidade (cfr. n.ºs 1 e 2, respetivamente, do art. 751.º do C. P. C.).
S. Assim sendo, competia à Recorrida fazer prova de que tais despesas foram efetivamente suportadas, nos termos do art. 342.º do Código Civil, sob pena de a indemnização requerida não lhe poder ser atribuída.
T. Nesse sentido, deve este Venerando Tribunal da Relação proferir sentença que decida de forma oposta à decisão recorrida, determinando assim a procedência da oposição à penhora, com o consequente levantamento da mesma, e demais consequências legais.
U. Também a sentença recorrida condena, conforme já transcrito, a Recorrente como litigante de má-fé, do que também aqui se recorre por se discordar de tal decisão.
V. Desde logo, no que à indemnização diz respeito, a mesma foi requerida pela Recorrida no seu requerimento com a referência 42721027, apresentado a 29/06/2022, suportando tal pedido em honorários do mandatário e demais despesas tais como “deslocações, tempo, expediente geral do escritório, taxas de justiça”.
W. Posto isto, competia à Embargada, tendo peticionado a condenação por litigância de má-fé da Embargante, e o pagamento da respetiva indemnização, não só indicar as despesas e os prejuízos sofridos (e seus montantes), como ainda fazer prova dos mesmos – o que jamais tentou esta efetuar – sob pena de não lhe ser arbitrada a indemnização pedida.
X. No entanto, a Embargada jamais fez (ou tentou fazer) qualquer prova acerca do pagamento das alegadas despesas suportadas nem dos honorários pagos ao mandatário (em ambos os casos, não provou que efetivamente pagou, nem que montantes pagou),, conquanto não junta aos autos qualquer documento que o comprove (faturas, notas de despesas e honorários, comprovativos de pagamento, etc…).
Y. Destarte, não tendo efetuado ou tentado fazer qualquer prova, concluímos que a Embargada se limitou a efetuar um pedido dotado de subjetivismo, que o Douto Tribunal a quo se limitou a julgar procedente sem justificar o porquê de ter sido aquele o montante e não outro (violando inclusive, em nosso entendimento, o dever de fundamentação de sentença previsto nos arts. 607.º e 615.º do C. P. C.).
Z. Ora, ainda que o Douto Tribunal a quo julgasse procedente a indeminização peticionada pela Embargada (com a qual não concordamos minimamente, conforme melhor fundamentaremos de seguida), e ainda que considerasse desnecessária a prova das despesas suportadas e prejuízos sofridos, o que apenas por mera hipótese académica se pode admitir, teria aquele Douto Tribunal a quo que fixar de forma justificada uma indemnização de acordo com um prudente arbítrio – o que também, salvo melhor entendimento, não fez,
AA. Isto porque da sentença recorrida não consta qualquer justificação acerca do porquê de se ter fixado o quantum indemnizatório no montante de € 5.000,00 (cinco mil euros), nem sequer os critérios que estiveram na origem de tal determinação.
BB. Destarte, foi objetivamente violado o dever de fundamentação de sentença a que estava adstrito o Douto Tribunal a quo, previsto no art. 607.º, n.º 4, do C. P. C., conduzindo assim a sentença recorrida à nulidade prevista no art. 615, n.º 1, al. b) do C. P. C., que desde já expressamente se argui.
CC. A propósito, jamais poderia a Recorrente ser condenada em qualquer tipo de má-fé, conquanto as pretensões por si deduzidas nos Embargos de Executado – que foram, de forma resumida, a inexequibilidade da sentença que constituiu o título executivo, a oposição à penhora por desadequada e desproporcional e a inexistência de título executivo quanto ao montante das custas pagas pelo Exequente no processo executivo – não se enquadram de forma alguma no preceito do art. 542.º do C. P. C..
DD. Aliás, consta expressamente do despacho saneador proferido nos Embargos de Executado de cuja sentença ora se recorre, que “No que se refere ao pedido de custas processuais da execução, o mesmo já foi objeto de desistência pela Embargada e de sentença de extinção da execução nessa parte, pelo que resulta prejudicado o alegado a este respeito”.
EE. Ou seja, ainda que qualquer um dos fundamentos que serviram de base aos Embargos intentados pela aqui Recorrente fosse completamente descabido, ainda assim teria aquela recorrido aos Embargos, dado que um dos fundamentos lhe assistia – se assim não fosse, certamente não teria a Recorrida desistido de tal pedido sem que tivesse sido proferida qualquer decisão quanto a essa matéria, pelo que a Recorrida, que sustentou o seu pedido de indemnização em, entre outros, “o tempo despendido com o presente processo” [o processo de Embargos, note-se], sempre teria efetivamente que despender tempo com os aludidos Embargos, conquanto foi aquela quem peticionou quantias a que não tinha direito em sede de requerimento executivo.
FF. Destarte, inexiste qualquer nexo de causalidade entre o tempo despendido com o processo em questão e os fundamentos da P. I. de Embargos, conquanto foram deduzidos pedidos que não eram devidos, nomeadamente as custas do processo executivo, pelo que, ainda que nenhum outro fundamento fosse apresentado, sempre se recorreria aos Embargos de Executado a Recorrente, pelo facto de lhe serem peticionadas quantias indevidas.
GG. Ora, sempre a Recorrente evidenciou, em sede de litígio, um espírito de boa-fé e colaboração que jamais poderiam ter sido interpretados doutro modo, pelo que tal condenação como litigante de má-fé constitui até uma violação crassa dos princípios constitucionais de acesso ao Direito e da proibição da indefesa consagrados nomeadamente no art. 20.º da C. R. P..
HH. Por outro lado, foi ainda a Recorrente condenada em multa, a favor do Douto Tribunal a quo, no montante equivalente a 30 UC, ou seja, € 3.060,00.
II. A propósito, perfilhamos a opinião de que em caso algum poderia o Douto Tribunal a quo haver efetuado tal quantificação, conquanto o art. 27.º, n.º 4 do R. C. P. dispõe, de forma bastante clara, que “O montante da multa ou penalidade é sempre fixado pelo juiz, tendo em consideração os reflexos da violação da lei na regular tramitação do processo e na correcta decisão da causa, a situação económica do agente e a repercussão da condenação no património deste”.
JJ. Acontece que, apesar disso, jamais foi efetuada qualquer ponderação acerca da situação económica da Recorrente pelo Tribunal a quo, que por sua vez nem sequer dispunha de quaisquer elementos que pudessem servir de base a essa ponderação, o que também apenas àquele Douto Tribunal se pode imputar, conquanto nunca solicitou à Recorrente que fornecesse aos autos tais elementos.
KK. Aliás, é o próprio Tribunal quem o assume de forma expressa, afirmando que “No caso em apreço desconhece-se a situação económica da Embargante” – ou seja, se se desconhece a situação económica da aqui Recorrente, é porque não foi efetuada a obrigatória ponderação que ao Douto Tribunal a quo se exigia, violando-se assim objetivamente o aludido art. 27.º, n.º 4 do R. C. P..
LL. Sucede ainda que o Douto Tribunal a quo retira uma conclusão (de que a ora Recorrente “terá uma situação desafogada”) através de um facto que não era idóneo a provar aquela conclusão (o facto de esta ser proprietária de 5 imóveis),
MM. Isto porque a situação económica da então Embargante – como a de qualquer outro agente – apenas poderia ter sido concebida através de um balanço entre o ativo e o passivo existente.
NN. A propósito, teve o Douto Tribunal a quo conhecimento de que, na conta bancária da Embargada, aquando do seu bloqueio, constava um saldo de pouco mais de € 5.000,00, saldo esse que representa, de forma notória, a existência de reduzidos montantes na esfera da sociedade Recorrente, quanto se esta vivesse uma situação económica tão desafogada como, em erro, acreditou o Tribunal a quo, certamente que o saldo bancário em apreço teria outra dimensão…
OO. Nesse sentido, tal condenação em montante equivalente a 30 UC constitui inclusive uma violação evidente do Princípio do Contraditório, o qual é um Princípio estruturante do Processo Civil que visa assegurar às partes um tratamento igual, obstando a que o Tribunal profira decisões-surpresa, como foi o caso desta decisão referente à multa por litigância de má-fé.
PP. Aliás, estava nos termos do supracitado art. 607.º, n.º 4 do C. P. C. o Douto Tribunal a quo obrigado a extrair da matéria de facto provada as presunções impostas por lei ou por regras da experiência.
QQ. Assim, não poderia o Douto Tribunal a quo ter retirado qualquer conclusão com base numa mera análise superficial e parcial ao ativo da Embargante, sob pena de violar quer o art. 27.º do R. C. P., quer o dever de fundamentação de sentença a que estava adstrito – como, em boa verdade, fez, pelo que uma vez mais a sentença recorrida enferma da nulidade prevista no art. 615.º, n.º 1, al. b) do C. P. C., a qual novamente se argui.
RR. Assim, não tendo a ora Recorrente sido convidada a pronunciar-se acerca da sua situação económica, nem lhe tendo sido requerido que dotasse os autos de elementos que permitissem efetuar um juízo objetivo acerca da tal capacidade económica, jamais poderia o Tribunal a quo realizado o juízo acerca da sua situação económica, não podendo consequentemente condenar a Recorrente na multa em questão.
SS. Ainda acerca da litigância de má-fé, não pode a Recorrente deixar de frisar que jamais dotou a sua conduta e o seu espírito, ao longo do litígio, de qualquer má-fé que lhe pudesse ser assacada, como veio efetivamente a ser.
TT. Desde logo, porque, como é sabido, dizem-se ações executivas aquelas em que o credor requer as providências adequadas à realização coativa de uma obrigação que lhe é devida (cfr. art. 10.º, n.º 4 do C. P. C.).
UU. Nesse sentido, resulta de forma evidente que a Exequente, aquando da apresentação do requerimento executivo através do qual desencadeou a ação executiva – neste caso, com a finalidade de pagamento de quantia certa –, pretendeu obter coercivamente a prestação que executou, como sempre sucede quando um credor se socorre de uma ação executiva.
VV. Consequentemente, limitou-se a então Embargante a deduzir embargos, com um dos fundamentos a ser precisamente a impossibilidade da aí Embargada ser paga (o que era o fim último daquela providência) conquanto não havia prestado a caução exigida pelo art. 704.º, n.º 3, do C. P. C..
WW. Desse modo, e salvo melhor opinião, não se pode concluir, como concluiu o Douto Tribunal a quo que tal pretensão tenha contribuído para a não descoberta da verdade material, dado que a intenção da Embargante era precisamente que não fosse a quantia exequenda paga à Embargada sem que tal caução lhe fosse prestada.
XX. Assim, somos do entendimento que não incorreu a aqui Recorrente em litigância de má-fé, tendo incorrido a Mm.ª Juiz a quo em erro de julgamento,
YY. Isto porque, quanto à oposição à penhora, decidiu contra os factos apurados,
ZZ. Por sua vez, quanto à litigância de má-fé, o Douto Tribunal a quo julgou, salvo melhor entendimento, existir litigância de má-fé não tendo a conduta da Recorrente, conforme supra melhor explicado, sido revestida de qualquer espírito de má-fé.
AAA. No entanto, mesmo que tal houvesse sucedido, em caso algum poderia a Recorrente ser condenada na multa que lhe foi aplicada, sob pena de violação do art. 27.º, n.º 4, do R. C. P., conquanto não foi pelo Douto Tribunal a quo efetuada qualquer ponderação da situação económica da Recorrente.
BBB. Em sentido idêntico, o mesmo sucede com a indemnização a que foi a Recorrente condenada, dado que em momento algum a Recorrida, tendo peticionado a sobredita indemnização, justifica ou concretiza quais os reais prejuízos por si sofridos com o litígio, nem mesmo os prova – através de quaisquer documentos ou outro meio idóneo para o efeito –, sendo certo que sobre aquela recaía o ónus de prova de tais prejuízos.
CCC. Deste modo, só revogando a decisão proferida na sua totalidade poderá este Venerando Tribunal da Relação a habitual e sã Justiça,
DDD. Devendo, nessa senda, ser a sentença proferida pelo Tribunal a quo (a qual é, aliás, nula, conforme supra melhor referido) totalmente revogada, mais se alterando o ponto 1. da matéria de facto não provada, o qual deverá ser incluído na matéria de facto provada, e consequentemente ser procedente a oposição à penhora deduzida pela aqui Recorrente (e assim ordenado o cancelamento da penhora realizada à sede da Recorrente), bem como deverá ainda ser a Recorrente absolvida de qualquer indemnização ou multa a título de litigância de má-fé, nos termos e fundamentos retro melhor expostos.
Nestes termos, nos melhores de Direito que Vossas Excelências doutamente suprirão, procedendo o presente recurso, deverá a sentença ora posta em crise ser totalmente revogada, só assim se fazendo inteira e sã JUSTIÇA!”.
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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Nos termos do despacho de 09.01.2024, a Mª Juíza “a quo” admitiu o recurso, como apelação com efeito devolutivo e ordenou a remessa dos autos a esta Relação.
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Neste Tribunal o Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso e confirmada a douta sentença recorrida, no essencial, acompanha e remete para aquela, na consideração de que, “a embargada mais não fez do que exercer um seu direito, já reconhecido, com vista ao pagamento do que lhe é devido. E a decisão trata de forma exaustiva e clara as questões suscitadas, não merecendo qualquer reparo.”.
Notificadas deste, veio a recorrente apresentar resposta, nos termos do requerimento junto em 06.03.2024, dizendo, em síntese, que “É manifesta a falta de fundamento – quer da Autora/aqui Recorrida (que não apresentou alegações), quer do Ministério Público (que, tendo apresentado o Parecer que se viu, é equivalente a não se ter pronunciado…) – para contrariar os factos e ilações constantes das Alegações da Recorrente”, o qual conclui pugnando na íntegra por tudo o exposto, alegado e requerido nas Alegações de recurso, defendendo a revogação da sentença recorrida.
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Cumpridos os vistos, há que apreciar e decidir.
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Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigo 87º do CPT e artigos 608º, nº 2, 635º, nº 4, 639º, nºs 1 e 2 e 640º, do CPC (aprovado pela Lei nº 41/2013 de 26 de Junho) e importando conhecer de questões e não de razões ou fundamentos, as questões a decidir e apreciar consistem em saber se:
- a sentença é nula, por violação d o dever de fundamentação da sentença, previsto nos art.s 607º e 615º, do CPC, e o disposto no art. 27º, nº 4, do RCP;
- o facto 1 dado como não provado deve ser alterado para provado;
- a oposição à penhora deve ser julgada procedente;
- a recorrente agiu como litigante de má-fé.
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II - FUNDAMENTAÇÃO:
O Tribunal “a quo” considerou que «Da discussão da causa resultaram provados os seguintes factos:
A) Em 22/06/2021 foi proferida sentença da qual consta o seguinte dispositivo:
“1) Declara-se ilícito o despedimento de AA, levado a cabo por A..., Lda. Por decisão proferida em 15/01/2021;
2) Julga-se parcialmente procedente, por provada, a reconvenção e, consequentemente, condena-se A..., Lda.:
a) A pagar à trabalhadora AA a quantia de € 31.000,00 (trinta e um mil euros), acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento, bem como a pagar a quantia diária de € 2,83 (dois euros e oitenta e três cêntimos) desde a presente data até ao trânsito em julgado da presente sentença, a título de indemnização em substituição da reintegração;
b) A pagar à trabalhadora AA as retribuições que deixou de auferir entre a data do despedimento e o trânsito em julgado da presente sentença, com dedução:
i) Da quantia paga no mês de Janeiro de 2021 referente a férias pagas e não gozadas, subsídios de férias e de Natal, deduzidas as taxas referentes a IRS e TSU;
ii) Das quantias recebidas pela trabalhadora desde a data do despedimento a título de subsídio de desemprego, que devem ser entregues pela entidade empregadora ao Instituto de Segurança Social, I.P.;
c) A pagar a AA a quantia de € 938,70 (novecentos e trinta e oito euros e setenta cêntimos) relativa ao valor das horas de formação não prestada nos anos de 2018 a 2020, acrescida de juros de mora à taxa legal, vencidos desde a data do despedimento até efectivo e integral pagamento;
d) A pagar a AA a quantia de € 2.000,00 (dois mil euros) a título de compensação por danos morais, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a data da presente sentença até efectivo e integral pagamento;
3) Absolve-se A..., Lda.do demais peticionado por AA.”;
B) Em 21/07/2021 a ora Embargante interpôs Recurso da Sentença indicada em A), o qual foi objecto de despacho de admissão com fixação de efeito meramente devolutivo por despacho proferido em 14/10/2021;
C) Em 04/04/2022 foi proferido Douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto que julgou o recurso nos seguintes termos:
“a) Não admitir a junção dos documentos com as alegações de recurso;
b) Rejeitar parcialmente a apreciação da impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
c) Na parte admitida, julgar parcialmente procedente a impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
d) Julgar o recurso improcedente na vertente da impugnação por erro de direito, confirmando-se a sentença.
e) Julgar improcedente o pedido de condenação da recorrida como litigante de má-fé”, tendo, assim, confirmado a sentença identificada em A) quanto à declaração de ilicitude do despedimento e valores devidos fixados em sede de dispositivo;
D) A ora Embargante interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, que foi admitido por Douto Despacho datado de 23/05/2022 e no âmbito do qual foi proferido Douto Acórdão em 12/10/2022 que negou a revista e confirmou o Acórdão recorrido;
E) Em 16/12/2021 foi apresentado requerimento de execução pela ora Embargada, com base na sentença identificada em A) como título executivo, que corre termos sob o nº 171/21.2T8PNF.1, tendo sido indicados como bens a penhorar uma conta de depósito à ordem no Banco 1... e o prédio urbano inscrito na matriz predial de Paredes sob o artigo ...... e registado na Conservatória do Registo Predial sob o nº ......, com o valor patrimonial tributário atribuído em 2019 de € 128.887,76;
F) No processo executivo identificado em E) a agente de execução procedeu à penhora do prédio identificado em E) e, em 13/07/2022 foi proferido despacho no sentido de determinar que, face ao disposto no artigo 704º do CPC, os autos de execução não podem prosseguir para a fase da venda;
G) O prédio identificado em E) constitui o estabelecimento comercial e sede da Embargante;
H) A Embargante não aceitou a correspondência do valor patrimonial do imóvel identificado em E) ao seu valor comercial e requereu a sua avaliação a fls. 35 dos autos;
I) À data de 06/07/2022 a Embargante era proprietária do imóvel identificado em E) e dos seguintes:
1) prédio urbano inscrito na matriz predial de Paredes sob o artigo ...... e registado na Conservatória do Registo Predial de Paredes sob o nº ......, com o valor patrimonial tributário atribuído em 2021 de € 100.657,55;
2) prédio urbano inscrito na matriz predial de ..., Porto, sob o artigo ... e registado na Conservatória do Registo Predial sob o nº ..., com o valor patrimonial tributário atribuído em 2019 de € 17.928,32;
3) prédio urbano inscrito na matriz predial de Valongo sob o artigo ...... e registado na Conservatória do Registo Predial sob o nº ..., com o valor patrimonial tributário atribuído em 2019 de € 13.819,09;
4) prédio urbano inscrito na matriz predial de ..., Vila do Conde, sob o artigo ... e registado na Conservatória do Registo Predial sob o nº ..., com o valor patrimonial tributário atribuído em 2021 de € 56.900,90;
J) Admitida a perícia de avaliação indicada em H) e notificada a Embargante, por ofício sob refª 90537810, em 30/11/2022, para proceder ao pagamento antecipado dos respectivos encargos, a Embargante não o fez, o que determinou a não realização da avaliação requerida;
K) A sede da Embargante situa-se na Rua ..., ..., Loja ..., Paredes.
Da discussão da causa não resultaram provados os seguintes factos:
1) Os imóveis identificados em I) têm um valor de mercado mais baixo do que o identificado em E) dos factos provados.».
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B) – O Direito
- Da Nulidade da sentença
Quanto a esta questão, diz a apelante que, “… a sentença recorrida condena, conforme já transcrito, a Recorrente como litigante de má-fé, do que também aqui se recorre por se discordar de tal decisão. Desde logo, no que à indemnização diz respeito, a mesma foi requerida pela Recorrida no seu requerimento com a referência 42721027, apresentado a 29/06/2022, suportando tal pedido em honorários do mandatário e demais despesas tais como “deslocações, tempo, expediente geral do escritório, taxas de justiça”. Posto isto, competia à Embargada, tendo peticionado a condenação por litigância de má-fé da Embargante, e o pagamento da respetiva indemnização, não só indicar as despesas e os prejuízos sofridos (e seus montantes), como ainda fazer prova dos mesmos – o que jamais tentou esta efetuar – sob pena de não lhe ser arbitrada a indemnização pedida. No entanto, a Embargada jamais fez (ou tentou fazer) qualquer prova acerca do pagamento das alegadas despesas suportadas nem dos honorários pagos ao mandatário (em ambos os casos, não provou que efetivamente pagou, nem que montantes pagou),, conquanto não junta aos autos qualquer documento que o comprove (faturas, notas de despesas e honorários, comprovativos de pagamento, etc…). Destarte, não tendo efetuado ou tentado fazer qualquer prova, concluímos que a Embargada se limitou a efetuar um pedido dotado de subjetivismo, que o Douto Tribunal a quo se limitou a julgar procedente sem justificar o porquê de ter sido aquele o montante e não outro (violando inclusive, em nosso entendimento, o dever de fundamentação de sentença previsto nos arts. 607.º e 615.º do C. P. C.) .Ora, ainda que o Douto Tribunal a quo julgasse procedente a indemnização peticionada pela Embargada (com a qual não concordamos minimamente, conforme melhor fundamentaremos de seguida), e ainda que considerasse desnecessária a prova das despesas suportadas e prejuízos sofridos, o que apenas por mera hipótese académica se pode admitir, teria aquele Douto Tribunal a quo que fixar de forma justificada uma indemnização de acordo com um prudente arbítrio – o que também, salvo melhor entendimento, não fez. Isto porque da sentença recorrida não consta qualquer justificação acerca do porquê de se ter fixado o quantum indemnizatório no montante de € 5.000,00 (cinco mil euros), nem sequer os critérios que estiveram na origem de tal determinação. Destarte, foi objetivamente violado o dever de fundamentação de sentença a que estava adstrito o Douto Tribunal a quo, previsto no art. 607.º, n.º 4, d o C. P. C., conduzindo assim a sentença recorrida à nulidade prevista no art. 615, n.º 1, al. b) do C. P. C., que desde já expressamente se argui”.
Mais refere, “Aliás, estava nos termos do supracitado art. 607.º, n.º 4 do C. P. C. o Douto Tribunal a quo obrigado a extrair da matéria de facto provada as presunções impostas por lei ou por regras da experiência”, concluindo que, “não poderia o Douto Tribunal a quo ter retirado qualquer conclusão com base numa mera análise superficial e parcial ao ativo da Embargante, sob pena de violar quer o art. 27.º do R. C. P., quer o dever de fundamentação de sentença a que estava adstrito – como, em boa verdade, fez, pelo que uma vez mais a sentença recorrida enferma da nulidade prevista no art. 615.º, n.º 1, al. b) do C. P. C., a qual novamente se argui.”.
Na decisão recorrida escreveu-se e lê-se, a este respeito, o seguinte: «Ora, no caso em apreço, a Embargante, em sede de oposição à execução, e no que interessa para a apreciação de eventual litigância de má fé, apresenta como fundamentos para a sua dedução que a sentença que fundamenta a causa de pedir não constitui título executivo para exigir o pagamento da quantia exequenda sem prestar caução, invocando o disposto nos artigos 703º e 704º do CPC e concluindo pela inexequibilidade do título executivo e incobrabilidade da quantia exequenda, defendendo que apenas são verdadeiros títulos executivos exequíveis as sentenças transitadas em julgado; que o processo executivo não pode seguir a forma sumária por estarmos perante uma obrigação condicional ou dependente de prestação, invocando para o efeito o disposto nos artigos 550º nº 3 alínea a) e 715º do CPC. Como resulta do decidido em sede de sentença no despacho saneador, esta alegação carece do mínimo fundamento jurídico, sendo contrário ao disposto no artigo 704º nºs. 1 a 3 do CPC e que é absolutamente claro ao determinar a exequibilidade de uma sentença condenatória não transitada em julgado, desde que o recurso interposto da mesma tenha efeito meramente devolutivo (como sucedeu no caso em apreço no processo principal), pelo que, contrariamente ao alegado pela Embargante, constitui tal sentença título executivo, sem necessidade de prestação de qualquer caução e sem que se possa afirmar que o recurso constitui uma condição para efeitos do disposto no artigo 715º do CPC. Considerando que a acção executiva foi proposta após prolação de sentença em primeira instância, na pendência de recurso ordinário com efeito meramente devolutivo e que essa sentença foi até já confirmada quanto aos valores executados e transitou em julgado na pendência da execução, resulta evidente a falta de fundamento legal para a invocada existência de fundamento para recusa do requerimento executivo, por não se mostrarem verificados os pressupostos alegados para o efeito, nomeadamente nos artigos 724º, 725º e 726º do CPC, pois como se referiu a sentença que constitui título executivo não está dependente de qualquer condição ou prestação para ser exequível ou a quantia aí fixada exigível. Quanto ao alegado relativamente à forma processual da execução, face ao já supra exposto, bem como o disposto no artigo 550º nº 2 alínea a) do CPC, é precisamente a forma sumária a legalmente prevista para o processo executivo com base em sentença condenatória, não estabelecendo o legislador qualquer distinção entre sentença transitada em julgado ou sentença com recurso pendente com efeito meramente devolutivo. No que se refere à oposição à penhora, dir-se-á que, relativamente ao alegado nos artigos 40º a 51º da petição inicial de embargos, foi também proferida sentença em sede de despacho saneador quanto à inadmissibilidade legal do pedido formulado de indemnização no valor de € 40.000,00 por danos patrimoniais e não patrimoniais, pedido este apresentado sem fundamento jurídico. Em tal decisão foi considerado existir erro na forma de processo, com a declaração, nesta parte, da nulidade de todo o processo e absolvição da embargada da instância, face à total falta de fundamento legal em sede de oposição à penhora nos termos previstos nos artigos 784º nº 1 e 785º do CPC. Em ambas estas alegações, considera o Tribunal que, face às normas legais do CPC quanto ao processo executivo e exequibilidade das sentenças proferidas em processo declarativo e supra identificadas, quanto à forma de processo e fundamentos legais para dedução de oposição à penhora, que se mostram claras e de fácil percepção para qualquer cidadão médio, mais ainda no caso concreto em que a Embargante se apresenta representada por I. Mandatária Judicial que subscreveu os articulados dos presentes autos e que, face à sua formação académica e profissional, tem a obrigação de ter conhecimento pleno de tais normas, inclusive do artigo 704º nº 1 do CPC, que até expressamente invoca no artigo 3º da petição inicial e do qual resulta expresso e incontestável que constitui título executivo uma sentença não transitada em julgado com recurso interposto com efeito meramente devolutivo (cujo efeito a I. Mandatária não desconhecia na medida em que foi a própria quem interpôs tal recurso, requereu efeito suspensivo e foi notificada do indeferimento de tal efeito e fixação de efeito meramente devolutivo, como se pode verificar do processo principal), só se pode concluir que a Embargante não agiu com a diligência devida e que qualquer homem medianamente prudente e cuidadoso teria empregado, pois um homem medianamente prudente e cuidadoso não teria proposto oposição à execução com tal fundamento, tendo actuado de modo grave e com omissão do mínimo de diligência que lhe teria permitido aperceber-se da falta de fundamento legal. O mesmo se dirá quanto à oposição à penhora o que diz respeito ao pedido de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais. Já no que se refere à argumentação de aplicação analógica do artigo 737º nºs. 2 e 3 do CPC ao imóvel penhorado, resulta do já supra decidido que a mesma carece de qualquer fundamento, por manifesta ausência de similitude das penhoras em causa, o que a Embargante também não podia desconhecer, na medida em que na citada norma se isentam apenas os instrumentos de trabalho e objectos indispensáveis ao exercício da actividade da executada, bem como bens imprescindíveis a qualquer economia doméstica que se encontrem na casa de habitação efectiva do executado, o que claramente não se enquadra na penhora realizada no processo de execução. Sendo certo que tal actuação se enquadra no disposto no artigo 542º nº 2 alínea a) do CPC. Para além disso, se tivermos em consideração que entretanto a sentença proferida no processo principal transitou em julgado por força do Acórdão proferido pelo STJ em 12/10/2022 (cfr. ponto D dos factos provados) sem que a Embargante tenha alterado a sua posição processual, considera-se estarmos ainda perante a conduta prevista na alínea d) do nº 2 do artigo 542º do CPC. Aliás, a latere, sempre se dirá, como referiu a Embargada em sede de alegações, que o uso reprovável do processo por parte da Embargante se constata ainda do pedido de avaliação do prédio penhorado e identificação de entidade para a sua realização (cfr. fls. 43); admissibilidade da avaliação requerida (cfr. fls. 99); pedido de escusa de tal entidade a fls. 108 e subsequente silêncio da Embargante; nomeação de novo perito a fls. 122 e notificação da Embargante para proceder ao adiantamento dos preparos respectivos; falta de tal pagamento por parte da Embargante e consequente determinação de não realização da perícia (cfr. fls. 123). Condutas estas que determinaram uma dilação do processo superior à necessária em cerca de 6 meses. Todos estes factos e postura processual evidencia, no mínimo, negligência grave da Embargante na dedução de fundamentos cuja falta de fundamento não devia ignorar; e uso manifestamente reprovável dos meios processuais com a postura processual supra referida, com o fim de entorpecer a acção da justiça, nos termos previstos nas alíneas a) e d) do nº 2 do artigo 542º do CPC. Conclui-se, assim, pela efectiva existência de litigância de má fé por parte da Embargante Consequentemente, e ao abrigo do disposto no artigo 542º nº 1 do CPC, a parte litigante de má fé é condenada em multa e indemnização à parte contraria. No que se refere à multa, estipula o artigo 27º nº 3 do RCP que “Nos casos de condenação por litigância de má fé a multa é fixada entre 2 UC e 100 UC”. Acrescentando o nº 4 que “O montante da multa ou penalidade é sempre fixado pelo juiz, tendo em consideração os reflexos da violação da lei na regular tramitação do processo e na correcta decisão da causa, a situação económica do agente e a repercussão da condenação no património deste”. No caso em apreço desconhece-se a situação económica da Embargante, devendo, no entanto, ter-se em consideração que a mesma é proprietária de 5 imóveis, pelo que terá uma situação desafogada. Quanto aos reflexos da sua actuação na tramitação do processo e decisão da causa, determinou a dedução de oposição por parte da embargada, dilação processual do processo e processo executivo subjacente e um acréscimo considerável de fundamentos jurídicos a apreciar, com o necessário tempo para a sua análise e decisão por parte do Tribunal. Assim, considera-se adequado condenar a Embargante no pagamento de uma multa no valor correspondente a 30 UC. Relativamente à indemnização a pagar à Embargada, peticionou esta a quantia de € 5.000,00, a título de honorários e despesas efectuadas e a efecutar no âmbito dos autos. Considerando que, como se referiu, a Embargada apresentou articulado de oposição aos Embargos deduzidos pela Embargante, para se pronunciar sobre os argumentos jurídicos, bem como o tempo despendido com o presente processo e valor exequendo que se encontra por receber não obstante a data da sentença proferida no processo principal e respectivo trânsito em julgado, considera-se que o valor peticionado afigura-se razoável, pelo que se condena a Embargante a pagar à Embargada uma indemnização no valor de € 5.000,00.».(Fim de citação).
Que dizer?
As causas de nulidade da sentença ou de qualquer decisão (vício extensível aos despachos nos termos do nº 3 do art. 613º do CPC) (diploma a que pertencerão os demais artigos a seguir mencionados, sem outra indicação de origem), são as que vêm taxativamente enumeradas no nº 1 do art. 615º.
Nele se dispõe que, é nula a sentença quando: “a) não contenha a assinatura do juiz; b) não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; d) o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; e) o juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.”.
Em anotação ao art. 668º do CPC de 1961, que corresponde ao actual art. 615º, refere (Abílio Neto, in “Código de Processo Civil Anotado”, 23ª ed., pág. 948), que “os vícios determinantes da nulidade da sentença correspondem a casos de irregularidades que afectam formalmente a sentença e provocam dúvidas sobre a sua autenticidade, como é a falta de assinatura do juiz, ou ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduz, logicamente, a resultado oposto do adoptado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender conhecer questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões de que deveria conhecer (omissão de pronúncia). São, sempre, vícios que encerram um desvalor que excede o erro de julgamento e que, por isso, inutilizam o julgado na parte afectada.”.
Como ensinam, (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in Manual de Processo Civil, 2.ª ed. Revista e Actualizada, 1985, pág. 686), as causas de nulidade constantes do elenco do nº1, do art. 615º, não incluem o “chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário”.
Pois, analisando a sentença recorrida não se descortina o cometimento de qualquer vício, susceptível de configurar qualquer nulidade da mesma, em especial, a que alude a al. b) do nº 1, do art. 615º que a recorrente invoca.
Como já dissemos, nos termos desta disposição legal, a sentença é nula quando “não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”, estando conexionada com o disposto no nº 3 do art. 607º, que impõe ao juiz o dever de especificar os fundamentos de facto e de direito da decisão, conforme art. 205º, nº 1 da CRP.
Sendo o entendimento no sentido de que, apenas, haverá nulidade nos casos de falta absoluta ou total de fundamentos ou de motivação (de facto ou de direito em que assenta a decisão) e não já, quando essa fundamentação ou motivação for deficiente, insuficiente, medíocre ou até errada. Essa fundamentação porventura deficiente, incompleta ou até errada poderá afetar o valor doutrinal da sentença/decisão, sujeitando-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas nunca poderá, assim, determinar a sua nulidade.
Quanto à falta de fundamentação de facto, integrando a sentença tanto a “decisão sobre a matéria de facto” como a “fundamentação dessa decisão”, deve considerar-se que este preceito legal apenas se reporta à primeira, aplicando-se à segunda o regime do art. 662º, nº 2, al. d) e nº 3, als. b) e d), que dispõem:
“2- A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente:
(…)
d) Determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados.
3- Nas situações previstas no número anterior, procede-se da seguinte forma:
(…)
b) Se a decisão for anulada e for inviável obter a sua fundamentação pelo mesmo juiz, procede-se à repetição da prova na parte que esteja viciada, sem prejuízo da apreciação de outros pontos da matéria de facto, com o fim de evitar contradições;
(…)
d) Se não for possível obter a fundamentação pelo mesmo juiz ou repetir a produção de prova, o juiz da causa limitar-se-á a justificar a razão da impossibilidade.”.
Quanto à falta de fundamentação de direito, está em causa a falta de explicação dos motivos que levaram o tribunal a decidir como decidiu, conforme art. 154º, sendo essa justificação indispensável para se saber em que se fundou a sentença.
Mas, lembremos aqui que só a absoluta falta de fundamentação (de facto e de direito) conduz à nulidade da sentença. Ora, e do que se deixou transcrito (e sublinhado) não ocorre o invocado vício. Lendo a sentença proferida em 1ª instância constata-se que estão enunciados os factos provados e estão indicadas as normas jurídicas que levaram à decisão tomada.
Eventualmente, poder-se-á estar perante a “falta” de elementos para a verificação da litigância de má fé e para a fixação do montante da indemnização, o que é questão diferente da falta de fundamentação da decisão. Ou seja, a ocorrer qualquer vício, o mesmo será o de erro de julgamento por falta de elementos para proferir decisão no que concerne à litigância de má fé.
Improcede, assim, este aspeto da apelação.
*
- Da Alteração da Decisão de Facto
Pretende a recorrente que o facto 1 dado como não provado seja considerado provado (“1) Os imóveis identificados em I) têm um valor de mercado mais baixo do que o identificado em E) dos factos provados”), com base no Documento n.º 3 junto com a P. I. de Embargos, em 21/03/2022, nos Documentos n.ºs 1 a 5, juntos com o requerimento de 20/10/2022, com a referência 43628538, dos Códigos de consulta de Certidões Prediais Permanentes juntas com o requerimento de 18/11/2022, com a referência 43916154; e, ainda, no depoimento prestado pela testemunha BB, a qual afirmou que, para suportar a sua conclusão de que estava certo acerca de tal, baseava-se ainda em critérios como as áreas dos imóveis ou o preço de aquisição de cada um deles.
O constante do ponto 1 dos factos não provados, aliás único dado como não provado, antes de mais, merece-nos as seguintes observações.
Nos termos do art. 607º, nº4, “Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência”.
O nº5 do mesmo artigo determina que, “O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto; a livre apreciação não abrange os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial, nem aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes”.
Não sendo de esquecer que, algumas vezes não é fácil distinguir o que é matéria de direito e o que é matéria de facto, quando os limites entre uma e outra são ténues ou se tocam.
Já o Professor (Alberto do Reis in CPC anotado, volume 3, pág. 212) defendia que “tudo o que sejam juízos de valor, induções, conclusões, raciocínios, valorações de factos, é actividade estranha e superior à simples actividade instrutória”.
Também o Conselheiro (Jorge Augusto Pais de Amaral in Direito Processual Civil, 9ªedição, pág. 268) refere que, “os factos (matéria de facto) abrangem principalmente as ocorrências concretas da vida real. Os juízos de facto situam-se na meia encosta entre os puros factos (que ocorreram na planície terrena da vida) e as questões de direito (situadas nas cumeadas das normas jurídicas)”.
E, finalmente, o Conselheiro (A. Abrantes Geraldes in Temas da Reforma do Processo Civil, volume 2, pág. 138) escreve que o juiz deve irradiar da base instrutória “as alegações com conteúdo técnico-jurídico, de cariz normativo ou conclusivo, a não ser que porventura tenham, simultaneamente, uma significação corrente e da qual não dependa a resolução das questões jurídicas que no processo se discutem”.
A propósito desta questão matéria de facto/matéria de direito, veja-se a posição assumida no (Acórdão do STJ de 28.01.2016, Proc. nº 1715/12.6TTPRT.P1.S1 in www.dgsi.pt) onde (com exclusão das notas de rodapé), se assentou o seguinte: “(...).
Mau grado o Código de Processo Civil em vigor não contenha um dispositivo com o mesmo conteúdo do n.º 4 do artigo 646.º do anterior código que referia «têm-se por não escritas as respostas do tribunal colectivo sobre questões de direito (…)», entende-se que esse facto não priva o Tribunal da Relação e este Supremo Tribunal dos poderes de censura sobre a matéria de facto que eram consignados naquela norma. Na verdade, conforme se considerou no acórdão desta Secção de 7 de maio de 2014, proferido na revista n.º 39/12.3T4AGD.C1.S1: «11. A matéria de facto “não pode conter qualquer apreciação de direito, isto é, qualquer valoração segundo a interpretação ou a aplicação da lei ou qualquer juízo, indução ou conclusão jurídica”, pelo que as questões de direito que constarem da selecção da matéria de facto devem considerar-se não escritas (embora o NCPC não contenha norma correspondente à ínsita no artigo 646º, n.º 4, 1ª parte, do anterior CPC, chega-se à mesma conclusão interpretando a contrario sensu o actual artigo 607.º, n.º 4, segundo o qual na fundamentação da sentença o juiz declara os “factos” que julga provados).». Embora esteja vedado ao Supremo Tribunal de Justiça avaliar a bondade da decisão de facto propriamente dita, não lhe está vedado, todavia, por tal constituir matéria jurídica (cfr. artigos 662.º, n.º 4, 674.º, n.º 3, e 682.º, CPC), apreciar se determinada asserção – tida como “facto” provado - consubstancia na realidade uma questão de direito ou um juízo de natureza conclusiva/valorativa, caso em que, sendo objecto de disputa das partes, deverá ser julgada não escrita, nos termos sobreditos». Na análise das questões suscitadas continua a ter relevo a jurisprudência formulada na vigência do anterior Código de Processo Civil sobre o referido n.º 4 do artigo 646.º daquele Código e, nomeadamente, a delimitação entre factos, juízos de valor sobre factos, e valorações jurídicas de factos, que é essencial à ponderação da intervenção levada a cabo pelo Tribunal da Relação. Conforme se considerou no acórdão desta Secção de 24 de Novembro de 2011, proferido na revista n.º 740/07.3TTALM.L1.S2, «o n.º 4 do artigo 646.º do Código de Processo Civil, dispõe que “têm-se por não escritas as respostas do tribunal colectivo sobre questões de direito e bem assim as dadas sobre factos que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes”» e «atento a que só os factos podem ser objecto de prova, tem-se considerado que o n.º 4 do artigo 646.º citado estende o seu campo de aplicação às asserções de natureza conclusiva, “não porque tal preceito, expressamente, contemple a situação de sancionar como não escrito um facto conclusivo, mas, como tem sido sustentado pela jurisprudência, porque, analogicamente, aquela disposição é de aplicar a situações em que em causa esteja um facto conclusivo, as quais, em rectas contas, se reconduzem à formulação de um juízo de valor que se deve extrair de factos concretos objecto de alegação e prova, e desde que a matéria se integre no thema decidendum» — acórdão desde Supremo Tribunal, de 23 de Setembro de 2009, Processo n.º 238/06.7TTBGR.S1, da 4.ª Secção, disponível in www.dgsi.pt.”». Por thema decidendum deve entender-se o conjunto de questões de natureza jurídica que integram o objecto do processo a decidir, no fundo, a componente jurídica que suporta a decisão. Daí que sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de factos que se insira na análise das questões jurídicas a decidir, comportando uma resposta, ou componente de resposta àquelas questões, tal ponto da matéria de facto deve ser eliminado, em nome dos princípios que inspiravam a norma do referido n.º 4 do artigo 646.º do anterior Código de Processo Civil. Mas nem todas as proposições de natureza conclusiva sobre a matéria de facto envolvem valorações de natureza jurídica a justificar a sua retirada da matéria de facto. A distinção, por um lado, entre factos e juízos de valor sobre matéria de facto que terão necessariamente de ter factos concretos como fundamento, e matéria de direito, por outro, nem sempre é fácil. Conforme refere ANTUNES VARELA, «os factos (a matéria de facto), no campo do direito processual, abrangem principalmente, embora não exclusivamente, as ocorrências concretas da vida real». Estas realidades concretas da vida fazem parte do objecto da prova a produzir, não esgotando o universo da factualidade que é suporte da valoração jurídica inerente ao processo decisório. Na acepção de MANUEL DE ANDRADE, cabem no objecto da prova «tanto os factos (estados ou acontecimentos) que − directa ou indirectamente – sirvam de pressuposto às normas legais aplicáveis, como os chamados factos acessórios (…)», «tanto os factos do mundo exterior [factos externos (…)] como os da vida psíquica (factos internos)», «tanto os factos reais (segundo a respectiva afirmação da parte) como os chamados factos hipotéticos (…)», «tanto os factos nus e crus (se verdadeiramente os há) como os juízos de facto (…)». Muitas vezes o preenchimento das normas jurídicas envolve efectivamente a necessidade de formulação de juízos de valor que resultam da avaliação de elementos da matéria de facto que não se podem confundir com a valoração jurídica inerente às questões de direito. Importa, pois, distinguir nesses juízos de natureza valorativa sobre os factos, os casos em que os mesmos se inserem na análise jurídica do caso, daqueles que a ela são alheios e que poderão subsistir no acervo factual base a considerar. Neste último caso, conforme refere ANTUNES VARELA, ou seja, se «algum dos juízos de valor sobre os factos (ou seja, sobre a matéria de facto) for indevidamente incluído no questionário, a resposta do colectivo a esses quesitos não deve ser tida por não escrita, por aplicação do disposto no n.º 4 do artigo 646.º do Código de Processo Civil, visto não se tratar de verdadeiras questões de direito». Segundo aquele autor, estes juízos de valor sobre a matéria de facto situam-se «a meio da encosta entre os puros factos (que correm na planície terrena da vida) e as questões de direito (situadas nas cumeadas das normas jurídicas), constituem o alvo específico da prova pericial (por contraste com a prova testemunhal) e encontram-se profusamente espalhadas por toda a legislação como parte integrante do Tatbestand de numerosas disposições legais». Torna-se, pois, necessária uma avaliação da matéria de facto fixada sob esta perspectiva, não se podendo confundir juízos de valor sobre factos, que as instâncias podem levar a cabo, por presunção natural, desde que a matéria de facto lhes confira suporte bastante, e a valoração jurídica de factos, que, por integrar matéria de direito, deve efectivamente ser retirada da matéria de facto dada como provada. Na verdade, conforme refere o autor acima citado, «há que distinguir nesses juízos de facto (juízos de valor sobre matéria de facto) entre aqueles cuja emissão ou formulação se há-de apoiar em simples critérios próprios do bom pai de família, do homo prudens, do homem comum e aqueles que, pelo contrário, na sua formulação apelam essencialmente para a sensibilidade ou intuição do jurista, para a formação especializada do julgador». Neste cenário «os primeiros estão fundamentalmente ligados à matéria de facto e a última palavra acerca deles, por isso mesmo, deve caber à Relação. Os segundos estão mais presos ao sentido da norma aplicável ou aos critérios de valoração da lei e, por isso, o Supremo pode e deve, como tribunal de revista, controlar a sua aplicação». Feita esta delimitação haverá que concluir que só não podem ser considerados no plano da aplicação do direito os enunciados constantes da matéria de facto que, para sua cabal compreensão, exijam o recurso a critérios estritamente jurídico-normativos, que deverão ser retirados da base factual da decisão a proferir” (Fim de citação).
Que dizer, então, relativamente ao ponto 1 (único) da matéria de facto dada como não provado.
Desde logo, o que se verifica é que este ponto é vago, além de genérico, posto que para se afirmar/concluir que, “Os imóveis identificados em I) têm um valor de mercado mais baixo do que o identificado em E) dos factos provados”, importava que se tivesse apurado qual o valor de mercado de cada um dos referidos imóveis.
Deste modo, se o Tribunal a quo não o tivesse dado como não provado, este Tribunal teria de o declarar não escrito, pois esse ponto é genérico e vago e não se traduz num facto.
Por outro lado, não se alcança a razão do pedido de alteração do referido ponto 1, nos termos indicados pela apelante, posto que essa pretensa alteração acabaria por permitir concluir que a penhora deveria incidir, como incidiu, sobre o imóvel penhorado, o identificado em E.
Assim, sem necessidade de outras considerações, improcede, também, esta pretensão da apelante.
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- Se a oposição à penhora deve ser julgada procedente
Decidiu-se, a este respeito, na sentença, o seguinte: «(…) no que se refere aos bens imóveis, o relevante é o seu valor pecuniário de mais fácil realização e a adequação deste ao montante do crédito do exequente. No caso em apreço, o valor da execução é de € 35.180,55, pelo que as despesas previsíveis da execução se presumem ascender a 10%, ou seja, € 3.518,05. Sendo certo que, a tal valor acrescem os juros de mora devidos e executados, sendo: - sobre a quantia de € 31.000,00 a título de indemnização, vencidos desde a citação da ora Embargante no processo principal; - sobre a quantia de € 938,70 relativa ao valor das horas de formação não prestada nos anos de 2018 a 2020, vencidos desde a data do despedimento; - sobre a quantia de € 2.000,00 a título de compensação por danos morais, vencidos desde a data da sentença no processo principal até efectivo e integral pagamento. É certo que o valor patrimonial tributário do imóvel penhorado é superior ao valor exequendo e que a Embargante era proprietária de outros imóveis de valor patrimonial tributário inferior. No entanto, e embora coubesse à Embargante o ónus de prova do valor pecuniário dos imóveis, nomeadamente do penhorado, em sede de valor de mercado, já que é este o relevante para efeitos de venda executiva, é também certo que aquela não logrou fazer tal prova, não obstante tivesse tido possibilidade de o fazer, pois requereu atempadamente a avaliação do prédio. No entanto, não procedeu ao pagamento prévio dos encargos necessários para o efeito, o que só à Embargante se pode imputar. Não ficou minimamente provado que o valor patrimonial tributável dos prédios corresponde ao seu valor real patrimonial, ou que seja mesmo inferior a este. E mesmo que se pudesse afirmar que, em regra as avaliações fiscais dos imóveis situam o respectivo valor abaixo do seu valor de mercado, não é possível concluir ser esse o caso quanto aos imóveis em questão nos autos, nomeadamente o penhorado. Sendo certo que, por outro lado, a venda executiva é, em regra, realizada por um preço muito aquém do valor real dos imóveis. Aliás, o valor base da venda é desde logo inferior ao valor patrimonial tributário, como resulta do disposto nos artigos 812º nº 3, 816º nº 2, 832º alínea d) e 833 e ss- do CPC. A tal acresce ainda a demora processual na concretização da venda, como se pode desde logo constatar o caso dos presentes autos. Ora, no caso em apreço, o bem penhorado é um bem imóvel. Sendo que, apesar de ser onde se situa a sede e o estabelecimento comercial da Embargante, não se confunde com o conceito jurídico de estabelecimento comercial, pelo que não está excepcionada a aplicação do nº 2 do artigo 751º do CPC. As alternativas apresentadas pela Embargante em termos de penhora consistem nos imóveis identificados no ponto I) dos factos dados como provados e cujos valores patrimoniais, em termos de mercado, não logrou a Embargante demonstrar serem superiores ao valor da quantia exequenda (não foi alegado nem ficou demonstrado em que local se situa cada um dos imóveis, respectivo valor por m2, a envolvente, a sua caracterização ou estado material ou, sequer, se apresentam algum encargo, nomeadamente arrendamento, tudo factores que afectam o respectivo valor de mercado para efeitos de venda). Aliás, mesmo que se tivesse por base o valor patrimonial tributário de cada um dos imóveis em questão, o que, como já se referiu, não pode servir de base à determinação do valor patrimonial de mercado, apenas se poderia discutir a desproporcionalidade da penhora quanto aos indicados em I.1) e I.4). No entanto, a diferença de valor entre o prédio penhorado e o identificado em I.1) é de apenas cerca de € 28.000,00, o que numa venda executiva facilmente é anulado. A que acresce o facto de, no prédio penhorado, se situar o estabelecimento comercial da Embargante, com todas as limitações daí decorrentes, sendo um factor de desvalorização do prédio, para efeitos de venda judicial, já que os eventuais interessados têm consciência de existência de um ónus que lhes poderá dificultar o acesso ao imóvel. Já quanto ao prédio indicado em I.4), considerando o valor da quantia exequenda, respectivas despesas e juros de mora devidos, não se pode concluir que o seu valor seja adequado ao montante do crédito da exequente. Ou seja, ainda que se concluísse que o imóvel penhorado não se adequa, por excesso, ao montante do crédito exequendo, sempre a sua penhora seria admissível, na medida em que não só não se provou que a penhora de qualquer dos imóveis permitiria a satisfação integral da exequente no prazo de 6 meses, como é lícito concluir do seu mero valor patrimonial tributário que a penhora de qualquer um dos outros imóveis presumivelmente não permitiria a satisfação integral em tal prazo. Conclui-se, assim, pela ausência de prova da violação do princípio da proporcionalidade inerente à penhora e que o imóvel penhorado não excede o necessário, de acordo com um juízo de prognose, para satisfação da quantia exequenda, despesas e juros. Por último, refira-se que, contrariamente ao alegado pela Embargante, não é admissível uma aplicação analógica, no caso dos presentes autos, ao estabelecido no artigo 737º nº 2 do CPC, pois em tal norma identificam-se os instrumentos de trabalho e objectos indispensáveis ao exercício da actividade do executado, o que é distinto do imóvel onde se localiza a sede e estabelecimento comercial. Sendo que a Embargante não produziu qualquer prova, nem sequer alegou, que o imóvel é um instrumento de trabalho da sua actividade social ou um objecto indispensável ao exercício da sua actividade, até porque, sendo a Embargante proprietária de outros quatro imóveis, sempre poderá transferir a sede e estabelecimento comercial para um desses. Por outro lado, o imóvel onde se situa a sede de uma pessoa colectiva não é minimamente comparável com o domicílio de uma pessoa singular e necessidades básicas que com este se visa satisfazer. Atento o supra exposto, conclui-se, assim, pela improcedência da oposição à penhora.» (Fim de citação)
A apelante pugna pelo levantamento da penhora, dizendo: “(...) não podemos deixar de dizer que, ainda que se possa concorda ainda que se pudesse concordar que “em regra as avaliações fiscais dos imóveis situam o respectivo valor abaixo do seu valor de mercado”, como indica expressamente o Tribunal a quo na sentença recorrida, também teria que se aceitar que a avaliação tributária de um imóvel – a qual assenta em critérios objetivos como a área, o conforto, a localização, a qualidade, entre outros – ainda que não reflita a valorização do imóvel em termos absolutos, não tem como não ser idóneo a provar, em termos relativos (ou seja, em termos comparativos), qual dos imóveis tem o valor mais elevado, isto é, se com base em determinados critérios objetivos se conclui que um determinado imóvel (neste caso, a sede da sociedade) tem um valor tributário bastante superior ao valor tributário de outros imóveis, também se tem que (ainda que os valores não sejam ajustados com o mercado) o valor real desse imóvel será sempre superior ao dos outros imóveis que têm valores patrimoniais inferiores. A este respeito, não podemos deixar de sublinhar que, na sentença recorrida, embora a Mm.ª Juiz a quo tenha entendido que “em regra as avaliações fiscais dos imóveis situam o respectivo valor abaixo do seu valor de mercado, não é possível concluir ser esse o caso quanto aos imóveis em questão nos autos, nomeadamente o penhorado”, entendeu também – no parágrafo imediatamente seguinte – que “Sendo certo que, por outro lado, a venda executiva é, em regra, realizada por um preço muito aquém do valor real dos imóveis”. Ou seja, acontece que, no nosso entendimento, e salvo devido respeito por diversa opinião, tal interpretação carece de coerência, dado que não pode a sentença recorrida concluir de forma diferente em dois casos semelhantes, não aplicando num deles a regra geral ao caso concreto, e de seguida retirar uma conclusão sustentada numa regra geral (que também não poderia ter sido aplicada ao caso concreto).” Sucede de igual modo quando, seguidamente, consta da sentença recorrida que “No entanto, a diferença de valor real entre o prédio penhorado e o identificado em I.1) é de apenas € 28.000,00, o que numa venda executiva facilmente é anulado. A que acresce o facto de, no prédio penhorado, se situar o estabelecimento comercial da Embargante, com todas as limitações daí decorrentes, sendo um factor de desvalorização do prédio, para efeitos de venda judicial, já que os eventuais interessados têm consciência da existência de um ónus que lhes poderá dificultar o acesso ao imóvel”, onde novamente se aplica uma regra geral ao caso concreto, que é precisamente aquilo que o Douto Tribunal tinha referido que não era possível de ser efetuado. Aliás, tal supracitada conclusão não poderia o Douto Tribunal a quo adotar, porquanto não existem na matéria de facto provada quaisquer factos que permitissem àquele Douto Tribunal retirar tal conclusão, nem sequer tentou qualquer uma das partes fazer a prova desse facto, Uma vez que se assim o tivessem pretendido, teriam certamente inquirido em sede de audiência de julgamento os “eventuais interessados” que faz o Douto Tribunal a quo referência.”.
E acrescenta, “Assim, parece-nos óbvio que, se a Sociedade Recorrente é proprietária três imóveis com valor patrimonial superior à quantia exequenda (€ 38.698,60), qualquer um destes imóveis seria suficiente para garantir o pagamento à Embargada da dita quantia exequenda, Ainda para mais, quando o próprio Tribunal refere expressamente que, “em regra as avaliações fiscais dos imóveis situam o respectivo valor abaixo do seu valor de mercado (…)”, Pelo que, através da aludida transcrição refere, de forma tácita, o Tribunal a quo que qualquer um dos demais imóveis se venderia por preço substancialmente superior à quantia exequenda. Posto isto, resulta de modo evidente que a penhora realizada ao imóvel que representa a sede da sociedade é ilícita, por evidente violação dos princípios da adequação e proporcionalidade (cfr. n.ºs 1 e 2, respetivamente, do art. 751.º do C. P. C.). Nesse sentido, deve este Venerando Tribunal da Relação proferir sentença que decida de forma oposta à decisão recorrida, determinando assim a procedência da oposição à penhora, com o consequente levantamento da mesma, e demais consequências legais.”.
Vejamos então.
Nos termos do art. 735º, nº1, “Estão sujeitos à execução todos os bens do devedor suscetíveis de penhora que, nos termos da lei substantiva, respondem pela dívida exequenda”. E o seu nº3 determina, “A penhora limita-se aos bens necessários ao pagamento da dívida exequenda e das despesas previsíveis da execução, as quais se presumem, para o efeito de realização da penhora e sem prejuízo de ulterior liquidação, no valor de 20%, 10% e 5% do valor da execução, consoante, respectivamente, este caiba na alçada do tribunal da comarca, a exceda, sem exceder o valor de quatro vezes a alçada do tribunal da Relação, ou seja superior a este último valor”.
Sob a epígrafe, “Ordem de realização da penhora” determina o art. 751º o seguinte: “1- A penhora começa pelos bens cujo valor pecuniário seja de mais fácil realização e se mostrem adequados ao montante do crédito do exequente. 2- O agente de execução deve respeitar as indicações do exequente sobre os bens que pretende ver prioritariamente penhorados, salvo se elas violarem norma legal imperativa, ofenderem o princípio da proporcionalidade da penhora ou infringirem manifestamente a regra estabelecida no número anterior. 3- Ainda que não se adeque, por excesso, ao montante do crédito exequendo, é admissível a penhora de bens imóveis ou do estabelecimento comercial desde que: (…) c) A penhora de outros bens presumivelmente não permita a satisfação integral do credor no prazo de seis meses, nos restantes casos”. (no caso, a dívida é superior à alçada do tribunal da Relação).
Conforme referem (Virgínio da Costa Ribeiro e Sérgio Rebelo in “A Ação Executiva Anotada e Comentada”, 2015, pág. 334), «Na prática, o que se pretende é que o crédito exequendo seja satisfeito pela via mais simples e rápida, sem prejudicar desnecessariamente os interesses patrimoniais de executado».
O art. 812º, nº3, sob a epígrafe, “Determinação da modalidade de venda e do valor base dos bens” preceitua que, “O valor de base dos bens imóveis corresponde ao maior dos seguintes valores:
a) Valor patrimonial tributário, nos termos de avaliação efetuada há menos de seis anos;
b) Valor de mercado”.
E o nº5 do mesmo artigo determina que no caso da alínea b) do nº3 “o agente de execução pode promover as diligências necessárias à fixação do valor do bem de acordo com o valor de mercado, quando o considere vantajoso ou algum dos interessados o pretenda”.
Decorre do exposto, que o valor base dos bens imóveis a vender, nos termos daquele nº3 do art. 812º, apura-se pelo maior dos seguintes valores (patrimonial tributário e de mercado).
Através do apuramento desses dois valores se chega ao valor de base para a venda (o maior deles).
Assim sendo, a conclusão do carácter excessivo da penhora exige, igualmente, a prova do valor de mercado do imóvel.
Contudo, no caso, o que se verifica é que a embargante não fundamentou a oposição à penhora tendo por base o valor de mercado do imóvel penhorado mas o valor patrimonial tributário. E não suscitou essa avaliação (valor de mercado) ao agente de execução nos termos do art. 812º, nº5. E, posteriormente, apesar de ter requerido a avaliação do imóvel, (por não aceitar que o valor patrimonial tributário coincide com o valor de mercado), que foi admitida, a mesma não chegou a realizar-se, conforme consta da factualidade provada – als. H e J.
Deste modo, e não tendo sido feita a prova do valor de mercado do imóvel penhorado (nem dos demais imóveis de que a embargante é proprietária e indicados na al. I dos factos provados), ao contrário do que considera e pugna a recorrente, não é lícito concluir que a penhora do imóvel, onde a executada tem a sua sede, viola os princípios da adequação e proporcionalidade previstos no nº1 e no nº2 do referido art. 751º.
E não obsta à penhora o facto de no imóvel a apelante ter a sua sede e o seu estabelecimento comercial, já que não foi alegado, nem se provou, que o dito imóvel constitui “instrumento de trabalho e objeto indispensável ao exercício da atividade” da executada, conforme nº2 do art. 737º.
Conclui-se, assim, pela improcedência da oposição à penhora e esta questão da apelação.
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Vejamos, agora.
- Se a recorrente agiu de má-fé
Já atrás deixámos transcrita a decisão recorrida no que a tal questão diz respeito. Por isso, dispensamo-nos de, aqui, repetir os termos da sentença.
Quanto a esta questão, a apelante defende que a sentença recorrida deve ser revogada no que respeita à sua condenação como litigante de má fé, argumentando que, “Também a sentença recorrida condena, conforme já transcrito, a Recorrente como litigante de má-fé, do que também aqui se recorre por se discordar de tal decisão. Desde logo, no que à indemnização diz respeito, a mesma foi requerida pela Recorrida no seu requerimento com a referência 42721027, apresentado a 29/06/2022, suportando tal pedido em honorários do mandatário e demais despesas tais como “deslocações, tempo, expediente geral do escritório, taxas de justiça”. Posto isto, competia à Embargada, tendo peticionado a condenação por litigância de má-fé da Embargante, e o pagamento da respetiva indemnização, não só indicar as despesas e os prejuízos sofridos (e seus montantes), como ainda fazer prova dos mesmos – o que jamais tentou esta efetuar – sob pena de não lhe ser arbitrada a indemnização pedida. No entanto, a Embargada jamais fez (ou tentou fazer) qualquer prova acerca do pagamento das alegadas despesas suportadas nem dos honorários pagos ao mandatário (em ambos os casos, não provou que efetivamente pagou, nem que montantes pagou),, conquanto não junta aos autos qualquer documento que o comprove (faturas, notas de despesas e honorários, comprovativos de pagamento, etc…). A propósito, jamais poderia a Recorrente ser condenada em qualquer tipo de má-fé, conquanto as pretensões por si deduzidas nos Embargos de Executado – que foram, de forma resumida, a inexequibilidade da sentença que constituiu o título executivo, a oposição à penhora por desadequada e desproporcional e a inexistência de título executivo quanto ao montante das custas pagas pelo Exequente no processo executivo – não se enquadram de forma alguma no preceito do art. 542.º do C. P. C.. Aliás, consta expressamente do despacho saneador proferido nos Embargos de Executado de cuja sentença ora se recorre, que “No que se refere ao pedido de custas processuais da execução, o mesmo já foi objeto de desistência pela Embargada e de sentença de extinção da execução nessa parte, pelo que resulta prejudicado o alegado a este respeito”. Ou seja, ainda que qualquer um dos fundamentos que serviram de base aos Embargos intentados pela aqui Recorrente fosse completamente descabido, ainda assim teria aquela recorrido aos Embargos, dado que um dos fundamentos lhe assistia – se assim não fosse, certamente não teria a Recorrida desistido de tal pedido sem que tivesse sido proferida qualquer decisão quanto a essa matéria, pelo que a Recorrida, que sustentou o seu pedido de indemnização em, entre outros, “o tempo despendido com o presente processo” [o processo de Embargos, note-se], sempre teria efetivamente que despender tempo com os aludidos Embargos, conquanto foi aquela quem peticionou quantias a que não tinha direito em sede de requerimento executivo. Destarte, inexiste qualquer nexo de causalidade entre o tempo despendido com o processo em questão e os fundamentos da P. I. de Embargos, conquanto foram deduzidos pedidos que não eram devidos, nomeadamente as custas do processo executivo, pelo que, ainda que nenhum outro fundamento fosse apresentado, sempre se recorreria aos Embargos de Executado a Recorrente, pelo facto de lhe serem peticionadas quantias indevidas. Ora, sempre a Recorrente evidenciou, em sede de litígio, um espírito de boa-fé e colaboração que jamais poderiam ter sido interpretados doutro modo, pelo que tal condenação como litigante de má-fé constitui até uma violação crassa dos princípios constitucionais de acesso ao Direito e da proibição da indefesa consagrados nomeadamente no art. 20.º da C. R. P.. Por outro lado, foi ainda a Recorrente condenada em multa, a favor do Douto Tribunal a quo, no montante equivalente a 30 UC, ou seja, € 3.060,00. A propósito, perfilhamos a opinião de que em caso algum poderia o Douto Tribunal a quo haver efetuado tal quantificação, conquanto o art. 27.º, n.º 4 do R. C. P. dispõe, de forma bastante clara, que “O montante da multa ou penalidade é sempre fixado pelo juiz, tendo em consideração os reflexos da violação da lei na regular tramitação do processo e na correcta decisão da causa, a situação económica do agente e a repercussão da condenação no património deste”. Acontece que, apesar disso, jamais foi efetuada qualquer ponderação acerca da situação económica da Recorrente pelo Tribunal a quo, que por sua vez nem sequer dispunha de quaisquer elementos que pudessem servir de base a essa ponderação, o que também apenas àquele Douto Tribunal se pode imputar, conquanto nunca solicitou à Recorrente que fornecesse aos autos tais elementos. Aliás, é o próprio Tribunal quem o assume de forma expressa, afirmando que “No caso em apreço desconhece-se a situação económica da Embargante” – ou seja, se se desconhece a situação económica da aqui Recorrente, é porque não foi efetuada a obrigatória ponderação que ao Douto Tribunal a quo se exigia, violando-se assim objetivamente o aludido art. 27.º, n.º 4 do R. C. P.. Sucede ainda que o Douto Tribunal a quo retira uma conclusão (de que a ora Recorrente “terá uma situação desafogada”) através de um facto que não era idóneo a provar aquela conclusão (o facto de esta ser proprietária de 5 imóveis), Isto porque a situação económica da então Embargante – como a de qualquer outro agente – apenas poderia ter sido concebida através de um balanço entre o ativo e o passivo existente.
A propósito, teve o Douto Tribunal a quo conhecimento de que, na conta bancária da Embargada, aquando do seu bloqueio, constava um saldo de pouco mais de € 5.000,00, saldo esse que representa, de forma notória, a existência de reduzidos montantes na esfera da sociedade Recorrente, quanto se esta vivesse uma situação económica tão desafogada como, em erro, acreditou o Tribunal a quo, certamente que o saldo bancário em apreço teria outra dimensão…Nesse sentido, tal condenação em montante equivalente a 30 UC constitui inclusive uma violação evidente do Princípio do Contraditório, o qual é um Princípio estruturante do Processo Civil que visa assegurar às partes um tratamento igual, obstando a que o Tribunal profira decisões-surpresa, como foi o caso desta decisão referente à multa por litigância de má-fé. Aliás, estava nos termos do supracitado art. 607.º, n.º 4 do C. P. C. o Douto Tribunal a quo obrigado a extrair da matéria de facto provada as presunções impostas por lei ou por regras da experiência. Assim, não tendo a ora Recorrente sido convidada a pronunciar-se acerca da sua situação económica, nem lhe tendo sido requerido que dotasse os autos de elementos que permitissem efetuar um juízo objetivo acerca da tal capacidade económica, jamais poderia o Tribunal a quo realizado o juízo acerca da sua situação económica, não podendo consequentemente condenar a Recorrente na multa em questão. Ainda acerca da litigância de má-fé, não pode a Recorrente deixar de frisar que jamais dotou a sua conduta e o seu espírito, ao longo do litígio, de qualquer má-fé que lhe pudesse ser assacada, como veio efetivamente a ser. Desde logo, porque, como é sabido, dizem-se ações executivas aquelas em que o credor requer as providências adequadas à realização coativa de uma obrigação que lhe é devida (cfr. art. 10.º, n.º 4 do C. P. C.). Nesse sentido, resulta de forma evidente que a Exequente, aquando da apresentação do requerimento executivo através do qual desencadeou a ação executiva – neste caso, com a finalidade de pagamento de quantia certa –, pretendeu obter coercivamente a prestação que executou, como sempre sucede quando um credor se socorre de uma ação executiva. Consequentemente, limitou-se a então Embargante a deduzir embargos, com um dos fundamentos a ser precisamente a impossibilidade da aí Embargada ser paga (o que era o fim último daquela providência) conquanto não havia prestado a caução exigida pelo art. 704.º, n.º 3, do C. P. C.. Desse modo, e salvo melhor opinião, não se pode concluir, como concluiu o Douto Tribunal a quo que tal pretensão tenha contribuído para a não descoberta da verdade material, dado que a intenção da Embargante era precisamente que não fosse a quantia exequenda paga à Embargada sem que tal caução lhe fosse prestada. No entanto, mesmo que tal houvesse sucedido, em caso algum poderia a Recorrente ser condenada na multa que lhe foi aplicada, sob pena de violação do art. 27.º, n.º 4, do R. C. P., conquanto não foi pelo Douto Tribunal a quo efetuada qualquer ponderação da situação económica da Recorrente. Em sentido idêntico, o mesmo sucede com a indemnização a que foi a Recorrente condenada, dado que em momento algum a Recorrida, tendo peticionado a sobredita indemnização, justifica ou concretiza quais os reais prejuízos por si sofridos com o litígio, nem mesmo os prova – através de quaisquer documentos ou outro meio idóneo para o efeito –, sendo certo que sobre aquela recaía o ónus de prova de tais prejuízos.”.
Ora, apurar se lhe assiste ou não razão, inevitavelmente, leva-nos para as previsões legais do art. 542º.
Vejamos, então.
Segundo estatui aquele art. 542º, sob a epígrafe “Noção de má fé”, no seu nº2:
“Diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar;
b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa;
c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação;
d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão.”.
Actualmente, o incumprimento gravemente culposo ou doloso dos deveres de cooperação e das regras de boa-fé é sancionado civilmente através do instituto da litigância de má-fé previsto neste art. 542º.
Visando, tal como está hoje configurado, o instituto da litigância de má-fé permitir ao juiz, quando necessário, proceder a uma “disciplina” imediata do processo, oferecendo resposta pronta, ainda que necessariamente limitada, para atitudes aberrantes, iniquidades óbvias, erros grosseiros ou entorpecimento evidente da justiça, (veja-se Regime Jurídico da Litigância de Má-fé, Estudo de Avaliação de Impacto, DGPJ, Ministério da Justiça, Novembro de 2010, acessível na Internet).
As partes, em juízo, não obstante a complexidade da controvérsia e a intensidade que colocam na defesa de posições próprias, estão sujeitas aos deveres de cooperação, probidade e boa-fé na sua relação adversarial e em relação ao Tribunal, já que a lide visa a obtenção de decisão conforme à verdade e ao Direito, sob pena da protecção jurídica que reclamam não ser alcançada, com desprestígio para si mesmas, para a Justiça e os Tribunais. Daí que o legislador, no actual art. 7º, imponha aos magistrados, partes e mandatários o dever de cooperarem com vista à justa composição do litígio.
O dever de litigar de boa-fé, com respeito pela verdade, é corolário do princípio da cooperação a que se reporta o citado art. 7º e vem consignado no art. 8º.
É a violação do dever de boa-fé processual, de forma dolosa ou gravemente negligente, que configura a litigância de má-fé nos termos do referido art. 542º. O dever de boa-fé processual surge consagrado como reflexo e corolário do princípio da cooperação, sancionando-se como litigante de má-fé a parte que, não apenas com dolo, mas com negligência grave, deduza pretensão ou oposição manifestamente infundadas, altere, por acção ou omissão, a verdade dos factos relevantes, pratique omissão indesculpável do dever de cooperação ou faça uso reprovável dos instrumentos adjetivos.
Em suma, é a violação do dever geral de probidade, consagrado no art. 8º, enquanto conduta ilícita, praticada de forma dolosa (lide dolosa) ou gravemente negligente (lide temerária), que configura a litigância de má-fé.
Nos termos do tipo previsto no art. 542º, nº2, al. a), litiga de má fé quem, com dolo ou negligência grave, tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamentação não devia ignorar.
Citando (Paula Costa e Silva, in “A Litigância de Má Fé”, Coimbra Editora, 2008, pág. 392) a «parte actuará ilicitamente se souber ou se devia saber que a sua pretensão, quer atendendo aos aspectos de facto, integradores da potencial causa de pedir, quer atendendo aos efeitos que deles são retirados, através da formulação de um pedido, não é compatível com aquilo que o sistema dita.». Basta que à parte seja exigível esse conhecimento, cabendo à parte indagar se a sua pretensão era fundamentada, no plano de facto e do direito, no caso, concreto. «A parte pratica um ato desconforme e provocador de um dano num bem juridicamente protegido porque, antes de agir, devia ter observado os deveres de indagação que sobre ela impendiam; o desconhecimento quanto à falta de fundamentação é-lhe imputável, sendo censurável» (Ob. Cit., pág. 394), tanto relevando a negligência consciente como a negligência inconsciente. A exigibilidade do conhecimento quanto à falta de fundamentação constitui realidade diversa do conhecimento efectivo, sendo que a exigência deste «equivaleria a inviabilizar praticamente o funcionamento da regra» (Ob. Cit., pág. 393).
Na síntese daquela autora, (Paula Costa e Silva, Ob. Cit., pág. 395), o parâmetro de aferição do dever de diligência da parte consubstancia-se assim: «A generalidade das pessoas ou todas as pessoas, pertencentes à categoria social e intelectual da parte real, colocadas naquela situação em concreto, ter-se-iam abstido de litigar, uma vez que, cumprindo os seus deveres de indagação, teriam concluído não terem, quer a pretensão, quer a defesa, fundamento. Só um sujeito extraordinariamente desleixado age como agiu a parte.».
Com efeito, as partes têm o dever de pautar a sua actuação processual por regras de conduta conformes com a boa-fé, tendo a condenação do pleiteante como litigante de má-fé um forte cariz punitivo do seu comportamento processual.
A doutrina tem classificado a má-fé de que trata o preceito em duas variantes: a má-fé material e a má-fé instrumental, abrangendo a primeira os casos das alíneas a) e b) do nº 2, e a segunda os das alíneas c) e d) do mesmo número, (cfr. neste sentido Ac. do S.T.J. de 11.09.2012, proc. n.º 2326/11.09TBLLE.E1.S1).
Ora, a litigância de má-fé exige a consciência de que quem pleiteia de certa forma, tem a consciência de não ter razão. Com efeito, uma das condutas em que se exprime a litigância de má-fé consiste na alegação, voluntária e consciente, de factos que seriam relevantes para a decisão da causa, mas que a parte sabe que, ao alegar como alega, desvirtua a realidade por si conhecida, visando, por isso, intencionalmente um objectivo censurável.
Sendo que para a condenação como litigante de má-fé exige-se que se esteja perante uma situação de onde não possam surgir dúvidas sobre a actuação dolosa ou gravemente negligente da parte (conforme, Abílio Neto, Código de Processo Civil anotado, anotações ao art. 456º, citando Ac.s do S.T.J. de 20.06.1990, de 10.04.80; 19.09.91 e 03.07.84, in www.dgsi.pt).
Como consta do sumário do (Acórdão do STJ de 12.11.2020, Proc. nº 279/17.9T8MNC-A.G1.S1 in www.dgsi.pt) a má-fé, quer substancial quer instrumental, exige que nos encontremos “perante uma intenção maliciosa ou uma negligência de tal modo grave ou grosseira que, aproximando-a da atuação dolosa, justifica um elevado grau de reprovação e idêntica reação punitiva”.
Posto isto, avancemos, regressando para o caso concreto.
Na oposição à execução a apelante invocou a inexequibilidade do título executivo por a sentença ainda não ter transitado em julgado referindo, ainda, que a exequente não pode ser paga sem prestar caução – artigo 704º, nº3 do CPC. Mais defendeu que a taxa de justiça constante do requerimento executivo, e reclamado pela exequente, é incerta e não é exigível, concluindo pela suspensão da execução ao abrigo da al. c) do nº1 do art. 733º.
Basta ler a segunda parte do nº1 do art. 704º “a sentença só constitui título executivo depois do trânsito em julgado, salvo se o recurso contra ela interposto tiver efeito meramente devolutivo” para se concluir que a embargante invocou fundamento manifestamente infundado, actuando, deste modo, dolosamente, na medida em que não poderia ignorar o disposto na citada disposição legal e, intencionalmente, limitou o fundamento jurídico à primeira parte do citado artigo, quando bem sabia que ao recurso da decisão proferida no processo principal tinha sido fixado o efeito meramente devolutivo (cfr. despacho proferido em 14.10.021), efeito este que poderia ser alterado se ela, embargante, ao abrigo do disposto no art. 83º, nº2 do CPT, tivesse requerido que ao recurso (da decisão proferida nos autos principais) fosse atribuído efeito suspensivo, prestando caução. Se assim tivesse actuado nem sequer teria necessidade, sempre ressalvando melhor opinião, de deduzir embargos.
Razão, porque, em nosso entender, a defesa apresentada pela embargante foi indubitavelmente temerária, a justificar a sua condenação como litigante de má fé ao abrigo do disposto na referida al. a) do nº2 do art. 542º.
Mas continuemos.
No que respeita à oposição à penhora a apelante alegou que a penhora da conta bancária lhe causou graves danos (patrimoniais e não patrimoniais), formulando pedido nesse sentido, mais alegando que possuindo um estabelecimento comercial no imóvel penhorado o mesmo está isento de penhora e afirmando, ainda, que a penhora desse imóvel ofende o princípio da proporcionalidade e da adequação previstos no art. 751º, nºs 1 e 3, pedindo o levantamento da penhora.
Ora, tendo em conta o disposto no art. 784º, (fundamentos da oposição à penhora) é manifesto que a embargante ao formular o pedido de condenação da embargada/exequente no pagamento de determinada quantia a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, (quando não poderia desconhecer que a tramitação dessa oposição não comporta a formulação de tal pedido) actuou com negligência grosseira, retardando, assim, o rápido processamento da ação executiva e dos embargos.
Verifica-se, pois, a situação prevista na al. a) do referido nº2 do art. 542º.
Mas, para além do referido, podemos ainda concluir que a actuação da embargante preenche a situação prevista na al. d) do nº2 do art. 542º (Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão).
A embargada, como já referido atrás, não aceitou o valor patrimonial do imóvel penhorado, por entender que ele não corresponde ao valor de mercado, e requereu a avaliação do mesmo, o que foi deferido. Mas quando chegou o momento de depositar os encargos devidos para a realização da perícia, a embargante não o fez, originando que a diligência não se fizesse.
Este comportamento da embargante é reprovável posto que provocou demora e atraso no julgamento dos embargos na medida em que requereu a realização de diligência – a perícia – e mais tarde impediu a sua realização, ao não depositar os encargos devidos.
Por último, note-se que, esta, conclusão a que se chegou (verificação das situações previstas nas alíneas a) e d) do nº2 daquele art. 542º) não ofende os princípios constitucionais previstos no art. 20º da CRP, quais sejam o acesso ao direito e proibição da indefesa.
Na verdade, à embargante foi permitido defender-se, só que essa defesa ultrapassou o razoável e o dever de lealdade na condução do processo.
*
Face a isso, cumpre agora averiguar se o Tribunal “a quo” tinha todos os elementos para condenar a embargante na multa e na indemnização, como fez.
Comecemos, por lembrar, aqui, o seguinte do teor da decisão recorrida:
«Consequentemente, e ao abrigo do disposto no artigo 542º nº 1 do CPC, a parte litigante de má fé é condenada em multa e indemnização à parte contraria. No que se refere à multa, estipula o artigo 27º nº 3 do RCP que “Nos casos de condenação por litigância de má fé a multa é fixada entre 2 UC e 100 UC”. Acrescentando o nº 4 que “O montante da multa ou penalidade é sempre fixado pelo juiz, tendo em consideração os reflexos da violação da lei na regular tramitação do processo e na correta decisão da causa, a situação económica do agente e a repercussão da condenação no património deste”. No caso em apreço desconhece-se a situação económica da Embargante, devendo, no entanto, ter-se em consideração que a mesma é proprietária de 5 imóveis, pelo que terá uma situação desafogada. Quanto aos reflexos da sua actuação na tramitação do processo e decisão da causa, determinou a dedução de oposição por parte da embargada, dilação processual do processo e processo executivo subjacente e um acréscimo considerável de fundamentos jurídicos a apreciar, com o necessário tempo para a sua análise e decisão por parte do Tribunal. Assim, considera-se adequado condenar a Embargante no pagamento de uma multa no valor correspondente a 30 UC. Relativamente à indemnização a pagar à Embargada, peticionou esta a quantia de € 5.000,00, a título de honorários e despesas efectuadas e a efecutar no âmbito dos autos. Considerando que, como se referiu, a Embargada apresentou articulado de oposição aos Embargos deduzidos pela Embargante, para se pronunciar sobre os argumentos jurídicos, bem como o tempo despendido com o presente processo e valor exequendo que se encontra por receber não obstante a data da sentença proferida no processo principal e respectivo trânsito em julgado, considera-se que o valor peticionado afigura-se razoável, pelo que se condena a Embargante a pagar à Embargada uma indemnização no valor de € 5.000,00.».
Vejamos.
É certo que, a embargada veio pedir a condenação da embargante em indemnização não inferior a €5.000,00, alegando estar incluído neste montante os honorários do mandatário, as despesas efetuadas e a efetuar no processo (deslocações, tempo, expediente geral de escritório, taxas de justiça e outras).
No entanto, salvo o devido respeito, entendemos que o Tribunal “a quo” não dispunha de elementos para fixar a indemnização a que aludem os art.s 542º, nº1, 543º, nº1. Impondo-se, por isso, que neste particular a embargante e a embargada tivessem sido ouvidas nos termos do nº3 do referido art. 543º.
Por outro lado, quanto à fixação da multa há que ter em conta o que determina o art. 27º nº 3 do RCP: “Nos casos de condenação por litigância de má fé a multa é fixada entre 2 UC e 100 UC”. E, em especial, o seu nº4 que dispõe: “O montante da multa ou penalidade é sempre fixado pelo juiz, tendo em consideração os reflexos da violação da lei na regular tramitação do processo e na correta decisão da causa, a situação económica do agente e a repercussão da condenação no património deste”.
Analisando a decisão recorrida, verifica-se que, nela, concluiu-se que a embargante tem uma situação desafogada atendendo ser proprietária de cinco imóveis, mas em simultâneo, aí, é referido desconhecer-se a sua situação económica.
Ora, reiterando o necessário respeito, entendemos que o simples facto de a embargante ser proprietária de 5 imóveis não permite concluir, por si só, que a sua situação económica é desafogada, quando ao mesmo tempo se afirma não se saber qual a sua situação económica.
Por isso, o Tribunal, em obediência ao disposto no referido nº4 do art. 27º do RCP, deveria ter efetuado as diligências que tivesse por conveniente para apurar a situação económica da embargada, o que não aconteceu.
Em suma, a decisão recorrida merece o nosso acolhimento quando condenou a embargante como litigante de má fé, mas impõe-se, quanto à fixação do montante da indemnização que o Tribunal “a quo” ouça as partes, e quanto à fixação do montante da multa apure a situação económica da embargante, procedendo às diligências que tiver por conveniente.
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III – DECISÃO
Face ao exposto, acorda-se em julgar a apelação parcialmente procedente, por provada, e consequentemente:
1 – Confirma-se a decisão recorrida no que respeita à improcedência da oposição à penhora e à condenação da embargante como litigante de má-fé.
2 – Revoga-se a decisão recorrida no que respeita à fixação do montante da indemnização e da multa, por condenação da embargante como litigante de má fé, e ordena-se que o Tribunal “a quo” proceda à audição das partes, nos termos do art. 543º, nº3 do CPC, e averigue a situação económica da embargante.
3 - Após, deve proceder à fixação do montante da multa e da indemnização.
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Custas a cargo de ambas as partes na proporção de 2/3 para a embargante e 1/3 para a embargada.
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Porto, 10 de Julho de 2024
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O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos,
Rita Romeira
António Luís Carvalhão
Eugénia Pedro