SANÇÕES DISCIPLINARES CONSERVATÓRIAS
INAPLICABILIDADE DO REGIME PREVISTO NO N.º 1 DO ARTIGO 357º DO CT
Sumário

I - O sistema jurídico nacional prevê dois tipos de processo disciplinar, consoante a sanção que o empregador pretenda aplicar: o processo disciplinar comum, previsto para a aplicação das sanções conservatórias e regulado no artigo 329.º; o processo disciplinar para a aplicação da sanção de despedimento por facto imputável ao trabalhador, regulado nos termos do artigo 353.º ss.
II - As duas modalidades de processo disciplinar distinguem-se pelo tipo de sanção em causa, mas também por alguns aspetos regimentais, resultando de uma apreciação comparada dos artigos 329.º e 353.º e seguintes que o processo para despedimento é mais moroso, mais exigente do ponto de vista dos requisitos de qualificação da infração disciplinar e oferece mais garantias de defesa ao trabalhador, exigências essas que encontram a sua justificação no facto de estar em causa a aplicação da sanção disciplinar mais grave, e que poderá pôr fim ao vínculo contratual.
III - O prazo a que alude o n.º 1 do art. 357.º do CT/2009, onde está estabelecido um prazo de 30 dias para proferir a decisão de despedimento, sob pena de caducidade do direito de aplicar a sanção, não é aplicável, diretamente, por analogia ou por interpretação extensiva, ao procedimento disciplinar comum referente a aplicação de sanção disciplinar conservatória.

Texto Integral

Apelação / processo n.º 2837/23.3T8AVR-A.P1
Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, Juízo do Trabalho de Aveiro - Juiz 2

Autor: AA

Réus: A..., S.A., e BB.

_______

Nélson Fernandes (relator)

Germana Ferreira Lopes

Rui Manuel Barata Penha

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I - Relatório

1. AA intentou ação emergente de contrato de trabalho, sob a forma comum, contra A..., S.A., e BB.

Fixado o valor da causa em € 5.142,64, foi proferido despacho saneador, dispensando-se de seguida, invocando-se o disposto nos artigos 49.º, n.º 3, e 62.º, n.º 1 do Código de Processo de Trabalho (CPT), a fixação do objeto do litígio e a enunciação dos temas da prova.

Seguindo os autos os seus termos subsequentes, após ser designado dia para realização da audiência de julgamento, o Tribunal de 1.ª instância proferiu despacho de cujo dispositivo consta:

«Termos em que improcede a exceção de caducidade.

Notifique.”

2. Dizendo-se inconformado com o assim decidido, apresentou o Autor requerimento de interposição de recurso, finalizando as alegações com as seguintes conclusões (transcrição):

“a) No despacho recorrido a Mmª Juíza a quo julgou improcedente a exceção de caducidade do direito de aplicação de sanção disciplinar.

b) Salvo o devido respeito, sem razão ou fundamento legal, como tentaremos demonstrar. Assim:

c) De acordo com a aplicação analógica e com o elemento teleológico do disposto no art.º 357.º, n.º 1, do CT o prazo de 30 dias para a notificação da decisão disciplinar é aplicável a todos os processos disciplinares (neste sentido, atente-se, por exemplo, ao Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 06.11.2019).

d) Deve ser dada como provada a seguinte matéria de facto: - a última diligência de prova ocorreu no dia 22.02.2022; - a decisão proferida no processo disciplinar foi notificada ao Autor no dia 09.8.2022 (cfr. documentos juntos com a pi).

e) No caso concreto, decorreram mais de 30 dias desde a última diligência de instrução e a notificação da decisão ao trabalhador / Autor; tendo, por isso, caducado o direito ao exercício do poder disciplinar do empregador.

f) Pelo que, o despacho recorrido deve ser revogado e, em consequência, ser declarada procedente a exceção de caducidade, com as legais consequências;”

2.1. Não constam dos autos contra-alegações.

2.2. O recurso foi admitido em 1.ª instância, como apelação, com subida imediata e em separado.

3. Nesta Relação foi emitido parecer pelo Exmo. Procurador-Geral Adjunto, pronunciando-se pela improcedência do recurso, parecer esse que, notificado, não foi objeto de pronúncia pelas partes.


*


Cumpridas as formalidades legais e nada obstando ao conhecimento do mérito, cumpre decidir:

II- Questões a resolver

Sendo pelas conclusões que se delimita o objeto do recurso (artigos 635º/4 e 639º/1/2 do CPC – aplicável “ex vi” do artigo 87º/1 do CPT), integrado também pelas que são de conhecimento oficioso e que ainda não tenham sido decididas com trânsito em julgado, a única questão a decidir prende-se com saber se a decisão recorrida errou na aplicação do direito ao ter declarado improcedente a exceção da caducidade.

II- Fundamentação

A) Os elementos de facto a considerar são os que resultam da decisão recorrida e relatório que antes se elaborou.


*

B) Discussão

A questão a decidir, por apelo às conclusões do recurso, centra-se em saber se, diversamente do decidido, deve julgar-se procedente a exceção de caducidade do direito de aplicação de sanção disciplinar, avançando o Recorrente com o argumento de que deve ser aplicado, por aplicação analógica e de acordo com o elemento teleológico, o disposto no artigo 357.º, n.º 1, do Código do Trabalho (CT) – assim, diz, o prazo de 30 dias para a notificação da decisão disciplinar é aplicável a todos os processos disciplinares –, acrescentando, ainda, que “deve ser dada como provada a seguinte matéria de facto: - a última diligência de prova ocorreu no dia 22.02.2022; - a decisão proferida no processo disciplinar foi notificada ao Autor no dia 09.8.2022 (cfr. documentos juntos com a pi)” e que no caso concreto “decorreram mais de 30 dias desde a última diligência de instrução e a notificação da decisão ao trabalhador / Autor; tendo, por isso, caducado o direito ao exercício do poder disciplinar do empregador”

Não constando dos autos contra-alegações e pronunciando-se o Exmo. Procurador-Geral adjunto, no parecer emitido, pela improcedência do recurso, tendo em vista a apreciação da questão que nos é colocada, importa que comecemos por esclarecer, a respeito da pretensão do Recorrente, dirigida a este Tribunal superior, de que deve ser dado como provado que “a última diligência de prova ocorreu no dia 22.02.2022” e de que “a decisão proferida no processo disciplinar foi notificada ao Autor no dia 09.8.2022”, que essa pretensão não pode obter provimento pois que, salvo o devido respeito, a intervenção do Tribunal de recurso em sede de matéria de facto tem diretamente por base uma pronúncia que tenha ocorrido anteriormente em 1.ª instância, o que no caso não se verificou.

Não obstante, tendo presente que a pronúncia do Tribunal recorrido parece ter tido como pressuposto os referidos elementos de facto, assim os que são mencionados pelo Recorrente e que antes se referiram, vamos partir também desse mencionado pressuposto, para efeitos da apreciação da questão essencial de direito que nos é colocada no presente recurso.

Nesse considerando, constata-se que da decisão recorrida consta a seguinte fundamentação:

Da caducidade do direito de aplicação de sanção disciplinar:

Invoca o autor a caducidade do direito da ré, de aplicar sanção disciplinar ao autor, uma vez que, entre a última diligência de prova (datada de 22/02/2022) e a notificação da decisão da ré (09/08/2022) distam mais de 30 dias. Pugna pela aplicação do artigo 357.º, n.º 1 do Código do Trabalho, o qual, sendo embora previsto para a sanção de despedimento, deverá, em seu entender, ser aplicado aos demais procedimentos disciplinares.

A ré pugna em sentido contrário, ancorando-se na jurisprudência, e alegando que apenas se aplica às sanções conservatória do prazo do artigo 329.º, n.º 2 do Código do Trabalho.

Sem necessidade de grandes considerações, entende o Tribunal que assiste razão à ré. Com efeito, além da integração sistemática da norma – em segmento do Código do Trabalho destinado à cessação do contrato de trabalho, capítulo VII, e concretamente ao despedimento, secção IV – nesse sentido milita, ainda, a letra da lei, já que a norma se refere expressamente ao despedimento.

Esta é uma norma especial e, como tal, insuscetível de aplicação analógica. Tão-pouco o é a interpretação extensiva.

Ademais, o processo disciplinar tem marchas distintas consoante as sanções a que conduz, cf. ensinam LOBO XAVIER, Bernardo, Iniciação ao Direito do Trabalho, pp. 178 e 290 e ss., e Manual de Direito do Trabalho, Verbo, 2011, p. 748, apud VAZ MARECOS, Diogo, no seu Código do Trabalho Comentado, Almedina, Coimbra, 2023, pp. 1027 e s., embora não sem o criticar, isso mesmo conclui.

Concordamos, pois, com a jurisprudência indicada pela ré, concretamente o acórdão do venerando Tribunal da Relação de Coimbra de 29 de outubro de 2015, processo n.º 325/14.8T8CBR.C1, disponível em www.dgsi.pt.

Para os procedimentos disciplinares com sanções conservatórias, vigora, assim, apenas o prazo de prescrição vertido no artigo 329.º do Código do Trabalho.

Termos em que improcede a exceção de caducidade.

Cumprindo-nos apreciar e decidir, tendo por referência a fundamentação transcrita, desde já adiantamos que acompanhamos o entendimento sufragado na decisão recorrida, a qual, diga-se, responde já integralmente aos argumentos avançados pelo Recorrente no presente recurso, argumentos esses que, traduzindo é certo uma diversa perspetiva, aliás sustentada em jurisprudência que indica – assim, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 06.11.2019 –, que naturalmente respeitamos, no entanto, porém, não espelham, assim o entendemos, a melhor leitura do regime legal aplicável ao caso, leitura esta que se nos afigura ser aquela que foi afirmada na decisão recorrida, suportando-se no entendimento que foi afirmado no Acórdão da Relação de Coimbra de 29 de outubro de 2015[1].

Como resulta do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de setembro de 2016[2], “o poder disciplinar consiste na faculdade, atribuída ao empregador, de aplicar, internamente, sanções aos trabalhadores cuja conduta conflitue com os padrões de comportamento da empresa ou se mostre inadequada à correcta efectivação do contrato”, destinando-se, assim, “a fazer face a situações de responsabilidade disciplinar, ou seja, a actuações do trabalhador em violação do contrato de trabalho, mais propriamente da relação laboral”. Como no mesmo Aresto também se diz, “as sanções disciplinares susceptíveis de aplicação pelo empregador estão estabelecidas no art. 328º, entendendo-se todavia – nos próprios termos da lei – que outras sanções podem ser fixadas por Instrumento de Regulamentação Colectiva de Trabalho”, sendo que “em qualquer das circunstâncias a que tenha lugar, a sanção disciplinar deve ser proporcional à gravidade da infracção e à culpabilidade do infractor, não podendo aplicar-se mais do que uma pela mesma infracção, e a sua aplicação deve ter lugar nos três meses subsequentes à decisão, sob pena de caducidade – cf. art. 330º, n.ºs 1 e 2.”

Evidenciando precisamente a circunstância de resultarem da lei dois tipos de processo disciplinar, designados pelo termo «procedimento», resulta por sua vez do Acórdão do mesmo Tribunal de 30 de março de 2017[3]:

«(…) A Professora Maria do Rosário Palma Ramalho[[4]] refere que “o sistema jurídico nacional prevê dois tipos de processo disciplinar – designados pelo termo «procedimento» - consoante a sanção que o empregador pretenda aplicar:

- O processo disciplinar comum, previsto para a aplicação das sanções conservatórias e regulado no artigo 329.º;

- O processo disciplinar para a aplicação da sanção de despedimento por facto imputável ao trabalhador, regulado nos termos do artigo 353.º ss.

Estas duas modalidades de processo disciplinar distinguem-se pelo tipo de sanção em causa, mas também por alguns aspetos regimentais. Com efeito, uma apreciação comparada dos artigos 329.º e 353.º e seguintes permite concluir que o processo para despedimento é mais moroso, mais exigente do ponto de vista dos requisitos de qualificação da infração disciplinar e oferece mais garantias de defesa ao trabalhador. Estas garantias evidenciam-se na necessidade de emissão de uma nota de culpa, na exigência de forma escrita e de comunicação das várias fases do processo às estruturas sindicais e à comissão de trabalhadores, na obrigatoriedade da instrução, e na necessidade de fundamentação escrita da decisão de despedimento.

As maiores exigências do processo de despedimento encontram a sua justificação no facto de estar em causa a aplicação da sanção disciplinar mais grave, e que poderá pôr fim ao vínculo contratual.”

O processo disciplinar para despedimento encontra-se sujeito aos seguintes princípios: (…)

Por seu turno, as fases principais do processo disciplinar para despedimento são as seguintes:

- A iniciativa processual (arts. 352.º, 353.º e 354.º do Código do Trabalho);

- A defesa do trabalhador (art. 355.º do Código do Trabalho);

- A instrução (art.º356.º do Código do Trabalho);

- A decisão final (art.º 357.º do Código do Trabalho).

Atenta a situação concreta dos autos, vamos debruçar-nos sobre a fase da decisão final, tendo presentes as regras que emergem do art.º 357.º, do Código do Trabalho, que tem como epígrafe “Decisão de despedimento por facto imputável ao trabalhador”.

Segundo o n.º 6, da norma citada, a decisão é comunicada, por cópia ou transcrição, ao trabalhador, à comissão de trabalhadores, ou à associação sindical respetiva, caso aquele seja representante sindical ou na situação a que se refere o n.º 6 do artigo anterior.

A decisão do despedimento consubstancia uma declaração negocial recipienda, cujos efeitos determinam a extinção do contrato de trabalho, fixando a lei o momento da cessação efetiva do contrato de trabalho quando aquela chega ao poder do trabalhador, ou é dele conhecida, tal como se refere no art.º 357.º, n.º 7, do Código do Trabalho, e decorre das regras gerais sobre a eficácia das declarações negociais, consagradas no art.º 224.º, do Código Civil.

É esta particularidade própria do procedimento do despedimento de que a comunicação da decisão ao trabalhador determina a imediata cessação do vínculo laboral que nos leva a afastar o regime previsto no art.º 330.º, n.º 2, do Código do Trabalho, que dispõe que a aplicação da sanção deve ter lugar nos três meses subsequentes à decisão, sob pena de caducidade.

Neste sentido também o Professor Pedro Romano Martinez [[5]] que de uma forma clara e afirmativa manifesta a sua opinião no sentido de que em caso de despedimento não se aplica a regra, constante do art.º 330.º, n.º 2, do Código do Trabalho.

Chegados a este ponto é altura de questionar qual é prazo que o empregador dispõe para comunicar ao trabalhador a decisão do despedimento.

O Professor Pedro Romano Martinez[[6]] refere que decorrido o prazo de cinco dias para as entidades representativas dos trabalhadores emitirem parecer, o empregador tem trinta dias para proferir a decisão, que deve ser, de seguida, comunicada ao trabalhador.

Face ao princípio da celeridade processual, de que está imbuído o processo disciplinar para despedimento compreende-se a utilização da expressão “de seguida” utilizada pelo citado Professor, pois, como já se referiu, no caso do processo de despedimento o princípio é reforçado pela exigência do carácter imediato da sanção do despedimento, e pela previsão de prazos curtos para a condução do processo disciplinar e para a decisão final sobre a sanção a aplicar.

Na verdade, se a justa causa para despedimento exige um comportamento culposo e ilícito do trabalhador, do qual decorra uma consequência grave ao ponto de tornar imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, é de esperar que o empregador logo que profira a decisão proceda de imediato à comunicação da mesma ao trabalhador, para que a mesma se torne eficaz, determinando assim a imediata cessação do contrato de trabalho.

Não existindo uma disposição legal expressa que defina um prazo em que deva ser efetuada a comunicação ao trabalhador da decisão de despedimento resta-nos considerar o disposto no art.º 329.º, n.º 3, do Código do Trabalho, o qual dispõe que o procedimento disciplinar prescreve decorrido um ano contado da data em que é instaurado quando, nesse prazo, o trabalhador não seja notificado da decisão final.

É, assim, a norma que dispõe sobre o procedimento disciplinar e prescrição que nos fornece a resposta para a nossa questão, levando-nos a concluir que a comunicação ao trabalhador da decisão de despedimento, para se tornar eficaz e ter a virtualidade de fazer cessar o vínculo laboral, terá de ser efetuada dentro do prazo perentório concedido pelo legislador para a tramitação do procedimento, que é um ano contado da data em que for instaurado. (…)»

Ora, é também ao ter em consideração, precisamente, a diversidade de procedimentos previstos na lei por decorrência da sanção a aplicar, que se chega, no Acórdão da Relação de Coimbra de 29 de outubro de 2015 (antes identificado), à solução a que no mesmo se chegou, que, como já o dissemos acompanhamos, tendo por base a fundamentação que de seguida se transcreve:

«(…) Devemos desde já dizer que concordamos, no essencial, com a análise efectuada na sentença quanto à questão da caducidade do direito de proferir decisão disciplinar ou de aplicar a sanção.

No sistema do Código do Trabalho de 2009, como aliás do anterior Código do Trabalho, podemos distinguir dois tipos de processo disciplinar: o primeiro que pode ser designado como de processo disciplinar comum, previsto para a aplicação de sanções disciplinares conservatórias (v. Maria do Rosário Palma Ramalho, Direito do Trabalho, Parte II, 2006, pag. 641 e segs.) e um outro, especial, para a sanção disciplinar de despedimento, a sanção mais grave e que conduz à ruptura do vínculo contratual.

No caso, a sanção disciplinar decidida pela ré empregadora foi uma sanção conservatória de suspensão do trabalho por dois dias, com perda de retribuição e antiguidade, suspensa na sua execução por um período de dois anos, sendo que o processo não foi orientado para uma sanção de despedimento, uma vez que para tanto essa intenção teria de ser comunicada ao trabalhador – e no caso não o foi – na nota de culpa (art. 353.º n.º 1 do Código do Trabalho).

Ora, na regulação do processo disciplinar comum o Código do Trabalho não contém qualquer prazo para proferir a decisão disciplinar, ao contrário do que sucede para o processo especial onde vem estabelecido um prazo de 30 dias para proferir a decisão de despedimento, “sob pena de caducidade do direito de aplicar a sanção” (art. 357.º n.º 1 do Código do Trabalho).

Sustenta o apelante que, na ausência de previsão de prazo para proferir a decisão de sanção conservatória, deveria aplicar-se o prazo previsto para a decisão de despedimento por aplicação extensiva ou analógica, convocando para apoio da sua tese o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 21-05-2014, proferido no proc. n.º 4264/12.9TTLSB.L1-4 (disponível in www.dgsi.pt).

No mesmo Acórdão, reconhecendo-se a existência dos dois tipos de processo disciplinar no Código do Trabalho, sendo o que tem em vista o despedimento tem a “forma mais pesada, pormenorizada e garantística do procedimento disciplinar”, considerou-se não existirem razões para diferenciar o prazo para a decisão disciplinar em relação ao processo com vista a aplicar as sanções conservatórias do vínculo laboral.

Ali se escreveu, a propósito:

«Com efeito, não prevendo a lei especificamente um prazo para esta decisão, há que saber se esta norma se aplica por analogia (art.º 10º do Código Civil).
Há analogia quando para o caso omisso valem as mesmas razões justificativas da regulamentação prevista na lei.

O período de 30 dias foi considerado razoável pela lei, em casos muito graves – ou seja naqueles em que não é exigível a manutenção da situação laboral, aplicando-se, pois, a mais grave das sanções, o despedimento fundado em justa causa subjectiva, art.º 330/1/f – para o empregador reflectir e decidir.

Acentua-se que não é uma decisão ligeira, que se tome levianamente, sem pesar devidamente todos os prós e contras: mexe profundamente com a vida do trabalhador e de alguma sorte também com o empregador, ao menos no seio das pequenas organizações, sendo certo que a acção injustificada poderá levá-lo a ter de indemnizar os danos de aí resultantes.

Ora, se 30 dias chegam para tomar uma decisão que se quer reflectida e que obedece a critérios materiais e formais pesados, por maioria chega para decidir num procedimento mais ligeiro, como é o que aqui acontece. Ou seja, as razões são as mesmas aqui e ali, justificando-se exactamente o mesmo prazo de 30 dias (poderia discutir-se, sim, a eventual aplicação de um lapso de tempo inferior; mas não cremos que se possa, sem artificialidade nem arbítrio, proclamar prazo diferente, vg, 20 dias ou outro).»

Ou seja, o Acórdão citado justificou a aplicação, para o processo comum, do referido prazo próprio do processo com vista ao despedimento por analogia, depois de identificar uma lacuna legal e considerar que para o primeiro tipo do processo valem as mesmas razões justificativas do que as consideradas para o segundo.

Divergimos desse entendimento.

Na verdade, importa averiguar se é possível identificar uma verdadeira lacuna, o que pressupõe que se esteja verdadeiramente perante uma omissão não intencional da lei. E, também, averiguar se a norma que prevê o prazo em causa para o processo com vista ao despedimento é ou não uma norma excepcional, já que as normas excepcionais não comportam aplicação analógica, quando muito admitem interpretação extensiva, nos termos do disposto no artigo 11.º do Código Civil.

Nesta indagação, importa observar, como refere Baptista Machado (Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, pag. 196) que as lacunas de lei (o que seria o caso) são lacunas teleológicas a determinar “em face do escopo visado pelo legislador ou seja, em face da ratio legis de uma norma ou da teleologia imanente a um complexo normativo”, estando-se aí então no domínio da analogia, a qual serve ali para determinar simultaneamente a existência de uma lacuna e o preenchimento da mesma. Sendo certo que, também como refere o mesmo autor (ob. citada, pag. 95), para se ter uma norma por excepcional é “necessário verificar se se está ou não perante um verdadeiro ius singulare, isto é um regime oposto ao regime-regra e directamente determinado por razões indissoluvelmente ligadas ao tipo de casos que a norma excepcional comporta”.

A hipótese de recortar, no caso em apreciação, a existência de uma lacuna, seria a de constatar uma lacuna “latente”, na expressão do autor citado (na mesma obra, pags. 196-197), ou seja aquela que se evidencia quando a lei contém uma regra aplicável a certa categoria de casos, “mas por modo tal que, olhando ao próprio sentido e finalidade da lei, se verifica que essa categoria abrange uma subcategoria cuja particularidade ou especialidade, valorativamente relevante, não foi considerada”, revelando-se a ausência de uma norma excepcional ou especial para essa subcategoria de casos.

Tal como refere o Acórdão invocado pelo apelante – e com o que concordamos - o processo disciplinar com vista o despedimento tem a “forma mais pesada, pormenorizada e garantística do procedimento disciplinar”. Assim sendo, justifica-se do ponto de vista da ratio legis, tratando-se da sanção disciplinar mais grave e que maiores consequências tem para as partes, sobretudo para o trabalhador, que os prazos estabelecidos tenham maior detalhe e rigor no plano da garantia da celeridade processual (um dos princípios norteadores do processo disciplinar - v. Maria do Rosário Palma Ramalho, ob. citada, pag. 644).

Logo, num processo disciplinar com uma forma menos “pesada, pormenorizada e garantística” pode considerar-se que as razões justificativas do prazo em apreciação – para a decisão da sanção – não se coloquem com a mesma força, não se detectando aí, no próprio sentido e finalidade da lei, que as mesmas razões conduzam a verificar que para o processo disciplinar comum tal prazo seja valorativamente relevante e não foi considerado.

As razões justificativas do estabelecimento de prazos são as da celeridade na condução do processo disciplinar.

Conforme se referiu no Acórdão da Relação do Porto de 27 de Abril de 2015 (proc. 903/13.2TTMTS-A.P1, in www.dgsi) o prazo de 30 dias para a decisão já vinha do regime legal anterior ao CT/2003, mas era entendimento jurisprudencial que o mesmo não consubstanciava um prazo de caducidade, mas apenas um prazo para ponderação no juízo final a emitir quanto à impossibilidade da manutenção da relação laboral e consequente existência de justa causa para o despedimento. O Código do Trabalho de 2003 veio, esse sim, qualificar esse prazo como de caducidade. Por sua vez o Código do Trabalho de 2009, reafirmando-o como prazo de caducidade, veio introduzir algumas alterações em matéria de procedimento com vista ao despedimento, designadamente clarificando que, no caso de inexistência de comissão de trabalhadores e o trabalhador não seja representante sindical, o prazo de 30 dias para proferir a decisão final se conta a partir da data da conclusão da última diligência de instrução (art. 357.º, n.º 2), introduzindo prazos no âmbito do procedimento do despedimento em caso de microempresas (art. 358.º, n.º 2).

Mas, sobretudo, no que toca à questão agora em apreciação, introduziu-se no Código do Trabalho de 2009, inovatoriamente, um prazo aplicável ao processo disciplinar comum (aplicável também ao processo com vista ao despedimento), ao estabelecer no art. 329.º, n.º 3, que "o procedimento disciplinar prescreve decorrido um ano contado da data em que é instaurado quando, nesse prazo, o trabalhador não seja notificado da decisão final".
Ou seja, foram introduzidas alterações em matéria de prazos do procedimento disciplinar, comum e especial, fixando um prazo de prescrição para conclusão do mesmo, de um ano, seguramente para balizar o andamento do mesmo, conferindo-lhe maiores garantias de celeridade.

No que toca à regulação do processo disciplinar comum, o Código do Trabalho de 2009 reiterou a omissão de não fixar qualquer prazo para a decisão disciplinar, o que nos pode levar a concluir que, tendo revisto o sistema de prazos, essa omissão foi intencional.

Segue-se que, a nosso ver, não é possível detectar a existência de uma verdadeira lacuna “latente”, uma hipótese que o legislador não previu ou regulou, mas que de acordo com as razões regulatórias deveria ter considerado.

A celeridade do processo disciplinar comum, menos exigente e menos garantístico, não deixa de ser assegurada com a fixação de um prazo de prescrição de um ano para a sua conclusão. Tratando-se de sanção conservatória e não estando em causa a estabilidade do contrato de trabalho, a sua manutenção, naturalmente que esse prazo pode ser considerado suficiente para acautelar os interesses (de ambas as partes) na reposição da normalidade do contrato eventualmente ferida por conduta disciplinar relevante e que tenha conduzido ao exercício do poder disciplinar. Nessa suficiência, não é possível então acrescentar uma exigência de prazos que o legislador não previu expressamente (no sentido do prazo de 30 dias em causa não ser aplicável ao processo disciplinar comum, v. ainda, Manuela Fialho e Maria José Costa Pinto, em artigos publicado em “Código do Trabalho, A Revisão de 2009”, Coimbra Editora, 2011, pags. 410 e segs. e 429).

Assim, não se identificando uma lacuna de lei, não é possível proceder ao seu preenchimento, seja por analogia, seja por interpretação extensiva.

Segue-se que a sentença da 1.ª instância não merece censura nesta parte, assim improcedendo o recurso, também nesta parte. (…)»

Por entendermos que a antes dito responde já plenamente, afastando-os, aos argumentos avançados pelo Recorrente no presente recurso, para as mesmas remetemos, dispensando-se, por desnecessidade, quaisquer outras considerações.

Por decorrência do exposto, improcede o presente recurso.

Decaindo, a responsabilidade pelas custas impende sobre o Recorrente (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC).


*

Sumário, a que alude o artigo 663.º, n.º 7, do CPC (da responsabilidade exclusiva do relator):

……………………………

…………………………....

……………………………


***


IV – DECISÃO

Acordam os juízes que integram a Secção Social do Tribunal da Relação do Porto em considerar improcedente o recurso, confirmando a decisão recorrida.

Custas pelo Recorrente.


Porto, 10 de julho de 2024

(acórdão assinado digitalmente)

Nélson Fernandes (relator)

Germana Ferreira Lopes

Rui Penha


_________________________
[1] Processo n.º 325/14.8T8CBR.C1, Relator então Desembargador (agora Conselheiro) Azevedo Mendes, disponível em www.dgsi.pt.
[2] Relatora Conselheira Ana Luísa Geraldes, in www.dgsi.pt.
[3] Conselheiro  Chambel Mourisco, também in www.dgsi.pt.
[4] Tratado de Direito do Trabalho, Parte II –Situações Laborais Individuais, 6ª edição, Almedina pág. 611.
[5] Código do Trabalho, anotado, 2016, 10ª Edição, Almedina, pág. 809.
[6] Obra citada, pág. 809.