JUNÇÃO DE DOCUMENTOS EM SEDE DE RECURSO
CAUSAS DE NULIDADE DA SENTENÇA
FACTOS TIDOS COMO IRRELEVANTES
Sumário

I - Decorre, da leitura articulada dos art.s 651º, nº 1 e 425º do CPC que, as partes apenas, excepcionalmente, podem juntar documentos, em sede de recurso e com as alegações.
II - Após este limite temporal, não é admissível a junção de documentos, por a lei não admitir a prorrogação do prazo constante do art. 651º, nº 1 do CPC.
III - As causas determinantes da nulidade da sentença enumeradas, taxativamente, no nº1, do art. 615º do CPC, correspondem a casos de irregularidades que afectam formalmente aquela e provocam dúvidas sobre a sua autenticidade, ou seja, são vícios que encerram um desvalor que excede o erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário.
IV - Apenas, está eivada de nulidade, nos termos previstos na alínea e) do nº 1, do art. 615º, a decisão que ultrapasse o pedido formulado, sem modificação objectiva da instância, passando a abranger matéria distinta.
V - A nulidade da sentença, nos termos daquela al. e), colhe o seu fundamento no princípio dispositivo que atribui às partes, a iniciativa e o impulso processual, e no princípio do contraditório, segundo o qual o Tribunal não pode resolver o conflito de interesses, que a demanda pressupõe, sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja chamada para se opor.
VI - Não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objecto da impugnação não for susceptível de, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, antemão, ser inconsequente, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processual.”.

(da responsabilidade da Relatora)

Texto Integral

Proc. nº 3877/21.2T8MTS.P1

Origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo do Trabalho de Matosinhos - Juiz 2





Recorrentes: AA e A..., Lda
Recorridos: B... Unipessoal, Lda, AA e A..., Lda









Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto





I – RELATÓRIO
O A., AA, NIF ...70..., residente na Rua ...., ... ..., intentou acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra B... Unipessoal, Lda, NIPC ...73, com sede na Rua ..., ..., ..., ..., ... e A..., Lda, NIPC ...80, com sede na Avenida ..., ..., Bar “...”, ... ..., pedindo que, “deve a presente acção ser julgada procedente, por provada, e em consequência:
1. Considerar-se sem termo os contratos de trabalho a termo certo e a tempo parcial celebrado em 04 de Dezembro de 2018 com ambas as RÉS (junto sob DOCS. 1 e 2) e
2. Declarar-se a ilicitude do despedimento do AUTOR pelas mesmas RÉS;
3. Considerar-se sem termo o contrato de trabalho a termo certo e a tempo parcial celebrado em 09 de Janeiro de 2020 com a RÉ A..., Lda (junto sob DOC. 3) e
4. Declarar-se a ilicitude do despedimento do AUTOR pela mesma RÉ;
5. As RÉS condenadas:
a) A pagar ao AUTOR uma compensação pecuniária por todos os danos não patrimoniais, no valor de 2.000,00 € (dois mil euros), acrescida dos juros legais de mora, desde a citação e até efectivo e integral pagamento;
b) A pagar ao AUTOR a indemnização legal por despedimento ilícito de 30 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade e que não pode ser inferior a 3 meses de retribuição base e diuturnidades, no mínimo de 1.995,00 €, acrescida dos juros legais de mora, desde a citação e até efectivo e integral pagamento;
c) A pagar ao AUTOR as retribuições que deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento, acrescidas dos juros legais de mora, a contar do vencimento de cada uma das retribuições e até efectivo e integral pagamento;
d) No caso de os contratos de trabalho a termo certo serem válidos e eficazes, a pagar ao AUTOR as retribuições e subsidio de alimentação que este deixou de auferir de 05.10.2019 até 4.07.2020 e de 1.10.2020 até 30.06.2021 e bem assim a compensação de 18 dias de retribuição devida pela caducidade do contrato (cfr. arts.47.º a 51.º deste petitório), acrescidas dos juros legais de mora, desde a citação e até efectivo e integral pagamento;
e) A pagar ao AUTOR a título de créditos decorrentes da sua prestação de trabalho, com a natureza e origem supra discriminadas, designadamente trabalho suplementar, descanso compensatório, feriados, trabalho nocturno, formação profissional, retribuições, subsidio de aleitação, férias e subsidio de férias e subsídios de natal, na quantia global de 39.607,04 € (trinta e nove mil, seiscentos e sete euros e quatro cêntimos), acrescida dos juros legais de mora desde a data do seu vencimento até efectivo e integral pagamento.
6. Subsidiariamente, a título de ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
As RÉS condenadas a pagar ao AUTOR as quantias supra discriminadas, acrescida dos juros legais de mora desde a data do seu vencimento até efectivo e integral pagamento.”.
Fundamentou o seu pedido alegando, em síntese, que celebrou com a 1ª ré em 4 de Dezembro de 2018 um contrato de trabalho a termo certo com a duração de 10 meses, com término em 4 de Outubro de 2019 e sob o regime de tempo parcial, sendo admitido com a categoria profissional de empregado de distribuição e de empregado de mesa e de balcão no Bar ..., propriedade da 2ª ré, mediante a retribuição mensal de € 217,50 e com o horário de 15h semanais, funções que exercia dentro e fora das instalações da ré e no Bar ..., não se tendo a ré oposto à renovação do referido contrato.
Alega, também, que na mesma data e com a mesma duração de 10 meses celebrou também com a 2ª ré contrato de trabalho a termo certo e sob o regime de tempo parcial, sendo admitido com a categoria profissional de empregado de mesa e de balcão no Bar ..., mediante a remuneração mensal de €362,50 e o horário de 25 horas semanais.
E alega, ainda, ter celebrado com a 2ª ré um novo contrato de trabalho a termo certo sob o regime de tempo parcial, no dia 9 de Janeiro de 2020, com termo em 30 de Setembro de 2020, sendo admitido com a categoria profissional de empregado de mesa e balcão no supra referido bar, mediante a remuneração mensal ilíquida de €650,00 e horário de 30 horas semanais, funções que exerceu no mesmo Bar, não se tendo a ré oposto à renovação do dito contrato de trabalho e tendo entregue ao autor os documentos necessários para o requerimento de prestação de desemprego nos quais afirmou que a data de cessação do contrato foi em 09/10/2020, alegando a caducidade do contrato.
Mais, alega que esteve ininterruptamente a prestar trabalho para as rés, desde o dia 4 de Dezembro de 2018 a 09 de Outubro de 2020, pese embora a sucessão de contratos, entendendo que devem ser considerados contratos sem termo, porque tiveram por fim iludir as disposições que regulam o contrato sem termo, não sendo os motivos invocados válidos, nem verdadeiros, nem estando em causa qualquer necessidade temporária, nem estando os contratos suficientemente fundamentados, nem os motivos eram verdadeiros.
Prossegue alegando que, as duas rés têm o mesmo sócio gerente e que, ao celebrarem com o autor os contratos a termo certo e tempo parcial tiveram por fito repartir entre si as despesas relacionadas com os salários, contribuições e impostos, prestando o autor serviço no Bar e de forma ocasional fazendo distribuição de produtos comerciais, actuando em abuso de direito, misturando os patrimónios autónomos, instrumentalizando e servindo-se das sociedades segundo os seus próprios interesses, pelo que, tratando-se de contratos que se renovaram e que têm de se considerar sem termo, a conduta das rés, impedindo-o de continuar a prestar-lhes trabalho configurou um despedimento ilícito.
Por fim, alega quanto ao horário de trabalho que, de 04/12/2018 a 08/01/2020, trabalhava das 10h às 20h, às segundas, terças e quartas e das 14h30 às 18h e das 20h às 2h às sextas, sábados e domingos, pelo que prestava semanalmente 58,5horas de trabalho, consequentemente 18,5horas suplementares e em virtude de auferir a retribuição mensal de €580,00 e subsídio de alimentação de €4,77 por dia, reclama €5.949,60 de retribuição correspondente a 4 semanas de trabalho suplementar x 12 meses, bem como € 1 286,40 a título do correspondente descanso compensatório. Reclama, ainda, €1.206,00 a título de trabalho prestado a pedido das rés em 18 feriados no mesmo período e € 483,84 a título de trabalho nocturno prestado 2 horas por dia, 3 dias por semana, 4 semanas por mês, durante 12 meses.
Ainda, quanto ao período de 09/01/2020 a 09/10/2020, alega que o seu horário se manteve, prestando 18,5horas de trabalho suplementar por semana, em virtude do que, auferindo a retribuição mensal de €635,00 e subsídio de alimentação de € 4,77 por dia, com um contrato de 30 horas semanais, reclama €10.013,76 de retribuição correspondente a 4 semanas de trabalho suplementar x 12 meses, bem como €2.108,16 a título do correspondente descanso compensatório. Mais, reclama €874,40 a título de trabalho prestado a pedido das rés em 9 feriados no mesmo período, €572,04 a título de trabalho nocturno prestado 2 horas por dia, 3 dias por semana, 4 semanas por mês, durante 9 meses, o crédito relativo a 40 horas de formação no valor de €195,20, retribuições em falta num total de €12.678,64, retribuição subsídio das férias vencidas em 01/01/2020, subsídio de Natal de 2020, retribuição e subsídio das férias vencidas em 01/01/2021, subsídio de Natal de 2021 e indemnização por danos não patrimoniais.

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Realizada a audiência de partes, não foi possível a sua conciliação, tendo sido ordenada a notificação das Rés para contestarem o que fizeram, em conjunto, nos termos do articulado junto, alegando, em síntese, que o autor trabalhou para a ré B... Unipessoal, Lda até 31/10/2019, tendo deixado, sem qualquer motivo, de comparecer para trabalhar, facto que foi comunicado à segurança social, não tendo o contrato de trabalho sido renovado, pelo que, não tendo o autor voltado a trabalhar para a dita ré, a partir daquela data prescreveram todos os créditos do autor relativamente àquele, constituindo manifesto abuso de direito o facto de o autor vir através da presente acção, intentada em 07 de Setembro de 2021, para qual a ré só foi citada em 14/09/2021, deduzir pedido contra esta ré.
Assim, alegam que encontrando-se tais créditos prescritos não pode o autor lograr obter desta ré o pagamento de tais créditos de terceiros, à luz do enriquecimento sem causa, sendo as duas rés empresas distintas, com objectos sociais distintos, sedes independentes e com clientes distintos, além de o próprio autor na petição inicial alegar que, pelo menos, a partir de 09/01/2020 prestou trabalho e funções como empregado de balcão no Bar ..., o qual não pertence a esta ré, nem é por ela explorado, concluindo pela ilegitimidade da ré B... Unipessoal, Lda.
Alegam, também, que esta última não só nada deve ao autor, como é sua credora pela renda devida pelo uso e fruição de um apartamento, num valor global de €10.000,00, sendo a renda mensal no valor de € 500,00, cujo pagamento o autor não efectuou durante 20 meses, tendo ainda o imóvel sido entregue com danos no valor de €790,00. Do mesmo modo, as rés referem que, a 1ª vendeu ao autor electrodomésticos no valor de € 7.685,00 que, o mesmo, não pagou e que danificou uma carrinha num dos trabalhos que efectuou, o que obrigou a ré a pagar €1.800,00 de franquia aquando da entrega da mesma à empresa de aluguer, que o autor se comprometeu a pagar, não o tendo feito.
Quanto à ré A..., Lda, as rés alegam que o autor sempre trabalhou a tempo parcial, auferindo a retribuição acordada e constante dos contratos que foram celebrados, alegando que, o contrato celebrado com o autor em 2020 não tinha o conteúdo do documento por este junto como nº 3 e, ainda, que os recibos pelo mesmo juntos também não correspondem aos valores efectivamente pagos, nem aos recibos emitidos pela contabilidade.
Alegam, ainda, que o autor não prestou ininterruptamente trabalho à ré A... desde 4 de Dezembro de 2018 até 09 de Outubro de 2020, tendo deixado de comparecer no local de trabalho no dia 31 de Outubro de 2019 (afigura-se-nos como mero lapso de escrita a data de 13 de Outubro referida no art. 37º da petição inicial, atento o alegado no art. 43º da mesma peça) e por mais de 10 dias consecutivos, motivo pelo qual foi cessada a relação laboral, o que foi participado à Segurança Social, não tendo o autor prestado funções nos meses de Novembro e Dezembro de 2019, motivo pelo qual não foram, relativamente a esses meses emitidos recibos de vencimento, desconhecendo a ré os recibos juntos pelo autor.
Mais, alegam que o autor voltou, contudo, a trabalhar para a ré, no início de 2020, depois de em finais de 2019 ter voltado a contactar o sócio gerente da ré apelando à amizade entre ambos no sentido de o ajudar a legalizar-se, tendo sido celebrado novo contrato de trabalho a tempo parcial em Janeiro de 2020, sendo a retribuição acordada de € 317,50 e que, sempre pagou todas as retribuições ao autor, nada lhe devendo do peticionado e que, tendo o contrato celebrado em 4 de Dezembro de 2018 cessado em 31 de Outubro de 2020, sempre os créditos daquele emergentes estariam também prescritos.
Alegam, ainda, que facultaram formação profissional ao autor, várias vezes ao ano, que o mesmo sempre gozou descanso compensatório, gozando vários dias de folga, bem como as férias devidas, quer em 2019, quer em 2020, que o autor não prestou quaisquer horas de trabalho suplementar, nem nocturno, pois nos meses de inverno o bar fechava por volta das 22 horas, que o autor nunca trabalhou 12 meses consecutivos para a ré e que o bar nunca esteve aberto de Setembro a Junho até às 2h00.
Por fim, as rés alegam que os contratos de trabalho a termo celebrados entre a ré e o autor são lícitos e válidos, tendo o contrato celebrado em 8 de Janeiro de 2020, cessado por caducidade.
Concluem que: “a) Devem ser julgadas procedentes as exceções supra invocadas, por provadas
b) Deve a presente ação ser julgada improcedente, por não provada.”.
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O autor apresentou articulado de resposta à contestação, impugnando os documentos juntos pelas rés e alegando que atenta a forma como configura a acção inexistem as invocadas ilegitimidade e prescrição, que nada deve à 2ª ré, que, de resto, nem formulou pedido reconvencional ou pretensão de compensação, e que mesmo que o tivesse feito, qualquer crédito da ré já se encontraria prescrito.
Mais refuta o alegado, quanto à Ré A..., dizendo ser falso que tenha solicitado recibos diferentes dos reais e contratos de trabalho (assinados!!!) diferentes do acordado e falso que os recibos de vencimento juntos com os Docs. 4 e 5 da douta contestação tenham alguma vez sido aceites, assinados ou o seu montante recebido pelo Autor.
Requer a condenação da ré como litigante de má-fé atenta a alegação de que o contrato de 2020 e os recibos juntos pelo autor são falsos, reiterando o mais alegado na petição inicial quanto aos créditos salariais.
Termina que, “deverão as excepções ser julgadas improcedentes, por não provadas, impugnando-se todos os documentos juntos pelas Rés, por não corresponderem à verdade, e ou não terem o alcance pretendido, concluindo-se como na PI.
Mais deverá averiguar-se da litigância de má-fé, condenando-se as Rés em multa, custas e indemnização a favor do Autor.”.
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As rés, nos termos do despacho proferido em 26.01.2022, foram notificadas para esclarecer se com o alegado relativamente aos invocados créditos sobre o autor pretendiam deduzir contra este, qualquer pretensão condenatória efectiva, caso em que deveriam apresentar contestação corrigida na qual formulassem expressa e separadamente pedido reconvencional, nada tendo dito.
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Nos termos que constam no despacho, de 14.03.2022, atenta a simplicidade da causa foi decidido não realizar audiência prévia nem proferir o despacho a que se refere o art. 596º do Código de Processo Civil, foi proferido saneador, que conheceu da ilegitimidade arguida pela ré, B..., Lda, julgando-a improcedente e fixou-se o valor da causa em €41.602,40 (quarenta e um mil seiscentos e dois euros e quarenta cêntimos).
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Realizado o julgamento, nos termos documentados nas actas juntas, foram os autos conclusos e proferida sentença que terminou com a seguinte Decisão:
Por todo o exposto julgo a acção parcialmente procedente e, em consequência decido:
I - declarar a ilicitude do despedimento do autor, em 09/10/2020, pela ré A..., Lda;
II – condenar a ré A..., Lda a pagar ao autor a indemnização de antiguidade que nesta data e sem prejuízo da antiguidade que se vencer até ao trânsito em julgado da sentença se liquida em € 1 905,00 (mil novecentos e cinco euros), acrescida de juros de mora à taxa legal desde o trânsito em julgado da sentença até integral pagamento;
III - condenar a ré A..., Lda a pagar ao autor a compensação a liquidar (arts. 609º, nº 2 e 358º do C.P.C.), correspondente às retribuições deixadas de auferir, desde 07/08/2021 até ao trânsito em julgado da sentença, que se liquidam até 21/10/2022 em € 11 726,04 (onze mil setecentos e vinte e seis euros e quatro cêntimos), à qual deverão ser deduzidos os montantes que o autor tenha auferido a título de subsídio de desemprego, a entregar pela ré à Segurança Social, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a liquidação até ao efectivo e integral pagamento;
IV – condenar a ré A..., Lda a pagar ao autor a quantia de € 3 091,92 (três mil e noventa e um euros e noventa e dois cêntimos), a título de retribuições em dívida, acrescendo juros de mora, à taxa legal, desde o primeiro dia do mês seguinte àquele a que diz respeito a retribuição, calculados sobre o valor em dívida referente a cada mês, até integral pagamento;
V – condenar a ré A..., Lda a pagar ao autor a quantia de €1.202,66 (mil duzentos e dois euros e sessenta e seis cêntimos) a título de subsídio de Natal, retribuição e subsídio de férias proporcionais à duração do contrato, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde 10/10/2020 até integral pagamento;
VI – condenar a ré A..., Lda a pagar ao autor a quantia de € 121,99 (cento e vinte e um euros e noventa e nove cêntimos), referente á retribuição das horas de formação profissional não ministrada, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde 10/10/2020 até integral pagamento;
VII – absolver a ré A..., Lda da parte restante do pedido;
VIII – absolver a ré B... Unipessoal, Lda de todos os pedidos contra a mesma formulados.
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Custas pelo autor e pela ré A..., Lda, na proporção dos respectivos decaimentos, sendo quanto ao autor sem prejuízo do apoio judiciário com que litiga.
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Oportunamente cumpra o disposto pelo art. 75º, n 2 do Código de Processo do Trabalho.
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Registe e notifique.”.
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Inconformado, parcialmente, com esta, o A. veio interpor recurso, cujas alegações terminou com as seguintes CONCLUSÕES:
(…)
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Também, não se conformando com a decisão, a R., A..., Lda., apresentou recurso que terminou com as seguintes “Conclusões
(…)
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Não foram apresentadas contra-alegações a nenhum dos recursos.
*
Admitidos os recursos, em 22.02.2023, ambos, como apelação e efeito devolutivo, foi ordenada a remessa, oportuna, dos autos a esta Relação.
*
Notificado este despacho, às partes, o A./apelante, conforme consta do requerimento junto, em 06.03.2023, veio “nos termos e para os efeitos do disposto nos arts. 423.º, 425.º e 651º, nº 1, do CPC, aplicável por força dos arts 1º, nº 2, al. a), e 87º, nº 1 do CPT, …”, requerer a junção aos autos de documentos.
A recorrida, veio responder, nos termos do requerimento junto, em 20.03.2023, requerendo o indeferimento e desentranhamento daquele.
*
Após, em 18.05.2023, é proferido o seguinte despacho, “Remeta os autos ao tribunal da Relação do Porto.”.
*
Nesta Relação, o Ex.mo Procurador promoveu e, após despacho da relatora, baixaram os autos à 1ª instância, onde a Mª Juíza “a quo” proferiu o seguinte despacho:
“Nas alegações de recurso o autor veio arguir a nulidades da sentença por violação do disposto nas alíneas d) e e) do art. 615º do Código de Processo Civil.
Alega, se bem entendemos e, em síntese, que o tribunal procedeu à compensação de créditos não invocada pelas rés, não tendo nenhuma delas deduzido pedido reconvencional e que o tribunal não se pronunciou sobre a excepção da prescrição dos créditos da ré B... Unipessoal, Lda invocada pelo autor para o caso de os mesmos virem a ser reconhecidos como existentes e que o tribunal condenou em objecto diverso do pedido porque a ré A..., nem por via de excepção declarou ser credora do autor pelo valor das rendas.
Tendo sido omitido o despacho a que se refere o art. 617º, nº 1 do Código de Processo Civil, no Tribunal na Relação foi proferido douto despacho mandando baixar o processo para que aquele despacho seja proferido, o que, como tal, cumpre fazer.
Dispõe o art. 615º, nº 1, al. d) do Código de Processo Civil que a sentença é nula se o juiz não se pronunciar sobre questões que devesse apreciar.
As questões que o tribunal deve apreciar são as previstas pelo art. 608º, nº 2 do Código de Processo Civil segundo o qual “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; (…)”.
Assim, a nulidade tipificada na primeira parte da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º ocorre apenas quando o tribunal tenha deixado de apreciar questão cuja resolução não tenha ficado prejudicada por solução dada a outras.
Diz o autor que o tribunal não se pronunciou sobre a prescrição dos créditos que invocou.
Com efeito o autor invocou a prescrição de eventuais créditos da dita ré e o tribunal não proferiu decisão sobre o mérito de tal excepção.
Mas a falta de pronuncia, não equivale, no caso dos autos, a omissão de pronuncia susceptível de conduzir à nulidade da sentença, pois, de tal questão - tendo ficado prejudicada face à improcedência dos pedidos do autor formulados contra aquela ré, como, de resto, ficou expressamente afirmado na sentença – não estava o tribunal obrigado a conhecer.
Improcede, pois, nesta parte, a nulidade da sentença invocada.
Por outro lado, dispõe o art. 615º, nº 1, al. d), 2ª parte, do Código de Processo Civil que a sentença é nula se o juiz conhecer de questões de que não podia ter tomado conhecimento.
De facto, nos termos do art. 608º, nº2, 2ª parte do Código de Processo Civil, em consonância com o disposto pelo art. 3º, nº 1 do mesmo Código, na sentença o juiz não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras. Importa ainda referir que, nos termos do art. 5º, nº 3 do Código de Processo Civil, o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, com limite, obviamente, na factualidade de que lhe seja permitido conhecer, no efeito jurídico pretendido e excluindo-se as questões cuja apreciação dependa da iniciativa do interessado, entre os quais a compensação de crédito (art. 847º, nº 1 do Código Civil).
O autor parece fundamentar a sua argumentação nesta parte da arguição da nulidade da sentença no facto de o tribunal ter operado a compensação de créditos entre o valor das rendas e o valor das retribuições devidas, sem que tal compensação tenha sido invocada pela ré A..., que nem deduziu reconvenção.
Salvo o devido respeito, afigura-se-nos que o autor lavara num erro.
Analisada a sentença e a sua fundamentação, resulta evidente que o tribunal não procedeu a qualquer compensação de créditos. O tribunal limitou-se a considerar que, parte das retribuições reclamadas não eram devidas ao autor, por terem sido pagas em espécie, através do gozo de um apartamento para habitação do autor e do seu agregado familiar no valor de €400,00, facto que foi considerado como provado sob nº 14) da decisão da matéria de facto e enquadrando juridicamente tal conclusão, no disposto pelos arts. 258º e 259º, ambos do Código do Trabalho, aplicando, de resto, o regime previsto por esta última disposição legal.
Por isso, o tribunal não conheceu de qualquer questão cujo conhecimento lhe estivesse vedado.
Questão diversa é a de saber se a decisão do tribunal relativa à matéria de facto, padece de algum vício, se determinado facto deveria ou não ter sido dado como provado, mas não se vislumbra que o autor tenha arguido qualquer nulidade com esse fundamento.
Improcedendo, pois, também nesta parte, a nulidade da sentença invocada.
Por todo o exposto, mostrando-se a sentença proferida isenta das invocadas nulidades, decide-se julgar totalmente improcedente a pretensão da ré.
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Custas pelo autor, com 2 UC de taxa de justiça e sem prejuízo do apoio judiciário com que litiga.
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Notifique e, decorridos 10 (dez) dias, a partir da notificação às partes do presente despacho, se nada for dito, devolva os autos ao Tribunal da Relação do Porto.”.

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Novamente, neste Tribunal o Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, nos termos do art. 87º, nº 3, do CPT, no sentido de ambos os recursos não obterem provimento, no essencial, na consideração de que, “A Mma. Juíza “a quo” pronunciou-se, judiciosamente, pela improcedência das invocadas nulidades pelo primeiro recorrente.
Ressalvado o respeito devido por melhor opinião em contrário, nenhum reparo ou censura há que ser feito à douta decisão recorrida, que, deverá ser integralmente confirmada, ante o rigor e a justeza argumentativa nela expressa, quanto à matéria de facto que foi fixada e sua subsunção ao direito aplicável.
As provas - testemunhais e documentais - foram livremente examinadas segundo a prudente convicção da ilustre julgadora, nos termos do art.º 607.º n.º 5 do CPC, e de acordo com o princípio da sua livre apreciação.
Não se observa, por conseguinte, qualquer vício ou erro de julgamento que determine a alteração da matéria de facto dentro do condicionalismo previsto no artigo 662.˚ do C.P.C..
Os créditos salariais apurados foram correctamente fixados, de acordo com os respectivos ónus probatórios e opções do 1º. recorrente, tendo em conta a natureza dos contratos de trabalho que foram celebrados 04/12/2018 com efeito até 31/10/2019, atentas suas retribuições e horários de trabalho. Estes foram sujeitos à disciplina do artº. 147º. nº 1, al. c) do C.T. Nesta data, ocorreu a cessação unilateral do contrato de trabalho por parte da 2ª. recorrente, sem motivo justificado e sem procedimento disciplinar, que a tornou ilícita. Daí que haja incorrido no regime previsto nos artºs. 381º. al. c), 389º. a 391º. do C.T.. Como também, sem reparo, foi aplicado o regime prescricional relativamente aos créditos que subsequentes a 31/10/2019.
Assim, a ilustre julgadora “a quo” estava habilitada a condenar a 2ª. recorrente nos termos por que decidiu, pelo que, nenhuma das “conclusões” de ambas as alegações subsistem perante a argumentação que foi expendida na douta decisão “sub iudice”.
Consequentemente, a decisão recorrida é passível de ser mantida na ordem jurídica.”.
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Cumpridos os vistos, há que apreciar e decidir.
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Questão prévia.
- Da junção de documentos
O A., recorrente, invocando as razões que alinha no requerimento junto, em 06.03.2023, ainda em 1ª instância, mas dirigido a esta Relação, após a junção das suas alegações e já depois de o recurso ter sido admitido, veio trazer e requerer a junção a estes autos de recurso, nomeadamente, de um apelidado “contrato de arrendamento para habitação com prazo certo”, onde, em síntese, se lê:
“Primeiros Outorgantes: BB…, que intervém em seu nome pessoal e em representação da sociedade B... Unipessoal Lda…, designados por Senhorio ou Primeiro Outorgante.
Segundos Outorgantes: AA…
E:
CC, … designados por Arrendatários ou Segundos Outorgantes…
Entre os supra identificados outorgantes é celebrado o presente contrato de arrendamento, com prazo certo, o qual se regerá nos termos e condições das cláusulas seguintes…): (…)
1 – o Contrato de arrendamento será celebrado pelo prazo de três anos, tendo início na presente data 01/01/2019 e termo em 21/12/2021. (…) 1 – A renda anual é de 2.400€…que os Arrendatários procederão ao pagamento em duodécimos no valor de 200€… (…)
Por ser verdade e corresponder à vontade das partes, foi o presente contrato …, impresso em quatro vias, de igual valor cada, que depois de assinadas serão entregues uma a cada outorgante,…


”,

Fundamenta o seu pedido alegando, em síntese, que, “Veio o Autor/apelante a saber, depois da audiência de discussão e julgamento e do decurso do prazo das alegações do recurso, que a Ré/apelada B... Unipessoal, Lda, patrocinada pela mesma advogada, requereu uma acção executiva para pagamento de quantia certa de rendas vencidas e não pagas, e bem assim os meses em falta da denúncia do contrato por parte do arrendatário relativamente ao citado contrato de arrendamento para habitação com prazo certo do prédio urbano em causa – PROCESSO: 21066/22.7T8PRT Tribunal Judicial da Comarca do Porto Porto – Juízo Execução – Juiz 7.
As Rés, designadamente a Ré B... Unipessoal, Lda, nunca juntaram o dito contrato de arrendamento, tendo-o na sua posse, não obstante terem protestado fazê-lo, induzindo o Tribunal em erro.
Caso tivesse a cópia do contrato de arrendamento na sua posse, não só a alegação do Autor/apelante teria sido diferente, como diferente teria sido também a decisão judicial sobre a matéria de facto e de direito ora apelada.
O Autor/apelante somente teve acesso a esse contrato de arrendamento depois do registo e autuação da acção executiva, ocorrido, salvo erro, em 29-11-2022, tendo aquele sido citado/notificado em 27 de Janeiro de 2023, conforme melhor resulta do documento que ora se junta e se dão por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais – DOC. 1
Como se disse, não foi possível ao Autor/apelante juntar o documento no prazo previsto no n.º 2 do art. 423.º do CPC, entendendo ser necessária a sua junção às alegações em virtude de ocorrência posterior e por se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância – arts 423º, n.º 3, 425.º e 651.º, n.º 1 do CPC.”, e conclui, “Pelo que R. a V. Excia a junção aos autos do citado requerimento executivo e respectivos documentos que o acompanham, nomeadamente do contrato de arrendamento em causa, para prova dos factos e do direito constantes da apelação, requerendo a não aplicação da multa por a sua obtenção ter sido posterior à fase dos articulados e das alegações”.
Notificada a recorrida, veio pronunciar-se sobre a pertinência e admissibilidade daquele, invocando que “Por estratégia ou outro motivo processualmente inadmissível, o Autor nunca juntou aos autos o contrato quando podia e devia tê-lo feito, nomeadamente em 1º instância” e, ainda, que, “O Autor sabia e não podia desconhecer, porque o subscreveu, da existência do contrato de arrendamento celebrado a 21-12-2018, em 4 quatro vias” e, também, que “O Contrato de arrendamento - ora junto pelo apelante, conforme supra referido – está relacionado de forma direta e ostensiva com as questões suscitadas nos autos, - quer em sede de P.I., quer em sede de Contestação como o Apelante confessadamente o refere no seu requerimento de junção de documentos, Isto é, o contrato de arrendamento relaciona-se com factos que, já antes da decisão da 1.ª instância, o Autor/Apelante tinha consciência de que estavam sujeitos a prova”.
Termina, assim, que, “quer o requerido, quer a junção do documento nos termos e momento em que foi feito, é manifestamente atentatório da Lei processual e dos Princípios basilares do Direito Processual, pelo que o requerido é jurídico e factualmente inadmissível, devendo ser indeferido e desentranhado.”.
Que dizer?
Atento o carácter excepcional da admissibilidade de juntar documentos às alegações e, particularmente, nesta fase em que o foi, no caso, após a junção daquelas, previamente à análise das questões colocadas no recurso, há que averiguar se, será permitida, nos termos do requerimento apresentado, em 06.03.2023, a junção, a estes autos, dos documentos que o acompanham, nesta fase processual, nomeadamente, do contrato de arrendamento para habitação com prazo certo, nos termos dos dispositivos invocados pelo recorrente.
Vejamos.
Dispõe o art. 651º do CPC (aprovado pela Lei nº 41/2013 de 26 de Junho- diploma a que pertencerão todos os artigos a seguir citados, sem outra indicação de origem), que as partes apenas podem juntar documentos supervenientes às alegações, nos casos excepcionais a que se refere o art. 425º, ambos do CPC ou, no caso de a sua junção se ter tornado necessária, em virtude do julgamento proferido na 1ª instância.
Por sua vez, o art. 425º dispõe: “Depois do encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento”.
A propósito da junção de documentos na fase do recurso, (Abrantes Geraldes em Recursos no Novo Código de Processo Civil, 3ª ed., Almedina, Coimbra, 2016, pág.s 203/204), refere o seguinte: “Em sede de recurso, é legítimo às partes juntar documentos com as alegações quando a sua apresentação não tenha sido possível até esse momento (superveniência objectiva ou subjectiva).
Podem ainda ser apresentados documentos quando a sua junção apenas se tenha revelado necessária por virtude do julgamento proferido, maxime quando este se revele de todo surpreendente relativamente ao que seria expectável em face dos elementos já constantes do processo.
A jurisprudência anterior sobre esta matéria não hesita em recusar a junção de documentos para provar factos que já antes da sentença a parte sabia sujeitos a prova, não podendo servir de pretexto a mera surpresa ao resultado.”.
No (Ac. desta Relação de 26.09.2016, Proc. nº 1203/14.6TBSTS.P1, in www.dgsi.pt – lugar da internet onde estarão disponíveis todos os acórdãos a seguir citados, sem outra indicação), lê-se o seguinte:
“I - Da articulação lógica entre o artigo 651º, nº 1 do CPC e os artigos 425º e 423º do mesmo Código resulta que a junção de documentos na fase de recurso, sendo admitida a título excepcional, depende da alegação e da prova pelo interessado nessa junção de uma de duas situações: (1) a impossibilidade de apresentação do documento anteriormente ao recurso; (2) ter o julgamento de primeira instância introduzido na acção um elemento de novidade que torne necessária a consideração de prova documental adicional.
II - Quanto ao primeiro elemento, a impossibilidade refere-se à superveniência do documento, referida ao momento do julgamento em primeira instância, e pode ser caracterizada como superveniência objectiva ou superveniência subjectiva.
III - Objectivamente, só é superveniente o que historicamente ocorreu depois do momento considerado, não abrangendo incidências situadas, relativamente a esse momento, no passado. Subjectivamente, é superveniente o que só foi conhecido posteriormente ao mesmo momento considerado.
IV - Neste caso (superveniência subjectiva) é necessário, como requisito de admissão do documento, a justificação de que o conhecimento da situação documentada, ou do documento em si, não obstante o carácter pretérito da situação quanto ao momento considerado, só ocorreu posteriormente a este e por razões que se prefigurem como atendíveis.
V - Só são atendíveis razões das quais resulte a impossibilidade daquela pessoa, num quadro de normal diligência referida aos seus interesses, ter tido conhecimento anterior da situação ou ter tido anteriormente conhecimento da existência do documento.”.
Decorre do exposto que, a junção de documentos com as alegações de recurso é uma situação excepcional, mas, não é esta a situação em apreço.
Em causa está, a junção de documentos, mas, já após as alegações do recorrente.
Veio, este, requerer a sua junção, invocando os art.s 423º, nº 3, 425º e 651º, nº 1, sob a alegação de, “entendendo ser necessária a sua junção às alegações em virtude de ocorrência posterior e por se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1.ª instância.”.
No entanto, sempre com o devido respeito, sem fundamento.
Aqueles dispositivos não preveem, nem permitem a junção aos autos daqueles documentos, no momento em que aconteceu.
Neste sentido, veja-se o (Ac. do STJ de 12.09.2019, Proc. nº 1238/14.9TVLSB.L1.S2), onde se exarou o seguinte: “I- Resulta do artigo 423º, nº1 do CPCivil que «Os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da acção ou da defesa devem ser apresentados com o articulado em que se aleguem os factos correspondentes.»; diz-nos o seu nº2 o seguinte «Se não forem juntos com o articulado respetivo, os documentos podem ser apresentados até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, exceto se provar que os não pôde oferecer com o articulado.»; e remata o nº3 «Após o limite temporal previsto no número anterior, só são admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.».
II- Com as alegações de recurso, a Lei prevê que, a título excepcional, as partes possam ainda fazer juntar outros documentos cuja apresentação não tenha sido possível até ao encerramento da discussão, cfr nº1 do artigo 651º e 425º, este como aquele do CPCivil, vg documentos que estejam em poder de terceiro que só os disponibilize posteriormente, caso de certidão requerida atempadamente mas só subsequentemente emitida.
III- Fora destes casos não é possível qualquer junção de documentos com as alegações de recurso de Apelação, sendo certo que, além do mais, se comprovou que a necessidade da respectiva junção não ocorreu por via da prolacção da sentença de primeiro grau e que a parte os poderia ter apresentado anteriormente”.
Sem necessidade de se analisar se os mesmos constituem ou não um meio probatório, como invoca o recorrente, para pugnar pela admissibilidade da sua junção, o certo é que neste caso, considera-se ser a apresentação extemporânea, desde logo porque não foi feita com as alegações.
Assim, há que indeferir a requerida junção, nomeadamente, do documento, apelidado de contrato de arrendamento, o qual deve ser desentranhado, juntamente como os que o acompanham, como defende a recorrida.
Pois, como dissemos, resulta do que dispõe o art. 651º, nº1, que a junção de documentos, em fase de recurso, apenas é consentida com as alegações.
No caso, a requerida junção daqueles documentos teve lugar, não com o oferecimento das alegações, mas em requerimento posteriormente apresentado pelo recorrente.
E, pese embora, nesta instância, o nº 2, do invocado art. 651º, preveja a possibilidade de as partes juntarem aos autos elementos, após a junção das alegações, até ao início do prazo para a elaboração do projecto de acórdão, como é o caso, limita aquela possibilidade à junção de pareceres de jurisconsultos. Ou seja, este dispositivo permite que as partes juntem, na fase em que o recorrente o fez, até ao início do prazo para a elaboração do projecto de acórdão, pareceres. Assim, é manifesto que a pretensão do recorrente não tem acolhimento, porque os documentos cuja junção é requerida, não são nenhum parecer. E, após as alegações só a junção destes é admissível.
Após as alegações não é admissível a junção de documentos.
Assim, não se admite a junção aos autos dos documentos, em causa.
Custas do incidente pelo recorrente, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia, fixando-se no mínimo a taxa de justiça.
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Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigo 87º do CPT e artigos 608º, nº 2, 635º, nº 4, 639º, nºs 1 e 2 e 640º, do CPC e importando conhecer de questões e não de razões ou fundamentos, as questões a decidir e apreciar consistem:
=Recurso do Autor em saber:
- se a sentença é nula por violação do disposto nas alíneas d) e e) do art. 615.º do Código de Processo Civil;
- se o Tribunal “a quo” errou o julgamento, quanto ao facto vertido no ponto 14 dos factos provados;
- se se encontram prescritos os eventuais créditos de rendas da Ré, B... Unipessoal, Lda sobre o Autor; e
- se deve condenar-se a recorrida, Ré A..., Lda, nos créditos do Autor, conforme o pedido constante da P.I., desde 04.12.2018;
=Recurso da Ré em saber se o Tribunal “a quo” errou:
- o julgamento, quanto aos factos vertidos nos pontos 8) e 22) da matéria dada como provada e os factos l), m) e o) da matéria dada como não provada; e
- ao declarar a ilicitude do despedimento e condenar a recorrente.
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II - FUNDAMENTAÇÃO:
O Tribunal “a quo” considerou o seguinte:
Factos provados
1) O autor e a ré B..., Unipessoal, Lda outorgaram o documento escrito de fls. 13/14 cujo teor se reproduz, intitulado contrato de trabalho a termo certo com trabalhador estrangeiro sob o regime de tempo parcial pelo qual foi declarado que celebravam um contrato de trabalho, a termo certo e tempo parcial, pelo prazo de 10 meses, com início em 4 de Dezembro de 2018 e termo em 4 de Outubro de 2019, renovável, com fundamento no “facto de a empresa ter um acréscimo temporário da actividade neste período. Circunstância que integra o fundamento da contratação a termo, previsto na alínea f) do nº 2 do art. 140º da Lei nº 7/2009, de 12 de fevereiro.”
2) Mais declararam que o autor se obrigava a prestar à 1ª ré as funções correspondentes à categoria profissional de distribuidor, tendo como local de trabalho a sede da 1ª ré, de segunda a sexta feira, em esquema de alternância com os demais trabalhadores e horário a definir pela ré, consoante as suas necessidades, com a duração semanal de 15 horas, comprometendo-se a 1ª ré a pagar ao autor a retribuição mensal ilíquida de € 217,50, até ao último dia de cada mês.
3) O autor e a ré A..., Lda outorgaram o documento escrito de fls. 15/15, cujo teor se reproduz, intitulado contrato de trabalho a termo certo com trabalhador estrangeiro sob o regime de tempo parcial pelo qual foi declarado que celebravam um contrato de trabalho, a termo certo e temo parcial, pelo prazo de 10 meses, com início em 4 de Dezembro de 2018 e termo em 4 de Outubro de 2019, renovável, com fundamento no “facto de a empresa ter um acréscimo temporário da sua actividade neste período. Circunstância que integra o fundamento da contratação a termo, previsto na alínea f) do nº 2 do art. 140º da Lei nº 7/2009, de 12 de fevereiro.”
4) Mais declararam que o autor se obrigava a prestar à 2ª ré as funções correspondentes à categoria profissional de empregado de mesa e balcão, tendo como local de trabalho a sede da 1ª ré, de segunda a domingo, respeitando o dia e meio de folga consecutivo, tendo o seu horário a duração semanal de 25 horas, comprometendo-se a 1ª ré a pagar ao autor a retribuição mensal ilíquida de € 362,50, até ao último dia de cada mês.
5) A partir de 4 de Dezembro de 2018 o autor passou a exercer as funções de empregado de mesa e de balcão no Bar ..., pertencente à 2ª ré e, quando necessário, por determinação do sócio gerente de ambas, também as funções de distribuidor no âmbito da actividade social da ré B... Unipessoal, Lda.
6) O autor prestou as actividades contratadas para as rés até final de Outubro de 2019, tendo a ré B..., Unipessoal, Lda comunicado à Segurança Social a cessação do contrato por iniciativa do trabalhador com efeitos a partir de 31/10/2019.
7) No final do ano de 2019, a ré A..., Lda, voltou a admitir o autor, com efeitos a partir de 09/01/2020 pelo prazo de 10 meses, voltando o autor a prestar actividade como empregado de mesa no Bar ... até 09/10/2020, mediante retribuição.
8) No decurso do ano de 2020, nunca antes do mês de Agosto, a pedido do autor com vista à regularização da sua situação perante o SEF, o autor e a ré A..., Lda, assinaram o documento de fls. 17/18, cujo teor se reproduz, intitulado contrato de trabalho a termo certo com trabalhador estrangeiro sob o regime de tempo parcial, datado e com início em 9 de Janeiro de 2020 e termo em 30 de Setembro de 2020, renovável, com fundamento no “facto de a empresa ter um acréscimo temporário da sua actividade neste período. Circunstância que integra o fundamento da contratação a termo, previsto na alínea f) do nº 2 do art. 140º da Lei nº 7/2009, de 12 de fevereiro, para o autor exercer as funções de empregado de mesa e balcão no Bar ..., mediante a retribuição mensal ilíquida de € 650,00, com um horário de segunda a domingo, com a duração semanal de 30 horas.
9) No mesmo contexto, com o mesmo objectivo de regularização da situação do autor perante o SEF, o contabilista da ré A..., Lda, a pedido do autor e sem prévio conhecimento do legal representante daquela, emitiu e enviou ao autor, directamente para as instalações do SEF, os recibos que constituem os documentos de fls. 24 a 26, que o autor naquele momento assinou.
10) A ré A..., Lda emitiu e entregou ao autor, com data de 09/10/2020 a declaração de situação de desemprego com o teor de fls. 20 verso, na qual inscreveu como data de cessação do contrato 09/10/2020 e como motivo de cessação do contrato caducidade do contrato por fim do contrato a termo.
11) As duas rés têm como gerente BB.
12) A 1ª ré dedica-se ao comércio a retalho de electrodomésticos em estabelecimentos especializados, compra e venda de bens imobiliários e comércio de veículos automóveis ligeiros.
13) A 2ª ré dedica-se à exploração de estabelecimento de restauração e bebidas, nomeadamente café, bar, esplanada, restaurante e similares, organização, gestão, promoção de eventos.
14) Desde a celebração dos contratos referidos em 1) e 3) o legal representante das rés, como pagamento parcial da retribuição, no valor de, pelo menos, € 400,00, cedeu ao autor o gozo de um apartamento para habitação deste, que o autor ocupou juntamente com o seu agregado familiar, pelo menos até Agosto de 2020.
15) O horário do autor ao serviço das rés, pelo menos até Outubro de 2019, e da ré A..., Lda, partir de Janeiro de 2020 e até 09/10/2020 era definido casuisticamente, dentro do horário de abertura do Bar ... e de acordo com as necessidades das rés, tendo o autor sempre, pelo menos um dia de folga por semana.
16) O horário de funcionamento do dito Bar era, por via de regra o seguinte:
- No Inverno: todos os dias da semana das 10h às 20h, encerrando, contudo, entre as 17h e as 18h30m, se não houvesse clientes ou estivesse mau tempo, ou nem chegando a abrir nos dias de mau tempo;
- No Verão: todos os dias da semana das 9h30m pelo menos até às 23h30/24h, prolongando-se no máximo até às 2h da manhã, se o número de clientes o justificasse.
17) Nos meses de Inverno, o autor cumpria o horário de abertura do bar e nos meses de Verão o autor entrava pelas 14h30, fazia uma pausa de 2h para jantar e saía quando o bar encerrava.
18) O horário de funcionamento do Bar sofreu as restrições decorrentes da pandemia, que cumpriu na totalidade.
19) O autor prestou trabalho à ré A..., Lda, no Bar ..., pelo menos, nos feriados 25/12/2018, 01/01/2019, 25/12/2019 e 01/01/2020.
20) As rés nunca ministraram ao autor formação profissional.
21) O autor não trabalhou seja por estar em gozo de folga, seja por o bar estar encerrado nos seguintes dias:
Ano de 2019: 7, 9, 13, 14, 19, 20, 23, 27 e 31 de Janeiro; 1, 2, 7, 8, 9 e 10 de Fevereiro; 3, 5, 6, 7, 12, 17, 19, 21, 22, 24, 27 e 31 de Março; 1, 4, 5, 6, 7, 13, 14, 17, 22, 23 e 25 de Abril; 1, 5, 8, 9, 16, 19, 23, 26 e 28 de Maio; 4, 6, 11, 18 e 26 de Junho; 4, 10, 15, 24 e 30 de Julho; 5, 7, 8 e 30 de Agosto, 9, 10, 11 e 12 de Setembro, tendo entrado de férias a partir de 24/09/2019 até ao final de Outubro de 2019.
Ano de 2020: 12, 13, 15, 16, 20, 23, 26, 29, 30 e 31 de Janeiro; 1, 2, 9, 10, 11, 14, 15, 20 e 27 de Fevereiro, 1, 5, 8 e 9 de Março, tendo o bar encerrado a partir dessa data até 16/05/2020, devido às restrições decorrente da pandemia; 18, 25, 26 e 27 de Maio; 2 e 16 de Junho; 15 de Julho; 17, 18 e 19 de Agosto, 7 e 9 de Setembro, tendo entrado de férias no dia 14 até 30/09/2020.
22) No dia 09/10/2020 o autor deixou de trabalhar para a ré A..., Lda, o que lhe foi comunicado verbalmente pelo legal representante daquela.
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Factos não provados
a) O autor foi admitido ao serviço da ré B... Unipessoal, Lda com a categoria profissional de empregado de mesa e de balcão.
b) O autor esteve ininterruptamente a prestar o seu trabalho às rés desde o dia 4 de Dezembro de 2018 até 9 de Outubro de 2020.
c) O autor apenas recebeu 6 retribuições e subsídio de alimentação em dinheiro, sendo em Outubro de 2019 no valor de € 704,94, em Novembro de 2019 no valor de € 695,40, em Dezembro de 2019 no valor de € 695,40, em Junho de 2020 no valor de € 739,94, em Julho de 2020 no valor de € 744,71 e em Agosto de 2020 no valor de € 744,71.
d) No período de 04/12/2018 a 08/01/2020 o autor prestou para as rés a sua actividade laboral no Bar ..., com o seguinte horário:
- de segunda a quarta: das 10h às 20h; sexta, sábado e domingo: das 14h30m às 18h e das 20h às 2h.
e) No período de 09/01/2020 a 09/10/2020 o autor prestou para a ré A..., Lda, a sua actividade no Bar ... com o seguinte horário:
- de segunda a quarta: das 10h às 20h; sexta, sábado e domingo: das 14h30m ás 18h e das 20h às 2h.
f) O autor prestou trabalho às rés, 10 horas em cada dia, nos seguintes feriados: 05/10/2018, 01/11/2018, 01/12/2018, 08/12/2018, 19/04/2019, 25/04/2019, 01/05/2019, 10/06/2019, 20/06/2019, 29/06/2019, 15/08/2019, 05/10/2019, 01/11/2019, 01/12/2019, 08/12/2019, 10/04/2020, 25/04/2020, 01/05/2020, 10/06/2020, 11/06/2020, 29/06/020, 15/08/2020 e 05/10/2020.
g) No dia 09 de Outubro de 2020 a ré B... Unipessoal, Lda dispensou os serviços do autor.
h) As duas rés ao celebrarem com o autor os contratos supra referidos tiveram como fito repartir entre si as despesas relacionadas com os salários, contribuições e impostos.
i) As condutas das rés criaram ao autor alterações ao seu normal ritmo de vida, uma grande ansiedade e stress, sentindo-se ludibriado e prejudicado, sofrendo desgaste físico e mental, afectando-lhe a dignidade e criando mudança brusca no seu estilo de vida, levando o autor a sentir angústia, instabilidade e agitação por ser casado e ter filhos dependentes do rendimento corrente auferido da prestação de trabalho às rés.
j) O autor sentiu uma profunda amargura por se sentir desrespeitado, aproveitado pelas rés como uma lente descartável, tendo pedido oportunidades de novo emprego, atravessando por essa razão, um período de depressão, com diminuição da sua auto estima e gosto de viver.
l) A partir de 13/10/2019, o autor, sem qualquer motivo, deixou de comparecer para trabalhar, quer enquanto distribuidor, quer enquanto empregado de mesa e balcão.
m) O contrato referido em 8) foi solicitado pelo autor ao contabilista da ré que o elaborou sem conhecimento ou autorização do legal representante da ré A....
n) Na altura referida em 9) o autor foi admitido pela ré A..., Lda, por documento escrito, a tempo parcial, tendo sido acordado que a retribuição base seria € 317,50.
o) A 2ª ré sempre pagou a totalidade da retribuição ao autor, bem como os proporcionais de férias e subsídio de Natal.
p) A 2ª ré facultou formação ao autor, várias vezes ao ano, que nem um café e/ou um fino sabia tirar, quando iniciou o contrato de trabalho.
q) A 2ª ré comunicou à Segurança Social a cessação do contrato celebrado com o autor em 04/12/2018, por iniciativa do trabalhador com efeitos a partir de 31/10/2019.”.
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B) – O Direito

- Nulidade da sentença
A primeira questão a apreciar, consiste em apurar se a sentença padece da arguida nulidade, o que o apelante faz, invocando o art. 615º, nº 1, al.s d) e e), sob a alegação de que, “Pelos motivos referidos nos pontos II e III, a douta sentença sofre do vício de nulidade, por violação do disposto nas alíneas d) e e) do art. 615.º do Código de Processo Civil. Na verdade, a douta sentença procedeu à compensação do valor de algumas rendas da Ré A..., Lda, quando esta sociedade não é credora de rendas do Autor, pretensão que tão pouco foi pedida em reconvenção e cuja prescrição invocada não foi conhecida.”, como refere na conclusão 2.
Vejamos.
As causas de nulidade da sentença ou de qualquer decisão são as que vêm taxativamente enumeradas no nº 1 do art. 615º.
Nele se dispõe que, é nula a sentença quando: “a) não contenha a assinatura do juiz; b) não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão; c) os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível; d) o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento; e) o juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido.”.
Em anotação ao art. 668º do CPC de 1961, que corresponde ao actual art. 615º, refere (Abílio Neto, in “Código de Processo Civil Anotado”, 23ª ed., pág. 948), que “os vícios determinantes da nulidade da sentença correspondem a casos de irregularidades que afectam formalmente a sentença e provocam dúvidas sobre a sua autenticidade, como é a falta de assinatura do juiz, ou ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduz, logicamente, a resultado oposto do adoptado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender conhecer questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões de que deveria conhecer (omissão de pronúncia). São, sempre, vícios que encerram um desvalor que excede o erro de julgamento e que, por isso, inutilizam o julgado na parte afectada.”.
Como concluem (Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, in “Manual de Processo Civil”, 2ª Edição Revista e Actualizada, Coimbra Editora, Limitada, 1985, pág. 686) entre as causas de nulidades da sentença enumeradas, taxativamente, no nº1, do art. 615º, não se incluem o “chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário”.
Analisando, o caso.
Verifica-se que, pretende o recorrente que se declare a nulidade da sentença recorrida, com os argumentos que invoca nas suas alegações e conclusões, por omissão e excesso de pronúncia e por condenação em objeto diverso do pedido, nos termos do disposto no art. 615.º, nº 1, al.s d) e e), alegadamente, porque considera, em síntese, que o Tribunal “a quo” procedeu à compensação de créditos não invocada pelas rés, não tendo nenhuma delas deduzido pedido reconvencional, por outro lado, considera que o Tribunal “a quo” não se pronunciou sobre a excepção da prescrição dos créditos da Ré, B... Unipessoal, Lda, invocada pelo autor para o caso de os mesmos virem a ser reconhecidos como existentes e por considerar que, naquele se condenou em objecto diverso do pedido, invocando que a ré A..., nem por via de excepção declarou ser credora do autor pelo valor das rendas.
Que tal ocorresse, discordou a Mª Juíza “a quo”, nos termos da pronúncia deixada nos autos quanto às invocadas nulidades, no que tem o apoio e concordância do Ex.mo Procurador, como se retira do parecer junto, onde considera de nenhum reparo ou censura ser a decisão recorrida merecedora.
Vejamos.
Começando por dizer, a propósito das invocadas nulidades, o seguinte.
O art. 3º, dispõe que, “1. O tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a ação pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada a deduzir oposição
(…).
3. o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo…”.
Em conformidade com aquele regime, dispõe o art. 608º, nº 2, que, “O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.”.
Estando a cominação para o desrespeito do nº 2, deste art. 608º, enunciada na al. d) do nº 1, do referido art. 615º, reconduzindo-se os vícios nela previstos à inobservância dos estritos limites do poder cognitivo do tribunal.
A decisão queda-se aquém ou foi além do thema decidendum ao qual o tribunal estava adstrito, padecendo da nulidade ali prevista quando há um uso ilegítimo do poder jurisdicional, por se ter deixado de tratar de questões de que se deveria conhecer -omissão de pronúncia, ou por se ter conhecido e decidido sobre questões de que não se podia conhecer - excesso de pronúncia.
Sendo entendimento sedimentado e unânime, na doutrina e jurisprudência, que os argumentos convocáveis para se decidir certa questão não se identificam necessária e coincidentemente com a própria questão a decidir, em si mesma considerada. Não se discutindo que, questões e argumentos não se confundem e o dever de decisão é circunscrito à apreciação daquelas.
A este propósito, veja-se o (Ac. do STJ de 24.01.2024, Proc. nº2529/21. 8T8MTS.P1.S1) onde se lê, o seguinte: “(…) questões (a resolver) que não se confundem, nem compreendem o dever de responder a todos os invocados argumentos, motivos ou razões jurídicas, até porque, como é sabido, o juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito” (art. 5.º, n.º 3).
Vale por dizer que o tribunal não tem o dever de responder a todos os argumentos, tal como não se encontra inibido de usar argumentação diversa da utilizada pelas partes. (…)
Assim, a nulidade por omissão de pronúncia [art. 615.º, n.º l, d), do CPC], sancionando a violação do estatuído no nº 2 do artigo 608.º, apenas se verifica quando o tribunal deixe de conhecer questões temáticas centrais2, ou seja, atinentes ao thema decidendum, que é constituído pelo pedido ou pedidos, causa ou causas de pedir e exceções; e, reciprocamente, o excesso de pronúncia só se verifica quando o tribunal conheça de matéria diversa desta.”.
Quanto a este último vício, o excesso de pronúncia, no sumário do (Ac. do STJ de 06.12.2017, Proc. n.º 434/14.4TTBRR.L1.S2), exarou-se o seguinte: “I. Só existe excesso de pronúncia quando os limites processuais forem ultrapassados com o Juiz a pronunciar-se sobre questão que nenhuma das partes suscitou no processo, excedendo-se, no âmbito da solução do conflito, nos limites por elas pedido e definido, sendo que a nulidade prevista na 2ª parte, da alínea d), do nº 1, do artigo 615º, do CPC, apenas terá lugar se a sentença conheceu de questões que nenhuma das partes submeteu à apreciação do Juiz, dentro dos limites legais.
II – O excesso de pronúncia gerador de nulidade refere-se, pois, aos pontos essenciais de facto e de direito que constituem o centro do pedido, quer seja no que respeita ao pedido, quer quanto às excepções suscitadas”.
A propósito da nulidade da sentença, também, invocada, prevista na al. e) do nº1 do referido art. 615º, lê-se no (Ac. do STJ de 21.03.2019, Proc. nº 2827/14.7T8LSB.L1.S1) que, “o nosso direito adjectivo civil determina que o Tribunal está impedido de condenar em objecto diverso do que for pedido (art.º 609º n.º. 1 do Código de Processo Civil), pelo que, o Tribunal não só, não pode conhecer, por regra, senão das questões que lhe tenham sido apresentadas pelas partes, como também não pode proferir decisão que ultrapasse os limites do pedido formulado, nomeadamente, no que respeita ao seu próprio objecto, sob pena de o aresto a proferir ficar afectado de nulidade.
Como sustenta, Teixeira de Sousa, in, Estudos sobre o Novo Processo Civil, página 362, “um limite máximo ao conhecimento do tribunal é estabelecido pela proibição de apreciação de questões que não tenham sido suscitadas pelas partes, salvo se forem de conhecimento oficioso (art. 660°, n° 2, 2.ª parte), e pela impossibilidade de condenação em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido (art. 661°, n.° 1). A violação deste limite determina a nulidade da sentença por excesso de pronúncia (art. 668°, n° 1, al. d) 2.ª parte) ou por conhecimento de um pedido diferente do formulado (art. 668°, n° 1, al. e))”, e no mesmo sentido, “a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objecto diverso do que se pedir”, Salvador da Costa, in, Os incidentes da instância, Almedina, página 296.
A nulidade do acórdão quando o Tribunal condene em objecto diverso do pedido colhe o seu fundamento no princípio dispositivo que atribui às partes, a iniciativa e o impulso processual, e no princípio do contraditório, segundo o qual o Tribunal não pode resolver o conflito de interesses, que a demanda pressupõe, sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja chamada para se opor.
A decisão que ultrapassa o pedido formulado, sem modificação objectiva da instância, passando a abranger matéria distinta, está eivada de nulidade prevista na consignada alínea e) do art.º 615º do Código de Processo Civil, pois, o acórdão não pode conhecer de objecto diverso do pedido, o que significa que o Tribunal não pode conhecer, em regra, senão das questões suscitadas pelas partes, não podendo ultrapassar, nem em quantidade, nem em qualidade, os limites constantes do pedido, sendo que não havendo coincidência entre o decidido e o pedido, estar-se-á face a uma extra petição, vício que produz nulidade do aresto.”.
Ainda no que a este, alegado, vício da sentença se refere, tendo em conta o que na prática judiciária vem sendo defendido, quanto à necessidade de interpretar o princípio do dispositivo em moldes mais flexíveis que permita, sem violação dos limites expressos no art. 609º, solucionar de forma definitiva o litígio entre as partes, quando o decidido se contenha ainda assim no âmbito da pretensão formulada, ou seja, que permita ainda retirar do processo o seu sentido útil, veja-se o exposto no (Ac. do STJ de 11.02.2015, Proc. nº 607/06.2TBCNT) referindo o seguinte: “Na integração do caso não podem ainda descurar-se os objetivos apontados pelas sucessivas reformas processuais, designadamente quando delas emerge a sobreposição de aspectos de ordem material a outros de ordem formal, ou a necessidade de atribuir ao processo a necessária eficácia que permita alcançar uma efectiva e célere resolução de litígios.
Importa ponderar também o que emana da doutrina que, fazendo coro com os referidos objetivos, aponta para a flexibilixação do princípio do pedido, como é defendido por Miguel Mesquita, em anotação a um aresto sobre direitos reais, na RLJ, ano 143º, págs. 134 e segs. intitulada precisamente “A flexibilização do princípio do pedido à luz do moderno CPC”.
Assim, se é verdade que a sentença deve inserir-se no âmbito do pedido, não podendo o juiz condenar (rectius apreciar) nem em quantidade superior, nem em objeto diverso do que se pedir, tal não dispensa um esforço suplementar que permita apreender realmente o âmbito objetivo do pedido que foi formulado na presente acção.”.
Em idêntico sentido, afirma-se no sumário do (Ac. do STJ de 04.10.2018, Proc. nº 588/12.3TBPVL.G2.S1) que, “IX. O nosso atual modelo de processo civil, assente no primado do direito substantivo sobre o direito adjetivo e no princípio da gestão processual, torna inevitável a flexibilização do princípio do pedido contido no artigo 609.º, n.º 1, do CPC, no sentido da necessidade de se apreender realmente o âmbito objetivo do pedido que foi formulado na ação”.
Por último, diga-se, apenas, como se diz, também naquele (Ac. do STJ de 21.03.2019, já citado) “O vício da nulidade do acórdão, nos termos enunciados, encerra um desvalor que excede o erro de julgamento, por isso, inutiliza o julgado na parte afectada.”.
Transpondo o exposto para o caso, cremos poder afirmar, desde já, que o recorrente não tem razão, quando alega que a sentença padece de nulidade.
Senão, vejamos.
Quanto à invocada omissão de pronúncia (o eventual crédito da Ré/B... Unipessoal, Lda), para melhor compreensão do nosso entendimento, veja-se o seguinte segmento da sentença recorrida que, em síntese, se transcreve:
«O autor pretende que os contratos que celebrou com as duas rés em 04/12/2018 e o contrato que celebrou com a 2ª ré em 09/01/2020, sejam considerados contratos sem termo, que seja declarada a ilicitude do seu despedimento pelas rés, sendo ambas condenadas a pagar-lhe compensação por danos não patrimoniais, indemnização de antiguidade pela ilicitude do despedimento, as retribuições que deixou de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da sentença, créditos salariais referentes a trabalho suplementar, trabalho nocturno, descanso compensatório não gozado, feriados, trabalho nocturno, formação profissional, férias, subsídio de férias e subsídio de Natal e subsídio de alimentação (presumindo-se tratar-se de um mero lapso de escrita a referência no pedido ao subsídio de aleitação).
Para o caso de os contratos serem considerados validamente celebrados a termo o autor pretende que as rés sejam condenadas a pagar-lhe a retribuição e subsídio de alimentação que deixou de auferir desde 05/10/2019 até 04/07/2020 e de 01/10/2020 a 30/06/2021, bem como a compensação de 18 dias de retribuição pela caducidade dos contratos de trabalho.
Comecemos pelos contratos celebrados em 04/12/2018.
(…).
Por isso, os ditos contratos de trabalho celebrados entre o autor e cada uma das rés em 04/12/2018, sempre terão de ser considerados sem termo ao abrigo do art. 147º, nº 1, al. c) do C.T.
Aqui chegados, não podemos deixar de, desde já, enfrentar e resolver uma questão suscitada pelas rés na contestação, pela via excepcional, já que, caso a mesma seja de julgar procedente, tal prejudicará (cfr. art. 608º, nº 2 do Código de Processo Civil), a apreciação de parte das restantes questões suscitadas pelo autor.
Trata-se da questão da prescrição de todos os créditos do autor fundamentados nos dois supra referidos contratos, com fundamento no art. 337º, nº 1 do Código do Trabalho, segundo o qual os créditos do trabalhador emergentes do contrato de trabalho, sua violação ou cessação prescrevem decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.
(…).
No caso dos autos, as rés alegaram que os contratos celebrados com o autor em 04/12/2018 cessaram em 31/10/2019 por o autor ter deixado de comparecer no local de trabalho sem apresentação de qualquer justificação a partir de 13/10/2019 e por mais de 10 dias consecutivos, motivo pelo qual comunicou a cessação de tais contratos à Segurança Social por iniciativa do trabalhador, sendo que, face ao disposto pelo art. 342º, nº 2 do Código Civil, impendia sobre as rés o ónus de alegar e provar a cessação dos contratos de trabalho na data que invocaram.
Considerando a matéria de facto que resultou provada afigura-se-nos que não estão reunidos os pressupostos de que dependia o reconhecimento da cessação dos ditos contratos por o autor ter deixado de comparecer no local de trabalho, sem motivo justificativo a partir de 13/10/2019, já que não se provou que tal acontecido, nem a ré provou ou sequer alegou que tenha comunicado ao autor o abandono do posto de trabalho, não sendo relevante para esses efeitos a comunicação que, apenas à Segurança Social de cessação do contrato de trabalho por iniciativa do trabalhador (que de todo o modo apenas a 1ª ré fez), não podendo, pois, nos termos do art. 403º, nº 3 do Código do Trabalho, ser invocado pela entidade empregadora.
Não podemos, contudo, ignorar que ficou provado que o autor apenas exerceu as funções para que foi contratado pelas rés até 31/10/2019, não se tendo provado que tenha trabalhado ininterruptamente para as rés até 09/10/2020. Tão pouco podemos ignorar que ficou provado que o autor, a seu pedido, voltou a ser admitido, desta feita apenas pela 2ª ré, com efeitos a partir de 09/01/2020, o que, ainda que se desconheça as concretas circunstâncias em que o autor deixou de prestar a sua actividades às rés, na sua conjugação, nos permite afirmar com clareza que após 31/10/2019 os vínculos contratuais existentes entre o autor e as rés cessaram, pelo menos de facto, o que foi igualmente considerado quer pelo autor quer pelas rés, sob pena de não se compreender a celebração do contrato com a 2ª ré, com efeitos a partir de 09/01/2020.
Por isso, do ponto de vista do tribunal, ainda que não seja possível a subsunção da situação de facto retratada a qualquer das formas de cessação do contrato de trabalho a que se refere o art. 340º do Código do Trabalho, impõe-se considerar que os contratos de trabalho em causa cessaram efectivamente em 31/10/2019.
Daqui decorre, que na ausência de qualquer causa interruptiva ou suspensiva, o prazo de prescrição a que se refere o aludido art. 337º do CT, no caso dos autos, no que respeita às pretensões do autor fundamentadas aqueles dois contratos se iniciou em 01/11/2019 e se completaria no dia 01/11/2020.
Acontece que ocorreu a suspensões do prazo de prescrição de 09/03/2020 a 03/06/2020 (art. 7º da Lei nº 1-A/2020, de 19/03 e Lei 16/2020 de 29/05), ou seja, durante 87 dias, os quais terão de acrescer ao prazo inicial.
Nestes termos o termo do prazo de prescrição dos direitos do autor foi diferido para 27/01/2021.
Ora, tendo a acção sido intentada em 07/09/2021 e as rés citadas em 13 e 14/09/2021, há muito tinha já decorrido o prazo de prescrição, motivo pelo qual, na procedência da excepção invocada todos os pedidos do autor referentes aos dois contratos de trabalho celebrados em 04/12/2018, terão de improceder, sendo as rés dos mesmos absolvidas e prejudicando a apreciação das questões suscitadas pelo autor que tinham como antecedente lógico a vigência ininterrupta de uma relação laboral entre ele e as rés desde 04/12/2018 até 09/10/2020.
(…).». (Fim de citação).
Ora, analisando o segmento da decisão, acabado de transcrever e tendo em conta o que supra se deixou exposto, nomeadamente, o disposto no nº 2, do art. 608º, é manifesto que não ocorre a invocada nulidade por omissão de pronúncia.
A falta de decisão sobre o mérito da invocada excepção (prescrição de eventuais créditos da Ré/B... Unipessoal, Lda), como bem o disse a Mª Juíza “a quo”, não equivale, “no caso dos autos, a omissão de pronuncia susceptível de conduzir à nulidade da sentença, pois, de tal questão - tendo ficado prejudicada face à improcedência dos pedidos do autor formulados contra aquela ré, como, de resto, ficou expressamente afirmado na sentença – não estava o tribunal obrigado a conhecer.”.
Improcede, assim, sem necessidade de outras considerações, a nulidade da sentença pela alegada, omissão de pronúncia.
E, sempre com o devido respeito, podemos desde já dizer que, improcede também a invocada, pelo recorrente, nulidade daquela, por excesso de pronúncia e condenação em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido, alegadamente, se bem se compreende, por considerar, ele, que o Tribunal “a quo” operou a compensação de créditos entre o valor das rendas e o valor das retribuições devidas, sem que tal compensação tenha sido invocada pela ré A..., que nem deduziu reconvenção.
Pois, analisada a sentença recorrida, em momento algum a Mª Juíza decidiu naqueles termos. Como disse a Mª Juíza “a quo”, quando foi chamada a pronunciar-se sobre a invocada nulidade, “Analisada a sentença e a sua fundamentação, resulta evidente que o tribunal não procedeu a qualquer compensação de créditos. O tribunal limitou-se a considerar que, parte das retribuições reclamadas não eram devidas ao autor, por terem sido pagas em espécie, através do gozo de um apartamento para habitação do autor e do seu agregado familiar no valor de € 400,00, facto que foi considerado como provado sob nº 14) da decisão da matéria de facto e enquadrando juridicamente tal conclusão, no disposto pelos arts. 258º e 259º, ambos do Código do Trabalho, aplicando, de resto, o regime previsto por esta última disposição legal.”.
A demonstrá-lo, veja-se, o seguinte trecho da decisão que se transcreve: « (…).
No que respeita às retribuições mensais, impendia sobre a ré, nos termos do disposto pelo art. 342º, nº2 do Código Civil, o ónus de provar o seu pagamento, o que, atenta a decisão da matéria de facto supra, não foi cumprido, pelo que, importa apurar os valores devidos ao autor, tendo por referência a retribuição mensal devida de € 635,00.
Ora, nos termos do art. 258º do Código do Trabalho, a retribuição pode ser paga em dinheiro ou em espécie, devendo nos termos do art. 259º do mesmo Código, a prestação não pecuniária destinar-se à satisfação de necessidades pessoais do trabalhador ou da sua família, não podendo ter valor superior ao corrente na região e não podendo exceder o valor da parte em dinheiro, salvo o disposto em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho que no caso não é aplicável.
Ficou provado que desde a celebração dos contratos em 04/12/2018, o legal representante das rés, como pagamento parcial da retribuição, no valor de, pelo menos, €400,00, cedeu ao autor o gozo de um apartamento para habitação deste, que o autor ocupou juntamente como seu agregado familiar, pelo menos até Agosto de 2020.
Assim, considerando o limite a que se refere o supra referido art. 259º, nº 2, sendo a retribuição do autor de €635,00, apenas metade desse valor pode ser considerado como pagamento da retribuição em espécie, devendo ser abatido ao montante devido pela ré.
(…).».
Sem dúvida, analisando esta, onde é evidente que não procedeu a Mª Juíza “a quo” a qualquer compensação de créditos, atenta a factualidade que se mostra provada, as considerações que supra se deixaram expostas, nomeadamente, o disposto no nº 3, do art. 5º, mostrando-se a questão da retribuição do A. controvertida, não poderia o Tribunal “a quo” deixar de se pronunciar, sobre aquela questão, sob pena de não o fazendo, aí sim, vir a incorrer no vício de nulidade, obviamente, não por excesso, mas por omissão de pronúncia, (cfr. a referida al. d) do nº 1, do art. 615º, 1ª parte). Assim e, ainda, face aos princípios supra enunciados, à luz do entendimento da flexibilização do princípio do pedido de que se deu conta, considera-se que no circunstancialismo, em causa, a questão da retribuição devida ao A. (no que respeita ao seu montante e composição), só podia considerar-se dentro do objecto do processo e a sua apreciação não significa uma condenação “ultra vel extra petitum”.
Questão diversa, como bem o referiu a Mª Juíza “a quo” e subscrevemos, nós, “é a de saber se a decisão do tribunal relativa à matéria de facto, padece de algum vício, se determinado facto deveria ou não ter sido dado como provado, mas não se vislumbra que o autor tenha arguido qualquer nulidade com esse fundamento.”.
Concordamos, assim, que o Tribunal “a quo” não conheceu de qualquer questão cujo conhecimento lhe estivesse vedado, nem condenou em objecto diverso do pedido, de modo a terem-se por verificadas as invocadas causas de nulidade da sentença.
Relembremos, apenas, que os vícios da nulidade da decisão, nos termos enunciados, encerram um desvalor que excede o erro de julgamento, que, a verificar-se não consubstancia aquela.
Improcede, pois, também nesta parte, a invocada nulidade da sentença.
*

- Da impugnação da decisão de facto
Porque quer o A. quer a R. vêm impugnar a decisão sobre a matéria de facto, procederemos à apreciação desta questão, de imediato, quanto a ambas as apelações.
Vejamos.
Dispõe o nº 1 do art. 662º, que: “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.”.
Aqui se enquadrando, naturalmente, as situações em que a reapreciação da prova é suscitada por via da impugnação da decisão de facto feita pelos recorrentes.
Nas palavas de (Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, Coimbra, 2013, págs. 221 e 222) “… a modificação da decisão da matéria de facto constitui um dever da Relação a ser exercido sempre que a reapreciação dos meios de prova (sujeitos à livre apreciação do tribunal) determine um resultado diverso daquele que foi declarado na 1ª instância”.
No entanto, como continua o mesmo autor (págs. 235 e 236), “… a reapreciação da matéria de facto no âmbito dos poderes conferidos pelo art. 662º não pode confundir-se com um novo julgamento, pressupondo que o recorrente fundamente de forma concludente as razões por que discorda da decisão recorrida, aponte com precisão os elementos ou meios de prova que implicam decisão diversa da produzida e indique a resposta alternativa que pretende obter.”.
Esta questão da impugnação da decisão relativa à matéria de facto e a sua apreciação por este Tribunal “ad quem” pressupõe o cumprimento de determinados ónus por parte do recorrente, conforme dispõe o art. 640º ex vi do art. 1º, nº 2, al. a) do C.P.Trabalho, nos seguintes termos:
“1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2- No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”.
Resulta da análise deste dispositivo que, o legislador concretiza a forma como se processa a impugnação da decisão, reforçando, neste novo regime, os ónus de alegação impostos ao recorrente, impondo-se que especifique, em concreto, os pontos de facto que impugna e os meios probatórios que considera impunham decisão diversa quanto àqueles e deixe expressa a solução que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação em sede de reapreciação dos meios de prova.
Ou seja, tendo em conta os normativos supra citados, haverá que concluir que a reapreciação da matéria de facto por parte da Relação, tendo que ter a mesma amplitude que o julgamento de primeira instância, já que só assim, como se refere no (Ac. STJ de 24.09.2013 in www.dgsi.pt (sítio da internet onde se encontram disponíveis os demais acórdãos a seguir citados, sem outra indicação)) poderá ficar plenamente assegurado o duplo grau de jurisdição, muito embora não se trate de um segundo julgamento e sim de uma reponderação, não se basta com a mera alegação de que não se concorda com a decisão do Tribunal “a quo”, exigindo-se à parte que pretenda usar daquela faculdade, a demonstração da existência de incongruências na apreciação do valor probatório dos meios de prova que efectivamente, no caso, foram produzidos, sem limitar porém o segundo grau de sobre tais desconformidades, previamente, apontadas pelas partes, se pronunciar, enunciando a sua própria convicção - não estando, assim, limitada por aquela primeira abordagem, face ao princípio da livre apreciação da prova que impera no processo civil, art. 607º, nº 5 do CPC, cfr. (Ac. STJ de 28.05.2009).
Verifica-se, assim, que o cumprimento do ónus de impugnação da decisão de facto, não se satisfaz com a mera indicação genérica da prova que na perspectiva do recorrente justificará uma decisão diversa daquela a que chegou o Tribunal “a quo”, impõe-lhe a concretização quer dos pontos da matéria de facto sobre os quais recai a sua discordância como a especificação das provas produzidas que, por as considerar como incorrectamente apreciadas, imporiam decisão diversa, quanto a cada um dos factos que impugna sendo que, quando se funde em provas gravadas se torna, também, necessário que indique com exactidão as passagens da gravação em que se baseia, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição.
Além disso, nas palavras, novamente, de (Abrantes Geraldes in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2014, 2ª edição, págs. 132 e 133), “O recorrente deixará expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência nova que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente, também sob pena de rejeição total ou parcial da impugnação da decisão da matéria de facto;”.
Sobre este assunto, no (Ac.STJ de 27.10.2016) pode ler-se: “…Como resulta claro do art. 640º nº 1 do CPC, a omissão de cumprimento dos ónus processuais aí referidos implica a rejeição da impugnação da matéria de facto. …”. E, do mesmo Tribunal no (Ac. de 07.07.2016) observa-se o seguinte: “… para que a Relação possa apreciar a decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto, tem o recorrente que satisfazer os ónus que lhe são impostos pelo art. 640º, nº 1 do CPC, tendo assim que indicar: os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, conforme prescreve a alínea a); os concretos meios de prova que impõem decisão diversa, conforme prescrito na alínea b); e qual a decisão a proferir sobre as questões de facto que são impugnadas, conforme lhe impõe a alínea c).”.
Neste mesmo sentido, lê-se no (Ac. desta Relação de 15.04.2013, relatora Desembargadora Paula Leal de Carvalho) que, “Na impugnação da matéria de facto o Recorrente deverá, pois, identificar, com clareza e precisão, os concretos pontos da decisão da matéria de facto de que discorda, o que deverá fazer por reporte à concreta matéria de facto que consta dos articulados (em caso de inexistência de base instrutória, como é a situação dos autos).
E deverá também relacionar ou conectar cada facto, individualizadamente, com o concreto meio de prova que, em seu entender, sustentaria diferente decisão, designadamente, caso a discordância se fundamente em depoimentos que hajam sido gravados, identificando as testemunhas por referência a cada um dos factos que impugna (para além “de indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respetiva transcrição.”, (sublinhado nosso).
Em suma, o legislador impõe à parte recorrente, que pretenda impugnar a decisão de facto, ónus de impugnação, nomeadamente, o recorrente deve expor os argumentos que, extraídos de uma apreciação crítica dos meios de prova, determinem, em seu entender, um resultado diverso do decidido pelo tribunal “a quo”, sendo que, como decorre do (Ac. do STJ Uniformizador de Jurisprudência nº 12/2023, de 17.10.2023, publicado no DR, Iª série, de 14.11) quanto à «decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas», basta fazê-lo nas alegações, mas exigindo-se que essa decisão alternativa propugnada resulte de forma inequívoca daquelas.
Transpondo o regime exposto para o caso, verifica-se que houve gravação dos depoimentos prestados em audiência, quer o A. quer a R., apelantes, impugnam a decisão da matéria de facto, com indicação dos pontos que tendo sido considerados provados e não provados, entendem, respectivamente, o primeiro que foi incorrectamente julgado e a segunda que, resultam de uma errada apreciação e valoração das provas que indica e em que funda o recurso.
Importando que se diga, desde já que, por o considerarmos necessário, além dos concretos trechos dos depoimentos que os apelantes transcrevem, procedemos à audição na íntegra daqueles e análise dos documentos que são invocados, já que, também, desse modo firmou a Mª Juíza “a quo” a sua convicção quanto à verificação ou não da materialidade assente nos pontos que vêm impugnados. E, após, face à argumentação de ambos os apelantes, para fundamentarem as suas pretensões quanto à alteração da decisão de facto, sempre com o devido respeito, também o podemos adiantar, desde já, que o que se verifica é que os mesmos mais não fazem que invocar uma diversa convicção daquela que foi a do Tribunal “a quo”.
Senão, vejamos.
E passando, então, à requerida reapreciação da factualidade impugnada, lembra-se, ainda, o entendimento, referindo-se a propósito, (António Abrantes Geraldes in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª ed., pág. 286), que este Tribunal da Relação, tendo presente o disposto no art. 662º, na apreciação da impugnação da decisão sobre matéria de facto usa do princípio da livre apreciação da prova com a mesma amplitude de poderes que tem a 1ª instância (art. 607º, nº 5), em ordem ao controlo efetivo da decisão recorrida, devendo sindicar a formação da convicção do juiz, ou seja, o processo lógico da decisão, recorrendo com a mesma amplitude de poderes às regras de experiência e da lógica jurídica na análise das provas, como garantia efetiva de um segundo grau de jurisdição em matéria de facto; porém, sem prejuízo do reconhecimento da vantagem em que se encontra o julgador na 1ª instância em razão da imediação da prova e da observação de sinais diversos e comportamentos que só a imagem fornece.
Analisemos, então.
Recurso do Autor
O ponto impugnado tem o seguinte teor: “14) Desde a celebração dos contratos referidos em 1) e 3) o legal representante das rés, como pagamento parcial da retribuição, no valor de, pelo menos, € 400,00, cedeu ao autor o gozo de um apartamento para habitação deste, que o autor ocupou juntamente como seu agregado familiar, pelo menos até Agosto de 2020.”.
E, porque não se podem olvidar as razões que estiveram na base da formação da convicção do Tribunal, para uma melhor compreensão do “iter” lógico-dedutivo que levou a Mª Juíza “a quo” a responder a toda a factualidade e, em concreto, as respostas dadas de provados e de não provados aos factos, (onde obviamente, se integra o, agora, impugnado) transcrevemos, já que, após a audição de toda a prova gravada, subscrevemos integralmente a apreciação e as considerações, aqui expostas, quanto a este concreto ponto, o seguinte:
«A decisão do tribunal relativa à matéria de facto provada e não provada resultou da análise, que se quis crítica, das posições das partes assumidas nos articulados e de todos meios de prova produzidos.
(…).
Quanto ao ponto 14) da matéria de facto considerou-se provado face ao admitido pelo autor em IV da petição inicial, 2º parágrafo, sendo a data da saída do autor do apartamento admitida pelas rés em 47) a propósito das folgas gozadas pelo autor, em consonância com as declarações de parte do autor.
(…)».
Do que antecede discorda o A./recorrente, começando por afirmar que, “o ponto 14 dos factos provados foi incorrectamente julgado”, alegadamente, porque, “A Meritíssima Juíza condenou em objecto diferente do pedido pela Ré A..., Lda, ainda que por via de excepção, porquanto esta não se declarou credora do Autor pelo valor das rendas”, (ou seja, a mesma argumentação com que terminou a invocação da questão, antes apreciada).
E, após transcrever aquele ponto 14 e a fundamentação da sentença, respeitante ao mesmo, continua, com a seguinte alegação: “Mas, ao lermos o art. 18.º e segts da douta contestação das Rés, constatamos que essa matéria do valor das rendas está inserida no capítulo A) Quanto à Ré B... Unipessoal, Lda (que vai dos arts. 1.º a 24.º).
É a Ré B... Unipessoal, Lda a dizer que nada deve ao Autor, sendo antes sua credora.
Portanto, a Ré A..., Lda nunca foi, nem é a credora do Autor pelo valor das rendas, pelo que não pode haver compensação a favor desta.”.
E continua, “Os concretos meios probatórios constantes do processo – os únicos adoptados na douta decisão – foram as afirmações do Autor no ponto IV do art. 41.º da sua PI e das Rés no art. 47.º da sua douta contestação a propósito das folgas gozadas pelo autor, em consonância com as declarações de parte do Autor.
A assentada das declarações do Autor está registada na acta da audiência de julgamento de 13/06/2022 e a gravação desse mesmo dia assinalado no sistema Habilus Media Studio, com início às 11:18:52 e termo às 12:29:10 horas.
As declarações do Autor 20220613111850_16021389_2871545 13/06/2022, 11:29 - Registo de 0:00 a 1:10:18 nada dizem ou acrescentam à questão.”.
E prossegue: “Esses mesmos concretos meios de prova, conjugados com o vertido nos arts. 18.º a 24.º da douta contestação, com a motivação supra discordante do recorrente e com as regras da experiência comum, impunham decisão sobe o ponto da matéria de facto impugnado diversa da recorrida”, terminando a sua alegação e conclusões do seguinte modo:
“No entender do recorrente, o facto 14 não devia ter sido dado como provado.
Sem prescindir, embora o facto 14, provado ou não provado, não possa ser levado em consideração na sentença como compensação dos créditos do Autor, por inexistência de pedido reconvencional nesse sentido, sempre deverá ser, no entender do Autor, proferida a seguinte decisão:
14) Desde a celebração dos contratos referidos em 1) e 3) o legal representante da ré B... Unipessoal, Lda, como pagamento parcial da retribuição, no valor de, pelo menos, € 400,00, cedeu particularmente ao autor o gozo de um apartamento para habitação deste, que o autor ocupou juntamente como seu agregado familiar, pelo menos até Agosto de 2020. (o negrito é da nossa responsabilidade).
Ou
14) Desde a celebração dos contratos referidos em 1) e 3) a Ré B... Unipessoal, Lda, como pagamento parcial da retribuição, no valor de, pelo menos, € 400,00, cedeu ao autor o gozo de um apartamento para habitação deste, que o autor ocupou juntamente como seu agregado familiar, pelo menos até Agosto de 2020. (o negrito é da nossa responsabilidade).”.
Que dizer?
Desde logo, o que se verifica do que antecede, é que não indica o recorrente, qualquer erro na apreciação das provas, nem faz qualquer apreciação crítica das mesmas, apenas, se limita a tecer considerações sobre o que, alega, deveria ter sido o entendimento a ter quanto àquele ponto, no fundo, discordando, sim, do que foi decidido e invocando argumentos idênticos aos que invocou para arguir a nulidade da sentença recorrida. Em suma, o que o apelante discorda é da decisão recorrida, no que na mesma se decidiu a respeito da sua retribuição e, consequentemente, da convicção da Mª Juíza.
No entanto, como o apelante não desconhece, tal, não é argumento para que, nesta sede, eventualmente, proceda a alteração da decisão de facto, atento o disposto no art. 662º.
Mas, ainda, antes de nos pronunciarmos, sobre se assistirá ou não razão ao recorrente, importa que relembremos aqui, o que supra se deixou exposto, sobre o que o legislador impõe à parte recorrente, que pretenda impugnar a decisão de facto, ou seja, os ónus de impugnação que lhe impõe, desde logo, nos termos da al. c) do nº 1, do referido art. 640º, para que se mostrem cumpridos os pressupostos da impugnação da decisão de facto e se proceda à sua reapreciação.
E no caso, se dúvidas não se suscitam que o A./apelante, indica impugnar o ponto 14, dos factos provados, já todas as dúvidas se suscitam, quanto à decisão que, no seu entender deve ser proferida sobre aquele. Podendo afirmar-se, até, que não é possível saber qual a decisão que, no entender do apelante, deve ser proferida quanto àquele ponto impugnado.
Efectivamente, como decorre da sua alegação e conclusões (24 e 25), o A. tanto diz, ser seu entender, que “o facto 14 não devia ter sido dado como provado”, como na conclusão 25, “sem prescindir”, diz que, “sempre deverá ser proferida a seguinte decisão:
“14) Desde a celebração dos contratos referidos em 1) e 3) o legal representante da ré B... Unipessoal, Lda, como pagamento parcial da retribuição, no valor de, pelo menos, € 400,00, cedeu particularmente ao autor o gozo de um apartamento para habitação deste, que o autor ocupou juntamente como seu agregado familiar, pelo menos até Agosto de 2020.
(o negrito é da nossa responsabilidade).
Ou
14) Desde a celebração dos contratos referidos em 1) e 3) a Ré B... Unipessoal, Lda, como pagamento parcial da retribuição, no valor de, pelo menos, €400,00, cedeu ao autor o gozo de um apartamento para habitação deste, que o autor ocupou juntamente como seu agregado familiar, pelo menos até Agosto de 2020.
(o negrito é da nossa responsabilidade).”.
Ora, o que antecede, em nosso entender, não respeita a exigência a que se refere a supra referida al. c) do art. 640º, nº 1, que se impõe a quem impugne a decisão de facto. Exigência que, como diz (Abrantes Geraldes in Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 204, 2º Ed., pág. 135), tratando-se de uma decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, deve ser apreciada à luz de um critério de rigor, de modo a impedir que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo.
O que, cremos, sempre com o devido respeito, é precisamente o que acontece no caso.
Apreciando, é manifesto que o recorrente não cumpre aquele ónus de alegação que se lhe impõe e que, não necessitando de o fazer em sede de conclusões, conforme entendimento exarado, (que subscrevemos) no já citado, (Ac. do STJ Uniformizador de Jurisprudência nº 12/2023, de 17.10.2023, publicado no DR, Iª série, de 14.11), já nas alegações o recorrente tem de indicar, “de forma inequívoca das alegações”, qual a decisão alternativa propugnada.
Ou seja, como decorre daquele: “Nos termos da alínea c), do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, o Recorrente que impugna a decisão sobre a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações.”.
O que, do acima exposto, se verifica o recorrente não fez.
Ora, não o tendo feito, sendo que, tal, se lhe impunha “obrigatoriamente”, sob pena de rejeição, nos termos do nº1, do art. 640º, sem necessidade de outras considerações, há que rejeitar a reapreciação da decisão de facto, quanto àquele ponto 14 com base neste fundamento, o que se decide.
*

Analisemos, agora, a impugnação da Ré/apelante.
Alega, esta, que com base em erro na apreciação da prova gravada discorda da matéria dada como provada nos pontos 8) e 22) e relativamente à matéria dada como não provada, alega que se vislumbra, que resulta daquela que “fosse dada como provados os fatos l), m), n) e o)”.
Ora, antes de mais, analisando as conclusões da apelante, atento tudo o que supra se deixou exposto, em concreto, sobre o objecto do recurso, delimitado por aquelas, o que se verifica é que, como se lhe impunha, a apelante não indica, nas mesmas, a alínea n), da factualidade dada como não provada, o que impede que se proceda à sua reapreciação.
Prossigamos, então.
Impugna a apelante o facto 8, dado como provado, com o seguinte teor:
“8) No decurso do ano de 2020, nunca antes do mês de Agosto, a pedido do autor com vista à regularização da sua situação perante o SEF, o autor e a ré A..., Lda, assinaram o documento de fls. 17/18, cujo teor se reproduz, intitulado contrato de trabalho a termo certo com trabalhador estrangeiro sob o regime de tempo parcial, datado e com início em 9 de Janeiro de 2020 e termo em 30 de Setembro de 2020, renovável, com fundamento no “facto de a empresa ter um acréscimo temporário da sua actividade neste período. Circunstância que integra o fundamento da contratação a termo, previsto na alínea f) do nº 2 do art. 140º da Lei nº 7/2009, de 12 de fevereiro, para o autor exercer as funções de empregado de mesa e balcão no Bar ..., mediante a retribuição mensal ilíquida de € 650,00, com um horário de segunda a domingo, com a duração semanal de 30 horas.”.
Com base na argumentação que alega e provas que invoca e transcreve, alega a apelante que, “Da conjugação destes meios de prova, e da aplicação das regras do ônus da prova em que cabe ao A. fazer prova do que alega, a decisão julgou mal de facto e de Direito, o que se invoca”, concluindo que, “A sentença recorrida deveria ter dado como provado no ponto 8) que:
- no decurso do ano de 2020, a pedido do autor ao contabilista da Ré A..., Lda, sem conhecimento daquela Ré e com vista à regularização da sua situação perante o SEF, foi alterado o contrato de trabalho e remetido pelo contabilista a pedido do Autor o documento de fls. 17/18, cujo teor se reproduz, intitulado contrato de trabalho a termo certo com trabalhador estrangeiro sob o regime de tempo parcial, datado e com início em 9 de Janeiro de 2020 e termo em 30 de Setembro de 2020, renovável, com fundamento no “facto de a empresa ter um acréscimo temporário da sua actividade neste período. Circunstância que integra o fundamento da contratação a termo, previsto na alínea f) do nº 2 do art. 140º da Lei nº 7/2009, de 12 de fevereiro, para o autor exercer as funções de empregado de mesa e balcão no Bar ..., mediante a retribuição mensal ilíquida de € 650,00, com um horário de segunda a domingo, com a duração semanal de 30 horas.”.
Passemos, então e, antes de mais, a ver como a Mª Juíza “a quo” fundamentou a sua convicção, quanto a toda a factualidade e, em concreto, as respostas dadas de provados, (onde obviamente, se integra o, agora, impugnado), nos seguintes termos que transcrevemos, já que subscrevemos integralmente a apreciação e as considerações, aqui expostas:
«A decisão do tribunal relativa à matéria de facto provada e não provada resultou da análise, que se quis crítica, das posições das partes assumidas nos articulados e de todos meios de prova produzidos.
Assim, quanto aos pontos 1) e 2) da matéria de facto provada teve-se em consideração do teor do documento de fls.13/14 que não foi impugnado e quanto aos pontos 3) e 4) teve-se em consideração o teor do documento de fls. 15/16 que igualmente não foi objecto de impugnação.
A matéria provada sob o ponto 5) resultou do acordo das partes nos articulados.
Relativamente ao ponto 6) da matéria de facto provada teve-se, antes de mais, em consideração o depoimento do legal representante das rés, em conjugação com o depoimento da testemunha DD, companheira daquele, que ajudava no bar sempre que necessário e que mantinha um registo dos dias de trabalho dos trabalhadores do bar, do qual, de resto, se socorreu durante o seu depoimento, tendo afirmado que o autor, no ano de 2019 entrou de férias a partir de 24 de Setembro, não tendo voltado a trabalhar para qualquer das rés até voltar a ser admitido em Janeiro de 2020, desta feita apenas para trabalhar no bar, ao serviço da ré A.... No mesmo sentido, considerou-se ainda relevante o depoimento da testemunha EE, que trabalhou para a ré A..., Lda, no mesmo bar que o autor, desde Agosto de 2019 até Fevereiro de 2020 e que, sem qualquer hesitação, afirmou que o autor esteve a trabalhar no bar até Outubro de 2019, tendo voltado em Janeiro de 2020. Tratou-se, do ponto de vista do tribunal, do depoimento da testemunha que se encontrava em melhores condições, como colega do autor, para saber com maior precisão exactamente qual o período em que o autor efectivamente prestou trabalho no bar, pois trabalhavam naquele período em simultâneo, sendo de esperar que recordasse qual o período em que acabou por ficar a trabalhar diariamente sozinho no bar. Confirmou igualmente que o autor teve férias em Setembro.
Precisamente por ser trabalhador do bar no período em causa, o seu depoimento afigurou-se mais impressivo do que o da testemunha FF, cliente do bar, o qual apesar de dizer que passou a frequentar o bar diariamente a partir de Agosto de 2018, quando se divorciou e que o autor trabalhou no bar até Outubro de 2020, prestou um depoimento que não foi suficientemente concretizado quanto a datas e eventuais interregnos da prestação de trabalho pelo autor, revelando que houve períodos em que não ia ao bar com tanta frequência, sem que se conseguisse perceber exactamente quais, mas afirmando que não ia tanto ao bar nos períodos de Inverno, não sendo suficiente para pôr em causa o depoimento da testemunha supra identificada. O depoimento da testemunha EE, em conjugação com os demais meios de prova, também não se nos afigurou posto em causa pelo depoimento da testemunha GG, que trabalhava no mesmo bar e que disse que o autor esteve lá seguido desde o início até ir embora de vez, pois, por um lado, deu nesta parte a entender que houve algum momento em que o autor foi embora, mas não foi de vez e, por outro, a testemunha, sendo estudante, trabalhava no bar, sobretudo durante os meses de Maio a Agosto, fazendo também alguns fins-de-semana e folgas dos colegas, não se recordando de ter trabalhado o bar nos meses de Outubro, Novembro e Dezembro de 2019.
Teve-se ainda em consideração a inexistência de contribuições de Segurança Social efectuadas por qualquer uma das rés, após Outubro de 2019 e até Dezembro de 2019 e a circunstância de, apesar de o autor ter alegado ter recebido retribuição nos meses de Novembro e Dezembro de 2019, com suporte nos recibos juntos com a petição inicial, se ter considerado provado que tais recibos foram emitidos pelo contabilista, sem conhecimento do legal representante das rés, a pedido do autor para apresentação no SEF, tendo-lhe sido enviados pelo contabilista directamente para as instalações do SEF onde os assinou, como ele próprio confirmou nas suas declarações, sendo o seu teor desconforme quer a qualquer dos contratos juntos, quer à própria alegação do autor relativa à retribuição, nunca tendo invocado que havia acordado o pagamento de subsídio de alimentação, tudo pondo em causa a conformidade do teor de tais recibos com a realidade.
Quanto ao ponto 7) da matéria de facto provada, importa referir que não se deu como provado que naquele momento, o contrato foi reduzido a escrito com o teor do documento de fls. 17 e 18, uma vez que o próprio autor afirmou que o contrato só lhe foi entregue porque pediu ao legal representante da ré um contrato escrito para poder apresentar no SEF, tendo-lhe o mesmo sido entregue uma semana antes de ir ao SEF, o que só poderá ter acontecido em data posterior à do último recibo que lhe foi enviado e que data de Agosto de 2020. No meso sentido considerou-se que o teor do dito documento é totalmente incoerente com o referido pelo autor, pois foi denominado de contrato a tempo parcial, mas com uma retribuição de € 650,00, que não é crível que a ré tivesse aceite pagar ao autor por 30 horas de trabalho, quando nos contratos anteriores, igualmente a tempo parcial as retribuições mensais eram substancialmente inferiores, tal retribuição de € 650,00 nem sequer coincide com a retribuição constante com os já referidos recibos de fls. 24 a 26 relativos ao ano de 2020, nem sequer com a retribuição mínima mensal garantida que no ano de 2020 foi fixada em € 635,00. Acresce que, ainda que a ré não tenha impugnado a assinatura do dito documento de fls. 17/18, impugnou o teor das declarações dele constantes alegando que as mesmas não correspondiam ao que tinha sido efectivamente acordado, tendo sido confirmado pelo contabilista, a testemunha HH, quer a redacção do contrato, que lhe foi solicitado com o mero objectivo de apresentação no SEF, quer a autoria dos recibos e respectivo envio para o autor directamente para o SEF, já no decurso do ano de 2020, quer o facto de ter sido chamado à atenção pelo legal representa da ré pelo facto de ter emitido e enviado os recibos sem o seu conhecimento.
Por estes motivos que justificam a matéria de facto provada em 8) e 9), o documento de fls. 17/18 não pôde ser considerado relevante como prova de que o seu teor corresponde ao que foi acordado pelo autor e pela ré A..., Lda quando em Janeiro de 2020 o autor voltou a trabalhar para esta.
Apesar disso, não se suscitaram dúvidas quer ao legal representante da ré, quer a qualquer das testemunhas que o autor em Janeiro de 2020 estava a trabalhar no bar, na falta de documento escrito que demonstrasse a readmissão e condições acordadas, teve-se em atenção que o autor apesar de invocar ter celebrado novo contrato em 9 de Janeiro de 2020, não deu qualquer explicação para a necessidade de tal suceder nessa altura, a ré A... reiniciou o pagamento de contribuições para a Segurança Social a partir de Janeiro de 2020 e quanto ao prazo que terá sido acordado atendeu-se, além do mais, ao que resultou das declarações quer do legal representante da ré, quer do autor, ambos convictos de que o contrato que teriam celebrado terminava em Outubro de 2020.
(…)”.
Como já referimos supra e decorre das suas alegações, a recorrente discorda desta fundamentação, no essencial, por considerar que das provas produzidas, com particular destaque para as que indica e transcreve deveria, o ponto 8 ter sido dado como provado, nos termos que indica. Pugnando assim, pela alteração da decisão de facto e, consequentemente, da decisão recorrida.
Assistir-lhe-á razão?
Sempre com o devido respeito, adiantamos desde já que, não.
Desde logo e, sem necessidade de qualquer referência, ao que foi a nossa convicção, após a análise conjunta que fizemos de todos os meios de prova, (todos sujeitos ao princípio da livre apreciação), testemunhais, documentais e os depoimentos do A. e do legal representante da R., os considerados pela Mª Juíza “a quo” e os indicados pela recorrente, antes de respondermos a esta pretensão, se deve o teor daquele ponto 8, ser alterado, como a mesma propõe, não podemos deixar de nos pronunciarmos, sobre a irrelevância da alteração da matéria que consta daquele facto, nos termos que o pretende a apelante, com vista à alteração da decisão de Direito e a sua absolvição, como diz, do sentenciado. Que, diga-se, decorreu do que se deu como provado no ponto 7) que não se mostra impugnado.
Ou seja, face ao que se encontra em litígio, a pretensão da apelante é totalmente irrelevante, como irrelevante foi para fundamentar a decisão recorrida o que se apurou naquele ponto 8. Donde, a sua reapreciação revelar-se inútil e, quando assim acontece, justifica-se que se indefira o pedido de reapreciação quanto àquele concreto facto. É, totalmente, inócuo apurar se a prova produzida nos autos, quanto àquele facto impugnado foi ou não mal valorada pela Mª Juíza “a quo”, já que a pretensão da recorrente, com a sua alteração é totalmente irrelevante para o desfecho da acção e uma, eventual, absolvição ou condenação da mesma.
Por isso, a deduzida impugnação da apelante, quanto ao ponto 8) é totalmente irrelevante para efeitos da decisão a proferir, nesta sede.
Assim sendo e sendo sabido que, à reapreciação da matéria de facto impugnada só há que proceder, caso estejam em causa factos essenciais a fundamentarem solução jurídica do caso, pois, não sendo desse modo, deve ser indeferida a reapreciação, parece-nos ser essa a situação no caso, quanto àquele.
Conforme, neste sentido, veja-se o douto (Acórdão desta Relação de 19.5.2014), onde se decidiu, “atento o carácter instrumental da reapreciação da decisão da matéria de facto, no sentido de que a reapreciação pretendida visa sustentar uma certa solução para uma dada questão de direito, a inocuidade da aludida matéria de facto justifica que este tribunal indefira essa pretensão”.
Do teor da matéria constante daquele ponto, objecto de impugnação, é claro que, o mesmo, não contêm matéria susceptível de fundamentar a pretensão da recorrente, de ser absolvida do peticionado pelo A., sendo totalmente inócua.
Sendo desse modo, surge-nos evidente a inutilidade da pretendida reapreciação daquela matéria e, como resulta do disposto no art. 130º, a lei proíbe a prática de actos inúteis.
Assim, não há que proceder à reapreciação da matéria constante daquele, neste sentido, veja-se ainda, o douto (Ac. da RC de 6.3.2012), onde se decidiu, “não há lugar à reapreciação da matéria de facto quando o facto concreto objecto da impugnação não for susceptível de, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação, ter relevância jurídica, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, antemão, ser inconsequente, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processual.”.
Por esta razão, improcede a pretensão deduzida pela apelante, em relação ao ponto 8 e, pela mesma razão, sem necessidade de quaisquer outras considerações, improcede, também, a impugnação deduzida quanto à alínea m) dos factos dados como não provados e a pretensão da apelante em que seja ele aditado à factualidade provada.
Que, diga-se, é nossa firme convicção, ao contrário do que considera a apelante, atentas as provas produzidas nos autos não podia ser considerar provado como bem o considerou a Mª Juíza “a quo”, firmada na seguinte convicção que, subscrevemos, «A matéria da alínea m) foi desde logo infirmada pela falta de impugnação da assinatura do contrato, tendo-se tido ainda em atenção as declarações de parte do autor que afirmou ter recebido o contrato do legal representante uns dias antes de ter ido ao SEF, onde recebeu os recibos, e ainda que, estando o documento assinado pelo legal representante das rés, como este aceitou, o documento não podia ter sido enviado directamente ao autor pelo contabilista que afirmou tê-lo redigido e enviado sem assinatura, ignorando como e quando é que o mesmo foi assinado». Nem se o tivesse sido, teria a virtualidade de alterar o sentido da decisão em favor da Ré, como a mesma conclui.
E que dizer, quanto à impugnação deduzida, pela mesma, quanto ao facto provado, ponto 22, com o seguinte teor: “No dia 09/10/2020 o autor deixou de trabalhar para a ré A..., Lda, o que lhe foi comunicado verbalmente pelo legal representante daquela.”
Voltemos, à fundamentação da decisão recorrida, onde se lê: «Finalmente a matéria do ponto 22) considerou-se provada face ao depoimento de parte do legal representante da ré que afirmou que o contrato cessou naquela data por ser o que já estava combinado no início do contrato e que não houve comunicação escrita da cessação do contrato, mas apenas verbal, numa declaração consentânea com as declarações do autor que a este respeito disse que lhe foi transmitido pelo legal representante da ré que para que ele continuasse a trabalhar tinha que baixar o salário o que o autor não aceitou, na sequência do que aquele lhe transmitiu que, sendo assim ele tinha de ir embora porque não lhe podia pagar o salário. »
A apelante, mais uma vez, entre argumentos de facto e de direito, discorda que tenha sido produzida prova que permitisse concluir nos termos dados como provados no facto 22, após os trechos que identifica e transcreve, dos depoimentos do A., do legal representante da R. e da testemunha II, em síntese, alega quanto a este ponto que, “cabia ao Autor a prova da ilicitude do seu despedimento, prova essa que não foi feita, já que, além das suas declarações de parte do A . - que nem sequer foram esclarecedoras de que efetivamente existiu um despedimento do A. levado a cabo por parte da Ré A..., Lda., - a verdade é que não resulta de qualquer meio de prova produzido nos autos, a existência por parte desta Ré de uma vontade inequívoca, firme e definitiva de pôr termo ao contrato de trabalho. Pelo contrário, resultou provado que a Ré, numa hipótese de renovação do contrato que entendiam ser a termo, conversou com o A. para reduzir a remuneração do trabalhador, o que não foi aceite pelo A. Acresce que, em sede de audiência de julgamento, também não foram trazidos elementos factuais aos autos que permitam concluir pelo despedimento ilícito do A. a 09-10-2020.”. e conclui que, “A sentença “a quo” incorreu em erro na valoração da prova e por isso apresenta-se errónea a fundamentação da sentença recorrida, nomeadamente ao dar como provado o fato 22) - quando, o A. não logrou provar o seu despedimento e/ou sequer, fosse produzida prova que permitisse concluir que a R. inequivocamente tivesse despedido verbalmente o A.”.
Que dizer?
Após a apreciação que fizemos das provas produzidas, consideradas pela Mª Juíza “a quo” e as invocadas pela apelante, mais uma vez, só podemos dizer que não lhe assiste razão.
Mais, uma vez, a apelante não aponta qualquer erro de julgamento quanto às provas que fundamentaram a convicção firmada na decisão recorrida e, também, quanto a este ponto, reitera a explanação do que foi a sua convicção quanto àquelas, com considerações sob o que alega, ser seu entendimento, devia ter sido a decisão de direito, mas, sempre com o devido respeito, avaliando apenas, na sua conveniência, aquilo que diz ter sido o que foi dito, nomeadamente, pelo legal representante da Ré, mas que não é o que aconteceu, como bem o demonstra a parte da transcrição do seu depoimento, efectuado pela própria apelante, nos seguintes termos: “BB do dia 13-06-2022, entre as 10:11:06 e as 11:18:51:
“00:29:28 - MERITÍSSIMA JUÍZA: No meio disso tudo, ele trabalhava ou não no bar?
00:29:28- Legal Representante: Trabalhava
“00:29:28 - MERITÍSSIMA JUÍZA: Até quando ele trabalhou?
00:29:29- Legal Representante: Até Setembro, ficou três semanas praticamente sem vir, ia uma semana de férias e ele ficou três semanas sem aparecer.
00:29:33 - MERITÍSSIMA JUÍZA: Depois voltou?
00:29:34- Legal Representante: Depois voltou.
00:31:08 - MERITÍSSIMA JUÍZA: Então como é que o contrato acabou?
00:31:14- Legal Representante: Foi combinado entre as partes.
00:31:15 - MERITÍSSIMA JUÍZA: Foi combinado entre as partes?
00:31:17 a 00:31:31- Legal Representante: Sim, nessa altura se não fosse combinado ele não ia buscar os papéis para o desemprego.
00:31:32 - MERITÍSSIMA JUÍZA: Nessa altura combinaram, acordaram que o contrato terminava, é isso?
00:31:37- Legal Representante: Já estava acordado antes(...) na altura de se combinar entre as partes de se fazer possível renovação, tinha combinado com o AA continuar em part-time, mas ele não aceitou, depois foi uma semana de férias, esteve duas semanas sem aparecer
00:33:09 - MERITÍSSIMA JUÍZA: Foi feita essa comunicação?
00:33:10- Legal Representante: À Segurança Social?
00:33:11 - MERITÍSSIMA JUÍZA: Ao trabalhador homem!
00:33:12- Legal Representante: Foi verbalmente Dra.
00:33:11 - MERITÍSSIMA JUÍZA: Não sabe quando?
00:33:18- Legal Representante: Eu sei que ele veio buscar os papéis no início de Outubro para ir ao desemprego e o contabilista mandou os papéis para imprimir e, assinei.
(...)
00:58:16- Legal Representante: O que estava acordado entre as partes, era acabar e ir para o desemprego e ele aceitou.
00:58:20 - Advog. Ré: O Sr. AA acordou consigo cessar este contrato de trabalho?
00:58:25- Legal Representante: Senão, não tinha vindo buscar os papéis do desemprego.”.
Cremos, assim, não se verificar qualquer erro na valoração da prova, não procedendo as considerações tecidas pela apelante, manifestamente, alicerçadas, apenas, na sua convicção, diferente da que firmou a Mª Juíza “a quo”, que coincide com a nossa.
Improcede, assim, também a impugnação quanto ao ponto 22.
*

Vejamos, então, a impugnação deduzida quanto à alínea l) dos factos dados como não provados.
Tem ele o seguinte teor: “l) A partir de 13/10/2019, o autor, sem qualquer motivo, deixou de comparecer para trabalhar, quer enquanto distribuidor, quer enquanto empregado de mesa e balcão.”.
A Mª Juíza “a quo” fundamentou, quanto a este, a sua convicção, nos seguintes termos: “Quanto à matéria da alínea l) importa referir que não se apurou, em concreto quais as circunstâncias em que o autor deixou de prestar a sua actividade às ré a partir do final de Outubro de 2019, sendo certo que nenhum documento foi junto quanto à comunicação da cessação dos contratos, seja pelo autor, seja pelas rés, para além da comunicação à Segurança Social efectuada pela ré B... Unipessoal, Lda, que não é crível que o autor tenha continuado a residir numa casa que lhe foi cedida pelo legal representante das rés e este ignorasse o motivo pelo qual o autor deixou de prestar actividade.”.
Alega a apelante que, “não se concebe que tal não tenha sido dado como provado”, invocando para o efeito, como razões, o depoimento da “testemunha EE a 13-06-2022, das 16:41:56 às 16:55:04”, sublinhando o trecho do que aquela referiu, dizendo, “ter sido trabalhador da Ré entre Agosto de 2019 e Fevereiro de 2020, referiu que foi colega de trabalho do Autor e trabalhou com este até Outubro de 2019, tendo o A. voltado a trabalhar para a recorrente em Janeiro de 2020” e, continua com a transcrição de trechos do depoimento desta testemunha, da testemunha DD, prestado a 13-06-2022, das 15:51:40 às 16:41:54, da testemunha HH, prestado a 08-09-2022, das 09:45:23 às 11:27:11 e também, do depoimento de parte do legal representante da Ré, no dia 13-06-2022, no seu depoimento de 00:10 a 59:57, após, finaliza alegando que, “de acordo com todo este manancial de prova produzida e acima transcrita, impunha-se considerar como provado o fato L) e, não o tendo feito, a sentença lavrou em erro notório de julgamento e fundamentação.”.
Que dizer?
Sempre com o devido respeito, não podemos deixar de manifestar a nossa incompreensão, com a alegada convicção da apelante, com fundamento nos depoimentos que invoca, pugnando que deveria aquele ter sido dado como provado. Pois, ouvidos na íntegra aqueles depoimentos, conjugados entre si, só podemos concordar que, não revelarem, eles, qualquer conhecimento seguro e convincente sobre as circunstâncias em que o A. deixou de prestar a sua actividade às rés, não deixando de ser pertinente a observação da Mª Juíza “a quo”, quando diz que, “não é crível que o autor tenha continuado a residir numa casa que lhe foi cedida pelo legal representante das rés e este ignorasse o motivo pelo qual o autor deixou de prestar actividade”.
De modo que a nossa convicção não é diversa da que consta da decisão recorrida e nessa medida, improcede, também, a impugnação quanto à refrida al. l).
*

Por último, impugna a apelante a al. O) dos factos não provados, onde se lê: “o) A 2ª ré sempre pagou a totalidade da retribuição ao autor, bem como, os proporcionais de férias e subsídio de Natal.”.
Relativamente a esta, na fundamentação da decisão, considerou e expôs a Mª Juíza “a quo” o seguinte: “Quanto ao pagamento das retribuições, subsídios de férias e de Natal nenhuma prova relevante foi produzida, sendo insuficiente a declaração do legal representante de que sempre pagou tudo em dinheiro, nada estando em dívida, bem como, pelo supra exposto, sendo irrelevantes os recibos de fls. 24 a 26 e igualmente irrelevantes os recibos juntos aos autos pelas rés, por não estrem assinados pelo autor e terem merecido a impugnação deste.”.
Quanto a este, alega a apelante e conclui que, “Devia ter sido dado como provado os fatos vertidos em O), desde logo que, o pagamento da retribuição ao Autor sempre foi feita em numerário, pela recorrente”, alega que o mesmo resulta das declarações do legal representante da Ré A..., ao minuto 00:35:15, que o Autor confessa ter recebido, 5 a 6 retribuições que foram recebidas em numerário, confirmando em consequência, as declarações do representante legal da recorrente e invoca que “Resultando provado o fato 9) da sentença - que os recibos juntos a fls. 24 a 26 dos autos foram adulterados, conforme testemunho de HH (do minuto 00:20:46- ao minuto 00:21:14), não logrou o A. provar e demonstrar nos autos, que as seis retribuições por si confessadamente recebidas, não se referiam a Janeiro, Fevereiro, Junho, Julho, Agosto e Setembro do ano de 2020.”.
Que dizer?
Mais, uma vez que não assiste razão à apelante.
A mesma não invoca qualquer erro na apreciação das provas nem indica que provas foram produzidas nos autos que, permitam formular a afirmação genérica e conclusiva que constitui o teor daquele, ou seja, que a 2ª ré “sempre pagou a totalidade da retribuição ao autor, bem como, os proporcionais de férias e subsídio de Natal.”.
Assim improcede, também, este segmento da impugnação da apelante.
Não só porque tal como o considerou a Mª Juíza “a quo”, também nós entendemos que não foi produzida qualquer prova relevante a respeito do que naquele se afirma, não tendo o depoimento do legal representante da Ré, ou as considerações que tece, qualquer virtualidade para demonstrar aquele, como não poderia o mesmo dado o seu carácter conclusivo fazer parte do elenco dos factos provados.
Efectivamente, como é entendimento pacífico da jurisprudência dos tribunais superiores, nomeadamente do Supremo Tribunal de Justiça, (vejam-se entre outros, os Acórdãos deste de 23.09.2009, Proc. nº 238/06.7TTBGR.S1, de 19.04.2012, Proc. nº 30/08.4TTLSB.L1.S1, de 23.05.2012, Proc. nº 240/10.4TTLMG.P1.S1, de 14.01.2015, Proc. nº 488/11.4TTVFR.P1.S1 e Proc. nº 497/12.6TTVRL.P1.S1 e de 29.04.2015, Proc. nº 306/12.6TTCVL.C1.S1, disponíveis in www.dgsi.pt (sítio da internet onde se encontrarão todos os arestos antes e a seguir citados, sem outra indicação)) as conclusões, apenas, podem extrair-se de factos materiais, concretos e precisos que tenham sido alegados, sobre os quais tenha recaído prova que suporte o sentido dessas alegações, sendo esse juízo conclusivo formulado a jusante, na sentença, onde cabe fazer a apreciação crítica da matéria de facto provada.
Ou seja, só os factos materiais são susceptíveis de prova e, como tal, podem considerar-se provados. As conclusões, envolvam elas juízos valorativos ou um juízo jurídico, devem decorrer dos factos provados, não podendo elas mesmas serem objecto de prova.
Seguindo idêntico entendimento, (no Acórdão, do mesmo STJ, de 12.03.2014, Proc. nº 590/12.5TTLRA.C1.S1), decidiu-se que “Só acontecimentos ou factos concretos podem integrar a seleção da matéria de facto relevante para a decisão, sendo, embora, de equiparar aos factos os conceitos jurídicos geralmente conhecidos e utilizados na linguagem comum, verificado que esteja um requisito: não integrar o conceito o próprio objeto do processo ou, mais rigorosa e latamente, não constituir a sua verificação, sentido, conteúdo ou limites objeto de disputa das partes”.
Ainda, mais recentemente, sobre esta questão da delimitação entre factos, juízos de valor sobre factos, e valorações jurídicas de factos, que é essencial à ponderação da intervenção levada a cabo por este Tribunal “ad quem”, relativamente à decisão recorrida, pronunciou-se (o Ac. do STJ de 28.01.2016, Proc. nº 1715/12.6TTPRT.P1.S1), nele se fazendo constar seguinte: “Conforme se considerou no acórdão desta Secção de 24 de novembro de 2011, proferido na revista n.º 740/07.3TTALM.L1.S2, «o n.º 4 do artigo 646.º do Código de Processo Civil, dispõe que “têm-se por não escritas as respostas do tribunal coletivo sobre questões de direito e bem assim as dadas sobre factos que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes”» e «atento a que só os factos podem ser objeto de prova, tem-se considerado que o n.º 4 do artigo 646.º citado estende o seu campo de aplicação às asserções de natureza conclusiva, “não porque tal preceito, expressamente, contemple a situação de sancionar como não escrito um facto conclusivo, mas, como tem sido sustentado pela jurisprudência, porque, analogicamente, aquela disposição é de aplicar a situações em que em causa esteja um facto conclusivo, as quais, em retas contas, se reconduzem à formulação de um juízo de valor que se deve extrair de factos concretos objeto de alegação e prova, e desde que a matéria se integre no thema decidendum» — acórdão desde Supremo Tribunal, de 23 de setembro de 2009, Processo n.º 238/06.7TTBGR.S1, da 4.ª Secção, disponível in www.dgsi.pt.”»”.
E continua: “Por thema decidendum deve entender-se o conjunto de questões de natureza jurídica que integram o objeto do processo a decidir, no fundo, a componente jurídica que suporta a decisão. Daí que sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de factos que se insira na análise das questões jurídicas a decidir, comportando uma resposta, ou componente de resposta àquelas questões, tal ponto da matéria de facto deve ser eliminado,…”.
Concluindo com a formulação do seguinte: “Sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de facto que se insira de forma relevante na análise das questões jurídicas a decidir, comportando uma resposta ou componente relevante da resposta àquelas questões, ou cuja determinação de sentido exija o recurso a critérios jurídicos, deve o mesmo ser eliminado.”.
Decorre do que se deixa exposto que, quando tal não tenha sido observado pelo tribunal “a quo”, ou não o tenha sido na totalidade, e o mesmo se tenha pronunciado sobre afirmações conclusivas, que essa pronúncia deve ter-se por não escrita. E, significa, também, atentos os mesmos argumentos enunciados, que o tribunal “ad quem” não pode considerar provadas alegações conclusivas que se reconduzam ao thema decidendum.
Ora, analisando o teor daquela alínea, como dissemos, que a recorrente quer seja dada como provada, o que se verifica é que, se trata de uma alegação, meramente, conclusiva, a formular, eventualmente, a jusante, em sede de decisão de mérito. Acrescendo que, se reconduz ao fulcro da questão jurídica suscitada pelo autor, que pugna pelo pagamento das retribuições que, alega, ter direito na sequência do contrato de trabalho celebrado com a recorrente.
Assim, também, por esta razão, improcede a pretensão deduzida pela apelante, em relação à alínea o) e improcede de todo, este segmento da apelação, mantendo-se inalterada a decisão de facto, supra transcrita, quanto aos pontos e alíneas impugnadas, dada pelo Tribunal recorrido.
Em suma, apesar da razão porque se decidiu manter inalterados, cada um dos pontos e alíneas impugnados pela apelante, importa que, genericamente se diga que, ainda que não fosse pelas razões, concretas que se deixaram exposta, em relação a cada um daqueles, face à análise que efectuámos dos presentes autos, é nossa firme convicção, que não assistia razão à recorrente, quanto a esta concreta questão da impugnação de facto. Pois, como se verifica, desde logo, a mesma na impugnação deduzida, nem tem em consideração, toda a prova produzida e considerada na decisão recorrida, tal como resulta da transcrição supra efectuada e lidos os trechos do depoimento transcritos pela recorrente, é manifesto que não convencem eles do modo pretendido pela mesma nem, só por si, convencem de modo a infirmar a decisão recorrida.
Ou seja, em nossa convicção, ao contrário do que a apelante sustenta, as provas que indica e que a mesma, alega convencem de modo diferente do que foi o entendimento da Mª Juíza “a quo”, não têm a virtualidade de infirmar o que decorre da decisão recorrida com base na interpretação integrada e conjugada de todas as provas produzidas, não resultando que esteja incorrecta a decisão proferida, quanto àqueles pontos e alíneas. Não tendo, as provas por ela indicadas, a virtualidade, por si só, de convencer do modo que a mesma pretende infirmar, nos termos que considera que resultaram não provados, os primeiros e provados os últimos.
*

Improcede, assim de todo este segmento da apelação da apelante.
E improcede, como já supra decidido a apelação do A./apelante, quando à deduzida impugnação da decisão de facto e, consequentemente, a decisão de facto fixada na 1ª instância mantém-se inalterada.
*

E, aqui chegados, fixada que está, definitivamente, a matéria de facto provada, precisamente nos termos considerados na decisão recorrida e supra transcritos, podemos desde já adiantar que improcedem, também, as conclusões, quer do A. quer da R., referentes à decisão de direito, já que como delas e das suas alegações decorre, a análise das questões colocadas pelos mesmos, no que toca à decisão de direito, tinha como premissa a confirmação, por este Tribunal, da conclusão expressa, por ambos, de que deveriam ser alterados os pontos de facto que cada um impugnou, fruto do alegado erro de julgamento e alegada incorrecta apreciação das provas produzidas nos autos, com a consequente alteração da factualidade dada como provada pelo Tribunal “a quo”, o que não aconteceu.
Senão, vejamos.
Recurso do Autor
Comecemos pela primeira questão de saber:
- se se encontram prescritos os eventuais créditos de rendas da Ré, B... Unipessoal, Lda sobre o Autor.
Como decorre da alegação e conclusões do recorrente, assenta ele a análise desta questão e a alegada discórdia com o que foi decidido na sentença, numa pretendida alteração do ponto 14 dos factos provados, que não ocorreu e do que, nessa suposição, alega e conclui, dizendo que, “…, o eventual credor do Autor é B..., pessoa singular, ou, quanto muito, a Ré B... Unipessoal, Lda. Se os créditos laborais do Autor sobre a Ré B... Unipessoal, Lda se encontram prescritos, por maioria de razão também se encontram prescritos os eventuais créditos de rendas desta sobre o Autor, o que foi invocado e não foi conhecido na douta sentença, não havendo lugar a qualquer compensação.”.
Mas não tem razão.
Desde logo e sempre com o devido respeito, porque cremos e é evidente que o A./apelante coloca esta questão sobre pressupostos errados, (eventuais créditos de rendas da Ré B... Unipessoal, Lda sobre o Autor e decisão sobre compensação de créditos), que não se apuraram nem foram abordados ou decididos na sentença recorrida, pese embora, como supra decidimos, não padeça a mesma de qualquer nulidade ou sequer, adiantando, de erro de julgamento.
Pois, diga-se, face à factualidade que se apurou nos presentes autos e que ficou, definitivamente, assente, nesta sede, a conclusão a retirar, feita a subsunção jurídica daquela factualidade, é que a decisão recorrida, não merece qualquer censura, sendo de elogiar, o modo ponderado e fundamentado como a Mª Juíza “a quo”, abordou as questões que lhe foram colocadas, além do acerto com que o fez, nomeadamente, nos segmentos em que decidiu, sobre a procedência da invocada excepção da prescrição de todos os pedidos do A. referentes aos dois contratos celebrados em 04.12.2018 e, nessa sequência, absolveu a Ré B... Unipessoal, Lda de todos os pedidos contra a mesma formulados e, por outro lado, como decidiu quanto à retribuição do A., em concreto, no trecho em que considerou: “Ficou provado que desde a celebração dos contratos em 04/12/2018, o legal representante das rés, como pagamento parcial da retribuição, no valor de, pelo menos, €400,00, cedeu ao autor o gozo de um apartamento para habitação deste, que o autor ocupou juntamente como seu agregado familiar, pelo menos até Agosto de 2020.
Assim, considerando o limite a que se refere o supra referido art. 259º, nº 2, sendo a retribuição do autor de € 635,00, apenas metade desse valor pode ser considerado como pagamento da retribuição em espécie, devendo ser abatido ao montante devido pela ré.”.
Ou seja, como já supra se referiu “Analisada a sentença e a sua fundamentação, resulta evidente que o tribunal não procedeu a qualquer compensação de créditos. O tribunal limitou-se a considerar que, parte das retribuições reclamadas não eram devidas ao autor, por terem sido pagas em espécie, através do gozo de um apartamento para habitação do autor e do seu agregado familiar no valor de € 400,00, facto que foi considerado como provado sob nº 14) da decisão da matéria de facto e enquadrando juridicamente tal conclusão, no disposto pelos arts. 258º e 259º, ambos do Código do Trabalho, aplicando, de resto, o regime previsto por esta última disposição legal.”.
Improcede, assim, sem necessidade de outras considerações, também, esta questão da apelação do Autor.
*

Passemos, à questão de saber:
- se deve condenar-se a recorrida, Ré A..., Lda, nos créditos do Autor, conforme o pedido constante da P.I., desde 04.12.2018.
Quanto a esta, alega e conclui o apelante que, “- Autor e Ré A..., Lda assinaram o contrato escrito datado de 04/12/2018. - A Ré A..., Lda não juntou o “verdadeiro” contrato de trabalho de 2020 que dizia ter na sua posse. - Por essa razão, o contrato de trabalho celebrado entre o Autor e a Ré A... Lda não cessou em 13-10-2019. - A Ré A..., Lda alegou que o Autor deixou de comparecer ao trabalho a partir de 13 de Outubro de 2019, sem apresentação de qualquer justificação, e por mais de 10 dias consecutivos. Mas este facto não representa por si só a extinção do contrato de trabalho. - Para que existisse efectiva cessação do contrato de trabalho, seria necessário dar cumprimento ao disposto no art. 403.º, n.º 3 do Código do Trabalho – o que não foi alegado, sequer efectuado, pela Ré. - O contrato de trabalho escrito datado de 04/12/2018 esteve, então, suspenso de 13/10/2019 até 09/01/2020. - Por essa razão, os créditos laborais do Autor, relativamente à Ré A..., Lda, e tendo por referência o contrato de trabalho de 4/12/2018 (DOC. 2 junto com a PI), que não cessou, ou, por outra, apenas cessou em 09/10/2020, não se encontram prescritos.”.
Quanto a esta questão, para uma melhor compreensão, comecemos por transcrever, novamente, o seguinte segmento da decisão recorrida: «(…).
Aqui chegados, não podemos deixar de, desde já, enfrentar e resolver uma questão suscitada pelas rés na contestação, pela via excepcional, já que, caso a mesma seja de julgar procedente, tal prejudicará (cfr. art. 608º, nº 2 do Código de Processo Civil), a apreciação de parte das restantes questões suscitadas pelo autor.
Trata-se da questão da prescrição de todos os créditos do autor fundamentados nos dois supra referidos contratos, com fundamento no art. 337º, nº 1 do Código do Trabalho, segundo o qual os créditos do trabalhador emergentes do contrato de trabalho, sua violação ou cessação prescrevem decorrido um ano a partir do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.
Ora, nos termos do art.º 304.º n.º 1 do C.C. "completada a prescrição, tem o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo ao exercício do direito prescrito”.
Segundo a lição de Orlando de Carvalho, «a prescrição é uma forma de extinção de direitos de crédito, na área dos direitos das obrigações, direitos que deixam de ser judicialmente exigíveis, passando a obrigação civil a obrigação natural» (Cfr. Sumários desenvolvidos de Teoria Geral do Direito Civil, Centelha, Coimbra, 1981, pág. 153).
Na verdade, o decurso do tempo é um facto jurídico não negocial, é um acontecimento natural juridicamente relevante, ou seja, produtor de efeitos jurídicos.
E um dos seus efeitos mais importantes consiste, precisamente, em fazer cessar a exercitabilidade dos direitos subjetivos — depois de decorrido o prazo da prescrição e de esta ser invocada pelo devedor, o crédito não fica propriamente extinto, mas a obrigação passa de civil a natural (Neste sentido, João Leal Amado, in A Prescrição dos Créditos Laboral (Nótula Sobre o Art. 381° do Código do Trabalho), in Prontuário de Direito do Trabalho nº 71, Maio-Agosto de 2005, pág. 68).
A prescrição pode, pois, definir-se como a extinção dos direitos em consequência do seu não exercício durante certo lapso de tempo, pelo que, uma vez completado o prazo de prescrição, o sujeito passivo, por ela beneficiado, goza da faculdade de recusar o cumprimento da obrigação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito (arts. 298.º, n.º 1 e 304.º, n.º 1, do Código Civil).
No caso dos autos, as rés alegaram que os contratos celebrados com o autor em 04/12/2018 cessaram em 31/10/2019 por o autor ter deixado de comparecer no local de trabalho sem apresentação de qualquer justificação a partir de 13/10/2019 e por mais de 10 dias consecutivos, motivo pelo qual comunicou a cessação de tais contratos à Segurança Social por iniciativa do trabalhador, sendo que, face ao disposto pelo art. 342º, nº 2 do Código Civil, impendia sobre as rés o ónus de alegar e provar a cessação dos contratos de trabalho na data que invocaram.
Considerando a matéria de facto que resultou provada afigura-se-nos que não estão reunidos os pressupostos de que dependia o reconhecimento da cessação dos ditos contratos por o autor ter deixado de comparecer no local de trabalho, sem motivo justificativo a partir de 13/10/2019, já que não se provou que tal acontecido, nem a ré provou ou sequer alegou que tenha comunicado ao autor o abandono do posto de trabalho, não sendo relevante para esses efeitos a comunicação que, apenas à Segurança Social de cessação do contrato de trabalho por iniciativa do trabalhador (que de todo o modo apenas a 1ª ré fez), não podendo, pois, nos termos do art. 403º, nº 3 do Código do Trabalho, ser invocado pela entidade empregadora.
Não podemos, contudo, ignorar que ficou provado que o autor apenas exerceu as funções para que foi contratado pelas rés até 31/10/2019, não se tendo provado que tenha trabalhado ininterruptamente para as rés até 09/10/2020. Tão pouco podemos ignorar que ficou provado que o autor, a seu pedido, voltou a ser admitido, desta feita apenas pela 2ª ré, com efeitos a partir de 09/01/2020, o que, ainda que se desconheça as concretas circunstâncias em que o autor deixou de prestar a sua actividades às rés, na sua conjugação, nos permite afirmar com clareza que após 31/10/2019 os vínculos contratuais existentes entre o autor e as rés cessaram, pelo menos de facto, o que foi igualmente considerado quer pelo autor quer pelas rés, sob pena de não se compreender a celebração do contrato com a 2ª ré, com efeitos a partir de 09/01/2020.
Por isso, do ponto de vista do tribunal, ainda que não seja possível a subsunção da situação de facto retratada a qualquer das formas de cessação do contrato de trabalho a que se refere o art. 340º do Código do Trabalho, impõe-se considerar que os contratos de trabalho em causa cessaram efectivamente em 31/10/2019.
Daqui decorre, que na ausência de qualquer causa interruptiva ou suspensiva, o prazo de prescrição a que se refere o aludido art. 337º do CT, no caso dos autos, no que respeita às pretensões do autor fundamentadas aqueles dois contratos se iniciou em 01/11/2019 e se completaria no dia 01/11/2020.
Acontece que ocorreu a suspensões do prazo de prescrição de 09/03/2020 a 03/06/2020 (art. 7º da Lei nº 1-A/2020, de 19/03 e Lei 16/2020 de 29/05), ou seja, durante 87 dias, os quais terão de acrescer ao prazo inicial.
Nestes termos o termo do prazo de prescrição dos direitos do autor foi diferido para 27/01/2021.
Ora, tendo a acção sido intentada em 07/09/2021 e as rés citadas em 13 e 14/09/2021, há muito tinha já decorrido o prazo de prescrição, motivo pelo qual, na procedência da excepção invocada todos os pedidos do autor referentes aos dois contratos de trabalho celebrados em 04/12/2018, terão de improceder, sendo as rés dos mesmos absolvidas e prejudicando a apreciação das questões suscitadas pelo autor que tinham como antecedente lógico a vigência ininterrupta de uma relação laboral entre ele e as rés desde 04/12/2018 até 09/10/2020.».(Fim de citação).(sublinhado nosso).
Que dizer?
De imediato que, de acordo com a factualidade apurada, concordamos inteiramente com a subsunção jurídica daquela, efectuada pela Mª Juíza “a quo” e o trecho que deixámos a sublinhado revela e explica, suficientemente, a falta de razão do apelante e a improcedência dos seus argumentos.
Assim, concordando nós com o segmento da decisão, acabado de transcrever, e o que já supra se subscreveu, quanto à retribuição devida ao A., só podemos concluir que, também, a este respeito, não tendo ocorrido qualquer alteração nos factos, (premissa invocada para alicerçar a sua discordância -, veja-se conclusão 41) o entendimento do apelante não procede e, consequentemente, nada há que refazer quanto aos créditos do mesmo, os quais, verificamos foram calculados e apurados, correctamente, na sentença recorrida que, não merece qualquer censura e deste modo, só podemos confirmar.
*

Improcedem, assim, todas ou são irrelevantes as conclusões da apelação do Autor.
*

Analisemos, agora, o Recurso da Ré.
Começando por apreciar se, o Tribunal “a quo” errou: - ao declarar a ilicitude do despedimento e condenar a recorrente.
A este respeito, assentou-se na decisão recorrida o seguinte:
«(…).
No que respeita ao período de 09/01/2020 até 09/10/2020, importa referir que, ao contrário do alegado pelo autor, não se pode inferir que o mesmo foi admitido para voltar a trabalhar para a ré A..., Lda no bar ..., pelo contrato escrito junto com a petição inicial como documento nº 3 (fls. 17/18), pois o contrato junto, não só foi celebrado com a finalidade única de o autor apresentar perante o SEF, como só foi elaborado e assinado muto após o reinício da relação laboral, nunca antes de Agosto, como se provou, não podendo o reinício de funções do autor ao serviço da 2ª ré ter sido titulado pelo dito documento escrito.
Nessa medida, por um lado, irreleva a apreciação sobre a suficiência da fundamentação do contrato e sobre a legalidade de tal fundamentação, por outro, conclui-se que o autor foi admitido pela 2ª ré para exercer funções como empregado de mesa no Bar ..., mediante retribuição pelo prazo de 10 meses, sem observância da forma escrita obrigatória, o que determina que tal contrato tenha de ser considerado um contrato de trabalho sem termo nos termos das disposições conjugadas dos arts, 141º, nº 1 e 147º, nº 1, al. c), ambos do Código de Trabalho, procedendo, pois, o pedido do autor nesta parte.
Tal contrato esteve em execução até 09/10/2020, data em que, como ficou provado, o autor deixou de trabalhar para a ré A..., Lda, o que lhe foi comunicado verbalmente pelo legal representante daquela.
(…),, quando consumado fora do processo disciplinar, o despedimento tem de resultar de atos que revelem uma vontade inequívoca da entidade patronal pôr fim ao contrato, independentemente da aceitação do trabalhador. Isto é, a cessação do vínculo contratual por despedimento, sendo unilateral, não se confunde com uma declaração que só se torna efetiva após a aceitação da parte contrária.
Ora, o ónus da prova de tais atos e consequentemente do despedimento, recai sobre o trabalhador que se proponha impugnar o despedimento, sendo certo que na economia de uma tal ação, aqueles atos e factos em que se consubstanciam, se reconduzem a factos constitutivos do direito que o A. se propõe exercer – art. 324º, nº 1 do Código Civil.
No caso dos autos ficou demonstrado que no dia 09/10/2020 o legal representante da 2ª ré comunicou ao autor verbalmente que deixava de trabalhar, o que traduz decisão inequívoca e unilateral de cessação do contrato de trabalho, não deixando qualquer margem para dúvida relativamente à forma pela qual terminou a relação contratual, e consequentemente não deixando margem para dúvida quanto à ilicitude da cessação do contrato,
(…).». (Fim de citação). (sublinhado nosso).
A Ré apelante, discorda desta decisão, como consta das suas alegações e conclusões, com fundamento e invocação numa realidade factual que, em seu entender, não se apurou.
Mas, não tem razão.
Fixada que está, definitivamente, a matéria de facto provada, precisamente nos termos considerados na decisão recorrida e supra transcritos, nomeadamente, o ponto 22 dos factos provados, claudica de todo a argumentação, daquela, para fundamentar a sua discórdia contra o que se decidiu na sentença recorrida que, diga-se, devidamente fundamentada, de facto e de direito, concluiu que o despedimento do A. foi ilícito.
O entendimento da recorrente e a sua pretensão, no que toca à decisão de direito, decisão claramente diversa da proferida pelo Tribunal “a quo”, tinha como premissa a confirmação, por este Tribunal, da conclusão expressa pela mesma de ter ocorrido “erro na valoração da prova e por isso…errónea a fundamentação da sentença recorrida”, com a consequente alteração da factualidade dada como provada pelo Tribunal “a quo”, o que não aconteceu.
Pese embora isso, diga-se, apenas, que face à factualidade que se apurou nos presentes autos e que ficou, definitivamente, assente, nesta sede, a conclusão a retirar, feita a subsunção jurídica daquela factualidade, é que, também quanto a esta questão da apelação da Ré, a decisão recorrida, não merece qualquer censura, sendo de elogiar, o modo ponderado e fundamentado como a Mª Juíza “a quo”, a abordou, além do acerto com que o fez, por isso, só podemos subscrever aquela, não tendo as conclusões reiteradas pela recorrente, em sede de recurso, qualquer virtualidade para que seja revogada a decisão recorrida, como pretende, sob a já referida conclusão, do invocado “erro na valoração da prova e por isso…errónea a fundamentação da sentença recorrida”.
Assim, ao contrário, do que considera a recorrente, (veja-se conclusão 19) tendo o A. logrado provar a ilicitude do despedimento por si invocado, sem necessidade de outras considerações, a sua apelação só pode ser julgada improcedente, nomeadamente, quanto à questão dos efeitos daquele decorrentes e aos termos em que a recorrente foi condenada que já se confirmaram correctos, em sede da apelação do Autor.
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Improcedem, assim, todas ou são irrelevantes as conclusões da apelação da Ré.
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III - DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se nesta secção em julgar improcedentes as apelações do Autor e da Ré e, em consequência, confirma-se a sentença recorrida.
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Custas de cada uma das apelações, respectivamente, pelo A. e pela R., sem prejuízo do benefício do apoio judiciário concedido ao primeiro.
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Porto, 10 de Julho de 2024

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O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos,

Relatora: (Rita Romeira)
1º Adjunto: (Rui Penha)
1ª Adjunta: (Eugénia Pedro)