ARRESTO
HERANÇA
JUSTO RECEIO DE PERDA DA GARANTIA PATRIMONIAL
Sumário

1 - O que se tem de provar num arresto, não é a existência do crédito, mas a probabilidade da existência do mesmo.
2 – Fazem parte da herança também os bens adquiridos com o preço antecipadamente pago pelo próprio de cujus, o que resulta inequivocamente do próprio documento de aquisição (art.º 2066/-c do CC).
3 – O receio de não ver satisfeito um crédito justifica-se quando o alegado devedor já vendeu 6 dos 7 prédios da herança e está a tentar vender o último, não paga a dívida e tem a intenção de se ir embora do país.

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados

A intentou uma providência cautelar contra R, viúva, natural e nacional da Roménia, portadora de título de residência permanente, por si e na qualidade de única e universal herdeira da herança aberta por óbito de F, pedindo que se decrete o arresto da fracção autónoma que resulta dos factos 5, 22, 23 e 24 dos factos dados como indiciariamente provados mais à frente.
Alegou para tal que emprestou ao falecido marido da requerida quantia que o mesmo não lhe pagou; após o falecimento esta também não lhe pagou, não obstante ter recebido, pela venda de bens da herança deixada por óbito de seu marido, quantias muito superiores ao valor da dívida; a requerida não lhe pretende pagar, só tem a fracção requerida arrestar e deseja voltar à Roménia, seu país de origem.
A 14/11/2023, depois de ter sido produzida prova pelo requerente, foi proferida sentença que decretou o arresto requerido.

A 17/11/2023, o arresto foi convertido em definitivo conforme averbação dessa data na ficha da fracção B (certidão junta aos autos a 22/11/2023).
A 22/01/2024, a requerida foi pessoalmente citada do requerimento de arresto e da decisão que decretou o arresto.
A 28/01/2024, deduziu oposição em que impugna a realização de quaisquer empréstimos do requerente ao seu marido; diz que ele não precisava de empréstimos por ser titular de um avultadíssimo património à data da sua morte (como resulta do alegado pelo requerente); nunca existiu qualquer relação de amizade entre o falecido e o requerente; não há qualquer prova de que os cheques que o requerente tem na sua posse foram efectivamente preenchidos e entregues pelo falecido ao requerente, sendo certo que não estão em nome deste; podem por isso tratar-se de cheques indevidamente subtraídos e abusivamente preenchidos por outrem que não o falecido; mesmo que se tratasse de cheques efectivamente preenchidos e assinados pelo falecido e entregues por este ao requerente, não é minimamente credível que os mesmos titulassem qualquer empréstimo feito pelo requerente ao falecido; uma vez que o requerente fazia empreitadas para o falecido, nas quais era suposto fazer despesas e contratar subempreiteiros, o mais provável é que o falecido lhe entregasse cheques ao portador, que naturalmente o requerente deveria utilizar para pagamento das despesas e aos subempreiteiros; o facto de os cheques estarem ainda na posse do requerente só pode significar que o mesmo não realizou a empreitada para a qual foram entregues, pelo que naturalmente não procedeu à entrega dos requeridos cheques a quem o deveria fazer; não tem qualquer credibilidade nem sustentação a afirmação de que teriam sido entregues pelo requerente ao falecido 44.650,10€ em numerário, sem que o requerente dê qualquer explicação sobre a origem desse numerário e muito menos a forma como teria sido recebido; é também falso que o requerente tivesse emprestado qualquer valor ao falecido para pagamento das suas despesas de saúde no CC, sendo absurda a alegação de que o teria feito em numerário; na verdade, nessa data já vigorava a Lei 92/2017, de 22/08, que aditou o artigo 63º-E à Lei Geral Tributária, que proíbe os pagamentos ou recebimentos em numerário em transacções de qualquer natureza que envolvam montantes iguais ou superiores a 3000€, ou o seu equivalente em moeda estrangeira; nunca o CC aceitaria receber em numerário o pagamento dos serviços clínicos que presta, pois sabia muito bem da proibição do recebimento de valores nesse montante; a requerida acompanhou constantemente o seu marido durante a doença que o vitimou e conhece a forma como foram pagos os seus tratamentos, sabendo perfeitamente que nunca foi realizado qualquer empréstimo ao seu marido, nem o mesmo dele alguma vez necessitou; não tendo sido apresentado qualquer recibo do pagamento dessas importâncias, é manifesto que o tribunal nunca poderia ter considerado provada a entrega dessas quantias com base em depoimentos de testemunhas, uma vez que essa prova é proibida pelo art.º 395 do Código Civil, que não a admite em relação ao cumprimento das obrigações. E quando não é admitida a prova testemunhal, também não é admitida a presunção judicial (art.º 351 do CC), não havendo assim qualquer base legal para considerar realizada essa prova;  também não se verifica, ao contrário do que refere a sentença, qualquer periculum in mora, e muito menos pelo facto de, hipoteticamente, a requerida, sendo de nacionalidade romena, poder se deslocar para a Roménia, vendendo os seus bens em Portugal e deixando de ter bens no nosso país; a sentença neste âmbito parece esquecer que a Roménia faz parte da União Europeia desde 2007, e que todos os cidadãos da UE têm o direito fundamental de se deslocarem e residirem livremente em qualquer território da União, conforme resulta do artigo 21 do Tratado sobre o Funcionamento da UE e do artigo 45 da Carta dos Direitos Fundamentais da UE; pelo que nunca pode a requerida ser impedida de voltar a residir no seu país natal, através do arresto de um imóvel em Portugal; caso a requerida viesse a ser condenada em Portugal a pagar essa importância, o que só por mera hipótese se admite, nada impediria o requerente de executar os seus bens na Roménia, recorrendo ao Regulamento (UE) 1215/2012, de 12 de Dezembro, relativo à competência judiciária, reconhecimento e execução de decisões em matéria civil e comercial, alterado pelos Regulamentos (UE) 542/2014, de 15 de Maio, e 281/2015, de 25 de Fevereiro; a aplicar-se um arresto sempre que um cidadão da UE se quiser deslocar para outro Estado-Membro, o Estado Português estaria a violar a liberdade de circulação dos cidadãos da UE, bem como o regime de execução de decisões judiciais no território da União; a admitir-se o arresto dos bens que a requerida tem em Portugal, apenas pelo facto de esta pretender fixar residência na Roménia, frustrar-se-ia por inteiro o fim destas normas, impedindo assim uma cidadã europeia de exercer uma das liberdades fundamentais de que beneficiam todos os cidadãos europeus; a alienação do único imóvel que a requerida presentemente tem em Portugal não consubstancia qualquer risco de perda de garantia patrimonial, uma vez que a requerida tem dinheiro em contas bancárias e irá adquirir imóveis na Roménia que podem ser executados nos termos do referido Regulamento Europeu; aliás, o próprio requerente assume no seu requerimento inicial que "a requerida, com as vendas que fez do património herdado do falecido já recebeu quantia muito superior a 500.000€ que fez sua", sendo, portanto, manifesto que tem dinheiro suficiente para pagar qualquer quantia a que o requerente tivesse hipoteticamente direito, não havendo assim qualquer perda da garantia patrimonial; a decisão sobre a manutenção do arresto não poderá ser tomada com base em considerações atinentes à maior ou menor dificuldade do requerente em obter a satisfação do crédito que se arroga possuir, uma vez que essas dificuldades não prevalecem sobre o direito fundamental de qualquer cidadão à sua livre deslocação no território da UE; o arresto nunca pode abranger a fracção autónoma B: efectivamente, conforme o próprio requerente reconhece no seu RI e resulta confirmado pelo doc. 19 junto a esse RI, esse prédio nunca pertenceu ao falecido, já que, embora o preço tenha sido pago em vida deste, só veio a ser comprado pela requerida em 21/10/2022, ou seja, quatro anos após o falecimento; sendo que a referida fracção nunca pertenceu ao falecido, uma vez que a propriedade horizontal só foi constituída pela requerida em 2023, conforme é assumido pelo requerente no RI; ora, conforme resulta do art.º 391/2 do CPC, "o arresto consiste numa apreensão judicial de bens, à qual são aplicáveis as disposições relativas à penhora em tudo o que não contrariar o preceituado nesta secção"; é por isso aplicável ao caso, com as necessárias adaptações, o disposto no art.º 744 do CPC, que proíbe expressamente que na execução contra o herdeiro sejam penhorados bens que ele não tenha recebido do autor da herança, o que é o caso nos presentes autos, pois a fracção arrestada foi comprada pela requerida e não adquirida por sucessão hereditária.
A requerida pediu que fosse solicitada uma série de informações a vários bancos (Eurobic, BCP, Montepio Geral) e ao CC (esta para que informasse sobre a forma como foram pagos os tratamentos efectuados ao falecido em 2018), o que foi deferido e, depois, parcialmente satisfeito pelos bancos e CC.
Depois de produzida a prova pessoal oferecida pela requerida, foi proferida sentença, julgando improcedente a oposição da requerida e ordenando a manutenção do arresto decretado.
A requerida recorre desta sentença – para que seja alterada a matéria de facto, revogada a sentença e substituída por decisão que reconheça não estarem preenchidos os pressupostos para o arresto ser decretado, devendo o mesmo ser levantado.
O requerente não contra-alegou.
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Questões a decidir: das nulidades; da alteração da matéria de facto; e da revogação da sentença.
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Das nulidades
Diz a requerida quanto a esta questão:
2\ No âmbito da sua oposição ao procedimento cautelar de arresto a requerida, demandada também em nome pessoal quando só o podia ser na qualidade de herdeira, invocou não apenas a inexistência de quaisquer créditos do requerente sobre o falecido, mas também a inexistência de qualquer risco de perda da garantia patrimonial do referido crédito, pelo facto de a requerida se poder deslocar para a Roménia, atenta a liberdade de circulação dos cidadãos na União Europeia, e ainda o indevido arresto de um bem não incluído na herança, o que o torna ilegal nos termos dos artigos 391/2 e 744 CPC, sendo que a sentença não se pronuncia sobre nenhuma destas duas últimas questões, sendo consequentemente nula, nos termos do art.º 615/1-d do CPC, devendo por esse motivo ser revogada.
3\ A sentença também praticamente não se pronuncia sobre a prova apresentada pela requerida, quer documental, quer testemunhal, limitando-se a remeter quanto à fundamentação de direito para uma decisão anterior, não especificando os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, sendo consequentemente nula, nos termos do art.º 615/1-b do CPC, pelo que também por este motivo deve ser revogada.
Apreciação
A sentença tem que decidir questões: artigos 607/2, 608/1 e 615/1-d do CPC.
Questões a conhecer / solucionar / resolver / apreciar são os pedidos, as causas de pedir e as excepções invocadas e as excepções de conhecimento oficioso de que caiba conhecer (Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, CPC anotado, vol. 2.º, 3.ª edição, Almedina, 2017, páginas 703-704, 737)
Argumentos não são questões (mesmos autores e obra, páginas 713-714).
A alegada “inexistência de qualquer risco de perda da garantia patrimonial do referido crédito, pelo facto de a requerida se poder deslocar para a Roménia, atenta a liberdade de circulação dos cidadãos na UE” é um argumento, não uma questão. O tribunal decidiu a questão de um dos requisitos do arresto – do risco da perda da garantia patrimonial – e fundamentou essa decisão. O facto de não ter rebatido um argumento da requerida (na parte que se segue a “pelo facto de”) não torna a decisão nula.
Já o facto de ser “indevido arresto de um bem não incluído na herança” é uma excepção – excepção de um bem não poder ser arrestado por não ter sido recebido da herança (artigos 391/2 e 744/1 do CPC) - que devia ter sido conhecida por ter sido invocada pela requerida e não o foi, pelo que se verifica, nesta parte, a nulidade da sentença (art.º 615/1-d do CPC), apesar de no despacho com que o tribunal determinou a subida do recurso se ter defendido o contrário.
A nulidade da sentença deve ser suprida pelo tribunal de recurso, se o puder ser (art.º 665/1 do CPC) e no caso pode, como se constatará, pelo que mais à frente se decidirá essa excepção.
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O facto de a sentença não se ter, praticamente, pronunciado sobre a prova carreada para os autos pela requerida, não tem a ver com nulidades da sentença, mas com eventual erro de julgamento da matéria de facto, pelo que deve ser objecto de impugnação desta, através da indicação de qual a prova que deixou de ser considerada e que, se o tivesse sido, teria dado origem a decisão diversa (artigos 639/1 e 640 do CPC).
A eventual deficiente fundamentação da sentença recorrida não é causa de nulidade da mesma (art.º 615/1-b do CPC), apenas o é a falta total de fundamentação. A sentença que decide a oposição ao arresto, não tem que repetir, de novo, os factos que constam da decisão que decretou o arresto, nem a fundamentação da decisão dos factos respectivos ou da decisão que decretou o arresto. Tem apenas de eliminar os factos que na oposição se tenha conseguido demonstrar que não deviam ter sido dados como provados ou de acrescentar factos que a oposição tenha conseguido demonstrar que deviam ser dados como provados. E se, por erro de julgamento, não tiver sido feito nada disto, é com a impugnação da decisão da matéria de facto que a questão se resolve, não com a arguição de nulidades.
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Quanto ao facto de a requerida ter sido demandada também por si própria e não só como herdeira do seu marido, é certo que, face aos factos alegados (seria diferente se, por exemplo, tivessem sido alegados factos que permitissem o preenchimento de alguma das hipóteses do art.º 1691 do CC), não o devia ter sido e que, quer a sentença que decretou o arresto quer a sentença que julgou improcedente a oposição, deviam ter declarado que a ré, naquela qualidade, não tinha legitimidade passiva para o arresto e, não o tendo feito, sendo ela uma questão de conhecimento oficioso, incorreu em nulidade, mas tal só implica – no sentido de que, no caso, não tem outras consequências - que este TRL, em substituição do tribunal recorrido, conheça da questão agora (artigos 278/1-a, 577-e, 607-608, 665, todos do CPC).
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Bem que não é da herança. Ou da sub-rogação real
Resulta dos factos 5, 6 e 22 a 24, que o preço do bem foi pago pelo marido da requerida, embora o contrato de compra e venda só tenha sido formalizado depois da morte do mesmo e, por isso, a compradora tenha sido a requerida. Ou seja, está provado que o bem foi comprado com dinheiro do falecido, pelo que o que se verifica é uma sub-rogação real: o prédio está agora no lugar do dinheiro do falecido. Assim, o prédio é ainda herança do falecido, tal como resulta do art.º 2069 do CC (Âmbito da herança). Fazem parte da herança: […] c) Os bens adquiridos com dinheiro ou valores da herança, desde que a proveniência do dinheiro ou valores seja devidamente mencionada no documento de aquisição; […] (veja-se, por exemplo, Pires de Lima e Antunes Varela, CC anotado, vol, VI, Coimbra Editora, 1998, páginas 119-120; e Cristina Araújo Dias, no CC anotado, Livro V, coord. pela mesma, Almedina, 201, páginas 87-89). Situações análogas e que esclarecem neste sentido o alcance deste artigo, podem ver-se, apenas por exemplo, nos artigos 1723 e 1696/2-c do CC.
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Foram dados como indiciariamente provados os seguintes factos que interessam à decisão das outras questões :
1\ No início de 2015, [Em data anterior à dos cheques referidos a seguir] F pediu ao requerente que lhe emprestasse 44.650,10€, o que o requerente aceitou.
2\ O requerente entregou-lhe tal quantia em numerário.
3\ F e o requerente acordaram que o primeiro reembolsaria o segundo mediante o desconto dos seguintes cheques bancários pré-datados, que o primeiro assinou e entregou ao segundo:
- 4591186792, de 1.666,70€, de 30/08/2015
- 5491186791, de 1.666,70€, de 30/09/2015
- 3691186793, de 25.000€, de 30/10/2015
- 6391186790, de 1.666,70€, de 30/10/2015, estes quatro sacados sobre o Montepio Geral;
- 4141972581, de 8.150€, de 23/02/2016 e
- 4141974521, de 6.500€, de 23/02/2016, estes dois sacados sobre o Millennium BCP.
4\ Nas datas acordadas apostas em cada um dos referidos cheques F pediu ao requerente que não os apresentasse a pagamento, por não ter dinheiro depositado para serem sacados.
5\ Em 28/01/2016, R e C declararam que constituem seu bastante procurador F para vender pelo preço de 74.000€, incluindo a si próprio, o prédio urbano denominado lote, sito na rua D descrito [na Conservatória do Registo Predial de A] sob o número 0, da freguesia de A [, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 1 (anterior artigo 2), da União das Freguesia de A].
6\ Pela apresentação 290 de 14/05/2018 foi inscrita provisoriamente por natureza a aquisição [do prédio 5 - TRL] a favor de F.
7\ Tal inscrição caducou.
8\ Apesar das insistências do requerente junto do F para que lhe pagasse, este foi protelando tal pagamento.
9\ No início de 2018, F pediu ao requerente que lhe emprestasse o valor 10.000€, o que o requerente aceitou.
10\ O requerente entregou a F tal quantia em numerário.
11\ F e o requerente acordaram que o primeiro reembolsaria o segundo de todas as quantias emprestadas até ao final de 2018.
12\ Em 29/11/2018, faleceu F, no estado de casado com a requerida, em segundas núpcias de ambos e sob o regime da separação de bens.
13\ O falecido não deixou testamento ou qualquer disposição de última vontade, nem descendentes ou ascendentes, tendo-lhe sucedido como única e universal herdeira a requerida sua mulher.
14\ A requerida aceitou a herança do seu falecido marido.
15\ Após o referido em 9 [é claro que a sentença quis referir-se a 12 - TRL], o requerente solicitou à requerida que lhe pagasse 54.650,10€, o que esta recusa fazer e não fez até ao presente.
16\ O acervo patrimonial deixado por óbito de F incluía:
- 365/11920 avos indivisos do prédio rústico denominado E […]
- o prédio urbano denominado lote 13 […].
- o prédio urbano sito na Rua da E […]
- o prédio urbano sito na Rua A […]
- o prédio urbano sito na Rua F […]
18\ a 21\ A requerida doou o 2.º prédio referido em 16 em 15/01/2019; e vendeu o 4.º prédio referido em 16 em 11/03/2019 por 75.000€; o 5.º prédio referido em 16 em 11/03/2019 por 20.000€; o 1.º prédio referido em 16 em 21/02/2020, por 40.000€; e o 3.º prédio referido em 16 em 28/04/2023 por 270.000€.
22\ Em 31/10/2022, a requerida comprou o prédio referido em 5 a P, herdeiro habilitado de R e a C tendo sido declarado pelos vendedores que o preço estipulado de 64.465€ havia sido pago no dia 28/01/2016 e que davam quitação de tal quantia.
23\ Pela apresentação 5115, de 04/11/2022, foi inscrita na descrição ao referido prédio a aquisição a favor da requerida por compra.
24\ Tal prédio foi constituído em propriedade horizontal, com duas fracções autónomas denominadas A e B, sendo esta composta por habitação de tipologia T-2.
25\ Em 05/05/2023, a requerida vendeu a fracção A em 03/05/2023, por 165.000€.
26\ A requerida tem intenção de vender o património herdado de seu marido e regressar à Roménia, país de onde é natural.
27\ Não são conhecidos outros bens à requerida que não a referida fracção B.
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Da impugnação da decisão da matéria de facto
Facto 1
A decisão recorrida deu a seguinte fundamentação da sua convicção quanto à existência dos empréstimos na sentença em que decretou o arresto:
No que concerne aos empréstimos e ao seu não pagamento relevaram os depoimentos prestados pelas testemunha M, que foi empregada de escritório de F e que referiu ter assistido a visitas do requerente a F, no decurso das quais lhe contou acerca do empréstimo e seu valor, conjugado com os seis cheques assinados por F juntos aos autos pelo requerente.
E, na sentença que afastou a procedência da oposição ao arresto, acrescentou-se: 
“Não foi produzida prova passível de infirmar qualquer dos factos que resultaram indiciariamente provados na decisão que decretou o arresto.
[…]
Aliás a própria requerida, em sede de declarações de parte, afirmou ter pago dívidas de seu falecido marido.”
A requerida contrapõe o seguinte:
4\ Em relação à matéria de facto, o tribunal dá como provados os factos 1 a 4 e 8 a 11 com base no depoimento da testemunha M, quando não só é evidente a sua proximidade ao requerente, como refere saber apenas desses factos por lhe terem sido ditos pelo requerente.
5\ Em qualquer caso, a testemunha não faz qualquer referência a um empréstimo ao falecido no início de 2015, pelo que o facto 1 não podia ter sido dado como provado, sendo que em relação ao cumprimento das obrigações, o art.º 395 do Código Civil não admite a prova testemunhal pelo que o art.º 351 do CC também não admite a presunção judicial, tendo assim a sentença violado essas disposições.
6\ Esse facto é ainda infirmado pelo documento da partilha do património conjugal celebrada em 02/12/2014 entre o falecido e o seu ex-cônjuge MT, o qual demonstra que no final de 2014 o falecido se tornou o único dono de bens imóveis e participações sociais no valor de 816.000€, pelo que não necessitaria de qualquer empréstimo.
Apreciação:
A proximidade de uma testemunha a uma das partes não é, só por si, fundamento suficiente para afastar a credibilidade da mesma. De resto, a ligação da testemunha até parece ser mais forte com o falecido, acompanhando-o ao hospital durante o tratamento feito em 2018 e tendo sido madrinha de casamento dele com a requerida (celebrado uns dias antes do falecimento).
A testemunha referiu-se aos empréstimos, sendo que em relação ao anterior a 2018 apenas disse, realmente, aquilo que a requerida transcreveu no seu recurso, isto é: Mandatário do requerente: Sabe também se, além desses 10.000€ houve mais algum valor que o [requerente] tivesse emprestado ao [falecido] T.: Pela boca do [falecido], não. Mas como eu trabalhava no escritório e o requerente ia lá e eu apercebia-me, pronto de que ele de vez em quando ia lá pedir-lhe dinheiro. Mas como era recorrente e o requerente, pronto estava chateado, disse-me que ele estava-lhe a dever quarenta e qualquer coisa mil e que tava chateado e que qualquer dia, como tinha os cheques, metia os cheques ao banco e não queria saber se o [falecido] queria, se não queria, porque não lhe pagava. Agora directamente o [falecido] a dizer-me, não.
Esta passagem, entendida no contexto (a testemunha estava a falar, antes disso, de um empréstimo), junto com a existência, em poder do requerente, sem que tenha sido provada qualquer outra justificação para o efeito, dos cheques descriminados no facto 3, dos quais resulta o reconhecimento de uma dívida do respectivo valor, que seria paga através dos referidos cheques – que já estavam preenchidos, embora à ordem do portador - é prova sumária suficiente do empréstimo (artigos 346 do CC e 365/1 do CPC; é isso, aliás, que explica a tentativa da requerida, na oposição, de encontrar razões alternativas para a posse dos cheques pelo requerente), à excepção da data que consta do início do facto 1 e daí a substituição operada nesse facto, agora, por este acórdão.
Como já dizia há mais de 40 anos Antunes Varela (na obra citada pelo tribunal recorrido, pág. 605 da 3.ª edição de 1982, Coimbra Editora), a lei contenta-se com a prova da probabilidade da existência do crédito (art.º 392/1 do CPC). A prova da existência efectiva do crédito há-de fazer-se na acção principal. Daí que, se no CPC de 1939 ou na versão original de 1961 do CPC, se falava na prova da existência do crédito, depois se tenha passado a falar na prova da probabilidade da existência do crédito (Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, CPC anotado, obra citada, páginas 149-150) ou, na expressão do ac. do TRL de 04/12/2003, proc. 8869/2003-6, a que adere Maria de Fátima Ribeiro (anotação 5/I ao art.º 619 do Comentário ao CC da UCE citado, pág. 737, exige-se tão só, “a nível de uma indagação sumária (sumario cognitio) [que] se verifique uma indiciária probabilidade ou verosimilhança da sua existência.” Ou, nos termos de Miguel Teixeira de Sousa, CPC online 21, anotação 2 ao art.º 392, página 98: A referência ao carácter “provável” do crédito deve ser entendida em consonância com o grau de prova exigido nas providências cautelares (artigos 365/1 e 368/1) […] (b) O requerente tem o ónus de provar a verosimilhança dos factos que justificam o receio de perda da garantia patrimonial (artigos 365/1 e 368/1).”  Na nota preambular 20 aos artigos 362-409, pág. 4, concretiza: “Os artigos 365/1 e 368/1 regulam o grau de prova quanto ao direito acautelado e ao periculum in mora: nos procedimentos cautelares, é suficiente uma ‘prova sumária’, ou seja, uma mera (ou simples) justificação do direito do requerente e do receio da sua lesão pela falta da tutela cautelar.”
Cabia agora à requerida produzir prova que colocasse em dúvida a prova sumária do facto.
Entende-se que não o fez. Aliás, o documento junto pela requerida, e invocado a propósito da impugnação do facto 3, serve de corroboração – contra a argumentação da requerida - de que o falecido contraía empréstimos idênticos aos em causa, servindo, pois, de mais um elemento da prova sumária deste facto.
Apesar de a fundamentação da decisão de facto fazer referência ao não pagamento dos empréstimos, no facto 1 não está em causa qualquer não pagamento pelo que a 2.ª parte da argumentação da requerida na conclusão 5, ao menos por ora, é irrelevante.
De qualquer modo, diga-se, desde já, o seguinte: o cumprimento das obrigações é uma causa de extinção delas, pelo que é o devedor que tem de alegar e provar o cumprimento ou a extinção das obrigações (art.º 342/2 do CC). Numa sentença, não tem de constar que uma obrigação não foi cumprida (embora o não cumprimento deva ser alegado pelo credor para fazer sentido que a questão esteja a ser discutida), o que tem de constar, para afastar a procedência da pretensão, é o seu cumprimento (e por isso ele deve ser alegado e provado pelo devedor). Por outro lado, o art.º 395 do CC, que está a tratar da aplicação das disposições dos artigos precedentes, entre elas, as do art.º 394 do CC, refere-se a obrigações que tenham sido constituídas por contratos escritos, não, sem mais, a todas e quaisquer obrigações. Ora, no caso não está em causa uma obrigação constituída por contrato escrito.
Por fim, o facto de se terem imóveis e participações sociais não implica a impossibilidade de se terem dificuldades financeiras ou dificuldades monetárias, nem que, apesar de se terem esses bens, não se prefira utilizar o dinheiro de empréstimos em vez de se venderem aqueles bens.
De resto, como se verá na apreciação da impugnação do facto 4, nas conclusões 9 e 10 do recurso a requerida admite o contrário do que está aqui (conclusão 6) a defender.
Facto 2
Vale para a decisão deste ponto a fundamentação já transcrita acima para o facto 1.
A requerida contrapõe o seguinte:
7\ Não faz também a testemunha M referência a qualquer pagamento em numerário, pelo que este facto também não podia ter sido dado como provado, sendo que em relação ao cumprimento das obrigações, o art.º 395 do CC não admite a prova testemunhal pelo que o art.º 351 do CC também não admite a presunção judicial, tendo assim a sentença violado essas disposições.
8\ Mesmo que tivesse sido apresentada qualquer prova de entrega em numerário, que não foi, os documentos juntos pelo Millennium BCP, através do ofício de 06/03/2024, ref. 25183351, demonstram claramente a impossibilidade de ter havido qualquer entrega de numerário pelo requerente ao falecido no início de 2015, uma vez que nem a conta do requerente nem a conta do falecido fazem referência à saída e entrada dessas importâncias.
Apreciação:
O que está em causa no facto 2 não é o pagamento em numerário de que a requerida está agora a falar, mas sim o acto em consequência do qual se constituiu uma relação obrigacional entre o requerente e o falecido: a entrega do dinheiro subsequente ao pedido de dinheiro. Dito de outro modo: não se trata do pagamento como acto extintivo da obrigação da entrega, mas, sim, da entrega como acto constitutivo do mútuo (art.º 1142 do CC). No caso, mais precisamente, nos termos invocados no requerimento inicial, da obrigação de restituir decorrente da celebração, inválida por falta de forma, de um contrato de mútuo. A prova fez-se nos termos já mencionados na apreciação de 1.
O artigo 395 do CC, refere-se, como decorre da respectiva epígrafe, aos factos extintivos da obrigação, não aos factos constitutivos. Não se aplicando ele, também não se aplica o art.º 351 do CC.
O art.º 393/1 do CC também não é aplicável (de resto, a requerida também não o invocou): só o seria se estivesse em causa a invocação de um contrato de mútuo válido. Já não para a prova dos factos constitutivos da obrigação de restituir o prestado para a formação de um contrato inválido. Dito nos termos de Rita Gouveia, anotação III do art.º 393, Comentário ao CC, Parte Geral, UCP/FD/UCE, 2014. pág. 889: “A prova testemunhal já será admissível para demonstrar que foi celebrado um negócio sem observância de forma legal quando se pretenda fazer valer as consequências dessa inobservância” (a autora desenvolve a fundamentação do que afirmou).
De qualquer modo, sempre se entendeu que a existência de um começo de prova por escrito, afasta as restrições de prova constante dos artigos 393 a 395, sendo que, no caso, os cheques funcionam como esse começo de prova (veja-se Lebre de Freitas, anotações aos artigos 393, 394 e 395 do CC, no CC anotado, Almedina/CEDIS, 2.ª edição, 2019, páginas 512 a 515).
A argumentação constante da conclusão 8, pressupõe que, quando alguém empresta dinheiro a outrem, o dinheiro sai de uma conta bancária daquele e entra numa conta bancária do outro, mas não há nada que seja, ou possa ser invocado para provar que assim é.
*
Facto 3
Para a fundamentação da decisão deste facto vale também a fundamentação já transcrita a propósito do facto 1:
A requerida contrapõe:
9\ Quanto a este facto - de que havia um acordo entre o falecido e o requerente de que o pagamento seria efectuado por desconto dos cheques pré-datados - tal é claramente infirmado pelo documento junto pela requerida em 02/05/2024, referência 25556818, que prova que metade desses cheques titulam uma dívida do falecido a JS, que não ao requerente, contraída em 21/07/2015, os quais deveriam ser pagos até finais de Agosto de 2015, Setembro de 2015 e Outubro de 2015, não podendo manifestamente os mesmos cheques titular duas dívidas a credores distintos, pagos pela mesma via.
10\ Ao desconsiderar esse documento, a sentença violou as mais elementares regras de evidência, pois o mesmo torna manifestamente impossível considerar-se provado o facto 3, uma vez que esse facto refere que o empréstimo do requerente ao falecido seria reembolsado pelo desconto dos cheques nessas datas e não é possível haver dois credores a descontar o mesmo cheque na mesma data, o que basta para que o facto 3 tenha que ser dado como não provado.
Apreciação:
Antes de mais, dada a invocação do documento, diga-se o que, na sentença que julgou improcedente a oposição ao arresto, foi dito sobre ele:
“Não foi produzida prova passível de infirmar qualquer dos factos que resultaram indiciariamente provados na decisão que decretou o arresto.
Com efeito, o documento junto pela requerida apenas permite comprovar que o seu falecido marido tinha dívidas para com outras pessoas, sendo certo que a circunstância dos cheques aí serem mencionados nada permite concluir uma vez que estamos perante títulos de crédito transaccionáveis livremente, sendo certo que os mesmos estão na posse do requerente.
Ou seja, o tribunal recorrido considerou o documento, mas afastou a respectiva relevância.
Posto isto,
A argumentação da requerida trata de invocar um documento, autenticado, para tentar afastar a prova da constituição do empréstimo já discutido acima. A requerida pretende que uma declaração assinada pelo falecido é só por si prova suficiente da existência de uma dívida, da data da constituição da mesma, da forma como o pagamento seria feito e que, para além disso, serve para afastar a prova feita por outro modo pelo requerente da existência de outra divida por ser incompatível com ela quanto aos meios de pagamento.
Mas, desde logo como resulta da sentença que afastou a oposição ao arresto, o documento em causa não tem anexo os cheques nele referidos (nem a eles é feita qualquer referência no termo de autenticação), cheques esses que, isso sim, estavam na posse do requerente. Por outro lado, só se admitisse que é necessariamente verdade tudo aquilo que se escreve – o que não se admite - é que se poderia dizer que tendo o falecido escrito que aqueles cheques serviam para pagamento de uma dívida a B, ele não os podia ter entregue antes para o pagamento de outra dívida a A. Mas as pessoas podem escrever o que querem, que não é por isso que necessariamente estão a dizer a verdade, para mais quando, como no caso, a declaração não era acompanhada pelos cheques. Por fim, esta argumentação da requerida é contraditória com aquela que consta da conclusão 6 para impugnação do facto 1: afinal, apesar de o falecido ter todos aqueles bens, a requerida está agora a admitir que ele, mesmo assim, contraía dívidas com terceiros.
Facto 4
Como fundamentação desta decisão nada consta da sentença que lhe diga respeito directamente.
Contra o facto 4 a requerida diz o seguinte:
11\ Também relativamente a este facto - de que nas datas apostas nos referidos cheques o falecido pediu ao requerente que não apresentasse os cheques a pagamento -, não há uma única testemunha que o refira, nem um único documento que o comprove, pelo que nunca esse facto poderia ser dado como provado.
12\ Não tem sequer credibilidade a afirmação de que o falecido não teria dinheiro para os cheques serem sacados na data do vencimento, uma vez que em 23/02/2016, data do vencimento dos dois últimos cheques a conta do falecido no Millennium BCP tinha um saldo positivo de 145.519,85€, pelo que os cheques poderiam facilmente ter sido descontados, como o foram outros (cf. ofício do Millennium BCP de 06/03/2024, ref. 25183351), pelo que que nunca o facto 4 poderia ter sido dado como provado.
Apreciação
A argumentação constante da conclusão 12 não convence, no sentido de que os factos aí referidos sejam suficientes para comprovar o que a requerida diz. Mas já o que consta de 11 é verdade, pelo que, não tendo sido produzida prova sobre o facto – como realmente não foi -, tanto que a sentença recorrida não a invoca, o mesmo deve ser eliminado.
Facto 8
Vale para a decisão deste ponto a fundamentação já transcrita acima para o facto 1.
A requerida contrapõe:
13\ Já quanto a este facto existe apenas uma declaração da testemunha M de que o requerente lhe terá dito que estava chateado por não lhe serem pagos os cheques, o que é manifestamente insuficiente como prova, sendo que foi expressamente referido pela testemunha RC, gerente bancário de quem o falecido era cliente, na sessão de 10/05/2024, que o falecido não dava baixa dos cheques que emitia, pelo que também esse facto poderia ser dado como provado [sic; a requerida quis dizer, em vez da parte sublinhada, ‘deveria ter sido dado como não provado’ – parenteses deste TRL].
Apreciação:
O depoimento da testemunha, com razão se ciência para o efeito, foi no sentido do facto dado como provado, pelo que é prova sumária suficiente dele (art.º 346/1 e 365/1 do CPC), ao contrário do que a requerida diz sem mais. Quanto à passagem invocada do depoimento de uma outra testemunha (gerente bancário, RC) é manifestamente insuficiente para originar dúvida sobre o facto em causa, já que, para além de se ter pronunciado de forma imprecisa, se referiu apenas à questão em termos genéricos. Por outro lado, a requerida está a pressupor, sem fundamento suficiente para o efeito, que o falecido podia dar baixa dos cheques do facto 3.
Facto 9
Vale para a decisão deste facto a fundamentação já transcrita acima para o facto 1.
A requerida contrapõe que:
14\ e 21\ Entendeu ainda o tribunal a quo considerar como provados os factos 9, 10 e 11 relativos a um empréstimo de 10.000€ pretensamente efectuado pelo requerente no início de 2018, quando é manifesto de que não existe qualquer prova dos mesmos.
15\ Em relação ao facto 9, apenas a testemunha M o refere, mas apesar de ser empregada do falecido à data, nunca o ouviu falar desse empréstimo, dizendo sobre o mesmo apenas que "soube isso através do requerente", acrescentando que o filho da requerida lhe teria dito que haveria "um papelinho" do falecido a referir esse empréstimo, papelinho esse que nunca viu, o que é manifestamente insuficiente como prova.
16\ Em qualquer caso, os documentos juntos pelo BIC, através do ofício de 07/02/2024, referência 24986162, e pelo Millennium BCP, através do ofício de 06/03/2024, ref. 25183351, demonstram também ser falso que tenha ocorrido um empréstimo de 10.000€ em numerário no início de 2018, uma vez que não há qualquer depósito em numerário desse valor nas contas do falecido nessa altura, sendo manifesto que o mesmo possuía dinheiro nas contas para solver os custos dos tratamentos junto do CC, pelo que nunca o facto 9 poderia ser dado como provado.
Apreciação:
O depoimento de uma testemunha, aqui com razão de ciência mais forte do que para o empréstimo anterior, dando espontaneamente pormenores relevantes (a transcrição feita pela própria requerida é esclarecedora), sendo que não se referiu apenas ao que lhe foi contado pelo próprio filho da requerida, mas também pelo requerente, é prova sumária suficiente do facto, ao contrário do que a requerida diz.
Quanto à prova em contrário apontada pela requerida, de novo se diz que o facto de um empréstimo em dinheiro não ser depositado na conta do mutuário não faz prova de que o empréstimo não foi feito; para mais, as informações prestadas pelo CC em causa (ofício de 08/04/2024) demonstram que o falecido fez 5 pagamentos em dinheiro de valores significativos – de 1100€ em 02/05/2018, de 3204,09€ em 20/08/2018, de 1000€ em 04/10/2018, e de 4000€ e 943,29€ em 13/11/2018 - que podem ter sido feitos precisamente com o empréstimo em causa. Para além disso, a aceitação destes pagamentos em numerário, pelo CC, põe em causa a argumentação da requerida de que era impossível que tais pagamentos fossem aceites.
E o facto de o falecido ter valores depositados em duas contas bancárias, não quer dizer que ele não preferisse utilizar o dinheiro de outros para estas despesas. Aliás, a explicação dada pela requerida (num requerimento de 16/04/2024) é artificial e não corresponde à normalidade das coisas. Dizia ela, que: “5. Efectivamente, em 18/07/2018, o falecido levantou €9000 no Millennium BCP e €5500 no BIC, seguidos de €400 em 24/07/2018 e €200 em 30/07/2018 no Millennium BCP. 6. Ademais, em 02/08/2018, foram levantados €100, €150 e €100, e em 09/08/2018, €100 todos no Millennium BCP. 7. Em 11/08/2018, €150 foram retirados do BIC, e em 14/08/2018, €150 do Millennium BCP.  8. Ora, o montante total dos valores levantados nessas datas corresponde a €15.650. 9. No dia 20/08/2018, efectuou-se um pagamento ao CC de €3204,09 em numerário, pelo que o mesmo teve claramente origem nesses levantamentos.” Ora, tendo o falecido efectuado 29 pagamentos no CC através de multibanco e transferência bancárias (como decorre do quadro anexo ao ofício junto a 08/04/2024), não é credível que tivesse estado a levantar, em 10 vezes, desde mais de um mês antes, um total de 15.650,09€ para pagar em numerário 3204,09€. A requerida ainda repete o mesmo tipo de construção: “10. Em 17/09/2018, foram levantados €6000 no Millennium BCP, seguidos de €1500 em 19/09/2018. 11. Em 24/09/2018, foram retirados €200, €100, €150 e €200 no Millennium BCP, e em 26/09/2018, €200 e €100. 12. Efectivamente, o montante total dos valores levantados nessas datas corresponde a €8450. 13. Em 04/10/2018, efectuou-se um pagamento de €1000 em numerário ao CC.”. Ora, também aqui, não é credível que o falecido tenha ido levantando, desde cerca de 20 dias antes, 8450€, para depois pagar 1000€ em numerário. É muito mais natural que todos aqueles levantamentos tenham sido feitos para ir fazendo outros pagamentos em numerário, a terceiros, aliás, de novo, alguns, de valores elevados – 14.500€ em 18/07/2018, 7500€ em 17 e 19/09/2018 – a demonstrar que, apesar das normas legais invocadas pela requerida, há pessoas que continuam a andar com quantias muito elevadas em numerário e a fazer pagamentos com elas e há outras que continuam a aceitar tais pagamentos. E ainda acrescenta: “14. Finalmente, em 08/11/2018, foram levantados €4500, seguidos de um pagamento de €943,29 ao CC em 13/11/2018, e de €4000 na mesma data.” Ora, para além de ser válido para isto o que já foi dito neste §, aqui ainda há que relevar que o valor de 4500€ não dá para pagar 4943,29€.
Por outro lado, não deixa de ser verdade aquilo que o requerente, a 20/03/2024, lembrava: “Junto do EuroBic, no ano de 2018 existem depósitos em numerário de 1.000€, 1.500€, 3.000€, 2.500€ e 1.500€, etc., sendo que logo após tais depósitos, a conta fica com saldo médio, aproximadamente de 150€.” […J]unto do Millennium, no ano de 2015 as contas bancárias do falecido apresentam o mesmo registo, como seja, após o depósito de determinadas quantias, as contas ficam com saldos negativos. Aliás, em Janeiro de 2015 desde 13/01/2015 a 27/02/2015 a conta bancária nº. 4 apresentava saldo negativo e a conta bancária nº. 1 desde 19/01/2015 a 30/11/2015 apresentava também saldo negativo. Em início do ano de 2018 [esta - TRL] conta bancária do falecido apresentava o mesmo tipo de registo, pois, após o depósito de quantias elevadas só surgem saídas de dinheiro, não existindo um saldo constante e a este propósito veja-se que em 30/01/2018 o saldo era de 5,73€, em 14/02/2018 é efectuado um depósito de 23.600€ e a partir desta data só surgem débitos até que a conta em 21/03/2018 tem um saldo de 5,17€ e em 02/04/2018 é efectuado um depósito de 1.000€ e a partir desta data só surgem débitos até que a conta em 16/05/2018 tem um saldo de 13,40€ e novamente após um depósito de 1.500€ [em 17/05/2018 - TRL] voltam a surgir débitos [para além de 2 depósitos de 250€ e 80€ - TRL] até que em 22/06/2018 é efectuado um depósito de 100.000€ e num espaço de 3 meses a conta volta a apresentar um saldo de 181,57€ [a 12/09/2018 - TRL] e assim sucessivamente.”
Em suma: para já, isto é, neste recurso sobre o arresto, é impossível tirar conclusões minimamente certas apenas com base nos extractos bancários em causa, sem esquecer que, por exemplo, o Montepio Geral (ofício de 28/02/2024) se recusou fornecer os extractos de uma delas. 
Facto 10
Vale para a decisão deste facto a fundamentação já transcrita acima para o facto 1.
A requerida contrapõe que:
17\ Também relativamente a este facto, não há qualquer documento nem qualquer testemunha que se tenha referido a uma entrega de 10.000€ em numerário, não o referindo sequer a testemunha M, pelo que o facto também não podia ter sido dado como provado, sendo que em relação ao cumprimento das obrigações, o art.º 395 do CC não admite a prova testemunhal pelo que o art.º 351 também não admite a presunção judicial.
18\ Mesmo que tivesse sido apresentada qualquer prova de entrega em numerário, que não foi, os documentos juntos pelo Millennium BCP, através do ofício de 06/03/2024, ref. 25183351, demonstram claramente a impossibilidade de ter havido qualquer entrega de numerário pelo requerente ao falecido no início de 2018, pois não só a conta do requerente não regista movimentos neste período, o que demonstra não ter levantado quaisquer quantias para emprestar a outrem, como a conta do falecido regista movimentos que lhe permitem solver as suas despesas de saúde, que nada têm a ver com o requerente.
19\ Pelo que também este facto teria que ser dado como não provado, em face da documentação junta aos autos, que a sentença nem sequer aprecia.
Apreciação:
Repete-se que: o depoimento da testemunha é prova sumária suficiente para o efeito, face ao já referido acima; o art.º 395 do CC não tem a ver com a entrega (que não é um pagamento); o facto de a conta do requerente não ter movimentos, não quer dizer que ele não tivesse o dinheiro; o facto de a conta do falecido registar valores (aliás, nos termos já analisados acima) não quer dizer que ele não tenha pedido o dinheiro ao requerente.
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Facto 11
Vale para a decisão deste facto a fundamentação já transcrita acima para o facto 1.
A requerida contrapõe que:
20\ Finalmente, também em relação a este facto, a única referência que existe é o testemunho de M que também sobre isto apenas diz que "soube isso através do requerente", o que é manifestamente insuficiente para considerar esse facto como provado.
Apreciação:
Repete-se que o depoimento da testemunha M é prova sumária suficiente o efeito, nos termos já esclarecidos acima.
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Factos 26 e 27
A fundamentação da decisão destes pontos foi a seguinte:
A intenção da requerida de vender a totalidade do acervo patrimonial deixado por óbito do marido e regressar à Roménia resulta do teor dos depoimentos prestados pelas duas testemunhas inquiridas uma vez que a já referida M referiu ter encontrado a requerida no supermercado e que esta lhe disse serem esses os seus planos.
Por seu turno, a testemunha Bruno, consultor imobiliário referiu ter sido contactado pela requerida para vender a fracção B, porque regressará de seguida à Roménia onde já reside o filho e a nora, não tendo familiares em Portugal. Mais referiu que tal fracção está no mercado há três meses e que foi feita uma proposta que a requerida ainda está a ponderar se aceita.
A intenção da requerida não pagar ao requerente indicia-se não só da alienação de bens imóveis de valor elevado que a habilitavam a pagar a dívida, o que não fez, bem como dos planos para deixar Portugal.
Na fundamentação da sentença que julgou improcedente a oposição ainda se acrescenta:
“[…] Da prova produzida, resultou, com relevo para a decisão, não indiciado que a requerida seja titular de outros bens para além do arrestado.
Motivação […]
[…]
No que respeita ao património da requerida, inexiste prova de que seja constituído por outros imóveis que não o ordenado arrestar, seja em Portugal, seja no seu país de origem, sendo certo que tal também apenas poderia ser comprovável documentalmente, o que seria fácil à requerida fazer, caso o tivesse.
Quanto aos alegados avultados valores em dinheiro depositados em contas bancárias é do conhecimento comum que o dinheiro é valor facilmente dissipável, além disso nenhuma prova foi apresentada pela requerida que comprove a sua existência. Mais uma vez tal prova seria fácil de fazer mediante extractos bancários.”
A requerida contrapõe que:
22\ Também em relação aos factos 26 e 27, a única prova que existe dos mesmos são declarações das testemunhas que dizem que sabem pela requerida ou pelo seu filho, tendo sido esses factos claramente desmentidos pelas declarações de parte da requerida, o que não permite que continuem a ser considerados como provados.
Apreciação
A prova invocada pelo tribunal recorrido, tendo ainda em consideração os factos 19 a 21 e 25 é, no caso, não só suficiente em termos sumários, como perfeitamente suficiente mesmo que não se tratasse de uma providência cautelar. Repare-se que a fracção B é a casa onde a requerida vive e que foi prometida comprar pelo marido em 2016 (com registo provisório desde 2016 conforme resulta da mesma certidão pressuposta no facto 6) e comprada depois pela requerida (tendo os vendedores declarado que tinham recebido o preço em 2016 – facto 22); tendo a requerida acabado de concretizar a compra em 2022, vendeu a metade da casa em Maio de 2023 e está a tentar vender a outra metade, onde vive, já depois de ter disposto de todo o outro património (mais 5 prédios) em menos de 5 anos. Daqui não resulta qualquer dúvida de que a requerida quer ir embora, para junto do filho e nora, como disse às testemunhas. Aqueles factos falam por si, e as duas testemunhas acrescentam mais dados que apontam no mesmo sentido. As declarações de parte da requerida limitam-se a ser a negação de factos desfavoráveis pela parte interessada na improcedência do pedido de arresto. Aliás, dizendo a requerida que a fracção B não é da herança do marido e aceitando, já que não pôs em causa, que já vendeu todos os outros imóveis, não tendo dito que houvesse outros, não há qualquer dúvida quanto a estes factos. Quanto à intenção de não pagar, ela não consta como facto não provado, mas como facto conclusivo que se retira dos factos indiciariamente provados, sendo, pois, matéria a discutir a nível do Direito. Mas não tem sentido negar a evidência dessa intenção, pois que a requerida nega a existência do crédito, pelo que não pode dizer que tem a intenção de o satisfazer.
*
Do recurso sobre matéria de direito
A sentença que decretou o arresto tem, em síntese, a seguinte fundamentação:
[…]
Como decorre do estatuído no supra-referido art.º 391/1 do CPC, o procedimento cautelar de arresto depende da verificação cumulativa de dois requisitos: a probabilidade da existência do crédito e o justo receio de perda da garantia patrimonial.
Quanto ao primeiro dos requisitos, basta-se a lei com a verificação de uma séria probabilidade de existência do mesmo e reconduz-se à ideia de “aparência do direito”.
Quanto ao segundo requisito entende-se que o receio, para ser justificado, há-de assentar em factos concretos que o revelem à luz de uma prudente apreciação.
Pressupõe a alegação e prova de um circunstancialismo fáctico que faça antever o perigo de se tornar difícil ou impossível a cobrança do crédito.
Haverá justo receio de perda da garantia patrimonial, sempre que, com a expectativa da alienação de determinados bens, o tribunal se convença tornar-se consideravelmente difícil a realização coactiva do crédito (P. Lima e A. Varela, CC anotado 1º, pág. 560).
[…]
No caso dos autos, e relativamente ao 1º dos requisitos, o requerente alega e resultaram provados, factos dos quais se pode concluir pela existência de um crédito sobre a herança deixada por óbito do marido da requerida, do qual esta é a única herdeira, e do seu montante.
[…]
Quanto ao 2º requisito, como resulta da matéria fáctica supra extractada, a requerida não pretende pagar tal valor ao requerente e já dissipou todos os bens móveis que recebeu da herança e fez suas as quantias recebidas pelo que não será de prever que pague ao requerente com o dinheiro que venha a receber da única propriedade que lhe é conhecida e que pretende vender, como se provou.
Todo este circunstancialismo apurado é de molde a fazer criar no requerente o receio fundado de que não obterá o pagamento voluntário da quantia em causa, ainda que a requerida venha a ser condenada no seu pagamento, uma vez que a mesma já não estará em Portugal e inexistirão bens da sua pertença no nosso país.
O único bem conhecido à requerida não tem ónus, podendo ser vendido a qualquer momento, uma vez que já se encontra à venda.
Na sentença que julgou improcedente a oposição, acrescentou-se:
[…O]s procedimentos cautelares constituem meios de composição provisória de direitos ou interesses em situação de litígio, com fundamento na tutela da aparência de um direito afirmado com credível plausibilidade quanto à sua existência – fumus boni juris – e averiguado mediante prova sumária ou de simples justificação – summaria cognitio –, no reconhecimento de que a natural demora na respectiva definição, mediante a propositura da respectiva acção, pode causar dano grave e de difícil reparação ao titular do direito que esteja a ser lesado ou ameaçado de lesão – periculum in mora.
Na sequência da oposição apresentada pela requerida não foram aditados quaisquer factos aos que já se consideravam indiciariamente provados, nem excluídos quaisquer deles.
Assim, mantém-se válida a fundamentação de direito constante da decisão que ordenou o arresto, que aqui se dá por reproduzida.
Terá de improceder a oposição, mantendo-se o arresto decretado.
A requerida contrapõe que:
24\ Ao contrário do que julgou o tribunal a quo, é manifesto que não feita qualquer prova, sequer indiciária, da existência de um direito de crédito do requerente e muito menos do risco de dissipação dos bens por parte da requerida, tendo por isso a sentença violado o art.º 619 do Código Civil e o art.º 391 do CPC.
25\ Verifica-se, em primeiro lugar, que não está preenchido o requisito da existência do direito de crédito, uma vez que não foi feita prova da existência de qualquer empréstimo, nem em 2015, nem em 2018, já que, sobre isso, a única prova que existe é o depoimento de uma testemunha, que apenas sabe desses empréstimos por ter ouvido do requerente, nada tendo ouvido do falecido.
26\ Em relação aos 6 cheques que o requerente tem na sua posse, não há qualquer prova de que os mesmos foram efectivamente preenchidos e entregues pelo falecido ao requerente, sendo certo que não estão em nome deste, e existe prova nos autos de que metade desses cheques titulam uma dívida do falecido a outrem, que não ao requerente.
27\ Também não há qualquer prova de que o requerente tivesse emprestado qualquer valor em numerário ao falecido para pagamento das suas despesas de saúde no CC, sem que exista qualquer demonstração da saída e do recebimento do dinheiro em qualquer das contas e não sendo admitido pelos artigos 395 e 351 do CC o depoimento de testemunhas e as presunções judiciais para prova do cumprimento das obrigações.
28\ É por isso manifesto que não houve qualquer empréstimo por parte do requerente ao falecido, não havendo assim qualquer crédito sobre o mesmo, pelo que falta totalmente neste caso o fumus bonis iuris relativamente à existência do crédito.
29\ E também não se verifica, ao contrário do que refere a sentença, qualquer periculum in mora, e muito menos pelo facto de hipoteticamente a requerida, sendo de nacionalidade romena, poder deslocar a sua residência para a Roménia, vendendo os seus bens em Portugal e deixando de ter bens no nosso país.
30\ A sentença neste âmbito parece esquecer que a Roménia faz parte da UE desde 2007, e que todos os cidadãos da UE têm o direito fundamental de se deslocarem e residirem livremente em qualquer território da União, conforme resulta do artigo 21 do Tratado sobre o Funcionamento da UE e do artigo 45 da Carta dos Direitos Fundamentais da UE.
31\ Caso a requerida viesse a ser condenada em Portugal a pagar essa importância, o que só por mera hipótese de admite, nada impediria o requerente de executar os seus bens na Roménia, recorrendo ao Regulamento (UE) 1215/2012, de 12 de Dezembro, relativo à competência judiciária, reconhecimento e execução de decisões em matéria civil e comercial, alterado pelos Regulamentos (UE) 542/2014, de 15 de Maio, e 281/2015, de 25 de Fevereiro.
32\ Não há por isso qualquer risco de perda da garantia patrimonial do requerente, sendo que, a aplicar-se um arresto sempre que um cidadão da UE se quiser deslocar para outro Estado-Membro, o Estado Português estaria a violar a liberdade de circulação dos cidadãos da UE, bem como o regime de execução de decisões judiciais no território da União.
33\ Não há efectivamente qualquer facto alegado que faça temer pela solvabilidade da requerida, uma vez que a mesma, com as quantias que recebeu da venda dos seus bens em Portugal, tem todas as condições para pagar qualquer importância em que venha a ser condenada, nada impedindo qualquer eventual sentença que viesse a ser proferida em Portugal de ser executada na Roménia, como o permite o Direito da UE.
34\ Falta, por isso, totalmente o periculum in mora, não estando por isso preenchidos os pressupostos exigidos no art.º 619 do CC e no 391 do CPC, para que o arresto pudesse ser decretado, pelo que deve ser revogado.
35\ Mesmo que estivessem preenchidos os pressupostos legais para o arresto é manifesto que o mesmo nunca poderia abranger a fracção autónoma B […], uma vez que se trata de bem que nunca pertenceu ao falecido [não] tendo o prédio […sido] herdado, tendo sido comprado pela requerida em 21/10/2022.
36\ Foi por isso ilegal a decisão que decretou o arresto, tendo violado o disposto nos artigos 391/2 e 744 CPC.
Apreciação:
As conclusões 24 a 28, inclusive, são conclusões que a requerida tira com base na alteração da matéria de facto que propôs. Dependem, por isso, da eliminação dos factos 1 a 3 e 8 a 11, eliminação que não ocorreu, pelo que necessariamente ficam prejudicadas, e, com isso, fica também prejudicada a impugnação do requisito da existência do crédito do requerente.
Quanto ao requisito do perigo para o crédito decorrente na mora, discutido nas conclusões 29 a 34, a discussão gira à volta da fundamentação de direito dada na sentença, quando esta refere que existe o perigo de não pagamento do crédito pois que “ainda que a requerida venha a ser condenada no seu pagamento, […] a mesma já não estará em Portugal e inexistirão bens da sua pertença no nosso país.”
Mas, trata-se da parte final da fundamentação, não do essencial dela. A sentença baseou a evidência do perigo para a satisfação do crédito no facto de a requerida ter vendido já quase todo o património da herança (grosso modo: 6 de 7 prédios) e estar a tentar vender o que falta (a fracção B) e ter a intenção de se ir embora de Portugal.
Ana Carolina dos Santos Sequeira, em Do arresto como meio de conservação de garantia patrimonial, Almedina, 2020, página 254, lembra que “O receio de perda da garantia patrimonial considera-se ainda justificado quando o património do devedor é composto, exclusiva ou maioritariamente, por bens de fácil sonegação ou dissipação.” E esclarece: “o melhor exemplo será o dinheiro.” Antes (pág. 244), a autora tinha dito: “A perda da garantia patrimonial […] pode […] verificar-se igualmente pelo agravamento desproporcionado das condições de realização coactiva da prestação; […]. À impossibilidade deve ser, então, equiparada a dificuldade na execução dos bens do património do devedor, desde que seja considerável, em termos de exigir um grande esforço do credor; essa dificuldade emerge de circunstâncias relativas aos bens que compõem a garantia patrimonial, por exemplo, se o devedor troca os bens por outros de mais fácil ocultação (móveis não sujeitos a registo, dinheiro…) […].” E na pág. 250 lembra que o justo receio de ocultação de bens era um dos fundamentos de que se falava antes de ser positivado o conceito geral de justo receio de perda de garantia patrimonial).
No ac. do TRP de 24/09/2020, proc. 77/20.2T8BAO.P1, aproveita-se, para um arresto, a posição de Menezes Leitão, Garantias das Obrigações, 2016, 5.ª edição, Almedina, pág. 78, para um dos requisitos da impugnação pauliana: “Parece assim que esta fórmula poderá abranger, não apenas os casos em que o acto implique a colocação do devedor numa situação de insolvência ou agrave essa situação, se ela já se verificava, mas também os casos em que, embora não ocorrendo essa insolvência, o acto produza ou agrave a impossibilidade fáctica de o credor obter a execução judicial do crédito (como na hipótese de o devedor resolver alienar todos os imóveis que possui, ficando, porém, com o dinheiro da sua venda, que facilmente poderá depois ocultar ou dissipar)”.
Tudo isto foi tido em conta pelo tribunal recorrido, referindo, por exemplo, para além do já transcrito, o facto de, apesar de a requerida ter mais de 500.000€ da venda dos outros prédios, não ter tentado sequer demonstrar onde é que eles estão, o que seria fácil de fazer. E, neste contexto, percebe-se a referência à ida da requerida para o estrangeiro, mais precisamente para a Roménia: se já seria difícil tentar apanhar qualquer dinheiro da requerida em Portugal, apesar de eventuais sinais exteriores do mesmo, muito mais o seria na Roménia que nem sequer é um país próximo de Portugal onde o requerente pudesse averiguar, através de deslocações pessoais, facilmente esses sinais exteriores. Compreende-se por isso o complemento de fundamentação do tribunal recorrido e, por isso, que ele não representa qualquer violação do direito comunitário. Sendo que o arresto de uma fracção imobiliária também não significa qualquer impedimento à circulação da requerida no interior da UE. Aliás, a requerida, percebendo o sentido da fundamentação do tribunal recorrido, sentiu necessidade de aditar, na oposição, factos que a poriam em causa, ou seja, dizendo que tinha a intenção de comprar imóveis na Roménia e tinha o dinheiro em contas bancárias. Mas não provou nada disso.
Em suma, improcedem todas as razões da requerida contra o decidido pelo tribunal recorrido no que se refere ao arresto.
Valora-se, para efeitos de custas, a questão da excepção da ilegitimidade processual passiva da requerida, por si, em 1/5 do valor da providência.
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Pelo exposto, julga-se procedente o recurso apenas quanto à ilegitimidade processual da requerida por si própria, que se declara, absolvendo-a da instância nessa qualidade (ou seja, só é parte legítima arrestada enquanto herdeira do seu falecido marido). No mais julga-se o recurso improcedente.
Custas do recurso e a providência, na vertente de custas de parte, pelo requerente em 1/5 e pela requerida em 4/5.

Lisboa, 12/09/2024
Pedro Martins
Vaz Gomes
António Moreira