ACÇÃO DE DIVISÃO DE COISA COMUM
RECONVENÇÃO
COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS
Sumário

I – Numa acção de divisão de coisa comum deve ser admitida a reconvenção em que a ré invoque a existência de créditos seus contra o autor que tenham a ver com o prédio a dividir e que possam influenciar o valor daquilo que o autor tenha direito a receber no fim dessa acção, de modo a evitar que tenha que ser intentada nova acção para discutir esses créditos.
II – E pelas mesmas razões, deve ser admitida, como uma contra reconvenção, a pretensão que o autor deduza quanto a créditos que tenha contra a ré nas mesmas condições.

Texto Integral

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados:

A 08/07/2021, A veio requerer contra a sua ex-mulher, R, uma acção de divisão de coisa comum, pedindo que se:
(a) declare a indivisibilidade do prédio;
(b) fixe a quota de 81,57% do autor e a ré de 18,43%
e subsidiariamente fixe a quota na proporção de 50% a cada um,
(c) (d) condene a ré a pagar ao autor 425.100€ [ou, subsidiariamente, 260.000€] (computados à data de 30/06/2021) acrescida de juros vincendos à taxa legal, assim como num valor correspondente a 81,57% [ou, subsidiariamente, 50%], da quantia mensal de 4.000€, em tantos quantos forem os meses que decorrerem na pendência da acção, e até ao trânsito em julgado da decisão e desocupação do prédio dividendo pela ré, e juros legais vincendos, aceitando o autor, em caso do procedimento deste pedido, fazer compensação com 116.474,86€, que deverá, nesse caso, ser subtraída à quantia sentenciada.
(d) condene a ré a pagar ao autor as quantias peticionadas como decorre de imperativos de equidade e de boa fé e, subsidiariamente, a título de enriquecimento sem causa;
(e) Proceda à venda a terceiros do prédio dividendo e repartição do preço como acima requerido, nas indicadas proporções.
Alegou para o efeito o seguinte, em síntese:
(i) Autor e ré casaram em 14/09/1991, com convenção antenupcial do regime da separação de bens; por escritura pública de 22/05/1991, autor e ré adquiriram para si em compropriedade um prédio urbano, com registo de aquisição a favor de ambos; o casamento foi dissolvido por divórcio, decretado por sentença de 01/04/2011, transitada em julgado; o prédio não é divisível em substância, havendo necessidade de se proceder à sua venda.
(ii) O processo especial de divisão de coisa comum contém em si os mecanismos adequados para acomodar a cumulação do pedido de divisão com outros pedidos relativos a créditos de um dos consortes sobre o outro decorrentes de gastos realizados sobre o bem dividendo, ou pagamento das prestações dos mútuos, assim como de créditos decorrentes da utilização exclusiva e em seu único benefício do prédio por parte de qualquer um dos consortes; a simples atribuição via fixação da quota de cada um dos proprietários dos bens, desacompanhada daquele exercício obrigacional, geraria um resultado injusto, atentatório de princípios jurídicos de equidade e de proporcionalidade; os princípios subjacentes aos poderes/deveres de gestão e adequação processual atribuídos ao juiz pela lei processual permitem-lhe que admita os pedidos nestes termos (artigos 6/1, 266/3 e 37, n.ºs 2 e 3 do CPC e ac. do TRG de 25/09/2014 [260/12.4TBMNC-A.G1].
(iii) O autor, ainda no estado de solteiro, a 31/01/1991, na qualidade de promitente comprador, celebrou o contrato-promessa de compra e venda do prédio, ficando previsto que o prédio seria vendido por 19.000.000$, a ser pago em 3 prestações; o autor pagou e liquidou a 1.ª prestação, do valor de 6.000.000$, a título de sinal, o que fez no momento da celebração do contrato-promessa (1.000.000$ das suas poupanças e 5.000.000$ com a ajuda dos seus pais, que lhe doaram o montante de 5.000.000$); a 2ª prestação, no valor de 6.000.000$ foi também liquidada pelo autor, ainda no estado de solteiro, em Maio de 1991 (que para tal vendeu um imóvel do qual era proprietário); a 3.ª prestação foi paga conjuntamente pelo autor e pela ré, ainda no estado de solteiros, quando celebraram a escritura de 22/05/1991, entregando o remanescente do valor convencionado, ou seja, 7.000.000$; na escritura foi declarado que o preço era de 12.000.000$ e que o prédio foi comprado em comum e em partes iguais; e que para a aquisição foi solicitado no Banco FB um empréstimo de 10.000.000$, que lhes foi concedido (tendo o excesso de 3.000.000$ sido usado para as obras de reabilitação e melhoramentos no prédio que realizaram depois da compra) tendo ambos ficado solidariamente responsáveis pelo cumprimento do empréstimo; só por lapso ficou consignado na escritura que o prédio foi comprado pelo autor e pela ré em partes iguais, pois que apenas pretenderam declarar que assumiam a responsabilidade do pagamento do empréstimo bancário contraído em comum e em partes iguais; a vontade do autor e da ré era a de declarar que o autor detém uma quota sobre o prédio de 81,57% [6.000 + 6.000 + (½ de 7.000)] e a ré de 18,43% [1/2 de 7.000]; estes factos (sem referência aos que constam entre parenteses) ficaram provados na acção judicial que correu entre o autor e ré no processo 260/11.1TVLSB; acção judicial onde o autor pediu, entre o mais, a condenação da ré a reconhecer que o autor detém uma quota ideal correspondente a 81,57% do direito de propriedade sobre o prédio e que se determinasse o cancelamento do averbamento 8 à inscrição registal em vigor, de acordo com a qual o autor e a ré são proprietários do prédio em comum e sem determinação de parte, que foi julgada improcedente por acórdão do TRL de 12/09/2019, proc. 260/11.1TVLSB.L1-2, confirmado por ac. do STJ. Para o caso de se considerar que as quotas, para efeitos do regime do artigo 925 do CPC, são de 50% de cada um (autor e ré), é pedida subsidiariamente a fixação das quotas nessa proporção.
(iv) Autor e ré viveram em conjunto, casados e com os filhos do casal, até Janeiro de 2009, data em que, fruto de divergências entre ambos, se separaram. O autor saiu de casa da família, que era o referido prédio, e a ré nele permaneceu a viver. Em 01/04/2011 foi decretado o divórcio; logo a seguir ao divórcio o autor tentou chegar a um acordo com a ré sobre a venda do prédio, o que para o autor era então, como é hoje, uma necessidade, mas a ré recusou e recusa vender o prédio ou pagar qualquer compensação ao autor pelo gozo que faz do prédio desde o divórcio, prédio que ocupa contra a vontade do autor e sem qualquer título que legitime a ocupação exclusiva que faz do prédio; a ré goza e usufrui, como quer, o prédio onde vive, com exclusão do autor, estando este impedido de o fazer, sem qualquer compensação; a ré paga as mensalidades dos empréstimos que subsistiram como crédito a habitação, que são de cerca de 506,90€/mês,  contraídos à época pelos dois, e que até então haviam sido pagos por ambos; o valor de renda do prédio, era, se o mesmo fosse colocado no mercado e dado de arrendamento, superior a 3.600€/mês (sendo esse o valor pelo qual autor e ré arrendaram a casa entre Setembro de 2000 a Dezembro de 2005); se até à data do divórcio, que é o da propositura da acção de divórcio (19/02/2010) as relações patrimoniais entre os cônjuges existiam e estavam vigentes, e justificavam moralmente ao autor que nada exigisse da ré para o compensar pela sua utilização exclusiva do prédio, compensando com o pagamento que ela fazia da parte do empréstimo que seria da responsabilidade também do autor, depois dessa data do divórcio tal já não fará sentido; depois da data do divórcio o valor da casa era já de 4.000€/mensais, sendo à data de hoje igual o valor mínimo de renda; valor de que o autor beneficiaria na proporção da sua quota, desde 01/03/2010 até ao presente (30/06/2021) e em todos os meses que se seguirem até ao trânsito em julgado da decisão e desocupação do prédio pela ré.
(v) Em 25 e 28/11/2002, portanto, durante o período em que ainda estiveram casados, autor e ré contraíram vários empréstimos bancários de crédito à habitação (obras), que fizeram junto do Banco PI, no valor global de 175.637,36€: (i) 65001, de 58.485,93€; (ii) 65002, de 35.701,98€; (iii) 65003, de 38.555,30€; e (iv) 65004, de 42.894,15€; estes empréstimos foram sendo pagos mensalmente pelo autor e ré, na comunhão de vida que tinham; cada um contribuía com o que tinha, e com o seu trabalho, e designadamente com os rendimentos do trabalho de cada um, uma vez que cada um auferia rendimentos provenientes do seu trabalho; as prestações destes 4 empréstimos foi sendo paga até Janeiro de 2009 (data da separação de facto do casal) por autor e ré, pois que era a economia comum do autor e da ré que suportava as despesas da família, que ambos suportavam; a partir da data da separação do casal o autor deixou de pagar as mensalidades que eram e são devidos pelos autor e ré e, desde Janeiro de 2009 até ao dia 30/06/2021 foi a ré que suportou o pagamento que totaliza aproximadamente 116.474,86€, estando ainda em dívida, em 01/7/2021, o remanescente de 19.151,45€; se forem reconhecias ao autor as quantias pedidas, o autor aceita descontar, a sua quota parte de metade dos empréstimos, 116.474,86€, e o que a ré vier a pagar na pendência da acção em liquidação dos quatro empréstimos, no valor de 19.151,45€.
O autor deu à acção o valor de 517.160,60€.
Por despacho de 09/09/2021, o Juízo Central Cível onde o autor tinha intentado a acção, considerou-se incompetente para tramitar e julgar esta acção especial, declarando competente o Juízo Local Cível e, em consequência, determinou a remessa dos autos para o último. O que foi feito após trânsito, em 11/10/2021.
Por despacho de 14/10/2021, o Juízo Local Cível notificou o autor para requerer ou esclarecer o que tivesse por conveniente quanto ao credor hipotecário e informar se procedeu ao registo da acção e informou-o, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 3/3 do CPC que “ia apreciar, em despacho liminar, da admissibilidade da cumulação de pedidos, nos termos que constam da PI.”
A 02/11/2021, o autor veio dizer:
Estando o imóvel onerado por hipoteca, pareceu ao autor que o credor hipotecário não teria à primeira vista interesse e legitimidade processual para intervir na fase declarativa da acção, sendo essa legitimidade assegurada apenas na fase executiva, se se vier a proceder à venda executiva do bem (ac. do TRL de 04/02/2021, proc. [11259/18.7T8SNT.L1-6: […]).
[…]
O autor não procedeu ao registo da acção, requerendo assim que o mesmo seja realizado pelo Tribunal nos termos no artigo 8.º-B/3-a do CRP.
O autor cumulou o pedido de divisão de coisa comum com um pedido de pagamento de compensação que a ré haveria de pagar ao autor pela ocupação que faz do imóvel dividendo, e cuja apreciação conjunta com a divisão de coisa comum faria em abstracto sentido processual. Esta cumulação de pedidos é processualmente possível se a mesma for acomodável nos princípios subjacentes aos poderes/deveres de gestão e adequação processual atribuídos ao Tribunal pela lei processual nos termos do disposto no artigo 37, n.ºs 2 e 3 do CPC. Aliás, como (melhor) descrito no aresto do TRG que transcrevemos na PI […] [C]aso seja entendimento do Tribunal, de acordo com a leitura que faz dos seus poderes/deveres de gestão e adequação processual, que o processo de divisão de coisa comum não acomoda nem deve acomodar a apreciação conjunta de tais pedidos, fazendo seguir os termos subsequentes dos autos como processo comum como previsto no artigo 926/3 do CPC, então o autor manifesta ao Tribunal que, nesse caso, desiste da instância quanto aos pedidos por si formulados nas alíneas (c) e (d) do pedido, o que faz também a benefício da celeridade processual. E indo depois o autor, em autos declarativos comuns, dirimir separadamente com a ré a questão dessas mesmas compensações.
A 06/12/2021 foi proferido o seguinte despacho:
[…]
[…] entendemos que nas acções de divisão de coisa comum, “se a coisa estiver onerada com qualquer direito real de gozo ou de garantia, […] com registo anterior à data da proposição da acção, terá esta de estar proposta também contra os titulares desses direitos, sob pena de a sentença obtida lhes não ser oponível.” - Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, 2.ª edição revista e actualizada (reimpressão), Coimbra Editora, volume III, 1987, pág. 390; no mesmo sentido, vd. Processos Especiais de Divisão de Coisa Comum e de Prestação de Contas, Luís Filipe Pires de Sousa, 2016, Almedina, página 74.
[…]
Estamos perante uma relação jurídica conexa com a relação material controvertida, que implica uma situação de litisconsórcio voluntário passivo (artigo 32.º do CPC), e implica que seja demandado, também, o credor hipotecário.
*
O autor formula os seguintes pedidos: […]
No que concerne à pretendida fixação da quota de 81,57% para o autor e 18,43% para a ré, tal é inadmissível.
Nos termos do artigo 1403/2 do Código Civil os direitos dos consortes ou comproprietários sobre a coisa comum são qualitativamente iguais, embora possam ser quantitativamente diferentes; as quotas presumem-se, todavia, quantitativamente iguais na falta de indicação em contrário do título constitutivo.
O título constitutivo (escritura de compra e venda, a fls. 64 e seguintes – documento 3) refere expressamente que o prédio é vendido em comum e em partes iguais ao autor e à ré; sem prejuízo, sempre se refira que “a atribuição da percentagem da quota que cada um dos comproprietários na coisa comum fixa-se no momento da sua aquisição. E, a presunção de igualdade das quotas, prevista no art.º 1403/2 do CC, só poderá ser afastada por elementos constantes do próprio título de aquisição e já não por elementos exteriores ao mesmo” (acórdão do TRL de 08/05/2012, processo 2800/09.8T2SNT.L1-7), sendo pois, irrelevantes as contribuições de cada um dos comproprietários para liquidação do preço do bem (vd., nomeadamente, acórdão do TRL de 04/03/2010, processo 1392/08.9TCSNT.L1-6).
Mais relevante, é o próprio autor que refere que “entre autor e ré correu uma acção judicial onde o autor peticionou, entre outros, pedido de condenação da ré a reconhecer que o autor detém uma quota ideal correspondente a 81,57% do direito de propriedade sobre o prédio dividendo e que se determinasse o cancelamento do averbamento 8 à inscrição registal em vigor, de acordo com a qual o autor e a ré são proprietários do prédio dividendo em comum e sem determinação de parte e a acção […] foi julgada improcedente. Tendo sido proferida decisão transitada em julgado que julgou improcedente a fixação do quinhão do autor em 81,57%, não pode este, no âmbito da presente acção de divisão de coisa comum, peticionar que seja fixada a sua quota nessa proporção. Assim, tal pedido é manifestamente inadmissível.
Quanto aos pedidos (c) e (d) que o autor pretende cumular ao abrigo do princípio da adequação processual, entendemos que tal cumulação é inadmissível.
“A causa de pedir na acção de divisão de coisa comum consiste na situação de comunhão de direitos e na vontade de um ou mais consortes pôr termo à respectiva e concreta indivisão”, devendo o autor na PI identificar o prédio ou a coisa mobiliária a dividir, alegar a compropriedade ou comunhão e especificar a posição relativa de cada consorte e o volume das respectivas quotas (Processos especiais de divisão de coisa comum e de prestação de contas, Luís Filipe Pires de Sousa, 2016, Almedina, páginas 87/88).
O pedido formulado pode visar a extinção da compropriedade, procedendo-se à divisão em substância da coisa ou à adjudicação ou venda desta, com repartição do respectivo valor, quando se considere indivisível.
A gestão e adequação processual são poderes-deveres do Juiz, de acordo com o seu prudente critério e análise e não são impostos pelo entendimento ou conveniência das partes.
Estamos perante uma cumulação de pedidos, nos termos do artigo 555/1 do CPC.
São requisitos da admissibilidade da cumulação de pedidos a compatibilidade substantiva e a compatibilidade processual – quanto à competência e quanto à forma do processo - dos pedidos cumulados (artigos 555 e 37 do CPC).
A coligação exige que o tribunal seja absolutamente competente para todos os pedidos cumulados e que a forma de processo seja idêntica (artigo 37/1 do CPC) o que torna, em princípio, inadmissível a coligação quando a um ou a alguns dos pedidos corresponder processo comum e a outro ou outros desses pedidos processo especial ou se aos pedidos cumulados corresponderem diferentes processos especiais.
O juiz pode autorizar a cumulação desde que as formas de processo correspondentes aos pedidos, sendo embora diversas, “não sigam uma tramitação absolutamente incompatível”, e, por outro lado, haja interesse relevante na apreciação conjunta das acções cumuladas ou quando esta apreciação conjunta se configure como indispensável para a realização do verdadeiro fim de todo o processo, ou seja, operar a justa composição do litígio (artigo 37/2 do CPC).
A tramitação da acção especial de divisão de coisa comum não se compatibiliza com a tramitação de acção declarativa, cabendo também ponderar que os valores monetários em causa sempre implicariam a incompetência deste tribunal em razão do valor (que é, porém, competente para a tramitação de acção especial de divisão de coisa comum, acção que o autor intentou, o que aliás determinou que o Juízo Central Cível se declarasse incompetente, por decisão transitada em julgado).
As pretensões formuladas pelo autor nas alíneas (c) e (d) devem ser apreciadas em acção declarativa com processo comum, e não o processo especial de divisão de coisa comum.
A cumulação ilegal de pedidos, no entendimento de Abrantes Geraldes (Temas da reforma do processo civil, I volume, 2.ª edição, Almedina, pág. 134 e seguintes), a que aderimos, constitui uma excepção dilatória, que não leva necessariamente à absolvição total da instância mas que justifica uma intervenção judicial que limite esta absolvição da instância ao pedido ou pedidos que não acompanhem a conexão substancial ou a compatibilidade processual exigida pelo artigo 470/1 do CPC (anterior redacção), à luz nomeadamente dos princípios do aproveitamento dos actos e da cooperação, plasmados nos artigos 265 e 266 do CPC (anterior redacção).
Uma vez que há lugar a convite ao aperfeiçoamento da PI, entendemos facultar ao autor a possibilidade de regularizar a situação, apresentando PI em que constem, apenas, os pedidos admissíveis, no âmbito da acção de divisão de coisa comum, de acordo com o exposto supra.
Nestes termos e pelo exposto, convido o autor a apresentar nova petição, onde também figure como réu o credor hipotecário do imóvel objecto deste processo e em que sejam formulados os pedidos considerados admissíveis (também quanto à proporção dos quinhões), no prazo de 10 dias, sob pena de indeferimento da presente acção.
A 07/01/2022, o autor apresentou uma nova petição inicial, agora dirigida também contra o credor hipotecário e reduzida aos pedidos de que se: declare a indivisibilidade do prédio; fixe a quota de 50% do autor e de 50% a ré; proceda à venda a terceiros do prédio e repartição do preço, nas indicadas proporções.
A 15/02/2022, foi determinada a citação dos requeridos (da PI junta em 07/01/2022) e o registo da acção.
Por despacho de 29/04/2022, a pedido do credor hipotecário, foi prorrogado o prazo para a contestação.
A 10/05/2022, a ré contestou: (i) aceitou a indivisibilidade do imóvel, (ii) disse que a matéria da fixação dos quinhões ficou definitivamente fixada por decisão transitada em julgado (na acção 260/11), (iii) impugnou o valor da acção: resulta da caderneta predial junta aos autos que o valor patrimonial do imóvel em crise nos presentes autos é de 208.553,46€; o artigo 302/2 do CPC manda atender ao valor da coisa que se pretende dividir; o valor indicado pelo autor está longe de coincidir com o valor real do imóvel; por ser mais actual, poderá ainda atender-se ao resultado da avaliação mandada fazer em Março de 2022 pela ré que conclui que o imóvel terá um valor de mercado de 1.411.600€.  Em caso de discordância com o valor estabelecido na avaliação junta, deverá então realizar-se peritagem, por um único perito, a designar pelo tribunal, com vista à avaliação do imóvel objecto dos presentes autos; e (iv) deduziu pedido reconvencional: pedindo que fosse reconhecido que a ré detém um crédito de tornas sobre o autor no montante global de 620.009€ podendo/devendo o mesmo ser compensado no valor da sua quota resultante da divisão, caso o imóvel lhe venha a ser adjudicado.
Para defesa da admissibilidade da reconvenção, a ré disse:
A acção de divisão de coisa comum admite reconvenção, porquanto nos termos do art.º 926/3 do CPC, o processo especial converte-se em processo comum, assim admitindo quaisquer possibilidades processuais que a tramitação de tal processo comporta; é indispensável para a justa composição do litígio, que esteja devidamente dirimida a questão de saber se a ré tem ou não direito a haver do autor os valores que a ré despendeu (ou beneficiou) no pagamento do imóvel, obras de construção e manutenção, assim como respectivos juros de mora vencidos e vincendos, o que só é possível através da admissão liminar do pedido reconvencional e do julgamento das questões por ele suscitadas o que satisfaz os princípios da gestão processual e adequação formal (invoca o  acórdão do TRL de 12/10/2021, proc. 14680/19.0T8SNT-B.L1-7 [tem um voto de vencido] Na acção de divisão de coisa comum é admissível o pedido reconvencional para assegurar a justa composição do litígio, seguindo a acção os termos de processo comum para serem conhecidas ali as questões suscitadas. Tal entendimento mostra-se como o que melhor densifica o poder/dever de gestão processual, que na harmonia com os demais pressupostos processuais permite a obtenção da efectiva composição do litígio, num afastamento cada vez maior de decisões de marcado cariz formal.); e o ac. do TRL de 17/06/2014, proc. 2548/12.TJLSB.L1-1 [este foi proferido numa acção declarativa comum, dizendo-se, bem, na sentença que na acção comum não pode ser enxertado uma acção especial de divisão, o que foi aceite pelo acórdão que confirmou a sentença - TRL] “As relações jurídicas que se estabelecem entre comproprietários inerentes ao cumprimento dos encargos devidos pela, ou por causa, da coisa comum, são de natureza meramente obrigacional, por conseguinte se um deles cumpre na totalidade a obrigação comum, fica detentor de um direito de crédito sobre o consorte na medida da contribuição deste […]).
Os créditos da ré seriam derivados do seguinte:
O imóvel adquirido estava degradado e era inabitável e sem qualquer possibilidade de recuperação, tendo sido necessária a sua demolição e construção de novo;
(i) a ré utilizou, em 1991, a conta poupança habitação constituída por ela junto da CGD, ainda no estado civil de solteira, no montante de 6.000.000€ (= 29.928€), na sua totalidade, para a realização das obras no imóvel.
(ii) o arquitecto G (tio da ré), ofereceu à ré projecto de arquitectura que sustentaram as obras de recuperação; por declaração do próprio, o valor do projecto à data, 1994, era de 30.000€.
(iii) para fazer face ao pagamento do preço e às avultadas obras de recuperação, contraíram autor e ré 3 empréstimos bancários, garantidos com hipoteca sobre o imóvel, a saber: (i) 65002 de 10.000.000$ (= 49.879,79€) em 1991; (ii) 65003 no montante de 9.700.000$ (= 48.383,40€) em 1994; (iii) 65004 no montante de 8.000.000$ (= 39.903,83€) em 1998; estes empréstimos foram debitados nas contas bancárias junto do BPI, 543, até 03/05/2010, e após esta data, 442; em ambas as contas a ré é titular; foi a ré na constância do matrimónio que liquidou (no valor de 198,856€), os empréstimos e continua a ser ela a liquidá-los sozinha, dos quais, em 15/03/2022 ainda se encontram em divida 14.232,15€.
(iv) Os empréstimos foram concedidos ao abrigo do regulamento do crédito à habitação para o sector bancário e do acordo colectivo vertical do sector bancário, pela circunstância de a ré ser funcionária bancária; pelo que esta teve uma bonificação na atribuição de taxa do crédito à habitação, que assumia a natureza de complemento remuneratório, estimado em 116.984€.
(v) Em 29/10/1999 e pela facilidade do acesso ao crédito a ré contraiu novo empréstimo com a natureza jurídica de crédito pessoal para obras, no regime bonificado pelo acordo colectivo vertical do sector bancário no montante de 4.370.069$ (= 23.443,50€); contrato número 543; as prestações do crédito bancário foram todas debitadas na conta bancária 543, cujo titular é a ré; sem a bonificação de taxa – também aplicada a este contrato – a ré assumiu na integra o montante de 23.896€; a bonificação, que assume a natureza de complemento remuneratório, está estimada no montante de 9.777€; foi a ré na constância do matrimónio que liquidou o empréstimo.
(vi) a ré levou a cabo benfeitorias no imóvel depois de 2009 no montante de 52.192€.
(vii) O montante total é de 334.944€; a este montante importa aplicar a actualização do valor por correcção do valor por efeito da inflação (204.140€), assim como juros de mora (574,173€), que, por facilidade de raciocínio, se aplicam ao montante global e que se repartem pelos dois comproprietários na parte a que corresponde a sua quota isto é 50%; apurando-se o valor de 1.240.018€, o que corresponde a um crédito sobre o autor da ré de 620.009€.
A 31/05/2022, o BPI, SA, confirmou que era credor hipotecário, do autor e da ré, juntando para o efeito extracto bancário dos empréstimos e que se encontram garantidos por duas hipotecas sobre o imóvel. Os empréstimos (hipotecários) ainda em curso são: (a) 65002, no montante inicial de 35.701,98€; (b) 65003, no montante inicial de 38.555,30€; (c) 65004, no montante inicial de 42.894,15€ [mas trata-se de evidente erro, visto que a data dada como de início é de 28/11/2002, quando se sabe que os empréstimos são de datas anteriores - TRL]; e requereu ainda a sua notificação para comparecer na conferência de interessados, na data que vier a ser designada.
Só a 09/12/2022 foi enviada carta para notificação ao autor da contestação da ré e do requerimento do BPI.
A 27/01/2023, o autor replicou: (i) defendeu a inadmissibilidade do pedido reconvencional:
[…]
2\ Tais pedidos extravasam manifestamente o âmbito da presente acção de divisão de coisa comum (acção especial com objecto e tramitação próprios), sendo que o pedido reconvencional segue forma de processo diferente e os putativos créditos alegados pela ré, em sede reconvencional, não estão relacionados com o imóvel e a sua indivisibilidade.
3\ Acresce que, por despacho datado de 06/12/2021 (ref.ª 411071741), transitado em julgado, o tribunal já se pronunciou precisamente sobre esta questão de cumulação de pedidos diversos, nos seguintes termos: […]
4\ É, aliás, este o entendimento da jurisprudência, quanto à acção de divisão de coisa comum e quanto à cumulação de pedidos: “trata-se de uma acção real, sujeita a registo, e cuja causa de pedir é a situação de compropriedade e cujo pedido é a cessação dessa compropriedade, pela divisão material se a coisa for divisível, não o sendo pela adjudicação a uma das partes ou pela venda a terceiro, preenchendo-se assim em dinheiro as quotas de cada um dos comproprietários” (ac. do TRP de 26/01/2021, proc. 1509/19.8T8GDM.P1); “definição do valor das quotas parcelares do direito real de propriedade, apenas são intervenientes elementos materiais ligados à própria coisa, sendo que os direitos de crédito, ainda que reconhecidos ou derivados da aquisição do imóvel, não interferem na fixação do valor da quota do direito real, sendo compensáveis posteriormente. Nessa medida, o reconhecimento da existência de um direito de crédito de uma parte sobre a outra, não irá interferir na formação da quota de cada uma das partes na compropriedade, pelo que não se mostra adequada a cumulação de pedidos ou a reconvenção sobre os valores despendidos no reembolso e amortização de créditos (…)” (ac. do TRL de 13/07/2021, proc. 967/20.2T8CSC.L1-7).
5\ A causa de pedir invocada pela ré, em sede de reconvenção, assenta na alegada existência de créditos sobre o autor, referentes a pagamento de empréstimos contraídos pelo autor e a ré na constância do casamento para a realização de obras no imóvel; taxas de bonificação, inflação e juros de mora. Alegados créditos entre as partes que não estão correlacionados com o imóvel.
6\ Resulta da lei processual civil e da jurisprudência que a discussão de tais créditos não pode ser tida nestes actos, pelo que deve o tribunal julgar inadmissível o pedido reconvencional, o que se requer.
7\ Entendimento diverso viola anterior decisão transitada em julgado já tomada nestes autos que tem força obrigatória dentro do processo (cf. artigo 620 do CPC), pelo que sempre será nula a decisão que admita o pedido reconvencional por violação de caso julgado formal.
8\ Caso o tribunal venha a admitir o pedido reconvencional, sempre deverão, por igualdade entre as partes, ser também discutidos nestes autos os créditos que o autor detém sobre a ré (os quais haviam sido, aliás, alegados na primeira PI apresentada), o que a final se requererá.
Sem prescindir e por dever de patrocínio, pronunciar-se-á de seguida o autor sobre a matéria da reconvenção.
(ii) excepcionou a prescrição dos juros vencidos há mais de cinco anos, conforme resulta do artigo 310 do CC; (iii) impugnou os factos alegados pela ré como base dos pedidos deduzidos na reconvenção e os efeitos de direito que deles a ré pretende retirar, embora admita que o imóvel quando foi adquirido era uma ruína e que foi oferecido um projecto de arquitectura pelo tio da ré, mas diz que a ré não pode reclamar tal crédito por isso mesmo, isto é, por ter sido oferecido, não tendo sido despendido qualquer montante; aceita 3 dos 4 empréstimos que aliás já tinha invocado na 1.ª petição inicial, inclusive para desconto a favor da ré, mas não que tenha sido a ré a pagá-los a todos e desde sempre, mas apenas a partir da separação de facto (ou a partir da data da propositura da acção de divórcio), pois que até eram os dois que os pagavam através da conta bancária que era de ambos; não põe em causa as bonificações, mas diz que a ré não tem direito a que elas lhe sejam pagas pelo autor, pois que se trata de um montante que aquela nunca suportou e com o qual a ré não teve nenhum prejuízo; aceita a existência de um outro empréstimo, mas diz que também esse foi pago pelos dois (até 2004) e não só pela ré; relativamente à utilização de conta poupança habitação constituída pela ré da CGD, a qual, segundo a ré, foi utilizada na sua totalidade para a realização de obras, diz que a ré não identifica as obras em causa, nem juntou quaisquer comprovativos, pelo que impugna essa factualidade; relativamente às benfeitorias que a ré alega ter realizado no imóvel, no montante de 52.192€, não especificando datas, nem as concretas obras que terão sido realizadas, impugna-as e refere que é a ré que habita exclusivamente o imóvel, desde 2009; diz que o peticionado pela ré, a título de juros e de actualização monetária, não tem qualquer fundamento jurídico, sendo, aliás, ilegal, que a ré nunca o interpelou antes para o pagamento de juros, não  havendo mora do autor, e que é ilícita a cumulação de juros com correcção monetária com base na inflação, conforme é jurisprudência (ac. do TRL de 30/11/1992, proc. 0072261 [só sumário - TRL]; acórdão do STJ de 20/01/2000, processo 99B908 [só sumário - TRL]; acórdão do STJ de 20/02/1997, processo 462/96 [só sumário, no sítio do STJ na internet - TRL]); (iv) e pretende ampliar o pedido e a causa de pedir dizendo:
Sem prejuízo quanto ao que foi alegado sobre a inadmissibilidade da reconvenção e a violação de caso julgado formal, caso o Tribunal venha a admitir o pedido reconvencional deduzido pela ré, o autor vem, ao abrigo do disposto no artigo 265/2 do CPC, ampliar a causa de pedir e o pedido, o que requer seja admitido, sob pena de violação do princípio da igualdade das partes.
73\ Conforme havia sido alegado na primeira petição inicial dos autos, o autor pagou, com dinheiro próprio, 81,57% do preço de compra do imóvel e não apenas 50% e deve ser compensado por esta diferença (seja em sede de fixação de quinhões, seja em sede de acertos de valores entre as partes, seja a título de enriquecimento sem causa) e é, ainda, credor da ré de uma compensação pela utilização exclusiva que a mesma faz do imóvel desde 19/02/2010.
Nos subsequentes artigos 74 a 93 da réplica o autor repete tudo aquilo que já tinha dito em (iii) da 1.ª PI e invoca o valor extraprocessual da prova produzida na acção 260/11, nomeadamente os depoimentos, ao abrigo do disposto no artigo 421º do CPC; nos artigos subsequentes (94 a 98) faz uma nova construção jurídica para efeitos de um novo crédito, com uma variante subsidiária:
94\ O autor liquidou sozinho, com dinheiro próprio, mais de metade do valor de aquisição do imóvel (81,57%), pelo que deve ser compensado pela ré, sob pena de enriquecimento sem causa da ré.
95\ A ré suportou apenas 18,43% do preço do imóvel e detém uma quota ideal de 50%, por virtude do regime de compropriedade, pelo que tem de compensar o autor em 31,57% do valor do imóvel, caso contrário, verifica-se um locupletamento ilegítimo por parte da ré nessa proporção de 31,57%.
96\ Detém assim o autor sobre a ré um crédito correspondente a 31,57% do valor que vier a ser atribuído ao imóvel nestes autos, que se requer seja reconhecido.
97\ Subsidiariamente, para o caso de assim não se entender, sempre tem o autor, em qualquer caso, um crédito sobre a ré correspondente a 31,57% do preço de compra do imóvel (19.000.000$ / € 94.771,60), valor que o mesmo suportou, no estado de solteiro, com dinheiros próprios, acrescido da correcção monetária desde a data do pagamento da primeira prestação até à adjudicação do imóvel.
98\ Entendimento diverso constitui enriquecimento sem causa por parte da ré e um locupletamento ilegítimo à custa do autor.
Nos artigos 99 a 115 repete tudo aquilo que já tinha dito em (iv) da 1.ª PI (relativamente ao gozo do imóvel pela ré), embora agora pressupondo só uma quota de 50% na compropriedade para cada um e com um valor superior [310.000€] por dizer respeito a um período de tempo superior  (desde 01/03/2010 a 27/01/2023), acrescida de juros vincendos à taxa legal, quanto a todos os meses que decorrerem na pendência da acção, e até ao trânsito em julgado da decisão e desocupação do imóvel pela ré. E nos artigos 116 a 121 repete aquilo que já tinha dito em (v) da 1.ª PI relativamente à compensação a que a ré teria direito pelo pagamento dos 4 empréstimos a mais do que por ela devido desde a saída de casa pelo autor (a partir de Fev2009), agora também até 27/01/2023, embora agora diga que o valor pago pela ré até então foi de apenas de 82.300€ (aproximadamente).
Conclui: (a) deve a reconvenção ser julgada inadmissível, com as legais consequências, designadamente a absolvição da instância; (b) Caso assim não se entenda, deve o pedido reconvencional ser julgado improcedente, por não provado, com consequente absolvição do autor/ dos pedidos formulados pela ré; (c) Caso seja admitido o pedido reconvencional, deve ser admitida a ampliação da causa de pedir e do pedido, nos termos alegados; (d) Deve ser reconhecido ao autor um crédito sobre a ré correspondente a 31,57% do valor que vier a ser atribuído ao imóvel nestes autos; (e) Subsidiariamente, deve ser reconhecido ao autor um crédito sobre a ré correspondente a 31,57% do preço de compra do imóvel (19.000.000$/94.771,60€) = a 29.920€, acrescido da correcção monetária desde a data do pagamento da primeira prestação até à adjudicação do imóvel; (f) Deve ser reconhecido o crédito do autor sobre a ré de 310.000€ (computado à data de 27/01/2023) pelo gozo do imóvel acrescida de juros vincendos à taxa legal, assim como num valor de 50% de 4.000€/mês, em tantos quantos forem os meses que decorrerem na pendência da acção, e até ao trânsito em julgado da decisão e desocupação do imóvel pela ré, e juros legais vincendos; aceitando o autor, em caso de procedimento destes pedidos, fazer compensação em 50% dos 82.300€ [pagos pelos empréstimos só pela ré], que deverá, nesse caso, ser subtraída à quantia sentenciada.
Só foi aberta conclusão a 08/05/2023.
Nessa data foi proferido despacho a determinar a notificação da contestação da ré ao credor hipotecário e, com cópia da decisão de 06/12/2021, a notificação da ré para, querendo, se pronunciar, no prazo de 10 dias, acerca da inadmissibilidade legal do pedido reconvencional – artigo 3/3 do CPC.
A 31/05/2023, o autor veio dizer que notificada a ré para se pronunciar, querendo, e nada tendo dito, requer que se determine à secretaria a conclusão dos autos para prolação da competente decisão.
Só foi aberta conclusão a 14/06/2023.
Nessa data foi proferido despacho a determinar a notificação do autor para se pronunciar, em 10 dias, quanto ao valor da causa, nomeadamente tendo em conta o mencionado pela ré, justificando o valor por si atribuído, e que, logo após, fosse aberta conclusão a fim de ser proferida decisão.
A 29/06/2023, o autor expôs o seguinte: O autor na sua PI datada de 08/07/2021 indicou que o valor da causa era de 517.160,60€. Tal valor corresponde à soma do valor dos pedidos iniciais dos autos: o pedido quanto ao imóvel, pelo valor patrimonial, de 208.553,40€, e ao qual acresceu o valor de 308.625,14€ relativo ao valor da indemnização por si pedida contra a ré. Na contestação reconvenção, a ré veio indicar o valor de 620.009€ à reconvenção. Depois, em sede de réplica, o autor ampliou a causa de pedir e o pedido, na eventualidade de o tribunal vir a admitir o pedido reconvencional deduzido pela ré, mas cujo valor já havia sido considerado na PI e no valor indicado pelo autor inicialmente para a causa.
A 04/07/2023 foi aberta conclusão.
Só a 30/01/2024 – 7 meses depois - foi proferido o seguinte despacho:
A) Da (in)admissibilidade da reconvenção.
Em sede de contestação, veio a ré deduzir reconvenção […]
Cumpre apreciar a decidir.
Na acção especial de divisão de coisa comum, visa-se efectivar o direito à divisão, uma vez que qualquer comproprietário ou consorte num direito não é obrigado a permanecer inexoravelmente na indivisão, constituindo a causa de pedir desta acção a propriedade em comum sobre uma coisa móvel ou imóvel e a vontade de um ou mais dos consortes em por termo à indivisão – cf. artigos 1412/1 do CC e 925 do CPC.
A lei permite que o réu, em reconvenção, no mesmo processo, deduza pedidos contra o autor, devendo fazê-lo no articulado de contestação, nos seguintes casos: (i) quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à acção ou à defesa; (ii) quando o réu se propõe tornar efectivo o direito a benfeitorias ou despesas relativas à coisa cuja entrega lhe é pedida; (iii) quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor; e (iv) quando o pedido do réu tende a conseguir, em seu benefício, o mesmo efeito jurídico que o autor se propõe obter – cf. artigo 266, n.ºs 1 e 2, do CPC.
Ora, configurando a acção de divisão de coisa comum uma acção de processo especial, tem sido discutida a admissibilidade da dedução de pedido reconvencional neste âmbito, à luz do disposto no artigo 266/3 do CPC.
Tal obstáculo não tem sido, porém, considerado absoluto, podendo eventualmente ser admitido um pedido reconvencional no âmbito de uma acção especial de divisão de coisa comum, nomeadamente quando, havendo contestação, a causa se mostrar complexa e, atenta essa circunstância, haja necessidade de fazer mandar seguir os termos do processo comum de declaração, isto é, quando a complexidade das questões suscitadas nos articulados impede que o juiz dirima, sumariamente, a acção; no caso em que as questões trazidas pela contestação, no confronto com o pedido inicial, puderem ser sumariamente decididas sem necessidade de prosseguimento da causa com observância do processo comum, a reconvenção só será admissível se também por essa forma – sumária – puder ser decidida.
Como se refere no ac. do TRL de 04/03/2010, proc. 1392/08.9TCSNT.L1-6, se para conhecer do pedido reconvencional se mostrar necessário proceder a instrução e respeitar o contraditório, tal exige uma tramitação que se não compagina com a do processo especial. (…) Por isso, terá que, primeiramente, analisar-se da necessidade ou não de enxertar uma fase declaratória comum, na sequência e por força da contestação. Neste caso, se tiver sido deduzido pedido reconvencional este só pode ser conhecido em duas circunstâncias: se for ordenada a tramitação comum posterior à contestação (enxerto da acção comum); ou se for possível conhecer da reconvenção sem necessidade de instrução, isto é, sumariamente, na fase do saneador, se aí também forem conhecidas as questões que a contestação opõe é petição inicial. Em suma, é possível deduzir reconvenção no processo de divisão de coisa comum sempre que haja contestação. Se, no entanto, as questões deduzidas na contestação, no confronto com o pedido inicial, forem decididas sumariamente sem que haja de prosseguir a causa nos termos do processo comum, a reconvenção só é admissível se também dessa forma puder ser decidida.
De igual modo, refere-se, a título de exemplo, no ac. do TRP de 26/01/2021, proc. 1509/19.8T8GDM.P1, que inexistindo qualquer divergência entre as partes relativamente à existência de compropriedade do imóvel em apreço por ter sido por ambos adquirido, nem quanto à natureza indivisível da coisa, e não tendo invocada em sua defesa qualquer facto impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor, a acção tem de ser totalmente procedente, encerrando-se a fase declarativa da acção. Assim, o pedido reconvencional fundamentado em despesas alegadamente efectuadas apenas pela ré na aquisição e manutenção do imóvel cuja divisão se peticiona, e outras decorrentes da vida em comum havida entre as partes, com vista ao reconhecimento desse crédito sobre o autor a ser efectivado/compensado aquando da adjudicação ou venda do imóvel, não é admissível à míngua da não verificação de qualquer requisito substancial de conexão, cf. art.º 266/2 do CPC.
No caso em apreço, desde já se adianta que, face aos elementos constantes dos autos, é possível proferir de seguida decisão sumária, nos termos do artigo 926, n.ºs 2 e 3, 1ª parte, do CPC, posto que não está colocada em causa nem a compropriedade nem a indivisibilidade do imóvel.
Ademais, o alegado pela ré no que concerne à sua contribuição superior não releva para a determinação das quotas de que cada uma das partes é titular, da mesma forma que o alegado pelo autor no mesmo sentido não teve vencimento em acção pretérita que já correu termos entre as partes.
A acção de divisão de coisa comum implica - como se referia no preâmbulo do DL 329-A/95, de 12/12, ao justificar a manutenção de processo especial para a acção de divisão de coisa comum -, mais do que a resolução de uma controvérsia entre partes em litígio, a formulação de um verdadeiro juízo divisório, por forma a por termo à indivisão, pelo que é precisamente esse efeito dissolutivo ou extintivo da relação de compropriedade - que envolve uma modificação específica do direito real – que se pretende com a acção de divisão da coisa comum.
Resulta do disposto no artigo 1403/2 do CC que os direitos dos comproprietários sobre a coisa comum são qualitativamente iguais, embora possam ser quantitativamente diferentes, mas presumem-se quantitativamente iguais perante a ausência de indicação em contrário no título constitutivo. Assim, e porquanto nenhuma indicação é feita, no caso vertente, no título constitutivo quanto à existência de direitos quantitativamente distintos, havendo já decisão transitada em julgado nesse sentido, e conforme decisão nos presentes autos de 06/12/2021 (referência 41107141) presume-se a quota parte de cada comproprietário em 50%.
Acresce ainda que, como igualmente se decidiu nesse despacho de 06/12/2021, cujo raciocínio há que manter por uma questão de identidade, é irrelevante para a acção de divisão de coisa comum o facto de um dos comproprietários ter contribuído com maior ou menor parte no pagamento dos empréstimos associados à aquisição / obras do imóvel. O crédito que cada uma das partes se julgue detentora por via da eventual liquidação em excesso de mútuos (em face das obrigações assumidas perante a entidade bancária) dizem respeito à relação contratual estabelecida entre ambas.
Com efeito, a transferência da propriedade do imóvel operou-se, no momento da celebração do contrato de compra e venda e nos termos aí estabelecidos e vertidos no registo (direito de propriedade que se presume em partes iguais), aliás independente do pagamento (ou não) do preço – que apenas é obrigação decorrente desse contrato – e demais despesas.
Os efeitos que advêm dos contratos celebrados com entidades terceiras, ou até os acordos estabelecidos entre o autor e a ré, podendo ter efeitos pessoais e obrigacionais, são irrelevantes para alterar a situação jurídica real (compropriedade relativa ao imóvel cuja divisão é peticionada), tal como se mostra descrita na petição inicial e comprovada pela documentação junta.
Pelo exposto, por considerar não estarem verificados os pressupostos legais para a sua admissibilidade, e mantendo decisão idêntica anterior já proferida nos autos em relação ao pedido formulado pelo autor, não admito a reconvenção deduzida pela ré.
Notifique-se.
De seguida, o tribunal fixou o valor da causa em 208.553,40€, nos termos do artigo 302/2, sem prejuízo do artigo 299/4, ambos do CPC; declarou a indivisibilidade do prédio […], o qual pertence em compropriedade ao autor e à ré, na proporção de ½ para cada um. E designou o dia 11/03/2024 para a realização de conferência de interessados, com o objecto previsto no artigo 929/2 do CPC.
A 23/02/2024, a ré interpôs recurso do despacho que não admitiu o pedido reconvencional dizendo que o mesmo tinha subida nos próprios autos e com efeito suspensivo, nos termos do disposto nos artigos 627, 637, 644/1, 645/1-a e 647/3-b, todos do CPC, para que fosse substituído por outro que admita tal pedido reconvencional e mandasse prosseguir os autos na forma de acção comum declarativa.
Terminou as suas alegações com as seguintes conclusões, que se transcrevem na parte minimamente útil, eliminando-se apenas algumas das muitas repetições:
C\ O autor propôs acção especial de divisão de coisa comum relativa a um imóvel que detém em compropriedade com a ré, sua ex-mulher, que constitui casa de habitação desta com o seu filho.
D\ A ré, não se opondo à divisão da coisa, veio deduzir em sede de reconvenção pedido relativo aos créditos emergentes de pagamento do crédito habitação para aquisição do imóvel, obras, projecto arquitectónico e de benfeitorias pagas por si relativas ao imóvel […]
[…]
F\ A ré não questiona que o reconhecimento da existência dos seus créditos não afecta as quotas atribuídas a cada parte no imóvel, concordando com a sentença do tribunal a quo neste aspecto, devidamente fundamentada no artigo 1403/2 do CC.
G\ Porém, contrariamente ao que, tanto o recorrido quanto o tribunal a quo parecem entender, a jurisprudência superior mais recente relativa aos pedidos reconvencionais no âmbito de uma acção especial de divisão de coisa comum considera que a reclamação de créditos relativos à coisa comum pode ser feita por dedução de pedido reconvencional, sem ser necessário ao reclamante propor acção separada para esse efeito.
H\ Posição que é sufragada pelo STJ nos acórdãos de 25/05/2021, proc. 1761/19.9T8PBL.C1.S1; de 28/03/2023, proc. 249/21.2T8VVC.E1.S1; de 26/01/2021, proc. 1923/19.9T8GDM-A.P1.S1, e [pelo ac. do TRL] de 28/09/2023, proc. 2212/21.4T8PDL.L1-6, bem como pela larga maioria da jurisprudência recente dos TRE, TRG e do TRL.
I\ Importa, atender que o pedido reconvencional formulado pela ré está conectado com o objecto do pedido do autor, uma vez que são reclamados créditos referentes a montantes pagos a título de pagamento do crédito à habitação, para obras, projecto arquitectónico e benfeitorias feitas no imóvel que o autor pretende ver dividido.
J\ Embora o valor da reconvenção pudesse criar uma incompetência em razão de valor, uma vez que a acção em causa é especial, o tribunal local cível mantém-se competente, mesmo que haja tramitação do processo na forma comum, como aliás resulta do art.º 93/1 do CPC, que não lista o valor como causa de incompetência do tribunal em pedidos reconvencionais. Nesta matéria remete-se para jurisprudência citada na alegação.
K\ Por fim, quanto à forma do processo, o entendimento do tribunal a quo é o de que, uma vez que se considera em posição de decidir a acção especial de divisão de coisa comum de forma sumária, a reconvenção só possa ser aceite “se também por essa forma – sumária – puder ser decidida.”
L\ Também não procede este entendimento do tribunal a quo, porque a própria acção de divisão de coisa comum pode ser convolada em acção declarativa comum, nos termos do artigo 926/3 do CPC, quando o juiz verifica que não pode decidir de forma sumária sobre todas as questões levantadas no litígio, pelo que o legislador previu a possibilidade de convolação […].
M\ Tal é a única solução que promove a justa composição do litígio prevista no referido artigo 37 do CPC, bem como garante eficácia ao princípio da economia processual previsto no artigo 6/1 do CPC.
N\O\ O pedido reconvencional da ré cumpre os pressupostos legais de um pedido de reconvenção, atenta as quatro alíneas do art.º 266/2 do CPC.
A 28/02/2024, a secção abriu uma conclusão ao juiz com informação que, atento o requerimento remetido pela ré em 23/02/2024, no qual é atribuído efeito suspensivo ao recurso de apelação interposto, faço os presentes autos conclusos para que seja ordenado o que se tiver por conveniente.
Foi então proferido o seguinte despacho: Encontra-se agendada conferência de interessados para o próximo dia 11/03/2024, sendo que até tal data não terá decorrido o prazo de contra-alegações e, por isso, o tribunal não está em condições de se pronunciar acerca da fixação de efeito ao recurso, o que a ser fixado como requerido inviabilizaria a realização da diligência. Nestes termos, e a fim de possibilitar o contraditório do autor quanto a tal, dou por ora sem efeito a diligência aprazada, que será remarcada caso o efeito venha a ser fixado como suspensivo. Diligências necessárias, abrindo-se imediato termo de conclusão logo que apresentadas contra-alegações ou decorrido o prazo legal para tal.
Este despacho foi notificado ao requerente e à requerida.
A 12/03/2024, o autor apresentou contra-alegações em que começa por, desenvolvidamente, dizer que o recurso contra o despacho que não admite a reconvenção cabe no âmbito da previsão do art.º 644/1-b do CPC e não cabe em nenhuma das hipóteses do art.º 645/1 do CPC, subindo, por isso, de imediato e em separado, e não cabe em nenhuma das hipóteses do art.º 647/2 ou 3 do CPC, e por isso tem efeito meramente devolutivo; por fim, quanto à questão da admissibilidade da reconvenção, diz o seguinte, em síntese deste TRL:
i\ Na petição inicial o autor também pretendeu discutir não só a divisão de coisa comum do imóvel mas também a existência de créditos entre os consortes; o tribunal a quo veio a determinar que a tramitação desta acção especial não se compatibiliza com a tramitação a acção declarativa, pelo que aquelas pretensões do autor deviam ser apreciadas noutra acção comum e não neste processo especial, tendo a acção prosseguido confinada à discussão da divisão; existe, assim, uma questão de caso julgado formal, nos termos do regime do artigo 620 do CPC, que impede a procedência do recurso da ré, uma vez que a ré foi citada para a acção e tomou conhecimento daquela anterior posição e despacho do tribunal, e mais importante, dos seus fundamentos, sobre a inadmissibilidade processual, por inadequação, de qualquer cumulação de pedidos incluindo do próprio pedido de condenação do autor no pagamento de metade das prestações dos créditos bancários que a ré invoca na reconvenção, e não reagiu contra os fundamentos daquele despacho, podendo fazê-lo, e podendo fazê-lo até quando apresentou o presente recurso, pois muito embora o mesmo despacho tenha sido seja dirigido ao autor contra uma pretensão por ele apresentada, os seus fundamentos vinculam ambas as partes nestes autos e constituem caso julgado formal nos autos, como amplamente reconhecido entre nós. Tanto mais que é entendimento dominante que a força do caso julgado material abrange, para além das questões directamente decididas na parte dispositiva da sentença, as que sejam antecedente lógico necessário à emissão da parte dispositiva do julgado.
ii\ Face ao ocorrido, razões de igualdade processual levam a que o pedido reconvencional da ré não deva, neste quadro, ser julgado admissível por via da procedência do recurso, porque o pedido do autor em sentido contrário não o foi, pelo que a procedência do recurso produziria um resultado totalmente injusto e ao arredio de padrões de equidade.
iii\ Por questões de celeridade processual, face à situação processual existente, melhor servirá a justiça no caso concreto se o recurso for julgado improcedente, permitindo ao tribunal a quo concluir a divisão do imóvel pondo fim a um calvário que para o autor dura há já 15 anos, e a uma situação de manifesto benefício e locupletamento injustificado da ré durante esses 15 anos de utilização exclusiva do imóvel em seu proveito, sem prejuízo de, depois disso, em processo autónomo, as partes irem dirimir os seus créditos recíprocos que será longa.
iv\ A alternativa que é, por critérios de economia processual, de eficácia e de utilidade, plasmados no artigo 266/3 do CPC, admitir a discussão da reconvenção através da procedência do recurso, no caso concreto destes autos, constitui um factor de injustiça e de desigualdade entre as partes, para além de um factor de demora processual, de ineficácia e de inutilidade, pois que todas as questões relativas à questão central do processo de divisão estão e foram já decididas, designadamente sobre a fixação das quotas e da indivisibilidade do bem, sem necessidade de prosseguir a causa nos termos do processo comum, nem necessidade de ser aberta uma fase declarativa comum para esse propósito, tendo até sido já marcada a conferência a que alude o artigo 929/2 do CPC (e entretanto desmarcada, por a ré ter interposto o recurso e ter apresentado o mesmo como se tivesse efeito suspensivo, não o tendo), sendo que a reconvenção nunca poderia ser decidida dessa mesma forma. Ora, a reconvenção só seria admissível se, também ela, pudesse ser decidida nessa mesma forma.
v\ Ainda que assim não fosse, existe impossibilidade da compensação, e a pretensão do recurso da ré nunca poderia proceder pois viola o regime dos artigos 266/2-c do CPC e 847 do CC, dos quais decorre que para que a reconvenção seja admissível têm de estar em confronto direitos de crédito. Ora, o direito à divisão da coisa tem natureza real enquanto integra o conteúdo do direito de compropriedade, e não natureza creditícia, pelo que não é compensável com o direito de crédito invocado pela ré.
vi\ Ainda que assim não fosse, estaríamos perante uma compensação entre um direito de crédito de que a ré já seria titular à data da dedução da reconvenção, com um direito de crédito que o autor não tem presentemente, e que eventualmente poderá vir a adquirir futuramente em função do resultado da fase executiva do processo de divisão. Ora, uma compensação nesses termos, não é admitida pelo artigo 847 do CC, que pressupõe que a compensação só pode operar entre créditos existentes.
vii\ A improcedência do recurso é também uma questão de justiça relativa: a ré locupleta-se com o gozo exclusivo do imóvel desde o divórcio do casal (2010), imóvel que tem um valor de renda superior a 4.000€/mês, sem qualquer causa e sem qualquer contrapartida, e apenas a divisão da coisa comum porá fim à situação; a aceitação do pedido reconvencional, também tem por efeito prolongar mais tempo a situação de facto. Ora, o autor não a pode ver condenada processualmente a pagar aquilo a que tem direito, com a agravante do crédito do autor ser de valor superior ao crédito que a mesma: o autor não pode deduzir uma reconvenção à reconvenção, que seria o que materialmente seria justo acontecer, o que o TRL pode ponderar ao abrigo do dever de gestão processual (artigos 6 e 547 do CPC), por razões de justiça e de equidade.
viii\ Por estas mesmas razões, se o TRL tiver diferente entendimento quanto à admissibilidade da reconvenção, pede-se que não deixe de considerar, apontar e porventura decidir um outro caminho processual (que o autor não vislumbra) e que permita, com igualdade de armas, que toda a matéria que na réplica é invocada como créditos do autor sobre a ré seja considerada de forma a permitir o julgamento dos créditos cruzados do autor e da ré e sob a forma de condenação pois que o autor está convencido que o seu crédito sobre a ré é de valor superior que a ré terá sobre si (descontando, evidentemente, os valores verdadeiramente anormais que a ré literalmente atirou para a reconvenção).
ix\ A ser admitida a reconvenção da ré terão também de ser conhecidas todas as questões levantadas na réplica do autor.
A 15/04/2024 foi proferido despacho a admitir o recurso com subida em separado e com efeito meramente devolutivo e a convidar a ré a suprir a omissão na indicação das peças do processo de que pretende certidão para instruir o recurso, bem como a designar nova data para a conferência de interessados, com o objecto previsto no artigo 929/2 do CPC.
A 03/05/2024, a ré faz a indicação das peças do processo para instruir o recurso.
*
Apreciação:
Visto que a acção especial de divisão de coisa comum permite ao juiz vir a decidir, quando verificar que as questões não podem ser sumariamente decididas, mandar seguir os termos, subsequentes à contestação, do processo comum (art.º 926/3 do CPC), a jurisprudência está hoje praticamente estabilizada no sentido de o juiz dever autorizar (ao abrigo dos artigos 266/3, 37/2-3, 6 e 547, todos do CPC) a reconvenção – normalmente em situações que têm sido enquadradas nas hipóteses (b) e (c) do art.º 266/2 do CPC: quando o réu se propõe tornar efectivo o direito a benfeitorias ou despesas relativas à coisa cuja entrega lhe é pedida;  quando o réu pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor, - pois que vê nisso interesse relevante ou considera mesmo que a apreciação conjunta das pretensões é indispensável para a justa composição do litígio, fazendo-se, se necessário, adaptação do processado. Isto porque, se se vai acabar com a compropriedade, se considera que todas as questões conexas devem ser resolvidas de uma vez por todas, sem dar origem a novos processos.
Para além de todos aqueles já invocados ao longo de todo o relatório deste acórdão, vejam-se, ainda, por exemplo, os acórdãos (alguns já referidos): do TRE de 27/06/2024, proc. 58/23.4TBLAG.E1; do TRP de 06/06/2024, proc. 408/23.3T8VCD.P1; do TRP de 20/02/2024, proc. 183/22.9T8PNI-B.C1; do TRP de 27/11/2023, proc. 654/22.7T8PVZ-A.P1; do TRL de 28/09/2023, proc. 2212/21.4T8PDL.L1-6; do TRL de 13/07/2023, proc. 1845/20.0T8AMD-A.L1-7; do TRL de 11/05/2023, proc. 2772/22.2T8OER-A.L1-2; do TRG de 04/05/2023, proc. 121/22.9T8MNC-A.G1; do STJ de 28/03/2023, proc. 249/21.2T8VVC.E1.S1; do TRP de 28/03/2023, proc. 8188/21.0T8VNG.P1; do TRP de 8/11/2022, proc. 5744/20.4T8MTS.P1; do TRG de 13/07/2022, proc. 1889/21.5T8VCT.G1; do TRP de 30/06/2022, proc. 179/22.0T8OVR.P1; do STJ de 25/05/2021, proc. 1761/19.9T8PBL.C1.S1; do STJ de 26/01/2021, proc. 1923/19.9T8GDM-A.P1.S1; do TRP de 27/4/2021, proc. 5962/20.9T8VNG.P1; do STJ de 01/10/2019, proc. 385/18.2T8LMG-A.C1.S2; do TRE de 17/01/2019, proc. 764/18.5T8STB.E1; do TRG de 20/09/2018, proc. 242/17.0T8VPC-A.G1; do TRL de 15/03/2018, proc. 2886/15.5T8CSC.L1.L1-8; do TRL de 24/09/2015, proc. 2510/14.3T8OER-A.L1-2; do TRG de 25/09/2014, proc. 260/12.4TBMNC-A.G1.
No mesmo sentido, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, CPC anotado, vol. 1.º, 4.ª edição, Almedina, 2021, página 536, referem dois destes acórdãos; Miguel Teixeira de Sousa, também tem aderido a alguns acórdãos com a mesma posição [16/11/2023, Jurisprudência 2023 (52), ac. do TRL 2/3/2023 (102/22.2T8VLS.L1-2); 24/02/2022, Jurisprudência 2021 (140), ac. do TRL 8/6/2021 (13686/20.0T8LSB.L1-7); 06/12/2021, Jurisprudência 2021 (91), ac. do TRP 27/4/2021(5962/20.9T8VNG.P1)] e num comentário publicado no blog do IPPC, em 21/07/2021, Jurisprudência 2021 (17), ao ac. do TRP de 26/01/2021 (1509/19.8T8GDM.P1), aventa a possibilidade de enquadrar algumas das despesas reconvindas na alínea (a) do art.º 266 do CPC. Num outro – publicado em 11/04/2023, Jurisprudência 2022 (160), quanto ao ac. do TRG de 13/7/2022 (1889/21.5T8VCT.G1) - chama “a atenção para que o que estava em causa nos citados STJ 01/10/2019 e STJ 26/07/2021 era a admissibilidade de um pedido reconvencional de compensação de um crédito por despesas suportadas para além da quota respectiva. Faltou, portanto, dizer que o que vale para a admissibilidade desse pedido reconvencional também vale para a cumulação inicial de um semelhante pedido na acção de divisão de coisa comum.” Num outro, de 08/01/2021, Jurisprudência 2020 (122), quanto ao ac. do TRL de 25/6/2020 (329/18.T8FNC-A.L-8), desenvolve a defesa da admissibilidade da reconvenção no caso das benfeitorias, ao abrigo do art.º 266/2-b do CPC, com fundamentos que permitem a defesa ampla da admissibilidade da reconvenção para as situações que estão em causa em muitos outros daqueles acórdãos e ainda defende que não só a parte demandada pode reconvir, como o demandante pode cumular pedidos com o pedido da acção especial. Já no sentido defendido, mas em termos iniciais e menos desenvolvidos, veja-se ainda o comentário publicado em 24/04/2018, Jurisprudência 2018 (10), quanto ao ac. do TRL de 11/01/2018 (386-15.2T8MFR.L2-8).
Note-se que a solução é diferente para a situação inversa, isto é, quando se pretenda enxertar, num processo comum, um processo especial de divisão de um imóvel comum: acórdão do TRL de 13/09/2018, proc. 358/17.2T8SNT.L1-2 [do relator do actual], acórdão que não segue, assim, ao contrário do que por vezes se vê escrito, a posição de negar a admissibilidade da reconvenção neste processo especial, antes pelo contrário como se pode ver em obiter dictum dele constante (o acórdão foi publicado por Miguel Teixeira de Sousa, no que parece ser uma aceitação da posição seguida, a 20/12/2018, no blog do IPPC, 20/12/2018, Jurisprudência 2018 (140); veja-se também o já citado ac. do TRL de 17/06/2014, proc. 2548/12.TJLSB.L1-1 no mesmo sentido de na acção comum não poder ser enxertada uma acção especial de divisão).
Naturalmente, o que vale para empréstimos para pagamento do preço de aquisição, ou outros créditos conexos, como tem sido dito por aquela jurisprudência, com referência, por exemplo, a seguros, impostos, quotas de condomínio, etc., vale também para empréstimos, feitos por ambos, para pagamento de obras no prédio; a norma do art.º 266/2-c do CPC não faz qualquer restrição a créditos relativos à aquisição e as razões que têm sido dadas para a admissibilidade da reconvenção abrange uns e outros.
A jurisprudência que ia em sentido contrário tem sido revogada (por acórdãos do STJ em revistas excepcionais) e os argumentos dela, que no caso são defendidos pelo autor (numa fase posterior à 1.ª PI) e pelo despacho recorrido, têm sido sistematicamente afastados:
Assim, um dos fundamentos do despacho recorrido foi o de que “face aos elementos constantes dos autos, é possível proferir de seguida decisão sumária, […] posto que não está colocada em causa nem a compropriedade nem a indivisibilidade do imóvel.” Mas, ao pôr assim as coisas, o despacho recorrido não está a considerar tudo o que está nos autos, ou seja, também a contestação com a reconvenção. E esta omissão é o reconhecimento de que o está nos autos não permite a decisão sumária de todas as questões que eles levantam. Pelo que o raciocínio certo é o contrário: se as questões levantadas pela contestação, com a reconvenção, não puderem ser decididas sumariamente, tal não deve ser visto como impeditivo da admissibilidade da reconvenção, mas apenas como razão para que o processo não seja decidido sumariamente, devendo-se passar a seguir os termos de uma acção comum, onde se decidam também as questões que a reconvenção levanta, o que tem por pressuposto que esta seja admitida. Sendo que as questões que a contestação pode levantar, como diz o ac. do STJ de 28/03/2023, proc. 249/21.2T8VVC.E1.S1, são muito mais amplas do que a da fixação dos quinhões ou da divisibilidade: “a acção de divisão de coisa comum é o meio processual adequado a regular as relações jurídicas entre as partes, nomeadamente, os direitos de crédito relacionados com aquisição ou amortização de empréstimos bancários com vista à aquisição da coisa comum para além da respectiva quota. Tais questões não poderão deixar de ser enquadradas como ‘questões suscitadas pelo pedido de divisão’ já que é a cessação da indivisão do prédio que faz nascer o direito à repartição do valor do bem comum de acordo com as quotas dos comproprietários.”
Note-se que aquele fundamento do despacho recorrido vem, conforme nele referido, do ac. do TRL de 04/03/2010, proc. 1392/08.9TCSNT.L1-6, sendo que este acórdão é expressamente referido nos acórdãos do STJ de 01/10/2019, proc. 385/18.2T8LMG-A.C1.S2, de 26/01/2021, proc. 1923/19.9T8GDM-A.P1.S1, e de 28/03/2023, proc. 249/21.2T8VVC.E1.S1, já citados acima, que o afastaram com os argumentos acima sintetizados.
Outro fundamento do despacho recorrido é o de que “o alegado pela ré não releva para a determinação das quotas de que cada uma das partes é titular, da mesma forma que o alegado pelo autor no mesmo sentido não teve vencimento em acção pretérita que já correu termos entre as partes.” Mas isto é dar como certo o raciocínio anterior que já se demonstrou estar errado: na acção especial não interessa só decidir as questões específicas da acção, entre elas a fixação das quotas, mas tentar resolver tudo o que está conexo, de uma vez por todas, sem necessidade de outro processo. Isto é, o facto de a questão das quotas não ser discutida pela ré, não impede que a reconvenção levante outras questões que importa decidir, só depois se devendo entrar na fase executiva da acção especial. Aliás, como lembra o ac. TRL de 15/03/2018, proc. 2886/15.5T8CSC.L1.L1-8, “seguir desde logo para a conferência de interessados e atribuir as tornas ao comproprietário que não adjudica o prédio, calculadas apenas de acordo com as quotas respectivas, significa criar uma situação de impossibilidade de acordo [na conferência de interessados] quando um dos interessados invoca créditos sobre o requerente relativos ao próprio prédio, susceptíveis de fundamentar a compensação.
A seguir o despacho recorrido acrescenta uma variante do fundamento anterior: “os efeitos que advêm dos contratos celebrados com entidades terceiras, ou até os acordos estabelecidos entre o autor e a ré, podendo ter efeitos pessoais e obrigacionais, são irrelevantes para alterar a situação jurídica real (compropriedade relativa ao imóvel cuja divisão é peticionada), tal como se mostra descrita na petição inicial e comprovada pela documentação junta.”  Ora, repete-se, não importa que as quotas estejam fixadas, desde que a contestação, com reconvenção, levante outras questões que possam ter influência no resultado final do que cada uma das partes tem direito relativamente ao valor do prédio em compropriedade.
Outro fundamento do despacho recorrido consta apenas por transcrição do ac. do TRP de 26/01/2021, proc. 1509/19.8T8GDM.P1, repetindo muitos outros e sendo repetido por muitos outros: “o pedido reconvencional fundamentado em despesas alegadamente efectuadas apenas pela ré na aquisição e manutenção do imóvel cuja divisão se peticiona, […], com vista ao reconhecimento desse crédito sobre o autor a ser efectivado/compensado aquando da adjudicação ou venda do imóvel, não é admissível à míngua da não verificação de qualquer requisito substancial de conexão, cf. art.º 266/2 do CPC.”
Mas a jurisprudência actual tem sistematicamente respondido que os créditos que os réus possam ter, contra os autores, por pagamentos relacionados com os bens a dividir, feitos a mais para além do que seria devido pela quota de cada um, têm conexão com os direitos que afinal virão a ser reconhecidos ao autor, pois que estes, independentemente da forma que vierem a assumir, virão a ser afectados (reduzidos) devido à existência daqueles créditos (assim, no voto de vencido junto ao ac. do TRE de 07/03/2024, proc. 5182/21.5T8STB-B-E1: quando a ré refere que pretende ver reconhecido o seu crédito com o crédito de tornas que possa ser adjudicado a um dos comproprietários (onde se inclui o autor) uma vez que a fracção autónoma é indivisível (logo obriga a adjudicação ou venda), está a invocar um requisito substancial de conexão entre o pedido reconvencional e o pedido do autor. Isto porque ao intentar uma acção de divisão de coisa comum o autor está a formular um pedido abrangente e complexo, formado por tantos pedidos quantos caibam na fase declarativa e executiva desta acção especial, nomeadamente a adjudicação a si do imóvel ou a entrega a si de 1/2 do preço que terceiro pagar, e é sobre esse crédito que assenta o contra crédito da ré. Se a ré quer obter o pagamento do seu "sacrifício patrimonial" com a "vantagem patrimonial" do autor no momento da divisão do produto da venda, sendo ambos credores de metade, embora essa pretensão a um encontro de contas não constitua uma compensação em sentido estrito, cabe ainda assim na previsão da alínea (c) do artigo 266/2, na parte em que prevê a possibilidade de reconvenção para o reconhecimento de um crédito para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do autor.); e o ac. do STJ de 28/03/2023, proc. 249/21.2T8VVC.E1.S1, ainda lembra: II. Não impede o funcionamento do mecanismo da compensação a circunstância de os créditos do autor e da ré em relação ao bem comum serem ilíquidos no momento da formulação do pedido, já que o valor económico do direito de cada um deles só fica definido na conferência de interessados.
Por fim, pode-se entender que o despacho recorrido remete, em bloco, para os fundamentos do despacho que “indeferiu” a cumulação de pedidos pretendida pelo autor, mantendo esses fundamentos, pelo que se passam também a apreciá-los, sendo aliás só mais dois:
Um deles é o de que “a tramitação da acção especial de divisão de coisa comum não se compatibiliza com a tramitação de acção declarativa.” Mas, pelo contrário, a jurisprudência actual estabilizada responde que já que as normas do processo especial prevêem que, em dados casos, ele siga, a partir de determinado momento, os termos da acção comum, esta não é incompatível com ele (ac. do TRE de 17/01/2019, proc. 764/18.5T8STB.E1, com anotação concordante de Miguel Teixeira de Sousa, em 13/05/2019, Jurisprudência 2019 (18); acórdão do STJ de 01/10/2019, proc. 385/18.2T8LMG-A.C1.S2).
 Outro é o de que “os valores monetários em causa sempre implicariam a incompetência deste tribunal em razão do valor”. Mas não é assim, já que a variação de valor não tem, só por si, influência na competência do tribunal, desde que o processo especial continue a ser um processo especial, como no caso, em que se trata, apenas de um processo especial passar a seguir, a partir de determinado momento, os termos de um processo comum, sem se converter num processo comum (ac. do TRL de 16/02/2016, proc. 7415/14.5T8LSB-A.L1-1, e ac. do TRE de 09/07/2021, proc. 24/20.1T8RMZ.E1); num estudo de 18/01/2015 de MTS publicado no blog do IPPC, sobre o título conversão da forma do processo; perpetuatio fori, conclui-se no mesmo sentido: “Na área dos processos civis declarativos ou executivos, a única situação de translatio iudicii prevista na LOSJ é a que se encontra regulada no seu art.º 117.º, n.º 3: são remetidos à secção cível da instância central os processos pendentes nas secções da instância local em que se verifique alteração do valor susceptível de determinar a sua competência. Logo, há que concluir que, não havendo outra excepção à regra da perpetuatio fori no âmbito daqueles processos, a secção genérica da instância local não perde a sua competência pelo facto de o processo especial que nela foi proposto passar, a partir de certo momento, a seguir a forma comum.”
Quanto aos argumentos do autor:
i\ não existe qualquer decisão transitada em julgado; o que houve foi uma tramitação fora do normal a convencer o autor a “desistir” dos pedidos cumulados, seguindo-se uma nova petição sem esses pedidos e um despacho a dar seguimento à petição inicial; de qualquer modo, acrescente-se: um caso julgado, na formação do qual a ré não tivesse participado, nunca teria força contra esta, ou seja, nunca lhe poderia ser oposto; participação que só haveria se a petição tivesse sido indeferida, mesmo que parcialmente, e o autor tivesse interposto recurso contra tal despacho, sendo a ré chamada a tomar posição no recurso (artigos 629/3-c e 641/7 do CPC); a ré nunca poderia recorrer do despacho de 14/10/2021, não só porque este não decidiu nada, mas também porque ela não tinha nada a ver com tal despacho; por fim, nunca se pode falar de caso julgado material, como o faz o autor, quanto a um indeferimento liminar: artigos 619/1 e 590/1 do CPC e anotações respectivas de Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, CPC anotado, 2.º vol., 3.ª edição, Almedina, 2017, página 624; adiante-se, desde já, o seguinte: não havendo caso julgado, o mesmo também não pode ser oposto ao autor na apreciação da réplica.
ii\ fica afastado, face ao que se disse quanto a i\ (nem sequer há despacho).
iii\ pelo contrário, razões de celeridade (no caso especialmente importantes dado todo o processado, para o que contribui tudo aquilo para que o autor chama a atenção – nota-se que esta acção especial já está pendente há mais de três anos e diz respeito a um imóvel compropriedade de dois membros de um casal já separados há 15 anos) impõem que as pretensões da ré (e, aliás, também as do autor), sejam conhecidas desde já e não sejam deixadas para outro processo; o autor nada ganharia com isso, pois que a simples adjudicação ou venda do prédio, não deixaria definitivamente resolvidas as questões relativas às relações existentes entre eles, conexas com o prédio em causa. E, por isso, para o caso de o autor vir a ficar colocado numa situação de receber tornas devido à adjudicação do prédio à ré ou metade do valor da venda a terceiro, poderiam ser invocadas razões para impedir que o autor recebesse desde logo o dinheiro sem que aquelas questões fossem decididas.
iv\ o que consta na apreciação de i\ e iii\ afastam estes argumentos.
v\ e vi\ são duas variantes do fundamento da falta de conexão substancial, já apreciada quanto aos fundamentos do despacho recorrido.
vii\ o uso exclusivo da coisa comum por um dos dois consortes, casados no regime de separação de bens, já depois de separados de facto, contra a vontade do outro e sem título jurídico (um acordo ou uma decisão) que diga ou justifique outra coisa, pode dar ao último o direito à compensação por aquele uso. Trata-se de um direito de crédito. Como se diz num dos votos de vencido referidos a seguir: “De facto, estando provado que a ré usa o imóvel exclusivamente, como sua habitação, mesmo no caso de ser absolutamente licita tal ocupação ao abrigo do disposto no art.º 1406 do CC, nem por isso estaria a ré legitimada a fazer exclusivamente seus os proventos ou os frutos inerentes a tal uso. Um prédio urbano destinado à habitação, como é o caso, tem susceptibilidade de gerar frutos civis, designadamente na modalidade de rendas, as quais, como se tem entendido pacificamente, representam o valor do uso do imóvel. Na circunstância, alegou o autor e provou que esse valor é de 250.000$/mês. Logo, utilizando a ré exclusivamente e na sua integralidade a casa em questão da qual é apenas ‘comproprietária’, é evidente que terá de compensar o outro ‘comproprietário’ pelo valor de uso da quota que lhe pertence. […] Quer isto dizer que as vantagens proporcionadas pela coisa comum, assim como os encargos por ela determinados, serão repartidos entre os comproprietários de harmonia com a medida da fracção ideal de cada um deles no direito de propriedade sobre a dita coisa". Daí que ‘fixada a quota de cada contitular, fica indirectamente determinada a medida da sua participação nas vantagens e encargos da coisa.’ Assim sendo, permitindo a lei (art.º 1406) a actuação  isolada de um dos contitulares no uso da coisa (na falta de acordo), as vantagens que resultarem desse uso exclusivo, terão de ser repartidas entre todos os consortes na proporção das respectivas quotas, como determina o art.º 1405 do CC.” Direito este (que poderá ter de ter em conta as normas da compropriedade, do direito da família e do enriquecimento sem causa) que resulta do uso do prédio objecto desta acção, pelo que, o que vale para a admissão da reconvenção quanto aos eventuais direitos de crédito pelo que a ré pagou a mais pela aquisição do prédio, ou direitos de crédito conexos, valerá igualmente para este direito de crédito que o autor exerce na réplica. De outro modo, não se estariam a resolver, de uma vez por todas, todas as questões que podem vir a reduzir o direito de um dos compartes ao recebimento de tornas ou do valor da venda ou aumentar o valor das tornas que terá de pagar pela adjudicação do bem. Assim este fundamento do autor contra a procedência do recurso também não vale. Leva apenas a que se tenha que admitir que o autor possa deduzir tal pedido e que ele tenha de ser apreciado.
Veja-se a discussão sobre o direito em causa, por exemplo, nos acórdãos do STJ: de 18/11/2008, proc. 08A2620 com dois votos de vencido, não publicados na DGSI, mas publicados na CJSTJ2008/III, páginas 137 a 139; de 26/04/2012, proc. 33/08.9TMBRG.G1.S1; de 13/10/2016, 135/12.7TBPBL-C.C1.S1; de 27/04/2017, proc. 273/14.1TBSCR.L1.S1; e de 31/03/2022, proc. 756/20.4T8SXL.L1.S1; ac. do TRP de 06/06/2024, proc. 408/23.3T8VCD.P1; e Elsa Vaz de Sequeira, Comentário ao CC, Direito das coisas, UCP/FD/UCE, 2021, pág. 387.
A situação será diferente, quando o uso da coisa comum é invocado no âmbito de uma relação de liquidação emergente da cessação da união de facto: acórdãos do TRL de 13/07/2021, proc. 967/20.2T8CSC.L1-7; do TRL 24/03/2022, proc. 823/20.4T8CSC-A.L1-2; do TRP de 30/06/2022, proc. 179/22.0T8OVR.P1, e do TRL de 02/03/2023, proc. 102/22.2T8VLS.L1-2.
Em que termos é que a pretensão do autor pode ser aproveitada, no caso dos autos? O autor fala numa ampliação do pedido. Em casos idênticos, em que o autor acabou por não formular pedidos cumulados com a da acção de divisão, embora o pudesse fazer – o que aliás tentou fazer – (como defende Miguel Teixeira de Sousa, nos comentários já citados), o ac. do TRL de 28/09/2023, proc. 2212/21.4T8PDL.L1-6, diz: “Finalmente, quanto aos pagamentos […] prestações do crédito para aquisição da casa [….], pagas pela autora, em montante desconhecido – na linha do entendimento de Teixeira de Sousa, supra referido, nada impede que a autora venha demonstrar esses pagamentos.”; e o ac. do STJ de 26/01/2021, proc. 1923/19.9T8GDM-A.P1.S1, esclarece: “Por seu turno, à requerente fica sempre salvaguardada a possibilidade de, através de excepção de compensação até ao limite do pedido da reconvenção, requerer a compensação dos seus créditos perante o requerido. Esta é a solução que melhor se concilia com o regime plasmado nos artigos 266/2 e 584 do CPC, em ordem a assegurar o respeito dos princípios do contraditório e da igualdade de armas, em ordem a um processo equitativo para ambas as partes, sem prejuízo da possibilidade de ser intentada nova acção.”
A referência que este ac. do STJ faz ao art.º 584/1 compreende-se porque ele dispõe: “Função da réplica: Só é admissível réplica para o autor deduzir toda a defesa quanto à matéria da reconvenção, não podendo a esta opor nova reconvenção.” É também a este artigo que o autor se está implicitamente a referir ao dizer que não pode deduzir reconvenção contra a ré.
Há que notar, no entanto, que o art.º 266/3 do CPC, remete para o art.º 37/3 do CPC que dispõe que: “Incumbe ao juiz, na situação prevista no número anterior, adaptar o processado à cumulação autorizada.”
Ora, autorizada a reconvenção da ré contra o autor para que ela possa ver reconhecido o seu direito a um aumento de tornas ou do valor a receber no caso da venda do bem ou a uma diminuição do que terá de pagar no caso de o prédio lhe ser adjudicado, seria inaceitável, porque violador dos princípios citados no ac. do STJ, que não fosse reconhecido ao autor o mesmo direito com o mesmo âmbito  (isto é, para valer mesmo na parte em que eventualmente exceda o crédito da ré), apenas por uma razão formal processual, quando a própria norma processual que permite ao juiz autorizar a reconvenção lhe impõe que adapte o processo à cumulação autorizada.
Assim, não se vê qualquer obstáculo a que se reconheça que os pedidos do autor, que tenham o mesmo potencial efeito de diminuir os valores a pagar ou a aumentar os valores a receber, seja actuado através de uma contra reconvenção (e não de uma ampliação do pedido como pretendeu o autor). Até para que a ré tenha o direito de se defender desses novos pedidos. 
viii\ e ix\ - do dito em vii\, já decorre que, realmente, terá de ser aproveitada toda ou parte da matéria da réplica.
Posto isto, falta ver quais são os pedidos formulados pelas partes que podem ser aproveitados:
Em (i) a ré invoca um crédito contra o autor por ter sido ela a pagar 60.000€ de obras no imóvel, depois da sua demolição, com o saldo de uma conta bancária da ré. O autor diz que a ré não identifica as obras em causa, nem juntou quaisquer comprovativos, pelo que impugna essa factualidade.
A ré diz que tem um crédito por ter pago obras, como podia ter dito que tinha um crédito por ter celebrado um contrato. A simples referência a obras, como a simples referência a um contrato, sem o mínimo de concretização, não é suficiente para se ter a alegação dos factos essenciais dos quais nasce o crédito (art.º 552/1-d do CPC) – “dizer, por exemplo, que determinada obrigação deriva de diversos negócios entre as partes não basta à individualização da causa de pedir, tal como não basta dizer que se pretende o pagamento coercivo do preço duma compra e venda, duma quantia mutuada ou do montante acordado duma indemnização por facto ilícito. Embora nestes últimos casos se aponte já para uma norma jurídica, o que no 1.º caso não acontece, a total falta de concretização duma previsão legal leva a concluir que apenas a estatuição da norma, mas não a sua previsão, fica assim identificada”: Lebre de Freitas, Da falta da causa de pedir no momento da sentença final de embargos à execução titulada por documento de reconhecimento de dívida, publicado na ROA 2018, III/IV, págs. 746-747; outros exemplos do mesmo tipo podem ver-se na anotação 2 ao art.º 186 do CPC anotado, vol. 1, 4.ª edição, Almedina, 2021, págs. 374-375 - pelo que há ineptidão da reconvenção quanto a esta parcela, por falta de causa de pedir (art.º 186/1-a do CPC). Ineptidão que é insuprível (o juiz não pode convidar o autor a invocar uma causa de pedir que não se apresenta identificada  - mesmo autor, A acção declarativa, 5.ª edição, Gestlegal, 2023, páginas 175-176, ou no mesmo CPC anotado e volume, pág. 382, último § da anotação 5 ao art.º 186 do CPC). Pelo que a reconvenção, nesta parte, não é admissível.
A situação não tem comparação com a invocação, pela ré, de ter pago empréstimos para obras – a que se referem os outros créditos -, pois que aí a ré identifica, precisamente, os empréstimos que estão na origem desses créditos decorrentes dos pagamentos que ela diz terem sido efectuados só por si.
Em (ii), a ré invoca um crédito relativo a um projecto de arquitectura doado pelo tio dela. Mas, mais à frente, já diz que ele foi pago, o que demonstra, só por si, que a ré sabe que um bem que foi doado não é um pagamento que ela tenha feito a mais do que devia e que possa por isso ser considerado um crédito contra o autor. Pelo que a reconvenção também não é admissível quanto a este pedido.
Em (iii), a ré invoca pagamentos de empréstimos contraídos pelos dois, para obras no prédio que é dos dois e que, por tudo isso, deviam ser pagos em partes iguais pelos dois, mas que foram pagos, segundo diz, só por ela. Pelo que teria direito àquilo que pagou a mais (1/2 dos 198.856€ que diz ter pago). Trata-se da situação prevista no art.º 266/2-c do CPC. Aliás, o autor já falava neste crédito da ré na 1.ª petição inicial, mas só relativamente ao período durante o qual diz que foi a ré apenas a pagar os empréstimos (depois da separação de facto, partir, inclusive, de Fev2009), que não durante a duração de todos eles como pretende a ré.
Em (iv), a ré pretende ter um crédito contra o autor devido ao facto de as taxas de juros dos empréstimos em causa em (iii) terem tido bonificações, por a ré ser empregada do banco que concedeu os empréstimos, bonificações que seriam um complemento remuneratório. A ré não faz, para além do que antecede, qualquer construção para justificar a afirmação da existência de um crédito seu contra o autor devido a essa bonificação (nem sequer invoca o art.º 2/3b5 do CIRS). Sobretudo, ela não diz ter pago uma taxa de juro superior, pelo que não se pode dizer que o autor devesse ter pago metade dessa taxa superior. O autor poderá tido uma vantagem de pagar uma taxa de juro inferior à normal, ou seja, de ter uma despesa inferior, derivada da posição profissional da ré, mas não à custa da ré, pelo que nem como enriquecimento sem causa (art.º 473 do CC) se pode falar num crédito da ré sobre o autor. Pelo que a reconvenção também não é admissível quanto a este pedido.
Em (v) a ré invoca dois créditos, um pelo pagamento, apenas por si, de um empréstimo para obras, outro pela bonificação do juro do mesmo. Quanto à bonificação, vale o que foi dito quanto a (iv). Quanto ao empréstimo: o autor diz que o empréstimo, apesar de contraído pela ré e não pondo em causa ter sido para obras, foi pago por ambos até 2004. Ora, este empréstimo pode dar origem a um crédito da ré, nos mesmos termos dos que estão em causa em (iii), se tiver sido pago só pela ré. Pelo que a reconvenção deve ser admitida quanto a este crédito [ou seja, só quanto ao primeiro dos dois créditos em causa em (v), não o das bonificações, isto é, ½ dos 23.896€ que diz ter pago].
Quanto a (vi) a ré limita-se a invocar um crédito por benfeitorias. Vale aqui o mesmo que se disse quanto a (v). Há uma insuprível falta de causa de pedir. Pelo que a reconvenção não deve ser admitida quanto a este crédito.
Quanto ao pedido de juros de (vii): o crédito da ré resulta do direito de regresso (art.º 524 do CC): O devedor que satisfizer o direito do credor além da parte que lhe competir tem direito de regresso contra cada um dos condevedores, na parte que a estes compete. A obrigação correspectiva do autor, perante a ré, não tinha prazo certo para ser cumprido, pelo que o autor só se constitui em mora depois de ter sido interpelado para cumprir (art.º 805 do CC). Há, portanto, lugar a juros legais pela mora, mas apenas a partir da citação (art.º 806 do CC e 610/2-b do CPC). Nesta parte e com esta limitação, o pedido de juros é admissível.
Quanto à actualização de valores de (vii): trata-se de um crédito pecuniário da ré, derivado do direito de regresso, por ter pago a parte do autor nos empréstimos em que ele também era devedor; por força do princípio nominalista, do art.º 550 do CC, o cumprimento das obrigações pecuniárias faz-se em moeda que tenha curso legal no País à data em que for efectuado e pelo valor nominal que a moeda nesse momento tiver, salvo estipulação em contrário. Assim, o crédito não é actualizável: “O princípio nominalista significa, na prática, que o devedor se desobriga mediante a entrega ao credor da quantidade da espécie de moeda estipulado no título constitutivo da obrigação, independentemente da sua valorização ou desvalorização superveniente.” Vítor Hugo Ventura, Comentário ao CC, Direito das Obrigações, das Obrigações em geral, UCP/FD/UCE, 2018, Pág. 520. Assim, este pedido da reconvenção não é admissível.
*
Quanto aos créditos invocados pelo autor na réplica, cuja admissibilidade este TRL aprecia desde já por força do art.º 665/1 do CPC, já que o tribunal recorrido não o fez por ser uma questão prejudicada pelo rejeição total da reconvenção e este TRL está colocado na mesma situação em que o tribunal recorrido (se tivesse admitido a reconvenção o tribunal recorrido, sem mais, podia ter logo admitido também a pretensão do autor, sendo que a ré tinha tido a oportunidade de se pronunciar sobre a questão quando foi notificada da réplica):
Quanto à compensação pelo uso exclusivo do prédio pela ré, já se viu que é um alegado crédito do autor sobre a ré que está nas mesmas condições que os alegados créditos da ré sobre o autor (também aqui o autor “pretende o reconhecimento de um crédito, seja para obter a compensação seja para obter o pagamento do valor em que o crédito invocado excede o do réu – art.º 266/2-c do CC). Pelo que o pedido relativo a este crédito deve ser aceite, como contra reconvenção deduzida pelo autor contra a ré, para a qual a ré terá de ser notificada para apresentar a sua defesa.
Quanto aos pagamentos que alegadamente o autor fez a mais relativamente ao preço do imóvel, já está decidido com trânsito em julgado, ao menos na sentença que fixou as quotas e decidiu a indivisibilidade do prédio – já que não foi dela interposto recurso – que o autor e a ré têm 50%, cada um, no prédio, pelo que a questão não pode ser reaberta. É indiferente, pois, que o autor tenha pago uma maior parte do preço do que a correspondente à sua quota de 50%.
Aliás, os créditos que agora o autor invoca, a título principal ou subsidiário, não fazem sentido.
Quanto ao primeiro, “um crédito correspondente a 31,57% do valor que vier a ser atribuído ao imóvel nestes autos”, tal corresponderia a atribuir-lhe uma quota de 81,57% do valor actual do imóvel, quando o valor actual do imóvel resulta do preço da aquisição do mesmo e dos empréstimos para obras, tendo estes um valor superior ao preço da aquisição, e o autor só virá a pagar, no máximo, metade do valor dos empréstimos. Ou seja, é como se o autor estivesse a dizer que também pagou 81,57% nos empréstimos, o que está em contradição com o que ele próprio alega. Quanto ao crédito subsidiário, de 31,57% do preço de compra do imóvel, que é igual ao que o autor pagou a mais no preço de 19.000.000€, reconhecê-lo seria como obrigar a ré a pagar a parte correspondente no imóvel, apesar de, tal como consta da escritura e do registo, ela já a ter adquirido por força do declarado por ambos na escritura. E seria pôr em causa as quotas de 50% já fixadas na sentença não recorrida nesta acção de divisão. Pelo que esta pretensão do autor não pode ser admitida como parte da contra reconvenção.  
*
A questão da prescrição dos juros fica prejudicada devido à limitação da reconvenção da ré aos juros vincendos a partir da notificação da reconvenção ao autor.
*
Consequências da revogação do despacho
Revogado o despacho interlocutório, importa tirar as consequências para o processado posterior, fazendo-se as necessárias adaptações do disposto no art.º 195/2 do CPC. No caso, a revogação deste despacho interlocutório vai implicar a anulação do processado posterior na medida e só na medida que possa pôr em causa o que resulta da admissão da reconvenção e da contra reconvenção e o que decisão destas venha a resultar, o que não é o caso da decisão que fixou as quotas e a indivisibilidade do prédio (o post do Prof. Miguel Teixeira de Sousa, de 21/01/2016, no Blog do IPPC, Recurso de decisão interlocutória e suspensão do trânsito em julgado, desenvolve a questão chegando às seguintes conclusões, que têm de ser adaptadas ao caso: “Enquanto estiver pendente um recurso sobre uma decisão interlocutória de cuja decisão depende a correcção da sentença final, esta sentença não pode transitar em julgado; Depois do proferimento da decisão de recurso sobre a decisão interlocutória, pode verificar-se uma de duas situações: (i) O recurso interposto da decisão interlocutória é decidido contra o recorrente; nesta hipótese, a sentença final transita em julgado no momento do trânsito em julgado da decisão de recurso; (ii) O recurso interposto é decidido a favor do recorrente; nesta situação, há que aplicar, por analogia, o disposto no art.º 195.º, n.º 2, CPC: a procedência do recurso implica a inutilização e a repetição de todos os actos que sejam afectados por aquela procedência; entre esses actos inclui-se a sentença final.”)
*
Valor da acção e custas da acção e do recurso
À acção foi dado o valor equivalente ao valor patrimonial do imóvel. Ou seja, 208.553,40€, nos termos do artigo 302/2, sem prejuízo do artigo 299/4, ambos do CPC.
A reconvenção da ré tinha o valor de 620.009€.
A contra reconvenção do autor tinha o valor de: (i) 31,57% do valor que viesse a ser atribuído ao imóvel, sendo que na réplica não impugnou (veja-se o art.º 12) o artigo 13 onde a ré adiantava o valor de 1.411.600€, pelo que os 31,57% correspondem a 445.642,12€; (ii) 310.000€ - (50% de 82.300€) = 268.850€; no total de 714.492,12€.
O total destes três valores dá: 1.543.054,52€, que é o valor que a acção passa a ter.
A taxa de justiça devida por qualquer das partes, na acção, por este valor, seria de 16 x 102€ = 1632€ (sem contar com a remanescente), que ambas as partes já pagaram.
Da reconvenção da ré foram agora admitidos créditos no valor de 111.376€ [= ½ da soma dos quatro créditos referidos em (iii) e (v) que é de 222.752€].
Da contra reconvenção foi agora admitido o crédito (ii) de 268.850€.
O valor do recurso é de 620.009€ (e a taxa de justiça seria de 816€ para cada parte que elas pagaram) e o decaimento da ré no recurso é de 81,71% e o do autor é de 18,29%.
Da acção, já está decidido o valor de 506.633€ (620.009€ - 113.376€) + 445.642,12€ (= 714.492,12€ - 268.850€), ou seja 952.275,12€, sendo que o decaimento da ré é de 53,20% e o do autor é de 46,80%.
Fica por decidir, relativamente ao resto da acção, o valor de 590.779,40€ (= 208.553,40€ da divisão + 113.376€ da reconvenção da ré + 268.850€ da contra reconvenção do autor).
Não há qualquer razão para dispensar o pagamento do remanescente da taxa de justiça (art.º 6/7 do RCP). A acção e o recurso estão dentro da normalidade das coisas: nem excepcionalmente complicados de modo a justificar a aplicação da uma taxa excepcional, nem com uma simplicidade fora do normal, que justificasse fugir da taxa de justiça normal.
*
Pelo exposto, julga-se o recurso parcialmente procedente, revogando-se o despacho recorrido e qualquer acto posterior que possa pôr em causa o agora decidido e o que vier a decidido quanto às reconvenções, e em substituição do despacho recorrido admite-se a reconvenção da ré quanto aos empréstimos referidos em (iii) e primeira parte de (v) e juros do (vii) apenas desde a citação, da síntese da contestação da ré, rejeitando-se a reconvenção quanto ao demais.
Em substituição do tribunal recorrido, admite-se também, como uma contra reconvenção do autor contra a ré, o pedido de compensação ao autor pelo uso exclusivo do prédio pela ré e determina-se a notificação da ré para apresentar a sua defesa contra tal reconvenção, no prazo de 30 dias (naturalmente no tribunal de 1.ª instância, depois do trânsito em julgado deste acórdão, se e quando ocorrer).
O valor do recurso é de 620.009€.
Custas do recurso, na vertente de custas de parte, pelo autor em 18,29% e pela ré em 81,71%, sem dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
Valor da acção: 1.543.054,52€.
Custas (de parte) da acção, relativamente a 952.275,12€, pela ré em 53,20% e pelo autor em 46,80%, sem dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
Fica por decidir, relativamente ao resto da acção, o valor de 590.779,40€.

Lisboa, 12/09/2024
Pedro Martins
Susana Maria Mesquita Gonçalves
Vaz Gomes