EXTRADIÇÃO
PORTO RICO
LEGITIMIDADE DOS EUA
Sumário

I. Porto Rico é um Estado Livre associado aos Estados Unidos da América, encontrando-se os cidadãos porto-riquenhos sujeitos às leis federais americanas e sendo, pois, cidadãos norte-americanos.
II. Correndo o processo em Juízo Federal dos Estados Unidos para o Distrito de Porto Rico contra um cidadão também norte-americano, é aplicável a Convenção entre Portugal e os Estados Unidos da América do Norte sobre Extradição de Criminosos, assinada em Washington em 7/5/1908

Texto Integral

Acordam, em conferência, na 4ª secção Penal do Tribunal da Relação de Coimbra:

I. RELATÓRIO

O Ministério Público junto deste Tribunal da Relação, em 3/5/2024, invocando o disposto no artigo 50º, nº 2, da Lei nº 144/99, de 31 de Agosto, veio requerer a extradição para os EUA do cidadão norte-americano:

- AA, nascido em ../../1968 nos Estados Unidos da América, titular do passaporte nº ... EUA, residente na Rua ..., ...., ..., atualmente no EPR de ....

Para tanto, alegou :

Pelas autoridades dos Estados Unidos foi formulado em 22/02/2024 o pedido de emissão de mandados de detenção para detenção provisória de AA como acto prévio ao pedido formal de extradição para efeitos de procedimento criminal.

Tal pedido surgiu na sequência de, no dia 19 de Julho de 2023, um grande júri federal, convocado em San Juan, Porto Rico, ter apresentado a Acusação Criminal de nº 23-276 (SCC), imputando a AA os seguintes delitos:

1) Acusação nº 1: Fraude envolvendo títulos mobiliários, por infringir a secção 1348 do título 18 do Código dos EUA, que é punível com pena máxima de 25 anos de prisão;

2) Acusações nºs 2 a 4: Fraude eletrónica, por infringir a secção 1343 do título 18 do Código dos EUA, sendo cada uma punível com pena máxima de 20 anos de prisão.

Também se aplicam as disposições criminais relativas ao confisco previstas nas secções 982(a)(2)(A) do título 18 do Código dos EUA, a secção 853(p) do título 21 do Código dos EUA, e a secção 2461 (c) do título 28 do Código dos EUA.

Nesse mesmo dia 19 de Julho de 2023, o Juízo Federal dos Estados Unidos para o Distrito de Porto Rico emitiu um mandado de prisão contra AA fundamentado nas mencionadas acusações formais, o qual continua válido e é executável, pelo que o mesmo é procurado para responder no âmbito do referido processo do Juízo Federal dos Estados Unidos, no Distrito de Porto Rico.

Os factos que consubstanciam a imputação dos aludidos ilícitos penais terão sido praticados em território americano e traduzem-se no seguinte:

- desde Dezembro de 2016 até, aproximadamente, Abril de 2019, AA e outros, participaram num esquema para defraudar investidores da A..., um suposto fundo de cobertura que, segundo aquele afirmava, faria investimentos em produtos financeiros nos EUA, como derivados, acções ou outros produtos listados na bolsa de valores;

- para operar o esquema fraudulento, AA utilizou a conta XXXXXX4255 no banco Banco 1..., N.A. (Banco 1...), subsidiário do Banco 2...;

- ainda que as transferências eletrônicas e outros pagamentos, que AA recebeu ou depositou posteriormente, de investidores, nessa conta, tenham sido concedidos para investimentos em títulos mobiliários, aquele não investiu os fundos conforme as estipulações e, em vez disso, apropriou-se indevidamente desses valores para uso pessoal;

- a Universidad de Sagrado Corazon (USC), a Administración De Compensaciones por Automóviles (ACAA), e a Corporacion del Fondo Del Seguro del Estado (CFSE) - que investiram milhões de dólares com base em informações falsas e fraudulentas prestadas por AA, de que os valores seriam investidos em títulos mobiliários - foram vítimas do esquema;

- nomeadamente, a USC investiu $2.000.000 [dois milhões] em Julho de 2018; a ACAA investiu $2.000.000 [dois milhões] em Dezembro de 2018; e a CFSE investiu $3.000.000 [três milhões] em Abril de 2019;

- cada entidade transferiu eletronicamente os fundos para a conta de AA, com o nº XXX42555 no Banco 1..., N.A.;

- ele nunca transferiu nenhum dos fundos para a conta da A... no Interactive Brokers para que esses fossem investidos e, em vez disso, apropriou-se indevidamente desses fundos;

- em 2019, a CFSE, a USC e a ACAA procuraram obter a liquidação das suas contas, mas a A... nunca processou essas solicitações, apesar de constar nos folhetos promocionais que os investimentos principais poderiam ser remidos sem penalidades bastando uma notificação por escrito com aviso prévio de 30 [trinta] dias;

- por meio da A..., AA defraudou os investidores em aproximadamente $7.000.000 [sete milhões], e apropriou-se indevidamente de, pelo menos, $829.620,33 [oitocentos e vinte e nove mil, seiscentos e vinte, e trinta e três centavos].

Na legislação penal portuguesa, tais factos são susceptíveis de configurar a prática de crimes de burla qualificada, previstos e punidos pelos artigos 217º, nº 1 e 218º, nºs 1 e 2, al. a) do Código Penal Português, com pena de prisão (máxima) de 2 (dois) a 8 (oito) anos, e de manipulação do mercado, previstos e punidos pelo art. 379º, nºs 1 e 2 do Código dos Valores Mobiliários, com pena de prisão até 8 (oito) anos.

O requerido AA foi detido pela PSP ..., no dia 5 de Março de 2024, pelas 18h00, em ..., em cumprimento dos mandados de detenção emitidos no âmbito do Processo de Validação de Detenção nº 51/24.0YRCBR que correu termos pela 5ª Secção Criminal deste Tribunal da Relação de Coimbra com vista à sua extradição uma vez que era procurado pelas autoridades judiciárias norteamericanas para efeitos de procedimento criminal.

Ouvido no Tribunal da Relação de Coimbra em 7 de Março de 2024, no âmbito do Processo de Validação de Detenção nº 51/24.0YRCBR da 5ª Secção Criminal, foi validada a sua detenção, que ainda se mantém ao abrigo do disposto nos arts. 38º e 62º da Lei nº 144/99, de 31/08.

O arguido encontra-se, assim, provisoriamente detido desde essa data (detenção directamente solicitada), com prazo já prorrogado para 40 (quarenta) dias até à apresentação do pedido de extradição em juízo, perante a apresentação das autoridades dos EUA do pedido formal de extradição (cfr. despacho nesse sentido, proferido em 13/03/2024, no dito processo nº 51/24.0YRCBR).

Entretanto, os EUA solicitaram ao Estado Português a extradição do nacional e aqui requerido AA.

O Pedido Formal de Extradição foi atempadamente apresentado às Autoridades Portuguesas, tendo Sua Excelência a Ministra da Justiça, por despacho de 29 de Abril de 2024, considerado admissível o pedido de extradição, nos termos dos arts. 46º, nº 2 e 48º, nºs 1 e 2 da Lei nº 144/99 de 31 de Agosto.

Não se encontra extinto o procedimento criminal, por prescrição ou amnistia, quer nos termos da legislação portuguesa, quer nos termos da legislação dos EUA - cfr. art. 118º, nº 1, al. b) do Código Penal Português e secção 3282 do título 18 do Código dos EUA e artigo V da Convenção entre Portugal e os Estados Unidos da América do Norte sobre Extradição de Criminosos de 07/05/1908.

Não se verifica nenhuma das situações a que aludem os artigos 6º, 7º e 8º da Lei nº 144/99, de 31 de Agosto, inexistindo, assim, obstáculos ao prosseguimento do pedido uma vez que respeita a cidadão americano, os factos ocorreram em território dos Estados Unidos da América e não são puníveis com pena de morte nem com pena de prisão perpétua.

Não se encontra actualmente pendente perante os Tribunais Portugueses qualquer processo criminal contra o extraditando, por outros, ou pelos mesmos factos que fundamentam o presente pedido de extradição.

O pedido formal de extradição apresentado às autoridades portuguesas pelas autoridades dos EUA, baseado no princípio da reciprocidade previsto no art. 4º da Lei nº 144/99 de 31 de Agosto, satisfaz, portanto, os requisitos do disposto nos arts. 31º e 44º dessa lei.


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O requerido foi ouvido, nos termos do artigo 53º, nº 3 da citada Lei, conforme se alcança de fls. 94-97, por este Tribunal da Relação de Coimbra, no dia 8/5/2024, tendo declarado não consentir na sua extradição e, em 21/5/2024, apresentou a oposição de fls. 107 e ss, concluindo da seguinte forma :

A)

Porto Rico, enquanto Commonwealth, e Estado reconhecido pela Assembleia das Nações Unidas como Estado que se Auto Governa não está abrangido pela Convenção entre Portugal e os Estados Unidos da América do Norte sobre extradição de criminosos, assinada em Washington em 7/5/1908 e modificada em Washington em 14 de Julho de 2005 pelo que os Estados Unidos carecem de legitimidade para pedir a extradição do requerido para aquele território.

B)

O Requerido era um empresário de sucesso, do setor dos mercados financeiros que a partir de 2016 investiu em Porto Rico, primeiro pela gestão de aplicações e produtos financeiros e, ultimamente, pela criação de um banco privado.

Por ter constatado existirem vários esquemas de corrupção associados ao Governo e pessoas próximas de governantes iniciou, logo em 2016, a denuncia de diversos esquemas.

Em 2018 conheceu BB, representante do Congresso dos Estados Unidos nomeado para exercer funções de Coordenador de Revitalização do Conselho Federal de Supervisão e Gestão de Porto Rico, em articulação com o Governo Local.

Partilhavam as mesmas preocupações e requerido foi fonte direta de bastante informação obtida por este e partilhada com Agentes locais do FBI. Muitas das reuniões ocorreram na casa do requerido.

Constatando que o facto de colaborar com o FBI local passou a ser conhecido do Governo, procurou ajuda para denunciar as práticas dentro dos Estados Unidos. Contactou dois ex agentes que analisaram a informação e perante a pertinência dela a fizeram chegar a um agente da sua confiança.

A informação em causa envolve muitos políticos e empresários poderosos de Porto Rico e diz respeito a desvios na ordem dos biliões de dólares.

A sua colaboração com o FBI foi conhecida e por via dela foi divulgado, falsamente, que havia uma investigação pendente contra o requerido, o que não sucedia à data, para evitar que lhe pudesse ser garantida imunidade e que o requerido prestasse declarações sobre os crimes de que tinha conhecimento.

Ainda assim, mesmo sem imunidade, o requerido deu instruções aos dois ex agentes do FBI que o auxiliaram para entregarem as provas que tinha em seu poder, o que deu azo a investigações que estão pendentes.

O requerido pode ser uma peça chave na prova de tais investigações.

O seu pedido de extradição para Porto Rico, certamente a pedido das autoridades Porto Riquenhas e através dos meios diplomáticos Norte Americanos, é apenas um meio para conseguir a entrada no requerido no sistema prisional Porto-riquenho, onde rapidamente será “silenciado”.

Não tem dúvidas o requerido, pelo que conhece do país e das pessoas envolvidas, que a sua morte é pretendida e será executada.

Está em causa uma prática que tem sido comum a vários governantes todos do mesmo partido e que pretendem proteger-se e proteger o poder do partido.

Pelo que não temos dúvidas em entender que a situação em causa se enquadra nas alíneas c) (e b) ) do n.º 1 do artigo 6.º da Lei 144/99

C)

A pena em que o arguido incorre corresponde, na prática, a uma pena de prisão perpétua o que constitui um requisito geral negativo de cooperação internacional nos termos do disposto na alínea f) do n.º 1 do artigo 6.º da Lei 144/99

Termos em que se requer a V. Ex.a que se digne recusar a extradição de AA com base nos factos e fundamentos desta defesa, assim se fazendo a costumada, JUSTIÇA


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O Ministério Público respondeu à oposição deduzida, alegando em síntese :

Os porto riquenhos são por lei cidadãos dos EUA e estão sujeitos às leis federais.

O requerido é um cidadão norte americano e, nessa medida, os EUA podem pedir a sua extradição ao abrigo da Convenção entre Portugal e os Estados Unidos da América do Norte sobre Extradição de Criminosos.

Nos termos do art. 55º, nº 2 da Lei nº 144/99, de 31 de Agosto, a oposição à extradição só pode fundamentar-se em não ser o detido a pessoa reclamada ou em não se verificarem os pressupostos da extradição (cfr. designadamente arts. 6º a 8º e 32º, nº 1, als. a) e b) dessa lei).

A substância das provas ou o mérito das questões não são apreciadas pelo estado-requerido/Portugal, sendo isso matéria da competência exclusiva do estado-requerente. E é neste que o extraditando terá que se defender.

Não existe qualquer risco de agravamento da situação processual do requerido, sendo de se sublinhar que a recusa do pedido de cooperação com base em tal risco (prevista na alínea c) do art. 6º da Lei nº 144/99, de 31 de Agosto) pressupõe e exige que o risco de agravamento advenha da “sua raça, religião, sexo, nacionalidade, língua, das suas convicções políticas ou ideológicas ou da sua pertença a um grupo social determinado” - cfr. al. b) do art. 6º, para o qual remete a referida al. c) - o que não é o caso dos autos.

O extraditando AA encontra-se indiciado da prática de um crime de fraude envolvendo títulos mobiliários, punível com pena máxima de 25 anos de prisão, e de dois crimes de fraude electrónica, cada um punível com pena máxima de 20 anos de prisão.

A nenhum dos ilícitos corresponde pena de prisão ou medida de segurança com carácter perpétuo ou de duração indefinida


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Foi indeferida a inquirição das testemunhas arroladas pelo requerido e foi dado cumprimento ao disposto no artigo 56º, nº 2 da Lei nº 144/99.

O Ministério Público nesta Relação nada mais requereu ou alegou e o requerido não se pronunciou.


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Foram colhidos os vistos, após o que foram os autos à conferência.

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

1.Pelas autoridades dos Estados Unidos foi formulado em 22/02/2024 o pedido de emissão de mandados de detenção para detenção provisória de AA como acto prévio ao pedido formal de extradição para efeitos de procedimento criminal, tendo esse pedido sido enviado directamente à Procuradoria Geral da República de Portugal.

2. Esse pedido surgiu na sequência de, no dia 19 de Julho de 2023, um grande júri federal, convocado em San Juan, Porto Rico, ter apresentado a Acusação Criminal de nº 23-276 (SCC) (também referida como 3:2-cr-00276SCC) imputando a AA os seguintes delitos:

1) Acusação nº 1: Fraude envolvendo títulos mobiliários, por infringir a secção 1348 do título 18 do Código dos EUA, que é punível com pena máxima de 25 anos de prisão;

2) Acusações nºs 2 a 4: Fraude eletrónica, por infringir a secção 1343 do título 18 do Código dos EUA, sendo cada uma punível com pena máxima de 20 anos de prisão.

Também se aplicam as disposições criminais relativas ao confisco previstas nas secções 982(a)(2)(A) do título 18 do Código dos EUA, a secção 853(p) do título 21 do Código dos EUA, e a secção 2461 (c) do título 28 do Código dos EUA.

3. Nesse mesmo dia 19 de Julho de 2023, o Juízo Federal dos Estados Unidos para o Distrito de Porto Rico emitiu um mandado de prisão contra AA fundamentado nas mencionadas acusações formais, pelo que o mesmo é procurado para responder no âmbito do referido processo do Juízo Federal dos Estados Unidos, no Distrito de Porto Rico.

4. Os factos que consubstanciam a imputação dos aludidos ilícitos penais terão sido praticados em território americano e traduzem-se no seguinte:

- desde Dezembro de 2016 até, aproximadamente, Abril de 2019, AA e outros, participaram num esquema para defraudar investidores da A..., um suposto fundo de cobertura que, segundo aquele afirmava, faria investimentos em produtos financeiros nos EUA, como derivados, acções ou outros produtos listados na bolsa de valores;

- para operar o esquema fraudulento, AA utilizou a conta XXXXXX4255 no banco Banco 1..., N.A. (Banco 1...), subsidiário do Banco 2...;

- ainda que as transferências electrónicas e outros pagamentos, que AA recebeu ou depositou posteriormente, de investidores, nessa conta, tenham sido concedidos para investimentos em títulos mobiliários, aquele não investiu os fundos conforme as estipulações e, em vez disso, apropriou-se indevidamente desses valores para uso pessoal;

- a Universidad de Sagrado Corazon (USC), a Administración De Compensaciones por Automóviles (ACAA), e a Corporacion del Fondo Del Seguro del Estado (CFSE) - que investiram milhões de dólares com base em informações falsas e fraudulentas prestadas por AA, de que os valores seriam investidos em títulos mobiliários - foram vítimas do esquema;

- nomeadamente, a USC investiu $2.000.000 [dois milhões] em Julho de 2018; a ACAA investiu $2.000.000 [dois milhões] em Dezembro de 2018; e a CFSE investiu $3.000.000 [três milhões] em Abril de 2019;

- cada entidade transferiu eletronicamente os fundos para a conta de AA, com o nº XXX42555 no Banco 1..., N.A.;

- ele nunca transferiu nenhum dos fundos para a conta da A... no Interactive Brokers para que esses fossem investidos e, em vez disso, apropriou-se indevidamente desses fundos;

- em 2019, a CFSE, a USC e a ACAA procuraram obter a liquidação das suas contas, mas a A... nunca processou essas solicitações, apesar de constar nos folhetos promocionais que os investimentos principais poderiam ser remidos sem penalidades bastando uma notificação por escrito com aviso prévio de 30 [trinta] dias;

- por meio da A..., AA defraudou os investidores em aproximadamente $7.000.000 [sete milhões], e apropriou-se indevidamente de, pelo menos, $829.620,33 [oitocentos e vinte e nove mil, seiscentos e vinte, e trinta e três centavos].

5. O requerido AA foi detido pela PSP ..., no dia 5 de Março de 2024, pelas 18h00, em ..., em cumprimento dos mandados de detenção emitidos no âmbito do Processo de Validação de Detenção nº 51/24.0YRCBR que correu termos pela 5ª Secção Criminal deste Tribunal da Relação de Coimbra com vista à sua extradição uma vez que era procurado pelas autoridades judiciárias norte-americanas para efeitos de procedimento criminal.

6. Ouvido no Tribunal da Relação de Coimbra em 7 de Março de 2024, no âmbito do Processo de Validação de Detenção nº 51/24.0YRCBR da 5ª Secção Criminal, foi validada a sua detenção, que ainda se mantém.

7. O requerido encontra-se detido desde essa data, com prazo já prorrogado para 40 (quarenta) dias até à apresentação do pedido de extradição em juízo, perante a apresentação das autoridades dos EUA do pedido formal de extradição.

8. Entretanto, os EUA solicitaram ao Estado Português a extradição do nacional e aqui requerido AA.

9. O Pedido Formal de Extradição foi atempadamente apresentado às Autoridades Portuguesas, tendo Sua Excelência a Ministra da Justiça, por despacho de 29 de Abril de 2024, considerado admissível o pedido de extradição, nos termos dos arts. 46º, nº 2 e 48º, nºs 1 e 2 da Lei nº 144/99 de 31 de Agosto.


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Não resultou provado o demais alegado nos autos, sendo que, ou se trata de matéria de direito ou, como se verá infra, são factos absolutamente indiferentes para a decisão a proferir.


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Os factos descritos supra têm por fundamento :

- pontos 1, 5, 6 e 7, o apenso de validação da detenção nº 51/24.0YRCBR

- pontos 2 a 4, a acusação e o mandado de prisão, ambos de 19/7/2023, cuja tradução se mostra junta a fls. 55 a 62

- pontos 8 e 9, o pedido de extradição cuja tradução está junta a fls. 46 a 52 e o despacho de fls. 80 e 81.

III. APRECIAÇÃO DO PEDIDO

Nos presentes autos de extradição o Ministério Público promove o cumprimento do pedido de extradição do requerido AA, com origem nos Estados Unidos da América, para procedimento criminal.

A extradição comporta uma fase administrativa e, numa segunda fase, existe um processo judicial, no qual o Tribunal de segunda instância avalia os fundamentos do pedido do Estado requerente de entrega de uma pessoa que se encontra no território daquele, para efeitos de procedimento criminal ou para cumprimento de pena ou medida de segurança privativas da liberdade (artigo 46º da Lei nº 144/99, de 31/8, que aprova a lei da cooperação judiciária internacional em matéria penal).

Conforme resulta do artigo 229.º do C.P.P., «… a extradição, a delegação do procedimento penal, os efeitos das sentenças penais estrangeiras e as restantes relações com as autoridades estrangeiras relativas à administração da justiça penal são reguladas pelos tratados e convenções internacionais e, na sua falta ou insuficiência, pelo disposto em lei especial e ainda pelas disposições deste livro.».

De acordo com o artigo 3º, com referência ao artigo 1º, ambos da Lei nº 144/99, a extradição rege-se pelas normas dos tratados, convenções e acordos internacionais que vinculem o Estado Português, só havendo lugar à aplicação da lei da cooperação, na falta desses instrumentos internacionais ou na sua insuficiência.

A oposição do requerido à sua extradição assenta em três argumentos :

3.1. Jurisdição dos Estados Unidos da América para requerer a extradição do requerido para Porto Rico :

A primeira objecção do requerido prende-se com o estatuto de Porto Rico e a «legitimidade» dos Estados Unidos da América para solicitar a sua extradição.

Argumenta o requerido que Porto Rico não é um estado dos Estados Unidos, tem um governo autónomo e plena autoridade legislativa, embora associado voluntariamente aos EUA, pelo que não se lhe aplica a Convenção entre Portugal e os Estados Unidos da América sobre extradição.

No caso em apreço, verificamos que quem solicitou a extradição do requerido, que é cidadão norte-americano, foram os Estados Unidos da América, ao abrigo de um processo que corre termos no Juízo Federal dos Estados Unidos para o Distrito de Porto Rico, encontrando-se aquele acusado da prática de quatro crimes previstos no código dos Estados Unidos da América.

É verdade que Porto Rico, cujo nome oficial é Estado Livre Associado de Porto Rico, não é um dos 50 estados dos Estados Unidos da América, sendo antes um Estado Livre Associado (aos EUA) .

Este estatuto decorre da sua Constituição que vigora desde 25/7/1952, e implica que, embora tenha governo e assembleia legislativa próprios, elege um representante para a Câmara dos Deputados dos EUA e os porto-riquenhos são cidadãos norte-americanos, apesar de não votarem nas eleições presidenciais, estando, por isso, sujeitos às leis federais americanas.

Por outro lado, a organização do poder judicial reparte-se entre um Tribunal Superior e diversos tribunais, sendo os juízes nomeados pelo Governador com o consentimento do Senado. Para ser nomeado juiz do Tribunal Supremo, tem de se ser cidadão dos EUA ou de Porto Rico – cfr. o Artigo V da Constituição de Porto Rico.

Tendo em atenção que o Estado requerente da extradição do requerido são os Estados Unidos da América, o argumento de que Porto Rico tem legislação própria para os processos de extradição (a Lei nº 4 de 24/5/1960), não interfere com a presente decisão.

Também é indiferente à decisão que ora se profere que Porto Rico disponha de um código penal que, como bem refere o requerido na sua oposição, se aplica aos crimes consumados ou tentados dentro do território do Estado Livre Associado de Porto Rico – cfr. o seu artigo 3º.

Isto, na medida em que os crimes imputados ao requerido na acusação criminal nº 23-276 (SCC) estão previstos no Código dos EUA, pois a mesma foi proferida num processo que corre termos no Juízo Federal dos Estados Unidos para o Distrito de Porto Rico !

Ora, sendo o requerido cidadão dos EUA, dúvidas inexistem de que é aplicável a Convenção entre Portugal e os Estados Unidos da América do Norte sobre Extradição de Criminosos, assinada em Washington em 7/5/1908 e ratificada em Portugal por Carta Régia em 21/9/1908, alterada e completada pelo Instrumento entre a República Portuguesa e os Estados Unidos da América, feito em Washington em 14/7/2005, conforme o nº 2 do artigo 3º do Acordo entre a União Europeia e os Estados Unidos da América sobre extradição, assinado em 25/6/2003, e o seu Anexo feito em 14/7/2005 (aprovado pela Resolução da Assembleia da República nº 46/2007, de 10/9).

Analisando o Artigo I deste último instrumento, que substituiu o artigo 2º daquela Convenção de Extradição bilateral, verificamos que os crimes pelos quais o requerido se encontra acusado admitem extradição :

Aquele Artigo I, nº 1 prevê o seguinte :

«As infracções admitem extradição quando, nos termos da lei dos Estados requerente e requerido, sejam puníveis com pena privativa da liberdade por um período máximo de mais de um ano ou com pena mais grave. Também admitem extradição as infracções que consistam na tentativa, na cumplicidade ou na comparticipação na prática de uma infracção que admita extradição. Quando o pedido se refira à execução de uma sentença sobre uma pessoa condenada pela prática de uma infracção que admite extradição, o período de privação da liberdade por cumprir deve ser de, pelo menos, quatro meses.».

Na verdade, a fraude envolvendo títulos mobiliários é punível com pena máxima de 25 anos de prisão e cada fraude electrónica é punível com pena máxima de 20 anos de prisão.

Perante a nossa legislação, os crimes imputados ao requerido são puníveis com pena de prisão de 2 a 8 anos (a burla qualificada) e com pena de prisão até 8 anos (a manipulação de mercado).

Depois, os ilícitos em questão não se mostram prescritos em face, quer da lei norte americana, quer da nossa lei – cfr. o artigo 5º, a contrario da Convenção entre Portugal e os Estados Unidos da América do Norte sobre Extradição de Criminosos.

Não existe qualquer processo pendente contra o requerido que, nos termos do artigo 6º da Convenção, determine o diferimento da sua entrega, ou que, nos termos do Artigo III do Instrumento  feito em 14/7/2005, possa conduzir à sua entrega temporária.

Acresce que, de acordo com o artigo 11º, 1º parágrafo da Convenção entre Portugal e os Estados Unidos da América do Norte sobre Extradição de Criminosos, as suas cláusulas têm aplicação a Porto Rico. Na verdade, ali se dispõe que « As clausulas da presente convenção serão aplicáveis a todo e qualquer território pertencente quer a uma quer a outra Parte Contratante, ou que esteja na sua ocupação ou dependência, enquanto durar essa ocupação ou dependência.».

Por último, a circunstância de, quer Portugal, quer Porto Rico, fazerem parte da Rede Ibero-Americana de Cooperação Jurídica Internacional, também não tem influência no caso presente, pois tal apenas significa que em ambos os países há pontos de contacto para aquelas matérias, que facilitam a cooperação.

Tudo visto, improcede esta parte da oposição do requerido, uma vez que os Estados Unidos têm jurisdição no caso concreto, para solicitar a extradição de um seu nacional no âmbito de um processo pendente no  Juízo Federal dos Estados Unidos para o Distrito de Porto Rico.

 

3.2. Risco de vida do requerido caso seja extraditado para Porto Rico :

Continua o requerido a sua oposição, argumentando que a sua extradição para Porto Rico coloca a sua vida em causa – ao contrário do que sucederia caso fosse extraditado para os EUA -, uma vez que colaborou com o FBI na denúncia da corrupção governamental de Porto Rico.

Em primeiro lugar, diremos que estamos no âmbito de um processo de cooperação judiciária internacional entre Estados de Direito Democráticos.

De acordo com a Constituição de Porto Rico, o seu sistema democrático assenta na subordinação do poder político aos direitos humanos, considerando como factores determinantes da vida dos porto-riquenhos, a cidadania dos EUA, a lealdade de Porto Rico aos postulados da Constituição Federal (americana), a fé na Justiça, entre outros – cfr. o seu preâmbulo.

 Mais, a Constituição de Porto Rico consagra os princípios fundamentais da igualdade e da não discriminação – cfr. o seu Artigo II, secção 1; da proibição da pena de morte – cfr. o seu Artigo II, secção 7; do direito a um julgamento rápido e imparcial e da presunção de inocência – cfr. o artigo II, secção 11; da proibição de castigos cruéis e da legalidade – cfr. o seu Artigo II, secção 12; do habeas corpus – cfr. o seu Artigo II, secção 13.

Deste modo, torna-se claro que as autoridades de Porto Rico não deixarão de assegurar, de forma integral, o respeito pelos direitos fundamentais do requerido, se e quando extraditado para aquele território.

Ou seja, não se vê que a extradição solicitada coloque em risco a integridade física ou a vida do requerido .

Por outro lado, dado que o Estado requerente da presente extradição são os Estados Unidos da América, e que são aplicáveis em Porto Rico as leis federais americanas, considerando que os EUA, de acordo com os compromissos internacionais que assinou, estão francamente comprometidos com a defesa da dignidade da pessoa humana e a recusa da tortura e de tratamentos desumanos, existe a garantia de que, na sequência da extradição do requerido, este será tratado em respeito por tais compromissos.

Quanto às causas de recusa da extradição, sendo a Convenção entre Portugal e os Estados Unidos da América do Norte sobre Extradição de Criminosos e o Instrumento entre a República Portuguesa e os Estados Unidos da América, feito em Washington em 14/7/2005, omissos quanto a essa matéria, torna-se aplicável o disposto no artigo 55º, nº 2 da Lei nº 144/99.

Dispõe este normativo que, «A oposição só pode fundamentar‐se em não ser o detido a pessoa reclamada ou em não se verificarem os pressupostos da extradição.».

Os pressupostos da extradição estão previstos negativamente nos artigos 32º e 6º a 8º do mesmo diploma legal, destacando aqui o que dispõe o artigo 6º, als. b) e c).

Assim:

O pedido de cooperação é recusado quando existir risco de agravamento da situação processual de uma pessoa em virtude da sua raça, religião, sexo, nacionalidade, língua, das suas convicções políticas ou ideológicas ou da sua pertença a um grupo social determinado.

Nitidamente, a situação alegada pelo requerido não integra este motivo de recusa da extradição, como não integra qualquer um dos restantes requisitos gerais negativos de cooperação internacional previstos na Lei.

Nestes termos, improcede o segundo argumento invocado como fundamento de recusa do pedido de extradição formulado.

3.3. Aplicação de prisão perpétua .

Em terceiro e último lugar, o requerido deduz oposição à sua extradição, invocando que, na prática, a mesma conduz à sua sujeição a pena de prisão perpétua, considerando a sua idade e que no sistema norte-americano as penas aplicadas aos vários crimes são cumuladas.

Nos termos do nº 4 do artigo 33º da nossa Constituição, «Só é admitida a extradição por crimes a que corresponda, segundo o direito do Estado requisitante, pena ou medida de segurança privativa ou restritiva da liberdade com carácter perpétuo ou de duração indefinida, se, nesse domínio, o Estado requisitante for parte de convenção internacional a que Portugal esteja vinculado e oferecer garantias de que tal pena ou medida de segurança não será aplicada ou executada.». Isto, na medida em que o artigo 30º, nº 1 proíbe a existência de «penas ou medidas de segurança privativas ou restritivas da liberdade com carácter perpétuo ou de duração ilimitada ou indefinida».

Também a Lei nº 144/99, no seu artigo 6º estipula que «1- O pedido de cooperação é recusado quando:

(…)

f) Respeitar a infração a que corresponda prisão ou medida de segurança com carácter perpétuo ou de duração indefinida »

Conforme já se deixou expresso atrás, os crimes imputados ao requerido na acusação criminal nº 23-276 (SCC) que corre termos no Juízo Federal dos Estados Unidos para o Distrito de Porto Rico, são puníveis com pena máxima de 25 anos de prisão (a fraude envolvendo títulos mobiliários) e com pena máxima de 20 anos de prisão (cada fraude electrónica).

Ou seja, nenhum dos ilícitos é punível com prisão perpétua.

Subscrevendo aqui o que consta do Acórdão do S.T.J. de 21/12/2023, processo 2189/23.1yrlsb.S1, relatado pela Conselheira Albertina Pereira, in www.dgsi.pt, «A prisão perpétua decorre da prolação de uma sentença que aplica uma pena de prisão da qual resulta, objectivamente, que a pessoa condenada deve permanecer na prisão pelo resto de sua vida natural, até que venha a falecer de causas naturais e daí o seu carácter perpétuo. Esse carácter perpétuo não depende, como o recorrente sustenta, da sua idade à data da aplicação da pena e da sua expectativa de vida.».

Por outro lado, embora sejam diferentes as regras relativas ao cúmulo das penas, a nossa lei constitucional não impõe que não seja ultrapassado o limite máximo de prisão previsto no nosso ordenamento jurídico, de 25 anos de prisão, conforme resulta do artigo 41º, nºs 2 e 3 do C.P..

Neste sentido, veja-se o Acórdão do S.T.J. de 13/7/2016, processo 797/16.6yrlsb.S1, relatado pelo Conselheiro Raul Borges, in www.dgsi.pt.

Em face do exposto, conclui-se igualmente pela improcedência da presente questão.

V. DECISÃO

Nestes termos e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes que compõem a 4ª Secção Penal do Tribunal da Relação de Coimbra em deferir o pedido formulado pelo Ministério Público e, consequentemente, autorizar a extradição de AA, para procedimento criminal pelos factos descritos na acusação criminal nº 23-276 (SCC) que corre termos no Juízo Federal dos Estados Unidos para o Distrito de Porto Rico.

Sem custas - artigo 73º, nº 1, da Lei nº 144/99, de 31/8, sem prejuízo do disposto no artigo 9º da Convenção de Extradição entre Portugal e os Estados Unidos da América do Norte sobre Extradição de Criminosos.

Notifique e comunique, nomeadamente à Procuradoria-Geral da República.

Coimbra, 28 de Junho de 2024


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(Helena Lamas - relatora)



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(Maria José Guerra)



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(Cândida Martinho)