INVENTÁRIO SUBSEQUENTE A DIVÓRCIO
REMESSA PARA OS MEIOS COMUNS
TITULARIDADE DE IMÓVEL
INCOMPETÊNCIA MATERIAL
JUÍZO DE FAMÍLIA E MENORES
JUÍZO CENTRAL CÍVEL
Sumário

I – A competência material para a ação declarativa de condenação, intentada na sequência da suspensão de inventário para separação de meações, subsequente a divórcio, por força da remessa para os meios comuns da decisão da questão inventarial controvertida, cabe por regra aos juízos de família e menores.
II – Porém, não será assim se a situação decidenda vai para além da partilha de determinado bem e cuja averiguação/resolução se impõe a outros intervenientes processuais (não apenas os ex-cônjuges), o que exclui a competência material daqueles juízos.
III – É o que ocorre num caso em que, para se concluir que um bem deverá ser sujeito à partilha, se impõe averiguar, previamente, da aquisição do mesmo, por parte dos ex-cônjuges, com base na usucapião e/ou acessão industrial imobiliária, numa, alegada, relação jurídica e factual em que também serão intervenientes terceiros, âmbito em que a competência cabe, por isso, aos juízos cíveis.

Texto Integral

Relator: Arlindo Oliveira
Adjuntos: Catarina Gonçalves
Helena Melo

           

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

AA, com intervenção principal provocada de BB, também conhecido como CC, instaurou a presente acção declarativa de condenação, com processo comum contra a Herança Ilíquida e Indivisa por óbito de CC, representada pelos herdeiros:

DD;

EE e esposa FF;

GG e marido HH;

II e esposa JJ;

KK e esposa LL e;

MM e mulher NN,

Já todos identificados nos autos, formulando os seguintes pedidos:

que a ação seja julgada procedente, e em consequência:

a) Condenar todos os RR. a reconhecer que a A. e o Chamado são legítimos exclusivos proprietários do prédio urbano que corresponde à casa de habitação por estes construída na pendência do casamento, e id. em 4.º desta PI.

b) Condenar os RR a reconhecer que o referido prédio urbano (casa de habitação) foi construído sobre a parcela de terreno para construção id. em 6.º e ss da PI, a qual foi cedida ao extinto casal para o efeito, a qual provém do prédio rustico indicado em 9.º e 11.º da PI.

c) Condenar os RR a reconhecer que tal parcela de terreno se encontra devidamente autonomizada e distinta do prédio rustico da qual provém, devendo ser objeto de inscrição autónoma; e, caso haja necessidade de, para além da Sentença ser formalizada a referida autonomização, serem os RR condenados a tudo praticarem para que a mesma se concretize, e permitirem à A. a prática de ato tendentes a essa formalização, a fim de se proceder à inscrição

de tal parcela como prédio autónomo, ser por via de procedimento de autonomização seja por via de destaque.

d) Se declare transmitido para a A. e o Chamado, por acessão industrial imobiliária, o direito de propriedade sobre a parcela de terreno de 4145m2, que inclui a construção nele implantada, pagando estes o valor que a parcela tinha antes da obra, à herança representada pelos 1.ºs RR, o valor de €250, atualizado a partir de 1983 de acordo com os índices de preços no consumidor calculados pelo INE;

Subsidiariamente, se declare transmitido para a A. e o Chamado, por acessão industrial imobiliária, o direito de propriedade sobre a parcela de terreno de 900m2, que inclui a construção nele implantada, pagando estes o valor que a parcela tinha antes da obra, à herança representada pelos 1.ºs RR, o valor de €150, atualizado a partir de 1983 de acordo com os índices de preços no consumidor calculados pelo INE; ou, se declare transmitido para a A. e o Chamado, por acessão industrial imobiliária, o direito de propriedade sobre a totalidade do prédio rustico id. nesta PI, que inclui a construção nele implantada, pagando estes o valor que o prédio rustico tinha antes da obra, à herança representada pelos 1.ºs RR, e aos 2.ºs RR do valor de €350, nas respetivas proporções, atualizado a partir de 1983 de acordo com os índices de preços no consumidor calculados pelo INE.

e) Em alternativa, se porventura não funcionasse o instituto da acessão, sempre deverá ser reconhecido ao extinto casal um direito de crédito sobre a herança representada pelos 2.ºs Réus e sobre os 3.ºs Réus, no valor da benfeitoria – casa de habitação, muros e demais arranjos exteriores – ali edificada pelo extinto casal, direito de credito esse nunca inferior a €200.000,00 (duzentos mil euros), nas respetivas proporções.

f) Determinar que, a requerimento da A., sejam cancelados registos que, eventualmente, afetem o seu direito de propriedade da A. e do Chamado, sobre os prédios identificados nesta PI.

g) Serem os Réus condenados nas custas legais, na respetiva proporção encontrada. Seguindo-se os demais termos até final.

Alegou para tanto e em resumo, que:

- foi casada com o chamado, BB, tendo esse casamento sido dissolvido por divórcio decretado por sentença transitada em julgado.

- a autora e o chamado, na constância do casamento, construíram a expensas suas, uma casa de habitação, em terreno que era pertença dos pais do chamado, que tal autorizaram e que ainda não se encontra inscrita na respectiva matriz.

- casa e logradouro que sempre utilizaram, como seus proprietários.

- na sequência de inventário para separação de bens subsequente ao divórcio, foram a autora e o chamado, remetidos para os meios comuns, no que respeita à titularidade da referida casa de habitação, na sequência do que a autora instaurou a presente ação.

*

No que ao presente recurso interessa, a ré DD, arguiu a excepção de incompetência material do tribunal recorrido, atribuindo-a ao Tribunal de Família e Menores, com o fundamento em que se trata de questão conexa com a partilha e, por isso, ser da competência dos tribunais de família.

Foi proferido despacho saneador, no qual se julgou improcedente a invocada excepção de incompetência material e se decidiu atribuir tal competência ao Juízo Central Cível ....

Bem como, igualmente, se julgou improcedente a excepção de prescrição do direito a que se arroga a autora, invocada pelo interveniente, com o fundamento em que a autora assenta o seu direito no enriquecimento sem causa, cujo prazo já decorreu.

Inconformada com tal decisão, dela interpôs recurso a ré DD, recurso, esse, quanto a estas duas questões, (dado que a mesma ré pretendia recorrer de outra duas excepções dilatórias), admitido como de apelação, com subida, imediata, em separado e com efeito meramente devolutivo (cf. despacho de fl.s 67 v.º/68), finalizando as respectivas motivações, com as seguintes conclusões:

I. A A. e chamado foram casados, casamento esse que foi dissolvido por divórcio decretado por sentença de ../../2007, já transitada.

II. Na sequência de tal facto, foi requerido inventário para partilha dos bens comuns (Inventário nº 626/10....);

III. O imóvel identificado nos autos (casa de habitação) não foi partilhado no referido processo inventário, tendo os ali interessados sido remetidos para os meios comuns.

IV. Com a presente ação a A. pretende ver dirimido o conflito que envolve um bem imóvel, que a mesma reputa ser bem comum do extinto casal formado por si e pelo chamado.

V. Assim, estando em litígio direitos relativos a bens relacionados em inventário para separação de meações, cuja definição foi remetida para os meios comuns, o tribunal competente em razão da matéria é o tribunal de família e menores e não os juízos cíveis.

VI. De harmonia, com o estatuído no nº 2 do artigo 122º da mesma Lei de Organização Judiciária, os Juízos de Família e Menores exercem ainda as competências que, a lei confere aos interessados nos processos de Inventário instaurados, em consequência, de separação de pessoas e bens e divórcio.

VII. Assim, parece, estarmos perante uma causa que tem conexão com matérias que contendem com “as tradicionais e marcantes particularidades do estado de casado”, as especificidades da “comunhão conjugal” – vide Ac. Relação de Coimbra, 16-05-2023 – Relator Desembargador Fonte Ramos, disponível em www.dgsi.pt.

VIII. Na verdade, está em causa um direito de que a A. se arroga e incidirá, segundo a sua versão, sobre o património comum do ex-casal; isto é, há codependência e conexão, entre o seu estado de casado, o inventário e o presente processo.

IX. Quer dizer, a LOSJ atribuiu aos juízos de família e menores todas as competências dos tribunais no âmbito dos processos de inventário, independentemente da natureza do que se discute, pela simples circunstância de constituir matéria litigiosa inscrita no perímetro do inventário, apesar de remetida para os meios comuns.

X. E nem se diga que as restantes questões – “parcela de terreno onde a mesma se encontra implantada”, “a sua autonomização no confronto com a parcela pertença dos réus MM e NN”, ou a sua “aquisição pela via da acessão industrial imobiliária”– possam constituir um obstáculo a esse reconhecimento;

XII. Trata-se de exceção dilatória insuprível e de conhecimento oficioso, que implicará a absolvição da instância, ao abrigo das disposições conjugadas pelos normativos, previstos nos arts. 96º, al. a); 97º; 99º, nº 1 e 2ª parte e; 577º, al. a), todos do CPC.

(…)

XVII. Em alternativa, a A. veio pedir na parte final da sua p.i. que seja reconhecido ao extinto casal o direito de crédito sobre a 1ª Ré. - herança de CC – e 2ºs RR..

XVIII. Fundar-se-á tal pedido no instituto do enriquecimento sem causa.

XIX. O prazo prescricional do artigo 482º do CC inicia-se no momento em que o empobrecido – no caso, a A. – tomou conhecimento dos elementos do direito à restituição, ou seja, na data do trânsito em julgado do divórcio (em ../../2007).

XX. Sendo forçoso concluir que esse prazo se mostra consumido à data da propositura da presente acção.

LEGISLAÇÃO

A decisão proferida interpretou e aplicou mal os normativos dos artigos 122º/2, da LOSJ; 2091º, 482º, do CC; 15º, 33º, CPC.

PEDIDO

Termos em que deve ser revogada a decisão agora proferida e substituída por outra que julgue procedentes, porque provadas, as excepções invocadas – incompetência absoluta, (…) e prescrição – absolvendo os RR. da instância e do pedido, com as legais consequências,

Só assim decidindo se fará inteira

JUSTIÇA.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Dispensados os vistos legais, há que decidir.          

Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 635, n.º 4 e 639, n.º 1, ambos do CPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, são as seguintes as questões a decidir:

A. Aferir da competência material para a tramitação e conhecimento dos presentes autos de acção declarativa de condenação, intentada na sequência da suspensão de inventário para separação de meações, subsequente a divórcio, por força da remessa para os meios comuns da decisão da questão sub judice.

B. Se se verifica a prescrição do direito a que se arroga a autora.

A matéria de facto a ter em consideração é a que resulta do relatório que antecede.

A. Competência material para a tramitação e conhecimento dos presentes autos de acção declarativa de condenação, intentada na sequência da suspensão de inventário para separação de meações, subsequente a divórcio, por força da remessa para os meios comuns da decisão da questão sub judice.

Analisando as alegações e respectivas conclusões de recurso, insurge-se a ré, ora recorrente, contra a decisão recorrida, por entender que a competência material para a tramitação e conhecimento dos presentes autos está atribuída aos Tribunais de Família e Menores, com o fundamento em que, nos termos do disposto no artigo 122.º, n.º 1, al. c) e n.º 2, da LOSJ, é atribuída aos Tribunais de Família e Menores a competência para julgar as questões relativas às partilhas subsequentes a divórcio.

Na decisão em recurso, considerou-se que a competência material para a tramitação e conhecimento dos presentes autos está atribuída ao Juízo Central Cível ... (Tribunal recorrido), com a seguinte fundamentação:

“Também foi invocado pela ré DD a mesma excepção, agora com oentendimento que deverão ser os Juízos de Família e Menores os competentes para a acção uma vez que está em causa um imóvel que não foi partilhado no inventário para separação de meações, na sequência do divórcio da autora e do interveniente.

Considerando esta tese, em si mesma correcta, a verdade é que nos presentes autos não se discute apenas a partilha daquele imóvel, mas também a parcela de terreno onde a mesma se encontra implantada, quer a sua autonomização no confronto com a parcela pertença dos réus MM e NN, quer a sua aquisição pela via da acessão industrial imobiliária, questões que vão para além da competência dos Juízos de Família e Menores, fixadas no artº 122º da LOSJ.

Pelo exposto, julgo improcedente a excepção de incompetência absoluta invocada e julgo este tribunal e juízo competentes para decidir a causa.”.

A questão que importa decidir é a de saber a quem compete tramitar os presentes autos, que surgem na sequência de inventário para partilha de bens entre a autora e o chamado, na sequência de divórcio entre ambos e que foi remetida para os meios comuns.

É pacífico o entendimento de que a competência de um tribunal se afere ou é determinada em função dos termos em que a acção é configurada pelo autor.

Não há dúvida que, independentemente do mérito dos pedidos formulados, a autora moveu a acção por força da remessa para os meios comuns decretada nos autos de inventário subsequente a divórcio, relativamente ao objecto da presente acção.

Nos termos do disposto no artigo 40.º, n.º 1, da LOSJ “Os tribunais judiciais têm competência para as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional”.

A competência material dos Juízos centrais cíveis está regulada no seu artigo 117.º, cabendo-lhe a preparação e julgamento das acções declarativas cíveis de processo comum de valor superior a € 50 000,00 – cf. seu n.º 1.

Por seu lado, a competência em razão da matéria dos Juízos de família e menores, está fixada no seu artigo 122.º, nos termos do qual, no que aqui interessa, lhe compete a preparação e julgamento das acções de separação de pessoas e bens e de divórcio (n.º 1, al. c), cabendo-lhes, ainda, de acordo com o seu n.º 2:

“as competências que a lei confere aos tribunais nos processos de inventário instaurados em consequência de separação de pessoas e bens, divórcio, declaração de inexistência ou anulação de casamento civil, bem como nos casos especiais de separação de bens a que se aplica o regime desses processos”.

De ter, ainda, em linha de conta o disposto no artigo 1083.º, n.º 1, al. b), do CPC, de acordo com o qual, o processo de inventário é da competência exclusiva dos tribunais judiciais, sempre que o inventário constitua dependência de outro processo judicial.

E, segundo seu artigo 1133.º, n.º 1, decretado divórcio, qualquer dos cônjuges pode requerer inventário para partilha dos bens comuns.

Verifica-se, pois, uma conexão entre o inventário para separação de meações e a acção de divórcio que o precedeu, como decorre do disposto no artigo 206.º, n.º 2, do CPC.

Dúvidas inexistem, assim, que o inventário para separação de meações, subsequente a acção de divórcio, corre termos nos Juízos de família e menores – neste sentido o Acórdão da Relação de Lisboa, de 14 de Julho de 2020, processo n.º 99/16.6T8CSC-D.L1-7, disponível no respectivo sítio do Itij e o desta Relação, de 23 de Fevereiro de 2021, Processo n.º 435/20.2T8PBL-A.C1, disponível no mesmo sítio do anterior.

Como se refere no Código GPS, Vol. II, Almedina, pág. 527:

“Agora, que foi restaurada a competência dos tribunais judiciais para a tramitação dos processos de inventário, faz todo o sentido que o processo de inventário subsequente a sentenças declarativas de divórcio ou de separação, ou de anulação do casamento, proferidas no âmbito de processos judiciais seja tramitado nos tribunais judiciais e que, ademais, corra por apenso a tais processos (competência por conexão), nos termos do art. 206.º, n.º 2.”.

Acrescentando (pág.s 527 e 629) que esta relação de dependência é extensível a outro tipo de processos que não apenas o de inventário, v.g., prestação de contas do cabeça de casal (art.º 947.º), atribuição da casa de morada de família (art.º 990.º, n.º 4); autorização para a prática de actos (art.º 1014.º, n.º 4) e nomeação judicial de titulares de órgãos sociais (art.º 1054.º, n.º 2), entre outros, ali referidos.

A mesma solução é defendida por Pedro Pinheiro Torres, in Cadernos do CEJ “Inventário: o novo regime”, Maio de 2020, pág. 31, que ali refere ser competente para a instauração do inventário para partilha de bens comuns subsequente a divórcio “o órgão em que tiver ocorrido o processo de divórcio, sendo competente para o inventário subsequente ao divórcio decretado judicialmente, o tribunal em que este foi decretado, devendo o processo de inventário correr por apenso àquele, de que é dependente, nos termos do n.º 2 do artigo 206.º do CPC”.

Ora, cabendo a competência aos Juízos de família e menores para a tramitação dos autos de inventário para partilha dos bens comuns, subsequente a divórcio, o que se justifica pela relação de dependência e conexão entre ambos os processos, justificada por razões de economia processual, atento a que no processo de divórcio constarão – ou poderão constar – elementos relevantes para a determinação da partilha a efectuar no inventário subsequente, não vemos razões para que assim deixe de ser no caso de se tratar de uma acção intentada na sequência da suspensão do processo de inventário, motivada pela remessa da decisão de uma concreta questão para os meios comuns.

Não deixa, por isso, de se tratar de uma questão que tem que ver com a partilha a efectuar, não relevando, salvo o devido respeito por contrário entendimento, para a determinação da competência em apreço, que a questão seja decidida no próprio processo de inventário ou em acção própria para tal intentada, que só o foi por decisão tomada no processo de inventário.

Realce-se que o n.º 2 do artigo 122.º da LOSJ atribui aos Juízos de família e menores “as competências que a lei confere aos tribunais nos processos de inventário instaurados em consequência de … divórcio”.

Ora, se o legislador pretendesse estabelecer qualquer diferenciação entre as questões a resolver no processo de inventário, designadamente, que a competência dos Juízos de família e menores ficava limitada aos termos estritos do processo de inventário e não já às acções instauradas na sequência deste, por remessa para os meios comuns, tê-lo-ia dito, o que não fez.

Ao invés, estabelece, em termos gerais, as competências dos Juízos de família e menores, no que respeita à tramitação dos processos de inventário instaurados em consequência de separação de pessoas e bens ou divórcio.

Mas se assim é, em termos gerais, daí não se pode extrair a conclusão de que assim será sempre.

Efectivamente, como alega a recorrente, na Apelação n.º 592/20.8T8PBL.C1, de 4 de Maio de 2021, disponível no respectivo sítio do Itij, em que o ora Relator figura, igualmente, como Relator, defendemos a competência dos Tribunais de Família e Menores, para o caso ali versado.

No entanto, em tal situação, tratava-se apenas de averiguar da titularidade de quantias monetárias depositadas em conta titulada por um dos ex-cônjuges e de que o outro alegava tratar-se de bem comum do ex-casal.

Ou seja, naquele caso, estava em jogo uma questão que tinha que ver apenas e tão só com a partilha de bens subsequente a divórcio e na estrita esfera dos direitos dos ex-cônjuges.

O que não se verifica no caso em apreço, pois que para se concluir que o bem a, eventualmente, ser sujeito a partilha, o deverá ser, efectivamente, se impõe averiguar, previamente, da aquisição do mesmo, por parte dos ex-cônjuges, com base na usucapião e/ou acessão industrial imobiliária, numa, alegada, relação jurídica e factual em que serão intervenientes, para além dos ex-cônjuges, terceiros relativamente à partilha de tal bem.

Ou seja; estamos perante uma situação que vai para além da partilha de tal bem e cuja averiguação/resolução se impõe a outros intervenientes processuais que não apenas os ex-cônjuges, o que, tudo, exclui que a competência material para a discussão e decisão dos presentes autos se possa atribuir aos Juízos de família e menores.

Neste sentido, por último, o decidido no Acórdão deste Tribunal da Relação, de 21 de Maio de 2024, Apelação n.º 2944/23.2T8LRA.C1, disponível no mesmo sítio do anterior.

Assim, concluindo, é materialmente competente para a tramitação dos presentes autos, o Juízo Central Cível ..., sendo, por isso, de manter a decisão recorrida.

Consequentemente, quanto a esta questão, tem o recurso de proceder.

B. Se se verifica a prescrição do direito a que se arroga a autora.

No que a esta questão respeita, alega a recorrente que a autora funda o seu pedido no enriquecimento sem causa, cujo prazo de prescrição se encontra previsto no artigo 482.º, do Código Civil e que já decorreu.

Lendo e relendo a petição inicial, tal como referido na decisão recorrida, a autora, em lado algum refere fundar o seu pedido no enriquecimento sem causa e o facto de o artigo 1273.º, n.º 2, do Código Civil, mandar aplicar as regras do enriquecimento sem causa para o cálculo do valor das benfeitorias, na situação ali prevista, não se traduz em que o direito às benfeitorias radique no enriquecimento sem causa, mas apenas e tão só que tais regras se aplicam para calcular o valor das benfeitorias.

Inexiste, pois, a invocada prescrição.

Consequentemente, também, quanto a esta questão, improcede o recurso.

Nestes termos se decide:      

Julgar improcedente o presente recurso de apelação, em função do que se mantém a decisão recorrida.

Custas, pela apelante.

Coimbra, 10 de Julho de 2024