PER
CONTAGEM DE PRAZOS
LISTA PROVISÓRIA DE CRÉDITOS
IMPUGNAÇÃO
PRÁTICA DO ATO NOS TRÊS DIAS ÚTEIS SEGUINTES AO TERMO DO PRAZO
Sumário

I – Das regras constantes dos artigos 17º-A a 17º-I do CIRE perpassa a ideia de que os prazos deverão ser contados de forma uniforme para todos os credores – eliminação da dilação no anúncio a publicar no portal do Citius; existindo um prazo único para a reclamação de créditos – vinte dias a contar do anúncio a publicar no portal Citius –, sendo os prazos seguidos, e independentemente de qualquer notificação pessoal aos interessados: o prazo para apresentação das reclamações de créditos é seguido de um prazo de cinco dias para o Administrador Judicial provisório elaborar a lista de créditos, “imediatamente” publicada no portal Citius, podendo ser impugnada no prazo de cinco dias, dispondo o juiz, em seguida, de prazo idêntico para decidir sobre as impugnações formuladas (nº3 do artigo 17-D).
II – Sendo o prazo um só para todos os reclamantes e um só para todos os impugnantes, convertendo-se a lista provisória de imediato em lista definitiva, na ausência de reclamações (nº 4 do artigo 17º-D), tal pressupõe que a contagem do tal prazo único possa ser feita previamente e sem atender a situações particulares.
III – O regime especialmente previsto no PER relativamente à contagem dos prazos, não se coaduna com a aplicação ao prazo de impugnação a faculdade de praticar tal ato num dos três dias úteis dias seguintes, por aplicação subsidiária do nº 5 do artigo 139º do CPC.
(Sumário elaborado pela Relatora)

Texto Integral

Relator: Maria João Areias

1º Adjunto: José Avelino Gonçalves

2º Adjunto: Helena Gomes Melo

                                                                                               

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I – RELATÓRIO

Nos presentes autos de processo especial de revitalização respeitante a A..., S.A.,

o Administrador Judicial Provisório (AJP) apresentou a lista provisória de créditos publicada no portal Citius no dia 31-07-2023;

a 10 de agosto de 2023 veio o credor AA impugnar a lista provisória de créditos apresentada nos autos, com fundamento na incorreção do montante que lhe foi reconhecido, requerendo a dispensa da multa prevista no nº5 do artigo 139º do CIRE, por o ato ter sido praticado no 3º dia útil seguinte ao termo do prazo, ou a sua redução.

Pelo juiz a quo foi proferido Despacho no sentido da extemporaneidade de tal impugnação, não a apreciando.


*

Inconformada com a decisão de não admissão da sua impugnação, o credor BB, dela interpôs recurso de Apelação, concluindo a sua motivação com as seguintes conclusões:

a) Por anúncio datado de 29-06-2023 foram os credores informados do despacho de nomeação da Sra. Administradora Judicial Provisória, bem como, do prazo de 20 dias de que dispunham para reclamarem os seus créditos.

b) Sendo que, o aqui recorrente apenas tomou conhecimento de tal anúncio por informação de um colega de trabalho, em dia já muito próximo do termo do prazo, uma vez que a sua entidade empregadora (aqui devedora) apenas o informou daquele despacho por carta registada datada de 01-08-2023, portanto, já após o decurso do prazo para a reclamação de créditos, quando é certo que a empresa foi notificada do mesmo logo no dia 29-06-2023 (o que só revela a sua má-fé).

c) Assim, por carta registada com aviso de receção, remetida no dia 17-07-2023 para o domicílio da Sra. Administradora Judicial Provisória indicado no anúncio (recebida a 18-08-2023), o aqui Recorrente reclamou créditos, no valor total de 13.051,74€, devidos a título de salários, ajuda de custo e subsídio de refeição dos meses de janeiro, fevereiro e março de 2023, subsídio de férias e retribuição de férias vencidas não gozadas, proporcionais de retribuição de férias e dos subsídios de férias e de Natal do ano da cessação, além do crédito de horas de formação não disponibilizadas e da indemnização por resolução do contrato com justa.

d) Tendo o aqui Recorrente reclamado os seus créditos sem estar representado por Advogado, uma vez que foi alertado da necessidade de tal reclamação já muito próximo do termo do prazo e ainda se encontrava a aguardar a decisão do pedido de apoio judiciário que requereu para propor, no tribunal de trabalho, ação judicial contra a sua entidade empregadora (que, entretanto, se apresentou a PER), a fim de ver reconhecidos os seus créditos laborais.

e) No dia 31-07-2023 foi publicada no portal Citius a lista provisória de credores, no âmbito da qual a Sra. Administradora Judicial Provisória reconheceu o aqui Recorrente como credor, mas apenas do montante de 6.516,83€, cujo crédito foi classificado (e bem) como privilegiado.

f) Não tendo o aqui Recorrente sido notificado de tal lista, não tendo como saber que se encontrava a correr um prazo para impugnação da mesma, por não ter mandatário e não ter sido disso informado pela Sra. Administradora Judicial Provisória, sendo a publicação da lista omissa quanto a meios de reação e respetivos prazos.

g) Este montante de 6.516,83€ corresponde apenas aos salários, ajuda de custo e subsídio de refeição dos meses de janeiro, fevereiro e março de 2023, subsídio de férias e retribuição de férias vencidas não gozadas, proporcionais de retribuição de férias e dos subsídios de férias e de Natal do ano da cessação. Ou seja, da lista provisória de credores ficou excluído o montante correspondente ao crédito de horas de formação e à indemnização por resolução do contrato com justa causa, que totalizam a quantia remanescente de 6.534,91€.

h) Por essa razão, não se conformando, por requerimento datado de 10-08-2023, o aqui Recorrente impugnou aquela lista provisória de credores, com fundamento na incorreção do montante do seu crédito (ou indevida exclusão de créditos).

i) O aqui Recorrente alegou e demonstrou, na sua impugnação, que reúne os pressupostos necessários para a concessão da dispensa de pagamento da multa devida pela prática do ato no 3º dia posterior ao termo do prazo.

j) Porém, ao arrepio da mais recente e superior jurisprudência, o douto tribunal a quo decidiu julgar extemporânea a impugnação apresentada pelo aqui Recorrente, sem sequer tomar uma posição sobre aquela jurisprudência.

k) A título de exemplo, o Supremo Tribunal de Justiça, nos acórdãos de 22-06-2021 (processo n.º 3985/20.7T8VNF.G1.S1), de 12-01-2022 (processo n.º 5106/20.7T8VNG- B.P1.S1) e de 15-03-2023 (processo n.º 1687/22.9T8BRR-C.L1.S1), decidiu no sentido de ser aplicável ao Processo Especial de Revitalização o disposto nos nºs. 5 a 8 do artigo 139.º do CPC, sendo este, atualmente, o entendimento jurisprudencial maioritário sobre a matéria.

l) Em sentido contrário, o tribunal a quo retirou da interpretação conjugada das normas contidas nos artigos 17.º e seguintes do CIRE as ilações de que “perpassa a ideia de que os prazos deverão ser contados de forma uniforme para todos os credores” e que “prazo é um só para todos os reclamantes e um só para todos os impugnantes (…) o que pressupõe que a contagem do tal prazo único possa ser feita previamente e sem atender a situações particulares, não se compaginando com a faculdade de prática do ato num dos três dias úteis seguintes mediante o pagamento de uma multa, prevista no nº5 do artigo 139º do CPC”.

m) Porém, além de acolher o entendimento do Supremo Tribunal de Justiça nos citados acórdãos, não pode ainda o Recorrente conformar-se com a decisão recorrida, desde logo, porque, salvo o devido e merecido respeito por aquele entendimento, a verdade é que o mesmo, a priori, assenta numa falácia, tornando-se até contraditório.

n) Isto porque, das várias especificidades introduzidas nos artigos 17.º e seguintes do CIRE em relação ao regime da insolvência e em relação ao processo civil em geral, em momento algum, o legislador excluiu a regra prevista no n.º 5 do artigo 139.º do CPC, sendo que, o teria feito (como fez com outras), se fosse essa a sua intenção.

o) Salvo o devido respeito, errou o tribunal a quo na interpretação da conjugação das normas contidas nos artigos 17.º a 17.º-J do CIRE e nos nºs. 5 a 8 do artigo 139.º do CPC, as quais deviam ter sido interpretadas no sentido de ser aplicável ao PER a possibilidade de prática do ato nos três primeiros dias úteis após o termo do prazo, independentemente de justo impedimento, mediante o pagamento (ou dispensa) de multa, prevista nos nºs. 5 a 8 do artigo 139.º CPC.

p) Assim, o tribunal recorrido violou as normas contidas nos artigos 17.º a 17.º-J do CIRE e nos nºs. 5 a 8 do artigo 139.º do CPC.

Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser revogada a decisão recorrida que não admitiu a impugnação do aqui Recorrente por extemporânea, reconhecendo-se o crédito privilegiado do aqui Recorrente no montante total de 13.051,74€ e anulando-se todos os atos processuais que, eventualmente, venham a ser praticados após aquela decisão.


*

Não foram apresentadas contra-alegações.
Dispensados que foram os vistos legais, ao abrigo do disposto no nº4 do artigo 657º do CPC, cumpre decidir do objeto do recurso.
*
II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr., artigos 635º, e 639, do Novo Código de Processo Civil –, a questão a decidir é uma só:
1. Se o tribunal a quo errou na interpretação da conjugação das normas contidas nos artigos 17.º a 17.º-J do CIRE e nos nºs. 5 a 8 do artigo 139.º do CPC, as quais deviam ter sido interpretadas no sentido de ser aplicável ao PER a possibilidade de prática do ato nos três primeiros dias úteis após o termo do prazo, independentemente de justo impedimento, mediante o pagamento (ou dispensa) de multa, prevista nos nºs. 5 a 8 do artigo 139.º CPC.
III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
1. Se o credor tinha direito a praticar o ato no 3º dia útil seguinte ao termo do prazo, ao abrigo do disposto nos ns. 5 a 8 do artigo 139º CPC, e arts. 17º a 17º-J do CIRE
O Tribunal a quo teve em consideração os seguintes factos para a decisão de rejeição da impugnação da devedora, por intempestividade:
- Apresentada pelo Sr. Administrador Judicial a lista provisória de créditos, a mesma foi objeto de publicação no portal Citius a 31/07/2023;
- A impugnação da devedora B..., Lda. foi apresentada nos autos a 10/08/2023.
Mostra-se incontrovertido nos autos que o prazo de cinco dias úteis contado a partir da publicação no portal Citius da lista provisória de credores, o prazo para dedução de impugnação terminou a 07.08.2023.
A decisão recorrida, seguindo, ipsis verbis, a posição adotada por este Tribunal da Relação no Acórdão proferido a 07/09/2021, relatado pela também aqui relatora a 07/09/2021, e com o mesmo 1º adjunto, no âmbito do processo 744/20.0T8FND-A.C, concluiu que o prazo suplementar a que se reporta o nº 5 do 139º, do CPC não vale no PER.
A Apelante insurge-se contra o decidido, com a seguinte argumentação:
- das várias especificidades introduzidas nos artigos 17.º e seguintes do CIRE em relação ao regime da insolvência e em relação ao processo civil em geral, em momento algum, o legislador excluiu a regra prevista no n.º 5 do artigo 139.º do CPC, sendo que, o teria feito (como fez com outras), se fosse essa a sua intenção;
- o tribunal decidiu ao arrepio da mais recente jurisprudência do STJ, constante dos Acórdãos de 22-06-2021, 12-01-2022 e de 15-03-2023.
Cumpre decidir, começando por reproduzir a decisão já assumida por este tribunal, no Acórdão acima citado de 17-07-2021[1]:

«“Dispõe o nº3 do artigo 17º-D, do CIRE: “A lista provisória de créditos é imediatamente apresentada na secretaria do tribunal e publicada no portal Citius, podendo ser impugnada no prazo de cinco dias uteis e, dispondo, em seguida, o juiz de idêntico prazo para decidir sobre as impugnações formuladas”.

(…).

Tem sido largamente debatida a questão de saber se, no âmbito do PER, há lugar à faculdade de prática do ato num dos três dias uteis seguintes ao termo do prazo, mediante o pagamento da multa prevista no artigo 139º do CPC[2].

O Processo Especial de Revitalização, sendo um processo judicial, é um processo híbrido (negocial e judicial), composto por uma forte componente extrajudicial, temperada com a intervenção do juiz em processo chave, indispensável ao carater concursal do processo[3].

Como salienta Catarina Serra[4] trata-se de um novo processo, dito “leve”, “informal” e “expedito”. Destinando-se a criar as condições necessárias para se estabeleçam negociações extrajudiciais com o propósito de conseguir um acordo, cuja celebração efetiva continua na dependência da vontade dos credores, a intervenção do tribunal reduz-se ao mínimo e é justificada pela necessidade de tornar o plano aplicável a todos os credores.

É certo que o PER não deixa de constituir um processo judicial especial, ao qual serão aplicáveis, em primeiro lugar, as disposições que lhe são próprias, de seguida as disposições introdutórias do CIRE e, por fim, as disposições gerais e comuns do Código de Processo Civil (artigo 17º do CIRE).

E é precisamente ao nível dos prazos que os artigos 17º-A a 17º-Iº do CIRE introduzem maiores especificidades, quer relativamente ao regime consagrado no CIRE, quer relativamente ao regime geral do CPC, derivadas, quer da especial urgência do procedimento em causa, quer da circunstância de se tratar de um procedimento com um vincado peso extrajudicial.

Com efeito, para além da opção por prazos curtos, das regras constantes dos artigos 17º perpassa a ideia de que os prazos deverão ser contados de forma uniforme para todos os credores – eliminação da dilação no anúncio a publicar no portal do Citius; o momento determinante para o início da contagem do prazo para a reclamação de créditos é o da data de publicação do anúncio e não o momento em que cada um dos credores se considera notificado, sendo irrelevante para a contagem do prazo a comunicação feita pelo devedor nos termos do artigo 17º-D, nº1 –, existindo um prazo único para a reclamação de créditos – vinte dias a contar do anúncio a publicar no portal Citius –, sendo os prazos seguidos, e independentemente de qualquer notificação pessoal aos interessados: o prazo para apresentação das reclamações de créditos é seguido de um prazo de cinco dias para o Administrador Judicial provisório elaborar a lista de créditos, “imediatamente” publicada no portal Citius, podendo ser impugnada no prazo de cinco dias, dispondo o juiz, em seguida, de prazo idêntico para decidir sobre as impugnações formuladas (nº3 do artigo 17-D).

Ou seja, o prazo é um só para todos os reclamantes e um só para todos os impugnantes, convertendo-se a lista provisória de imediato em lista definitiva, na ausência de reclamações (nº4 do artigo 17º-D), o que pressupõe que a contagem do tal prazo único possa ser feita previamente e sem atender a situações particulares, não se compaginando com a faculdade de prática do ato num dos três dias úteis seguintes mediante o pagamento de uma multa, prevista no nº5 do artigo 39º do CPC[5].

Assim, no sentido de que este prazo suplementar não vale no PER, com fundamento na desjudicialização do processo, no facto de o ato não ser tributado em taxa de justiça e de os prazos serem curtos, se pronunciou Nuno Salazar Casanova e David Sequeira Dinis[6].

Também Fátima Reis Silva[7] sustenta que, dadas a natureza do processo e a sua finalidade e a previsão expressa do art. 17º-D, nº3, não se aplica a este tipo de processos e a este prazo em concreto, o disposto no artigo 139º, nº5 do CPC, atento o disposto no artigo 17º do CIRE.»

Apesar das alterações introduzidas ao processo de insolvência e em especial ao Processo de Revitalização, pela Lei nº9/2022, de 11 de janeiro, as razões expostas no citado Acórdão mantêm a sua validade, face ao teor dos atuais ns. 2, 3, 4, 5 e 6, do artigo 17ºD:

- os credores podem reclamar créditos no prazo de 20 dias a contar da publicação do Portal Citius do despacho de nomeação do administrador provisório;

- o administrador provisório elabora, no prazo de cinco dias, uma lista provisória de créditos, que é imediatamente apresentada na secretaria do tribunal e publicada no portal Citius,

- podendo ser impugnada no prazo de cinco dias úteis,

- dispondo o juiz “em seguida de cinco dias úteis para decidir sobre as impugnações apresentadas;

- não sendo impugnada, a lista provisória de créditos converte-se em definitiva.

Face a este regime, uma vez publicado no Portal Citius o despacho de nomeação do administrador provisório, o devedor e os credores ficam aptos a conhecer o calendário dos atos até à existência de uma lista definitiva de credores (20 dias para reclamação + 5 para a elaboração e publicação da lista + 5 dias úteis para a impugnação + 5 dias úteis para a decisão) e ainda para a conclusão das negociações: com efeito, este automatismo na contagem dos prazos estende-se ao próprio prazo das negociações que se inicia, não da decisão final que conheça das impugnações, mas do fim do prazo das impugnações).

Resultando daqui a intenção do legislador de afastar, dentro do possível, qualquer incerteza ou dúvidas relativamente à contagem dos prazos, tornando-os incólumes a qualquer vicissitude processual ou qualquer atraso relacionado com questões pessoais relacionadas com a atuação do administrador, da secretaria, dos credores ou do juiz.

Salienta-se ainda, que a falta de impugnação importa o reconhecimento definitivo dos créditos “sem necessidade sequer de qualquer ato judicial que o confirme[8]”. Ora este reconhecimento automático, decorridos os cinco dias úteis durante os quais a lista pode ser objeto de impugnações, mostra-se inconciliável com a possibilidade de a lista poder ver ainda a ser objeto de impugnações num dos três dias úteis seguintes, mediante o pagamento de multa.

A possibilidade de prática do ato num dos três dias úteis seguintes, mediante o pagamento de multa, por aplicação do nº5 do artigo 239º, deparar-se-ia ainda com uma outra dificuldade: não se encontrando a dedução de impugnação sujeita ao pagamento de taxa de justiça[9], nem sequer teríamos critério para calcular a multa a aplicável.

Por outro lado, se a multa não fosse paga imediatamente com a prática do ato, a secretaria ainda teria de notificar o impugnante para pagar a multa e a respetiva penalização no prazo de 10 dias, sendo que, se a parte se encontrasse desacompanhada de advogado, o pagamento da multa só seria devido após notificação da secretaria para o efeito (ns. 6 e 7, do art. 139º).

Como tal, a faculdade da prática do ato nos três dias úteis seguintes, envolveria um atraso na conversão da lista em definitivo muito para além dos referidos três dias.

O Acórdão do STJ de 22-06-2021[10], citado pelo Apelante, faz assentar a sua posição de aplicabilidade de tal “prazo de condescendência ou de tolerância” no argumento de que tal prazo “foi naturalmente pensado para todas as situações de prática de atos em processos judiciais, sem exclusão ou ressalva de qualquer espécie”, pelo que “retirar tal faculdade dos processos de revitalização, sem que a lei lhe dê o imprescindível respaldo, constituiria uma interpretação infundada que redundaria num inexplicável retrocesso na concessão de garantias fundamentais às partes, enquanto contributo para a administração da justiça que assente, de forma prevalecente, no conhecimento da verdade material e não no resultado do funcionamento de automatismos de índole estritamente formal”.

Quanto ao Acórdão de 12-01-2022[11], igualmente citado pelo Apelante, limita-se a remeter para a posição assumida no citado acórdão de 22-06-2021.

Encontrando-se o Processo Especial de Revitalização especificamente regulamentado nos artigos 17º-A a 17º-J, na parte não aí especificamente prevista, reger-se-á pelo CIRE e pelo Código de Processo Civil, nos termos constantes dos arts. 17º, nº1 e 17º-A, nº3, do CIRE[12]:

O processo especial de revitalização tem carater urgente, aplicando-se-lhe todas as regras previstas no presente código que não sejam compatíveis com a sua natureza (art. 17º-A, nº3)”;

“Os processos regulados neste diploma regem-se pelo Código de Processo Civil, em tudo que não contrarie as disposições do presente código (artigo 17º, nº1).”

Para a determinação da legislação aplicável, há que procurar, em primeiro lugar, se a situação se encontra prevista no regime do PER contido naqueles artigos 17º- A a 17º-J, caso aí não encontre resposta, aplicar-se-ão as normas do CIRE, “que não sejam incompatíveis com a sua natureza” – assumindo aqui expressamente o legislador a distinta natureza deste processo pré-insolvencial relativamente ao processo de insolvência –, e apenas por último, se recorrerá ao Código de Processo civil “em tudo o que não contrarie as disposições do presente Código”.

Face ao modo como é configurado o procedimento processual na revitalização, podemos afirmar que a possibilidade prevista no nº5 do artigo 139º do CPC, de praticar o ato fora dos apertados prazos previstos no artigo 17º-D, é compatível com a natureza do processo de revitalização?

A argumentação contida no Acórdão do STJ de 22-06-2021 não nos convence – todas as normas relativas a prazos constante do Código de Processo Civil são, em princípio, genericamente aplicáveis a qualquer processo judicial.

No entanto, no especialíssimo processo de revitalização, as citações, notificações e o modo de contagem de prazos constantes dos ns. 1 a 7 do artigo 17º- D, afastam-se, não só, desse regime regra constante do Código de Processo Civil, como das normas previstas a tal respeito para o processo de insolvência:

- as citações e notificações contam-se desde a publicação do anúncio no Portal do Citius, sem a previsão de qualquer dilação (ao contrário do disposto no nº8 do art. 37º),  correndo um prazo único para todos os credores, seja para a reclamação de créditos, seja para a respetiva impugnação (no processo de insolvência, no caso de credores avisados por carta registada, o prazo para a impugnação conta-se a partir da expedição da carta que lhe foi enviada – artigo 130º, nº1, CIRE) – e é admitida resposta, no prazo de 10 dias, também a contar da notificação pessoal, se a houver – artigo 131º);

- os prazos correm seguidos;

- não se encontra prevista uma fase de resposta às impugnações.

Ora, estas especificidades não se coadunam com a aplicação ao prazo de impugnação a faculdade de praticar tal ato num dos três dias úteis dias seguintes, por aplicação subsidiária do nº5 do artigo 139º do CPC.
Por fim, atentar-se-á em que a reclamação de créditos no âmbito do PER , o seu reconhecimento pelo AJP e a decisão sobre as impugnações da lista provisória de créditos, destinam-se  primacialmente à determinação do universo de créditos e à aferição da base de cálculo das maiorias necessárias à aprovação do plano de recuperação[13].
E, embora o facto de constarem da lista definitiva de créditos, os dispense de reclamar novamente os seus créditos caso venha a ser declarada a insolvência por apenso ao processo de revitalização, não os impede de aí apresentarem nova reclamação, podendo aí ter lugar a discussão sobre a existência, natureza do crédito e seu montante.
Como afirma Maria do Rosário Epifânio, “a reclamação de créditos em sede de PER tem uma função eminentemente processual, valendo exclusivamente para efeitos do PER, não gozando, assim de força de caso julgado material (eficácia interna e externa – art. 619º), mas apenas formal (eficácia interna – art. 620º), uma vez que a questão pode ser reposta novamente em sede de processo de insolvência ou de outro processo[14]”.

Concluindo, e apesar da recente publicação de acórdãos dos citados acórdãos do STJ em sentido contrário, como vem sendo entendido pela doutrina e jurisprudência maioritárias[15], nega-se, em regra, a aplicabilidade do expediente previsto nº5 (e consequentemente, no seu nº6) do artigo 139º, do CPC no âmbito do PER, confirmando-se o juízo de extemporaneidade da impugnação deduzida pelo aqui apelante, formulado pelo juiz a quo.

A apelação será de improceder.


*

IV – DECISÃO

 Pelo exposto, acordam os juízes deste tribunal da Relação em julgar improcedente a Apelação, confirmando a decisão recorrida.

Custas a suportar pelo Apelante.       

                                                          Coimbra, 10 de julho de 2024                                                                  


V – Sumário elaborado nos termos do art. 663º, nº7 do CPC.
(…).


[1] Acórdão disponível in https://www.dgsi.pt/jtrc.nsf/8fe0e606d8f56b22802576c0005637dc/913d1d5dd036883f802587540032c82b?OpenDocument
[2] Cfr., entre outros, em sentido afirmativo, Acórdão do TRE de 05.11.2015, relatado por Manuel Bargado, disponíveis in www.dgsi.pt.
[3] Maria do Rosário Epifânio, “O Processo Especial de Revitalização”, Almedina, pág. 14.
[4] Direito da Insolvência e Tutela Efetiva do Crédito”, III Congresso de Direito da Insolvência, Coordenação de Catarina Serra, Almedina 2015, pág. 13.
[5] Bastaria que um dos credores se socorresse de tal faculdade aquando da reclamação de créditos, para se alterar a data final de conversão da lista provisória em definitiva.
[6] “PER – O Processo Especial de Revitalização – Comentários aos artigos 17º-A a 17º-I do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas”, Coimbra Editora, pág. 49. Em igual sentido, Fátima Reis Silva, “Processo Especial de Revitalização, Notas Práticas e Jurisprudência Recente”, Porto Editora, pág. 41.
[7] “A Verificação de Créditos no Processo de Revitalização”, in “” Congresso de Direito da Insolvência”, coordenação de Catarina Serra, Almedina, 2014, p. 259.
[8] Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Quid Juris, 3ª ed., 2015, p. 153, nota 10.
[9] Carla Rodrigues, “O Processo Especial para Acordo de Pagamentos”, in Revista da Insolvência, nº4, Almedina, p. 48.
[10] Acórdão relatado por Luís Espirito Santo, disponível in www.dgsi.pt.
[11] Acórdão relatado por Olinda Garcia, disponível in www.dgsi.pt.
[12] Como se afirma no Acórdão do STJ de 16 de junho de 2015, relatado por Graça Amaral, “A solução terá que ser encontrada na regra geral consignada no artigo 549º, nº1, do CPC, pelo que resultará que ao processo de revitalização, enquanto processo especial, aplicar-se-ão, em primeira linha, as regras que lhe são próprias e, em segundo lugar, as disposições comuns constantes do CIRE; se necessário, em terceira linha, as regras do CPC, nos termos prescritos no artigo 17º, do CIRE” – acórdão disponível in www.dgsi.pt.
[13] Luís A. Carvalho Fernandes e João Labareda, “Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado”, 2ª ed.,Quid Juris, pp.157 e 159. Ou, nas palavras de Maria do Rosário Epifânio, a reclamação de créditos no âmbito de um PER não tem como objetivo primacial a satisfação desses mesmos créditos, destinando-se sim, «à delimitação do universo de credores que podem participar nas negociações; à delimitação do universo de credores que têm direito de voto; à delimitação do da “base de cálculo das maiorias necessárias”» - “Processo Especial de Revitalização”, Almedina, p. 46.
[14] “Processo Especial de Revitalização”, p. 47.
[15] Cfr., Acórdão do STJ de 08-09-2015, relatado por Fonseca Ramos, onde se afirma que o Tribunal não pode considerar, oficiosamente, a prorrogação do prazo judicial previsto no art. 139.º, n.º 5, do CPC, Acórdão do TRC de 13-07-2020, relatado por Emídio Santos, Acórdão de 02-02-2016, relatado pela aqui também relatora, Maria João Areias, onde se sustenta que a faculdade de apresentação da peça processual nos três dias seguintes, prevista no artigo 139º, nº5 do CPC, não é aplicável ao prazo para dedução de impugnações à lista de credores provisória no âmbito do PER.; cfr., igualmente, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15-12-2022, relatado por Rosário Gonçalves, disponível in www.dgsi.pt.