DESPACHO DE APERFEIÇOAMENTO
ALTERAÇÃO UNILATERAL DE PEDIDO OU CAUSA DE PEDIR
PRÉDIOS PERTENCENTES AO MESMO DONO
SERVIDÃO POR DESTINAÇÃO DE PAI DE FAMÍLIA
VALORIZAÇÃO DA PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA
NÃO EXTINÇÃO POR DESNECESSIDADE
Sumário

I – No cumprimento do despacho de aperfeiçoamento – determina-se agora que “incumbe ao juiz”, numa clara assunção de que o convite ao aperfeiçoamento deixou de constituir uma simples possibilidade, um poder, para se assumir como um dever, como um acto vinculado a ser praticado – não pode a parte, na resposta, apresentar um aditamento ou correcção do seu articulado inicial que conduza a uma alteração unilateral do pedido ou da causa de pedir, em colisão com o preceituado no artigo 265.º do CPC e com o princípio da estabilidade de instância consagrado na lei processual civil - artigo 260.º.
II – Se em dois ou mais prédios pertencentes ao mesmo dono, existirem sinais que atestem que determinada utilidade de um dos prédios está a ser desfrutada por outro desses prédios, estamos perante uma simples situação de facto, sem qualquer significado jurídico, uma vez que o direito de servidão apenas se constitui em proveito de proprietário diferente do dono do prédio onerado – nemini res sua servit – conforme dispõe o artigo 1543.º do mesmo diploma.
III – Mas, se, por qualquer acto, os prédios passam a pertencer a titulares distintos, aquela serventia de facto aparente, converte-se num verdadeiro direito de servidão, salvo se ao tempo daquele acto se houver declarado uma oposição à constituição deste direito real. Este direito de servidão nasce, pois, automaticamente, por força da lei, com o acto pelo qual passam a existir pelo menos dois prédios com proprietários diferentes – são as chamadas servidões por destinação do pai de família.
IV – A constituição de uma servidão de passagem por destinação do pai de família é a existência de uma situação de facto reveladora de uma relação de cooperação fundiária que, cessada a impossibilidade de constituição de um direito de servidão, resultante da concentração do domínio dos prédios em causa, na mesma pessoa, justifica que se conceda tutela jurídica a essa relação predial, de modo a preservar uma melhor valorização da propriedade imobiliária.
(Sumário elaborado pelo Relator)

Texto Integral


Acordam os Juízes da 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:


1. Relatório 
Os autores, AA e mulher BB, instauraram a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra os réus CC, DD, EE e mulher FF e GG, pedindo que estes sejam condenados a reconhecer que os autores são donos e legítimos possuidores do prédio que alegam ser seu e que os prédios dos réus que identificam estão onerados com uma servidão de passagem de pé, carro e trator a favor do prédio dos autores, constituída por destinação de pai de família ou, se assim não se entender, por usucapião, a ré DD condenada também a remover, a expensas suas, o portão e os pilares que impedem os autores de transitar livremente a pé, de carro e trator para acederem ao seu prédio, e os réus condenados ainda a não mais turbar ou de qualquer forma impedir ou dificultar o exercício do direito de passagem por parte dos autores ou de quem resida ou se desloque ao prédio dos autores, através daquela servidão de passagem.
Os réus contestaram a acção, impugnando, de forma motivada, os factos alegados na petição inicial. Deduziram ainda reconvenção pedindo que se declare que os respetivos prédios se encontram livres de ónus ou encargos, designadamente, livres de qualquer servidão a favor de prédio dos autores, ou, caso se venha a provar a existência dessa servidão, que se declare a mesma extinta, por desnecessária ao prédio, porquanto o acesso do mesmo à via pública é feito, sem constrangimento e de modo suficiente, por intermédio de uma passagem asfaltada, que se situa a nascente, e o seu exercício é ilegítimo porque manifestamente excessivo face aos limites da boa fé, bons costumes e fim social e económico.

*
Julgada a causa pelo Juízo Local Cível de Leiria - Juiz ..., foi proferida a seguinte decisão final:  
“Pelo exposto, julga-se:
I - A ação parcialmente procedente e, em consequência:
A) Reconhece-se o direito de propriedade dos autores sobre o prédio urbano composto de casa de habitação de cave, rés-do-chão e logradouro, sito na Rua ..., ..., descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...18, da freguesia ... e inscrito na matriz sob o artigo ...69..., da mesma freguesia.
B) Reconhece-se a constituição de uma servidão de passagem, por destinação de pai de família, a pé, de carro e tratores a favor do prédio identificado na alínea A), em linha reta, desde a Rua ... até esse prédio, com 2,82 metros de largura:
– sobre o prédio descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...07, da freguesia ... e inscrito na matriz predial sob os artigos ...64 (rústico) e ...44 (urbano), da mesma freguesia, encostado à sua estrema norte, numa extensão de 55,60 metros, no sentido poente-nascente, desde a Rua ... até à estrema nascente desse prédio, definida por um marco de pedra implantado no solo;
– e seguindo sobre o prédio identificado descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...30, da freguesia ... e inscrito na matriz predial sob o artigo ...90 da mesma freguesia, numa extensão de 15,50 metros, no sentido poente-nascente, desde a estrema poente desse prédio, definida pelo referido marco de pedra, até atingir o prédio identificado na alínea A).
C) Condenam-se os réus DD, EE e GG a entregar uma chave do portão que dá acesso da Rua ... à parcela de terreno sobre a qual incide a servidão de passagem referida na alínea B), até ao termo do prazo de dez dias, após o trânsito em julgado da presente sentença.
D) Absolvem-se os réus dos restantes pedidos.
II - A reconvenção improcedente e, em consequência, absolvem-se os autores/reconvindos do pedido reconvencional.
Custas processuais da ação e da reconvenção pelos autores/reconvindos e pelos réus/reconvintes, na proporção dos respetivos decaimentos, que se fixam em 20% para os primeiros e 80% para os segundos.
Registe e notifique.
Após trânsito em julgado da sentença, comunique à ... Conservatória do Registo Predial ... (cf. artigos 2.º, n.º 1, al. a). 3.º, n.º 1, als. a) e c), 8.º-A, n.º 1, al. b), 8.º-B, n.º 3, al. a) e 53.º-A do Código do Registo Predial).
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CC, DD, EE e mulher FF e GG, não se conformando com tal decisão, interpõe o seu recurso para este Tribunal, alinhavando, assim, as suas conclusões:
(…).
*
BB e marido AA, notificados do recurso apresentado pelas RR., vem apresentar as sua contra-alegações:
(…).
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2. Do objecto do recurso
2.1 – Da violação das normas dos artigos 260.º e 265.º do CPC.
Escrevem os Apelantes:
1ª- Entre a data da propositura da petição inicial, 27/02/2020 e a apresentação da nova petição/aperfeiçoada, 6/10/2022 os AA praticaram actos junto da AT - Repartições de Finanças e Conservatória do Registo Predial, designadamente pedidos de rectificação de áreas de prédios rústicos e urbanos e averbamento de prédios, utilizando levantamentos topográficos por si encomendados. Vide requerimentos CITIUS referências 8170575 de 12/11/21 e 8349696 de 18/01/2022.
2ª- A petição inicial aperfeiçoada de 6/10/2022, reproduz as vicissitudes/mudanças alcançadas com os procedimentos descritos em 1ª e, para além das deficiências sobejamente apontadas pelo tribunal “a quo”, apresenta vícios de estruturação substantiva da acção e uma clara alteração na exposição da matéria de facto, com introdução de nova matéria de facto que traduz também uma clara alteração da causa de pedir.
3ª - O âmbito do aperfeiçoamento do articulado apenas pode ter por objecto o suprimento de pequenas omissões ou meras imprecisões ou insuficiências na alegação da matéria de facto, sob pena de completa subversão do princípio do dispositivo, o que justifica as limitações impostas pelo nº 6 do artigo 590.º do CPCivil, o que aqui se invoca para todos os legais efeitos.
4ª - No cumprimento do despacho de aperfeiçoamento não pode a parte apresentar um aditamento ou correcção do seu articulado inicial que conduza a uma “alteração unilateral” do pedido ou da causa de pedir, em colisão com o preceituado no artigo 265.º do CPCivil e com o princípio da estabilidade da instância consagrado na lei processual civil (cf. artigo 260.º do mesmo diploma legal), o qual se encontra manifestamente violado e que ora também se invoca”.
Avaliando.
Diz-nos a norma do artigo 590.º do Código do Processo Civil – será o diploma a citar sem menção de origem:
1 - Nos casos em que, por determinação legal ou do juiz, seja apresentada a despacho liminar, a petição é indeferida quando o pedido seja manifestamente improcedente ou ocorram, de forma evidente, exceções dilatórias insupríveis e de que o juiz deva conhecer oficiosamente, aplicando-se o disposto no artigo 560.º (o autor pode apresentar outra petição ou juntar o documento a que se refere a primeira parte do disposto na alínea f) do artigo 558.º, dentro dos 10 dias subsequentes à recusa de recebimento ou de distribuição da petição, ou à notificação da decisão judicial que a haja confirmado, considerando-se a ação proposta na data em que a primeira petição foi apresentada em juízo).
2 - Findos os articulados, o juiz profere, sendo caso disso, despacho pré-saneador destinado a:
a) Providenciar pelo suprimento de exceções dilatórias, nos termos do n.º 2 do artigo 6.º;
b) Providenciar pelo aperfeiçoamento dos articulados, nos termos dos números seguintes;
c) Determinar a junção de documentos com vista a permitir a apreciação de exceções dilatórias ou o conhecimento, no todo ou em parte, do mérito da causa no despacho saneador.
3 - O juiz convida as partes a suprir as irregularidades dos articulados, fixando prazo para o suprimento ou correção do vício, designadamente quando careçam de requisitos legais ou a parte não haja apresentado documento essencial ou de que a lei faça depender o prosseguimento da causa.
4 - Incumbe ainda ao juiz convidar as partes ao suprimento das insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada, fixando prazo para a apresentação de articulado em que se complete ou corrija o inicialmente produzido.
5 - Os factos objeto de esclarecimento, aditamento ou correção ficam sujeitos às regras gerais sobre contraditoriedade e prova.
6 - As alterações à matéria de facto alegada, previstas nos n.os 4 e 5, devem conformar-se com os limites estabelecidos no artigo 265.º, se forem introduzidas pelo autor, e nos artigos 573.º e 574.º, quando o sejam pelo réu.”
Ora, decorre de tal norma, que o âmbito do aperfeiçoamento do articulado, em regra, apenas pode ter por objecto o suprimento de pequenas omissões ou meras imprecisões ou insuficiências na alegação da matéria de facto, sob pena de completa subversão do princípio dispositivo, o que justifica as limitações impostas pelo seu nº 6.
Por isso, no cumprimento do despacho de aperfeiçoamento -  determina-se agora que “incumbe ao juiz”, numa clara assunção de que o convite ao aperfeiçoamento deixou de constituir uma simples possibilidade, um poder, para se assumir como um dever, como um acto vinculado a ser praticado - não pode a parte, na resposta, apresentar um aditamento ou correcção do seu articulado inicial que conduza a uma alteração unilateral do pedido ou da causa de pedir, em colisão com o preceituado no artigo 265.º e com o princípio da estabilidade de instância consagrado na lei processual civil - artigo 260.º.
Cabe ao juiz respeitar e fazer observar o princípio do contraditório ao longo de todo o processo, não lhe sendo lícito conhecer de questões sem dar a oportunidade às partes de, previamente, sobre elas se pronunciarem, sendo proibidas decisões-surpresa.
Ora, nas palavras da 1.ª instância, o prosseguimento dos autos depende da correta identificação dos prédios e da possibilidade de se estabelecer a correspondência entre a situação registal e matricial desses prédios e a realidade, sendo preciso e esclarecedor, na sua motivação fáctica, o julgador da 1.ª instância:
“Neste sentido, a suposta confusão a que reiteradamente aludem os réus nos articulados para obstaculizar o reconhecimento da servidão de passagem refere-se unicamente às divergências na identificação matricial dos prédios – para o que também eles contribuíram – e não à realidade predial que eles próprios há décadas conhecem e que é facilmente apreensível pela visualização do local (ou até da conjugação das representações gráficas e das imagens do local que se encontram nos autos), quanto à localização dos prédios e, sobretudo, do caminho a que se refere a servidão de passagem que os autores pretendem ver reconhecida. De resto, os réus reconhecem expressamente que o prédio dos réus DD, EE e GG se encontra onerado com uma serventia, ainda que apenas para acesso ao prédio urbano da ré CC (cf. artigo 10.º da contestação/reconvenção). Conhecendo os réus a identificação e limites dos seus próprios prédios, assim como desde 1992 reconhecem a titularidade e limites do prédio dos autores, que está também juridicamente autonomizado e identificado, não se acompanha a suposta incapacidade de entendimento manifestada pelos réus em entender a pretensão dos autores”.
Por isso, teremos de acompanhar o alegado pelos Apelados quando escrevem:
“O tribunal a quo formulou um convite ao aperfeiçoamento com vista à mais exata identificação dos prédios no que a matriz e à descrição predial dizia respeito na sequencia desse convite a autora apresentou a sua p.i aperfeiçoada a apresentação da p.i aperfeiçoada não alterou a instância quanto as pessoas, ao pedido, à causa de pedir ou a qualquer facto essencial.
Nenhuma alteração se verificou quanto aos concretos prédios em causa nos autos.
Na verdade, os artigos matriciais indicados mantiveram-se, esclarecendo-se apenas a evolução das matrizes prediais e a situação registral dos mesmos os AA. identificaram sempre o seu prédio pela descrição ...69 da freguesia ....
Prédio, que ao contrário do que alegam as RR, estava, aquando da propositura da ação, registado na conservatória como prédio rústico prédio ao qual foi necessário averbar a casa de habitação dos AA, para uma total coicidência entre o teor do registo predial e a realidade, pelo que não é verdade que na pendência da ação os AA. tenham apresentado pedidos de inscrição predial do seu prédio o qual já se encontrava inscrito tão pouco apresentaram pedidos de registo, mas tão só pedidos de actualização da descrição o que os AA. fizeram foi averbar a casa de habitação ao seu prédio, o que se traduz numa atualização da matriz e da descrição e não na apresentação de novos pedidos da p.i aperfeiçoada, não decorre qualquer alteração das concretas parcelas sobre as quais foram praticados os atos materiais descritos nos articulados ademais a definição do objeto do litigio e a enunciação dos temas da prova tiveram por referencia essas parcelas e não artigos matriciais a dificuldade de estabelecer uma relação de conexão ou proveniência entre os artigos teve origem do facto de a autora e a ré DD terem adotado procedimentos para de forma mais célere, legalizar e formalizar os respetivos prédios, contornando os entraves legais que se colocariam, caso se se baseassem apenas nos atos e negócios realmente ocorridos.
No entanto, independentemente do juízo que pudesse fazer-se acerca desses procedimentos tendentes a viabilizar a formalização e reconhecimento dos respetivos direitos de propriedade, os mesmos apenas visaram ajustar a titularização de direitos sobre os prédios à realidade existente e aceite pelas três irmãs confinantes”.
Concluindo:
“1- a apresentação da p.i aperfeiçoada não alterou a instância quanto as pessoas, ao pedido, à causa de pedir ou a qualquer facto essencial
2- nem decorre da mesma qualquer alteração das concretas parcelas sobre as quais foram praticados os atos materiais descritos nos articulados
3- ora, são essas concretas parcelas e não as matrizes que constituem factos essenciais na presente ação
4- acresce que as RR. nas constestações que apresentaram mostraram ter identificado os prédios em causa nos autos
5- o tribunal a quo, procurou, em cumprimento do dever de gestão processual, instar as partes a esclarecer às divergências na identificação matricial dos prédios
6- O cumprimento dos princípios da cooperação, da auto-responsabilidade das partes e da boa fé processual impunham que também as RR. tivessem contribuido para esses esclarecimentos, nomeadamente levando ao conhecimento dos autos os procedimentos por si adoptados
7- Ao contrário, os RR, procuraram sempre usar em seu beneficio a dificuldade de estabelecer uma correspondência, conexão ou sucessão nas matrizes e registos prediais, para a qual aliás contribuíram
8- sendo que mais uma vez, e agora em sede de recurso, mantêm a mesma postura processual, usando os esclarecimentos e informações careadas para o processo pelos AA., em consequência do convite ao aperfeiçoamento formulado pelo tribunal a quo, para, a proposito, invocar a violação do
9- artigo 265 do CPC e do principio da estabilidade da instância
10- acontece que, in casu, não se verifica a violação do artigo 265 do CPC e do principio da estabilidade da instância.”
Improcede, pois, a primeira conclusão do recurso.
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2.2 -Da impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
A 1.ª instância fixou, assim, a sua matéria de facto:
II – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO (1 Ordenados por ordem lógica e cronológica, considerando as regras de repartição do ónus da prova, independentemente do articulado em que foram alegados e da sequência em que aí foram descritos) (2 Os artigos indicados na fundamentação de facto referem-se aos articulados em que as partes procederam ao aperfeiçoamento da petição inicial (ref. 9080289, de 06/10/2022) e da contestação (ref. 9110946, de 17/10/2022).
a) Factos provados
A) Está registada, a favor dos autores, a aquisição do prédio urbano composto de casa de habitação de cave, rés-do-chão e logradouro, sito na Rua ..., ..., descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...18, da freguesia ..., inscrito na matriz sob o artigo ...69..., da mesma freguesia [artigo 18.º da petição inicial].
B) Está registada, a favor dos réus EE, casado com FF, GG e DD, a aquisição do prédio composto de casa de habitação de rés do chão e sótão, com garagem e logradouro e terra de semeadura, sito na Rua ..., em ..., descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...07, da freguesia ... e inscrito na matriz predial sob os artigos ...64 (rústico) e ...44 (urbano), da mesma freguesia [artigo 10.º da petição inicial].
C) Está registada, a favor da ré CC, a aquisição do prédio composto de terra de semeadura, sito em ..., descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...30, da freguesia ... e inscrito na matriz predial sob o artigo ...90 da mesma freguesia [artigo 13.º da petição inicial].
D) Por escritura de partilha por óbito de HH, realizada em ../../1998:
a) foram adjudicadas duas quintas partes à ré CC, duas quintas partes à ré DD e uma quinta parte à autora da verba onze (terra de semeadura, vinha, três árvores de fruto e pinhal, com a área de quatro mil setecentos e cinquenta metros quadrados, sito em ..., a confrontar do norte, sul e nascente com II, e do poente com caminho, inscrito na matriz respetiva sob o artigo ...90, com o valor patrimonial de 5.721$00) [artigo 5.º da petição inicial];
b) foi adjudicada à ré CC a verba um (casa de rés-do-chão, para habitação, seis divisões, com a superfície coberta de sessenta e três metros quadrados, sito em ..., a confrontar do norte, sul, nascente e poente com JJ, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...83, com o valor patrimonial de 1.993$00) [artigo 2.º da contestação].
E) HH, pai da autora e das rés DD e CC, construiu a sua casa de habitação, referida na alínea D)-b), há mais de 50 anos [artigos 2.º e 29.º da petição inicial, ressalvando o conteúdo do ponto 1 dos factos não provados].
F) A ré DD construiu a sua casa de habitação, referida na alínea B), em 1983, no prédio identificado nas alíneas C) e D)-a), com a autorização do seu pai [artigo 3.º da petição inicial].
G) Em 1992 os autores construíram a sua casa de habitação, referida na alínea A) [artigo 48.º da petição inicial].
H) A autora, com autorização do seu pai, ocupou uma parcela do prédio identificado nas alíneas C) e D)-a) para nele implantar parte da sua casa, referida na alínea A) [artigo 4.º da petição inicial].
I) A ré CC, desde, pelo menos, fevereiro de 1998, habita e limpa o prédio urbano referido na alínea D)-b) (hoje inscrito sob o artigo ...63 da União de freguesias ... e ..., proveniente do artigo ...83), à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém e na convicção de que é a sua única proprietária [artigo 21.º da contestação/reconvenção].
J) Para acesso ao seu prédio urbano identificado na alínea D)-b), HH, há mais de 50 anos, abriu um caminho no seu prédio rústico referido na alínea C), com 2,82 metros de largura, no sentido poente/nascente, iniciando-se junto à Rua ... e terminando em frente dos anexos da sua casa [artigos 34.º, 36.º, 37.º e 58.º da petição inicial].
K) HH autorizou que o caminho por si constituído passasse a ser utilizado também para acesso ao prédio identificado na alínea A) [artigos 45.º e 46.º da petição inicial].
L) Os autores transitaram, a pé, de carro, com carros de bois, tratores agrícolas, seus atrelados e alfaias agrícolas, entre a Rua ... e o ao prédio descrito na alínea A), pelo caminho referido na alínea J) [artigos 39.º, 56.º, 59.º da petição inicial].
M) O caminho referido na alínea J), até ao prédio descrito na alínea A), com leito em terra, tem cerca de 2,82 metros de largura [artigo 38.º da petição inicial].
N) E passa, em linha reta, sobre o prédio identificado na alínea B), encostado à sua estrema norte, numa extensão de 55,60 metros, no sentido poente-nascente, desde a Rua ... até à estrema nascente desse prédio, definida por um marco de pedra implantado no solo [artigos 38.º e 40.º da petição inicial].
O) E segue, em linha reta sobre o prédio identificado na alínea C), numa extensão de 15,50 metros, no sentido poente-nascente, desde a estrema poente desse prédio, definida pelo marco de pedra referido na alínea N) até atingir o prédio identificado na alínea A) [artigos 38.º e 40.º da petição inicial].
P) Foram transportados pelo caminho descrito nas alíneas M) a O) os materiais utilizados na construção da casa de habitação dos autores [artigo 52.º da petição inicial].
Q) Todos os móveis para a habitação dos autores [artigo 53.º da petição inicial].
R) E, anos mais tarde, os materiais utilizados na construção do poço, dos currais e alpendre para arrumo de lenhas dos autores [artigo 54.º da petição inicial].
S) Foi pelo troço de terreno descrito nas alíneas M) a O) que as pessoas que se deslocavam a casa dos autores transitaram [artigo 60.º da petição inicial].
T) Que foi feito o acesso pelo funcionário que faz a leitura ao contador de eletricidade, que está na parede frontal da casa dos autores [artigos 64.º e 65.º da petição inicial].
U) Que acedeu o carteiro para entregar cartas registadas com aviso de receção aos autores [artigo 66.º da petição inicial].
V) Que acedeu o padeiro para deixar diariamente o pão aos autores [artigo 67.º da petição inicial].
W) E que foi feito o acesso para reparação/manutenção de três postes de eletricidade pública existentes junto ao caminho referido nas alíneas M) a O) [artigos 69.º e 70.º da petição inicial].
X) A caixa de correio onde o carteiro deposita as cartas dirigidas aos autores localiza-se no inicio do caminho referido nas alíneas M) a O), junto à Rua ... [artigo 68.º da petição inicial].
Y) Os atos descritos nas alíneas L) a X) processaram-se, durante mais de 25 anos, à vista de toda a gente, ininterruptamente, sem oposição, até à colocação do portão referido na alínea AA), e no convencimento de os autores exercerem um direito próprio e sem lesarem direitos ou interesses alheios [artigo 78.º da petição inicial].
Z) O troço de terreno descrito nas alíneas M) a O) encontra-se calcado pela passagem de pessoas, animais, viaturas de tração animal e tratores e marcado no solo pelas respetivas pisadas e rodados [artigo 71.º da petição inicial].
AA) A ré DD construiu um muro e dois pilares e colocou um portão com fechadura no inicio do caminho referido nas alíneas M) a O), junto à Rua ... [artigo 84.º da petição inicial].
BB) O portão fechado à chave referido na alínea AA) impede os autores de aceder ao prédio identificado na alínea A), através do caminho descrito nas alíneas M) e O) [artigos 91.º e 94.º da petição inicial].
CC) Pelo menos desde 1992, existia um acesso, a pé, ao prédio identificado na alínea A), por uma parcela de terreno, desde a Rua ... até atingir a casa de habitação dos autores [artigos 27.º e 28.º da contestação/reconvenção].
DD) Desde há cerca de dez anos, a parcela de terreno referida na alínea CC) está integrada no prédio identificado na alínea A) [artigo 27.º da contestação/reconvenção].
EE) Com a largura de 3,88 metros, junto à Rua ... [artigo 27.º da contestação/reconvenção].
FF) E 39,18 metros de extensão, entre a Rua ... e a parcela pavimentada encostada à fachada nascente da casa dos autores [artigos 27.º e 28.º da contestação/reconvenção].
GG) Está asfaltada numa extensão de 11,50 metros de comprimento, a contar da Rua ..., no sentido nascente-poente [artigo 28.º da contestação/reconvenção].
HH) E segue, no sentido sul-norte, em terra batida, calcada pela passagem de rodados de veículos automóveis no restante percurso [artigo 28.º da contestação/reconvenção].
II) Desde há cerca de 10 anos, os autores também entram e saem do prédio identificado na alínea A), a pé, de carro e com tratores, por intermédio da parcela de terreno referida nas alíneas DD) a HH) [artigo 7.º da contestação/reconvenção].
b) Factos não provados
1. HH construiu a sua casa de habitação no prédio inscrito na matriz sob o artigo ...90 [artigos 1.º 2.º e 30.º da petição inicial, ressalvando o conteúdo da alínea E) dos factos provados].
2. Os autores acediam pelo troço de terreno referido nas alíneas M) a O) ao poço que se localiza na frente da sua casa de habitação e cuja água é por eles utilizada em casa, para regar as culturas existentes no seu prédio e para dar aos animais [artigos 61.º e 62º da petição inicial].
3. Sem o acesso pela parcela de terreno referida nas alíneas M) a O), o primeiro andar da casa fica sem nenhum acesso ao exterior [artigo 82.º da petição inicial].
4. E quem se desloque a casa dos autores tem de aceder, pelos currais sitos nas traseiras, ao rés-do-chão e, no interior da casa, aceder ao primeiro andar através de uma escada [artigo 83.º da petição inicial].
Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa, não se reproduzindo a matéria repetida, irrelevante, conclusiva, de direito ou que se traduz na aceitação ou impugnação (ainda que motivada) dos factos relevantes alegados peala contraparte, nem se transcrevendo os factos instrumentais (atendíveis na motivação da decisão da matéria de facto) [artigos 6.º a 9.º, 11.º, 12.º, 14.º a 16.º, 17.º, 19.º a 28.º, 31.º a 33.º, 35.º, 41.º a 44.º, 47.º 49.º, 50.º, 51.º, 55.º, 57.º, 63.º, 72.º a 77.º, 79.º, 80.º, 85.º a 93.º e 95.º a 99.º da petição inicial e 1.º a 5.º, 8.º a 20.º, 22.º a 26.º, 29.º e 30.º da contestação/reconvenção].
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Como é sabido, a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova - consagrado no artigo 607.º nº 5  - que está deferido ao tribunal da 1ª instância, sendo que, na formação da convicção do julgador não intervêm apenas elementos racionalmente demonstráveis, já que podem entrar também elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação vídeo ou áudio, pois que a valoração de um depoimento é algo absolutamente imperceptível na gravação/transcrição.
A lei determina expressamente a exigência de objectivação, através da imposição da fundamentação da matéria de facto, devendo o tribunal analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador - artigo 607.º, nº 4.
Todavia, na reapreciação dos meios de prova, o Tribunal da Relação procede a novo julgamento da matéria de facto impugnada, em busca da sua própria convicção, desta forma assegurando o duplo grau de jurisdição sobre essa mesma matéria, com a mesma amplitude de poderes da 1.ª instância.
Quando o pedido de reapreciação da prova se baseie em elementos de características subjectivas – nomeadamente prova testemunhal -, a respectiva sindicação tem de ser exercida com o máximo cuidado e só deve o tribunal de 2.ª instância alterar os factos incorporados em registos fonográficos quando efectivamente se convença, com base em elementos lógicos ou objectivos e com uma margem de segurança muito elevada, que houve errada decisão na 1.ª instância, por ser ilógica a resposta dada em face dos depoimentos prestados ou por ser formal ou materialmente impossível, por não ter qualquer suporte para ela.
Por outro lado, o tribunal aprecia livremente as declarações das partes, salvo se as mesmas constituírem confissão.
Em direito processual, sendo a prova o acto ou série de actos processuais através dos quais há que convencer o juiz da existência ou inexistência dos dados lógicos que tem que se ter em conta na causa, o ónus da prova  - artigo 342º do Código Civil -  é a obrigação que recai sobre os sujeitos processuais da realidade de tais actos. Incorrendo a parte, a quem compete o encargo de fornecer a prova do facto visado, nas desvantajosas consequências de se ter como líquido o facto contrário, quando omitiu ou não logrou realizar essa prova.
Os Juízes têm necessariamente de fazer uma análise crítica e integrada dos depoimentos com os documentos e outros meios de prova que lhes sejam oferecidos, por isso, quem invoca a violação do valor tabelado de um meio de prova tem de tornar claro o sentido da sua alegação, por referência aos elementos do processo.
Apenas mais esta nota:
Como é sabido, a presunção do artigo 7.º do Código do Registo Predial, na parte em que se refere ao objeto, só faz presumir que o facto inscrito incide sobre a coisa identificada na descrição, mas já não as respectivas características - a presunção do registo não se estende à verdade material das confrontações do prédio/a presunção de tal norma não abrange os elementos de identificação ou a composição (áreas) dos prédios, porque tal depende da declaração dos titulares e não é verificado pelo Conservador.
Neste enquadramento, também as declarações dos outorgantes nas escrituras públicas acerca das confrontações e/ou áreas dos imóveis constituem meros elementos identificadores do prédio, para efeitos de escritura, não gozando da força probatória plena dos documentos autênticos.
Com efeito, os correspondentes documentos apenas fazem prova plena dos factos que nele são referidos como praticados pela autoridade ou oficial público respetivo, assim como dos factos que nele são atestados com base nas perceções da entidade documentadora, sendo que os meros juízos pessoais do documentador só valem como elementos sujeitos à livre apreciação do julgador - artigo 371.º, n.º 1 do Código Civil.
Por outro lado, no que se reporta às matrizes prediais, tendo efeitos meramente fiscais, não constituem garantia suficiente das áreas e delimitações delas constantes, até porque podem ser resultado de declarações dos próprios interessados e estão sujeitas a factores de desactualização por decomposição ou por agregação pelos mais variados motivos, designadamente, endireitamento de estremas, acessão, emparcelamento, divisão, desanexação, venda, troca verbal, devendo concluir-se que “[a]s inscrições matriciais não fazem prova plena da localização, da área, da composição, dos limites e das confrontações dos prédios a que se referem, pois que nenhum desses elementos concernentes à identificação física destes é atestado pela autoridade ou funcionários competentes com base nas suas percepções” - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10-12-2019 (relatora: Graça Amaral), p. 1808/03.0TBLLE.E1. S1, disponível em www.dgsi.pt.
O que alegam, neste particular, os Apelantes:
“20ª: Quanto ao facto H), apesar da prova testemunhal produzida/registada e ora descrita apontar em sentido contrário; a declaração subscrita por HH a 19/03/1992 identificar um artigo matricial distinto;” sendo inviável identificar uma correspondência, conexão ou sucessão nas matrizes e registos prediais- fls 10 da sentença, o Tribunal a quo, julgou contra todas estas evidências.
21ª - É pois manifesto e claro que, pelo menos a decisão sobre o facto H) foi proferida ao total arrepio da documentação predial junta aos autos e referida a fls. 8 da sentença recorrida, revelando-se meridianamente desacobertada e contrária a tal prova.
22ª - A fls. 6 da douta sentença o Tribunal “a quo” julgou como não Provado que: “1. HH construiu a sua casa de habitação no prédio inscrito na matriz sob o artigo ...90 “
23ª – De igual modo, face á prova documental mencionada e depoimentos das testemunhas gravados/registados/identificados e reproduzidos supra, o Facto H) deveria ter merecido a resposta de NÃO PROVADO.
24ª - Face ao depoimento das testemunhas KK, LL, MM e NN, gravados/registados/identificados e reproduzidos supra, o tribunal “a quo” deveria ter considerado provado que:
“O acesso do prédio dos AA à via pública provado em CC), DD), EE), FF), GG), HH), II) é o que fica mais próximo da sede da freguesia, do posto médico, da farmácia, das lojas.
Esmiuçando os autos:
Da inspeção judicial resulta o seguinte:
“Quando eram 13:47 horas, o Tribunal, de táxi, deslocou-se à Rua ..., ..., onde se encontravam os autores e réus acima referidos e os Mandatários das partes.
*
Chegados pelas 14:20 horas, o Mm.º Juiz, com os Mandatários, os Autores e as Rés presentes, procedeu à realização da diligência, tendo sido visualizado o local, tiradas medidas e as fotografias que se seguem, verificando-se o seguinte:
a) Junto à Rua ... existe um marco implantado no solo que delimita o prédio da ré DD do prédio confinante a norte [fotografia n.º 1];
b) Junto a esse marco, entre a Rua ... e um portão com fechadura, a nascente, implantado no prédio da ré DD existem três caixas de correio, com os números 10, 12 e 14, respetivamente [fotografia n.º 1];
c) O portão com fechadura está implantado entre dois pilares que distam entre si 3,28 metros [fotografia n.º 1];
d) Existe um marco implantado no solo que define a estrema nascente do prédio da ré DD e poente da ré CC e, simultaneamente, a estrema norte de cada um desses prédios e sul do prédio dos autores [fotografia n.º 4];
e) Junto à fachada nascente das casas dos autores e da ré CC existe um marco em pedra que define a estrema norte do prédio dos primeiros e a estrema sul do prédio da segunda [fotografia n.º 8];
f) A delimitação das estremas norte do prédio dos autores e sul do prédio da ré CC, definida pelos marcos referidos nas alíneas d) e e), coincide, na frente da fachada poente da casa dos autores, com o local onde se inicia uma sebe [fotografia n.º 5];
g) Entre o marco referido na alínea a) e o marco referido na alínea d) existe uma parcela de terreno com erva cortada e vestígios de rodados com cerca de 55,60 metros [fotografias n.os 2 e 3];
h) Estão implantados dois postes de eletricidade no lado sul da parcela de terreno referida na alínea g), um poste de eletricidade encostado à fachada poente da casa da ré CC e um poste de média tensão no prédio dos autores, a norte da casa [fotografias n.os 2, 3, 4 e 5];
i) A parcela de terreno referida na alínea g), no ponto em que se encontra implantado um poste de eletricidade tem a largura de 2,82 metros, entre esse poste e o muro existente na estrema norte do prédio da ré DD [fotografia n.º 2];
j) Entre o marco referido na alínea e) e o início da sebe referida na alínea f) existe uma parcela de terreno com erva cortada e solo calcado, com cerca de 15,50 metros [fotografias n.os 2 e 3];
k) Existe um contador de eletricidade, entre duas portas, na fachada poente da casa dos autores, na qual se encontra aposto o número 14 [fotografia n.º 7];
l) Existe um poço tapado em frente da fachada poente da casa dos autores [fotografia n.º 6];
m) Existe uma porta na fachada nascente da casa dos autores que permite o acesso, através de escadas interiores, ao primeiro andar (ao nível da fachada poente da casa) [fotografias n.os 9, 10 e 11;
n) Existe um portão encostado à fachada nascente da casa dos autores que permite o acesso a uma parcela de terreno situada a norte da casa e, através desta, à parcela situada a poente [fotografia n.º 9];
o) A nascente da casa dos autores existe uma parcela pavimentada através da qual se acede à porta referida na alínea m) e a espaços de arrumos situados a norte [fotografia n.º 10 e 12];
p) Existe um caminho com cerca de 39,18 metros de extensão que liga a Rua ... à parcela referida na alínea o) [fotografias n.os 13, 14, e 15];
q) O caminho referido na alínea p) é alcatroado numa extensão de 11,50 metros de comprimento e 3,88 de largura, junto à Rua ... e constituído em terra batida, com marcas de rodados, no restante percurso, existindo no mesmo um portão, a cerca de 30 metros da rua [fotografias n.os 13, 14, e 15].
Retirado o retrato ao espaço físico objecto da acção, esmiucemos o restante lastro probatório, sendo que a verdade possível não pode ser extraída, apenas, de certas partículas probatórias, nomeadamente testemunhal.
Desde logo, resulta dos articulados que os réus não contestam, e até reconhecem, expressamente, a abertura do caminho, por HH, há mais de 50 anos, defendendo apenas que tal caminho se destinava a acesso exclusivo ao prédio onde aquele implantou a sua casa e que foi transmitido, na partilha, à ré CC - e já não ao prédio dos autores, que aqueles negam provir da titularidade de HH) (cf. artigos 10.º, 22.º e 23.º da contestação/reconvenção) [alínea J)]. Reconhecem expressamente que o prédio dos réus DD, EE e GG se encontra onerado com uma serventia, ainda que apenas para acesso ao prédio urbano da ré CC. Conhecendo os réus a identificação e limites dos seus próprios prédios, assim como desde 1992 reconhecem a titularidade e limites do prédio dos autores, que está também juridicamente autonomizado e identificado.
E, no que concerne à localização da casa construída pelos autores, resulta das próprias declarações de parte da autora e do depoimento das testemunhas OO, PP e LL que aqueles adquiriram uma parcela do prédio confinante a norte com os terrenos de HH.
Essa aquisição é também revelada pelo confronto da configuração destes terrenos na representação gráfica utilizada para efeito de construção da casa da ré DD  - no âmbito do processo camarário n.º 931/83; doc. 19 junto com a petição inicial – onde a respectiva estrema norte constitui uma linha reta perpendicular, relativamente ao caminho público - Rua ... –, com a configuração dos limites do prédio dessa ré e dos autores na planta de localização  - junta aos autos a 14/07/2022 - resulta igualmente dos levantamentos topográficos respeitantes ao prédio dos autores - doc. 7 junto com a petição inicial e doc. junto aos autos a 01/06/2022 – que parte dessa casa  - e do logradouro a poente da mesma-  foi efectivamente implantado no terreno do pai da autora.
Também as fotos 2 e 3 do auto de inspeção e os doc. 27, 28 e 31 da petição inicial permitem percepcionar que parte da casa edificada pelos autores se sobrepunha a uma das construções preexistente como anexos da casa de HH.
A delimitação primitiva do terreno de HH figura ainda na planta de localização - apresentada pela ré DD com o pedido de inscrição na matriz do respetivo prédio – documento junto a 14/07/2022 -  na qual se identifica a estrema norte, em linha recta, que aí prossegue até atingir o meio da casa dos autores.
No mesmo sentido, as imagens aéreas do local, datadas de 24.05.2006, 28.07.2007, 17.10.2010, 16.07.2012 e 27.06.2015 - docs. 13 a 17 da petição inicial - demonstram que a linha recta que o caminho configura  - e que nenhum elemento probatório contraria e que, além de se sustentar em toda prova testemunhal, que revelou não ter havido alteração na configuração desse caminho, é congruente com as regras da experiência comum - atingiria frontalmente a metade sul da fachada poente da casa dos autores – v. fotos juntas como doc. 10, 25 e 31 da petição inicial.
A cedência de uma parcela do seu prédio para construção da casa dos AA. é também corroborada pela declaração subscrita por HH, a 19.03.1992 - doc. 8 junto com a petição inicial.
Ainda que aí se identifique um artigo matricial, foi com essa declaração que foi viabilizada a construção da casa dos autores, nesse mesmo ano, não sendo verosímil que, estando pendente o procedimento para licenciamento dessa construção - com planta de situação elaborada em setembro de 1991 e com projeto aprovado a 24/04/1992 – cf. doc. 18 junto com a petição inicial -, uma autorização para construção assinada a 19.03.1992 não se referisse a essa mesma construção
Também se harmoniza com a constatação que HH cedeu uma parcela para construção da casa da autora o facto de no momento da partilha, o prédio originário - verba 11 - ter sido adjudicado à autora na proporção de 1/5, às rés CC e DD na proporção de 2/5 para cada uma. Adjudicação que visou fazer corresponder a titularidade do remanescente daquele prédio à realidade, com a viabilidade de autonomização jurídica dos prédios que resultaram de prévias cedências de parcelas de terreno desse prédio para construção das casas da autora e da ré DD, pelo pai.
Ainda neste sentido, do confronto entre a área do prédio originário (artigo 15190) indicada no documento complementar da escritura da partilha (verba 11) e no contrato de doação (4750m2 ) e a soma das áreas indicadas na descrição predial desse mesmo prédio, quando registado em nome da ré CC, a 30/11/2012 (2165m2 ), e do prédio registado em nome dos restantes réus (2165m2 ), resulta uma diferença (420m2 ), compatível com a cedência de uma parcela desse prédio à autora pelo pai (cf. doc. 1 da contestação e certidões juntas a 03/12/2020 e 14/072022)
Pelo que a prova documental não deixou dúvidas sobre o facto de a casa dos AA. ter sido construída também numa parcela cedida por HH
Ora, a prova documental e a resultante da inspecção judicial foi corroborada pela testemunha MM, que afirmou, quanto ao local onde se situam todas as casas e terrenos, que era tudo dos pais  - da autora e das rés DD e CC; bem como pela testemunha PP, que admitiu que a A. teria comprado uma parcela ao lado do pai, esclarecendo que a do pai não dava e teve que comprar ao lado mais uma parcelazinha; também OO admitiu que parte do prédio da autora - os terrenos para a frente, nomeadamente, onde está o poço - pudesse ter advindo do pai, HH, uma vez que era este quem amanhava o terreno todo, incluindo a parte onde está o poço situado no prédio dos autores – cf. alínea l), doc. 9 da petição inicial e foto 6 do auto de inspeção e levantamento topográfico junto a 01/06/2022).
Como motiva a 1.ª instância, motivação essa que acompanhamos, “essa aquisição é também revelada pelo confronto da configuração destes terrenos na representação gráfica utilizada para efeito de construção da casa da ré DD (no âmbito do processo camarário n.º 931/83) (doc. 19 junto com a petição inicial) – onde a respetiva estrema norte constitui uma linha reta perpendicular, relativamente ao caminho público [Rua ...] –, com a configuração dos limites do prédio dessa ré e dos autores na planta de localização (junta aos autos a 14/07/2022) e nos levantamentos topográficos respeitantes ao prédio dos autores (doc. 7 junto com a petição inicial e doc. junto aos autos a 01/06/2022) – em que a mesma estrema se mantém como a mesma linha reta, junto à Rua ... mas que, no ponto onde confluem as estremas norte e sul do prédio dos autores, a estrema norte deste prédio flete nessa direção (no sentido poente nascente) –, o que permite concluir que a casa dos autores (e o logradouro adjacente a norte) não foi integralmente implantada no terreno originário de HH.
Contudo, os mesmos documentos permitem também constatar que parte dessa casa (e do logradouro a poente da mesma) foi efetivamente implantado naquele terreno do pai da autora.
Assim, tendo por referência a estrema norte do prédio de HH, junto à Rua ... representada no documento que viabilizou a construção da moradia que agora é dos réus DD, EE e GG (doc. 19 junto com a petição inicial), verifica-se que, nos levantamentos topográficos (doc. 7 da petição inicial e doc. junto a 01/06/2022), que respeita a localização dos marcos existentes no local, no mesmo ponto em que a estrema norte do prédio dos autores flete nessa direção (norte), a estrema sul do mesmo prédio flete também, ainda que de forma mais ligeira, no sentido poente-nascente, nesta direção (sul), passando a linha reta única anterior, entre a Rua ... e a estrema nascente do terreno de HH, a dois segmentos de reta com orientação não exatamente coincidente..
Pese embora a delimitação feita na planta de situação apresentada para efeito de construção da casa dos autores [doc. 18 junto com a petição inicial] não reproduza fielmente a configuração do prédio (na medida em que, aí, o prédio estender-se-ia até à via pública, quando é inequívoco que, nessa parte sempre apresentou uma configuração triangular em que o vértice das estremas norte e sul se situava no interior do prédio originário do pai, onde atualmente termina o muro que a ré DD construiu a norte da sua parcela e é visível nas fotografias - cf. fotos 2 e 3 do auto de inspeção e doc. 27, 28 e 31 da petição inicial)), é possível percecionar que parte da casa edificada pelos autores se sobrepunha a uma das construções preexistente como anexos da casa de HH. E constata-se ainda que a serventia nessa planta de situação (em 1991) terminaria em frente de um primeiro anexo a norte da casa, que figurava na planta de situação apresentada no processo 931/83 (cf. docs. 18 e 19 da petição inicial)). Por outro lado, esta planta anterior revela que existia uma parcela de terreno, a norte, entre esse anexo e a estrema norte do prédio (não coincidindo essa edificação com a estrema norte), enquanto na planta posterior (de 1991) surge um segundo anexo (sobre o qual seria implantada a casa dos autores), a norte do primeiro e encostado ao mesmo, no local onde, anteriormente (1983), se situava aquela parcela de terreno sem construções.
Essa delimitação primitiva do terreno de HH figura ainda na planta de localização (apresentada pela ré DD com o pedido de inscrição na matriz do respetivo prédio – documento junto a 14/07/2022) na qual se identifica a estrema norte, em linha reta, que aí prossegue até atingir o meio da casa dos autores (sendo que essa linha não poderia representar a estrema sul do prédio dos autores que, como é pacificamente aceite pelas partes, é definida, a nascente, por um marco em pedra existente junto à fachada nascente das casas dos autores e da ré CC e coincide, na frente da fachada poente da casa dos autores, com o local onde se inicia uma sebe, tal como está representada nos levantamentos topográficos relativos ao prédio dos autores (cf. alíneas e) e f) e fotos 4, 5 e 8 do auto de inspeção judicial)).
No mesmo sentido, as imagens aéreas do local, datadas de 24/05/2006, 28/07/2007, 17/10/2010, 16/07/2012 e 27/06/2015 (cf. docs. 13 a 17 da petição inicial) demonstram que a linha reta que o caminho configura (e que nenhum elemento probatório contraria e que, além de se sustentar em toda prova testemunhal, que revelou não ter havido alteração na configuração desse caminho, é congruente com as regras da experiência comum) atingiria frontalmente a metade sul da fachada poente da casa dos autores (cf. a fotos juntas como doc. 10, 25 e 31 da petição inicial). Aliás, acompanhando essa servidão a configuração da própria estrema do prédio de HH, verifica-se também que essa estrema atingiria aquela fachada, sensivelmente, no ponto onde existe uma rampa, representada no levantamento topográfico junto a 01/06/2022 e visível nas fotos 4 a 6 que integram o auto de inspeção).
A cedência de uma parcela do seu prédio para construção é também corroborada pela declaração subscrita por HH, a 19/03/1992 (doc. 8 junto com a petição inicial). Ainda que aí se identifique um artigo matricial, foi com essa declaração que foi viabilizada a construção da casa dos autores, nesse mesmo ano. Independentemente de ter ou não existido um lapso nessa identificação (ou, à semelhança do que fizeram depois a autora e a ré DD, constituísse também um consciente expediente para contornar normas legais que pudessem contender com o licenciamento da construção no local que, nessa data, não confinava sequer com qualquer via pública), HH residia na casa imediatamente ao lado da construída pelos autores em 1992 e viveu até ../../1994 (cf. escritura de partilha, junta como doc. 6 da petição inicial), o que lhe teria permitido aperceber-se que era ali que os autores estavam a construir a sua casa e não no prédio com o artigo que foi mencionado na referidas declaração (também seu, mas noutra localização). Neste contexto, mesmo que não se comprovasse que a casa dos autores foi realmente construída em parte numa parcela cedida pelo pai da autora (sobrepondo-se mesmo a um anexo da casa deste), não seria verosímil que, estando pendente o procedimento para licenciamento dessa construção (com planta de situação elaborada em setembro de 1991 e com projeto aprovado a 24/04/1992 – cf. doc. 18 junto com a petição inicial), uma autorização para construção assinada a 19/03/1992 não se referisse a essa mesma construção, não ocorrendo (nem os réus ofereceram) qualquer explicação plausível para ser assinada uma declaração a autorizar uma construção, numa outra propriedade, quando os autores tinham já diligenciado pela construção da sua casa no local onde se encontra.
Também se harmoniza com a constatação que HH cedeu uma parcela para construção da casa da autora a conduta das partes, no momento da partilha, ficando o prédio originário (verba 11) adjudicado à autora (1/5), à ré CC (2/5) e à ré DD (2/5) bem como ao celebrarem a escritura da doação que possibilitaria fazer corresponder a titularidade do remanescente daquele prédio à realidade, com a viabilidade de autonomização jurídica dos prédios que resultaram de prévias cedências de parcelas de terreno desse prédio para construção das casas da autora e da ré DD, pelo pai. Ainda neste sentido, do confronto entre a área do prédio originário (artigo 15190) indicada no documento complementar da escritura da partilha (verba 11) e no contrato de doação (4750m2) e a soma das áreas indicadas na descrição predial desse mesmo prédio, quando registado em nome da ré CC, a 30/11/2012 (2165m2), e do prédio registado em nome dos restantes réus (2165m2), resulta uma diferença (420m2), compatível com a cedência de uma parcela desse prédio à autora pelo pai (cf. doc. 1 da contestação e certidões juntas a 03/12/2020 e 14/072022)
Perante estes elementos objetivos, a prova testemunhal, reportada a factos ocorridos há mais de 30 anos, revelou-se pouco precisa quando à exata definição da estrema do terreno de HH, donde resultaram depoimentos no sentido de todo o prédio dos autores ter resultado da cedência de uma parcela do prédio do pai (o que a própria autora negou e se constatou já não corresponder à realidade), parte ou nenhuma parcela desse prédio ter sido utilizada para construção da casa dos autores (o que é também desmentido pela restante prova produzida).
Corroboraram as conclusões que se podem extrair imediatamente da prova documental e por inspeção judicial, MM, que afirmou, quanto ao local onde se situam todas as casas e terrenos, que era tudo dos pais (da autora e das rés DD e CC); PP, admitindo, quanto à autora, que parece que comprou uma parcela ao lado do pai, esclarecendo que do pai não dava e teve que comprar ao lado mais uma parcelazinha; OO, tendo afirmado que foi tudo comprado, admitiu também que parte do prédio da autora (os terrenos para a frente, nomeadamente, onde está o poço) pudesse ter advindo do pai [HH], uma vez que era este quem amanhava o terreno todo, incluindo a parte onde está o poço (situado no prédio dos autores – cf. alínea l), doc. 9 da petição inicial e foto 6 do auto de inspeção e levantamento topográfico junto a 01/06/2022); KK, afirmando que os autores fizeram a casa num bocadinho que dispensaram (e que pertenceu ao seu pai, confinante a norte de HH), referiu também que esse bocado chegava ao principio dos cómodos do HH (o que é congruente com a existência do anexo deste na planta de situação junta como 18 da petição inicial, sobre o qual foi implantada parte da casa dos autores)”.
Os depoimentos de QQ e RR, por ausência de objetividade e isenção; de SS, que declarou apenas que não sabe onde chegava o terreno; de TT, que afirmou não saber onde é a casa da autora; e de LL que transmitiu apenas, conclusivamente, que a autora fez a casa em terreno pegado à casa do pai que comprou, e independente da casa do pai (sem prejuízo de a casa dos autores ser realmente independente da casa de HH e, parcialmente, ter sido construída em terreno adquirido ao proprietário confinante).
Em face do exposto, julga-se provado que a autora, com autorização do seu pai, ocupou uma parcela do prédio deste para nele implantar parte da sua casa [alínea H)].
Não decorrendo de qualquer elemento probatório, também não seria congruente com as regras da experiência comum, considerando a configuração do prédio dos autores, que estes, para acederem ao seu poço, circulassem pelo caminho que atravessa os prédios dos réus [ponto 2].
Conforme se constatou na inspeção judicial (e se fez constar do respetivo auto), e se visualiza no levantamento topográfico junto pelos autores a 01/06/202, nas fotografias obtidas naquela diligência, nas imagens aéreas e fotografias juntas com a petição inicial, existe uma parcela de terreno entre a fachada norte da casa dos autores e a estrema norte do respetivo prédio, que permite o acesso ao primeiro andar (e ao logradouro existente a poente da casa), sem necessidade de utilizar as escadas interiores ou a porta existente no rés-do-chão (na fachada nascente da casa) [pontos 3 e 4].
A 1.ª instância, entendeu não relevar os depoimentos de QQ e RR, por ausência de objetividade e isenção; de SS, que declarou apenas que não sabe onde chegava o terreno; de TT, que afirmou não saber onde é a casa da autora; e de LL que transmitiu apenas, conclusivamente, que a autora fez a casa em terreno pegado à casa do pai que comprou o depoimento da testemunha LL, referido pelas RR. em sede de recurso, para sustentarem a alteração da matéria de facto quanto ao pronto H dos factos provados, foi considerado pelo tribunal a quo como conclusivo quanto ao depoimento da testemunha KK, referido pelas RR. em sede de recurso, para sustentarem a alteração da matéria de facto quanto ao pronto H dos factos provados, o tribunal a quo, considerou-o, contudo não retirou dele o alcance que as RR pretendem na verdade considerou esse depoimento congruente com planta de situação junta como 18 da petição inicial que identifica o anexo do prédio de HH sobre o qual foi implantada parte da casa dos autores, ou seja com o facto de a casa dos AA. ter sido construída também numa parcela cedida por HH
O depoimento da testemunha OO, referido pelas RR. em sede de recurso, foi colocado em crise, nomeadamente pela prova documental e prova por inspeção, pelo que não merece qualquer credibilidade
Foi da conjugação da prova documental referida, com a prova que resultou da inspecção judicial e da prova testemunhal que o tribunal a quo entendeu dar como provado que a autora, com autorização do seu pai, ocupou uma parcela do prédio deste para nele implantar parte da sua casa [alínea H dos factos provados)].
Improcede, pois, a impugnação da matéria de facto.
*
2.3. Reconhecimento da (in)existência do direito de servidão de passagem sobre os prédios dos réus, a favor do prédio dos autores;
Neste particular alegam os Apelantes:
“Ora, salvo sempre o devido respeito, a propalada autorização dada pelo pai da A mulher, não significa nem se pode confundir com a constituição de servidão por destinação de pai de família, para efeitos do artº 1549º do Código Civil, o que ora também de invoca e argui para todos os legais efeitos.
A constituição de servidão por destinação de pai de família pressupõe, desde logo, a existência de dois prédios do mesmo dono, ou duas fracções de um só prédio, que venham a separar-se - artº 1549º do C Civil.
Está provado que tanto o prédio urbano da Autora mulher como a casa de habitação da R CC são e foram sempre prédios distintos, autónomos e de diferentes proprietários. Factos A) e D) b)
Provou-se também que a passagem/caminho que o pai abriu há mais de 50 anos foi para acesso à sua casa de habitação que veio, anos depois, a ser adjudicada à R CC no âmbito da partilha e a mais ninguém. Factos E) e J)
A autorização para que a A se servisse por aquela passagem/caminho, a qual já existia muito antes da construção da casa dos AA não tem pois o condão de lhe atribuir a qualificação pretendida (destinação de pai de família) Facto K).
Assim, a passagem em apreço, apenas podia ter sido constituída por usucapião e jamais por destinação de pai de família, o que aqui também se invoca.”
Salvo o devido respeito, não aderimos a tal conclusão.
Neste particular, quanto a esta forma de constituição do direito de servidão, determina o artigo 1549.º do Código Civil:
“Se em dois prédios do mesmo dono, ou em duas frações de um só prédio, houver sinal ou sinais visíveis e permanentes, postos em um ou em ambos, que revelem serventia de um para com outro, serão esses sinais havidos como prova da servidão quando, em relação ao domínio, os dois prédios, ou as duas frações do mesmo prédio, vierem a separar-se, salvo se ao tempo da separação outra coisa se houver declarado no respetivo documento”.
Assim, se em dois ou mais prédios pertencentes ao mesmo dono, existirem sinais que atestem que determinada utilidade de um dos prédios está a ser desfrutada por outro desses prédios, estamos perante uma simples situação de facto, sem qualquer significado jurídico, uma vez que o direito de servidão apenas se constitui em proveito de proprietário diferente do dono do prédio onerado – nemini res sua servit – conforme dispõe o artigo 1543.º do mesmo diploma.
Mas, se, por qualquer acto, os prédios passam a pertencer a titulares distintos, aquela serventia de facto aparente, converte-se num verdadeiro direito de servidão, salvo se ao tempo daquele acto se houver declarado uma oposição à constituição deste direito real. Este direito de servidão nasce, pois, automaticamente, por força da lei, com o acto pelo qual passam a existir pelo menos dois prédios com proprietários diferentes - são as chamadas servidões por destinação do pai de família.
Como esclarece o Acórdão do STJ de 10.3.2022, acessível em www.dgsi.pt:
“ A constituição de uma servidão de passagem por destinação do pai de família é a existência de uma situação de facto reveladora de uma relação de cooperação fundiária que, cessada a impossibilidade de constituição de um direito de servidão, resultante da concentração do domínio dos prédios em causa, na mesma pessoa, justifica que se conceda tutela jurídica a essa relação predial, de modo a preservar uma melhor valorização da propriedade imobiliária; O conteúdo da vontade do proprietário “pai de família” que presidiu à construção do referido corredor e/ou à sua manutenção até á separação da titularidade dos prédios é irrelevante para a verificação dos requisitos necessários à constituição de um direito de servidão por destinação do pai de família; Numa técnica paralela à que ocorre com a usucapião, na constituição do direito de servidão por destinação do pai de família, a lei transmuda uma determinada situação de facto composta por um encadeamento de atos voluntários numa situação jurídica, atribuindo um direito real de servidão, pelo que estamos perante um modo de constituição deste direito que escapa à dicotomia servidões legais/servidões voluntárias; O cariz híbrido do modo de constituição deste direito justifica que a sua disciplina possa recolher, por analogia, soluções, quer no regime das servidões coativas, quer da autonomia de vontade que carateriza as servidões voluntárias”.
Como escreve a 1.ª instância:
“Definido o conteúdo do direito de propriedade dos autores sobre o respetivo prédio, cumpre apreciar o pedido de declaração da existência de uma servidão de passagem por destinação de pai de família ou, subsidiariamente, por usucapião, sobre os prédios dos réus, a favor daquele prédio dos autores e, reconhecendo-se a sua existência, de declaração de extinção dessa servidão, por desnecessidade, ou por abuso do direito.
(…)
A servidão por destinação do pai de família constitui-se automaticamente, por força da lei, no momento em que, preenchidos os demais requisitos, ocorre o ato de separação da parcela em causa do prédio originário (7) - Cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 14/05/2009 (proc. 09A0661) e Tribunal da Relação de Coimbra de 16/10/2012 (proc. 2763/08.6TBPBL.C1), www.dgsi.pt.
Para esse efeito, é necessário que os dois prédios (ou as duas frações de um só prédio) tenham pertencido ao mesmo dono (a um mesmo proprietário ou aos mesmos comproprietários); que existam sinais visíveis e permanentes que revelem a existência de serventia de um prédio para com o outro (colocados com a intenção de permitir o gozo de certa utilidade a um, por intermédio do outro); que os prédios se separem quanto à sua titularidade; e que não exista no respetivo documento qualquer declaração contrária à constituição do encargo) (8) - Cf. PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, ob. cit., págs. 632 a 635 e MARIA ELISABETE FERREIRA, Comentário ao Código Civil – Direito das Coisas, (coord. de Henrique Sousa Antunes) Universidade Católica Editora, pág. 708 -  (cf. artigo 1549.º do Código Civil).
No caso em apreço, resulta dos factos julgados provados que HH (pai da autora e das rés CC e DD) foi proprietário do prédio inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...63 da União de freguesias ... e ..., proveniente do artigo ...83 (no qual construiu a sua casa e que corresponde atualmente à casa da ré CC) e do prédio inscrito na matriz respetiva sob o artigo ...90, da freguesia ... (descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...30 e aí inscrito a favor da mesma ré).
Nessas circunstâncias, e para acesso ao prédio onde construiu a sua casa (com o artigo ...83 e agora 463) – e a toda a extensão, a nascente, do prédio com o artigo ...90, HH –, há mais de 50 anos, abriu um caminho neste seu prédio, no sentido poente/nascente, desde a Rua ... até à frente dos anexos da sua casa.
Posteriormente, em 1983, com a autorização do seu pai, a ré DD construiu a sua casa de habitação no terreno desse prédio com o artigo ...90 (que foi, mais tarde juridicamente autonomizado, correspondendo a parcela cedida ao prédio inscrito na matriz predial sob os artigos ...64 rústico e ...44 urbano, da freguesia ..., descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...07, da mesma freguesia, e aí registado em nome dos réus EE, casado com FF, GG e DD).
E, também com autorização do pai da autora, em 1992, os autores construíram a sua casa de habitação, ocupando uma parcela do prédio com o artigo ...90, bem como uma parcela adquirida aos proprietários do prédio confinante com esse, a norte, tendo o terreno onde edificaram e que exploraram sido autonomizado juridicamente mediante a realização de uma escritura de justificação, com o subsequente registo (correspondendo ao prédio descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...18, da freguesia ..., atualmente inscrito na matriz sob o artigo ...69..., da mesma freguesia) (independentemente da efetiva correspondência à realidade das declarações prestadas pelos autores para lograrem a formalização da aquisição e registo do seu imóvel, à semelhança dos procedimentos adotados pela ré DD com finalidade idêntica).
Tendo esses prédios (e as respetivas frações que de um deles foram autonomizadas) pertencido ao mesmo dono, pela cedência deste, com os subsequentes atos materiais e jurídicos praticados pelos adquirentes, foram separados quanto à sua titularidade. Assim, do prédio rústico com o artigo ...90 foram autonomizadas uma parcela que veio a dar origem ao prédio onde a ré DD construiu a sua casa e uma outra parcela onde foi parcialmente edificada a casa dos autores, e o remanescente foi adquirido pela ré CC (por efeito da partilha dos bens deixados pelo pai e das doações realizadas pela autora e pela ré DD).
A existência do caminho – reconhecido pelos réus – que servia toda a área do prédio com o artigo ...90, antes das cedências de parcelas para construção de casas pelas filhas do respetivo proprietário, bem assim como o prédio onde este edificou a sua casa – era, e continuou a ser, revelada por sinais visíveis e permanentes reveladores da existência da serventia. Efetivamente, “a existência de um caminho em si mesmo e porque, necessariamente, comporta contornos e limites patentes e percetíveis é um sinal visível e permanente revelador de uma servidão de passagem” (9) - Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 10/02/1998 (BMJ n.º 474, pág. 561). No mesmo sentido, os Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 06/03/2012 (proc. 463/2002.L2-1) e do Tribunal da Relação do Porto de 29/11/2005 (proc. 0524245), www.dgsi.pt.
E esse caminho, que antes era utilizado por HH para aceder ao seu prédio urbano e às várias frações do prédio rústico, manteve-se, através dos mesmos sinais visíveis e permanentes, não só para aceder à parcela remanescente desses prédios, como também para os autores acederem ao prédio onde construíram a sua casa, perpetuando, durante mais de 25 anos (desde 1992, até que a ré DD o impediu, com a colocação de um portão fechado à chave) o gozo da utilidade que tal serventia proporcionava a esse prédio, por intermédio do prédio primitivo.
Nestes termos, e não tendo sido documentada qualquer declaração contrária à constituição desse encargo (proporcionado por HH, até à data do seu óbito, e pacificamente reconhecido e respeitado pelas rés CC e DD, durante décadas), preexistindo a relação entre as frações do prédio, com transferência de utilidades de uma parte para a outra (a serventia), evidenciada por sinais visíveis e permanentes na fração do prédio originário que deu origem ao prédio dos autores, ao tempo da separação, haverá que reconhecer a constituição da servidão por destinação do pai de família (automaticamente, por mero efeito da lei, no momento em que as frações do prédio originário passaram a pertencer a proprietários diferentes (10) - Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10/04/2018 (proc. 3546/15.2T8LOU.P1.S1), www.dgsi.pt.).
Constituída uma servidão por destinação do pai de família, o seu conteúdo ou extensão e o seu exercício determinar-se-ão pela situação de facto existente, no momento da separação dos prédios ou frações. (11) - Cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 25/01/2011 (proc. 216/07.9TBMDB.P1.S1 ), 26/11/2020 (proc. 2607/17.8T8BRG.G1.S1), www.dgsi.pt.  (cf. artigo 1564.º do Código Civil).
O caminho aberto por HH – e que este autorizou que passasse a ser utilizado também para acesso ao prédio dos autores – tinha cerca de 2,82 metros de largura, com início junto à Rua ..., seguindo, no sentido poente/nascente, em linha reta, sobre a parcela remanescente do seu prédio com o artigo ...90, encostado à sua estrema norte (numa extensão de 55,60 metros, no sentido poente-nascente, desde a Rua ... até ao ponto que agora corresponde à estrema nascente do prédio dos réus EE, GG e DD, definida por um marco de pedra implantado no solo, e numa extensão de 15,50 metros, no sentido poente-nascente, desde o ponto que agora coincide com a estrema poente do prédio do prédio primitivo com o artigo ...90, definida por aquele marco de pedra) até atingir o prédio dos autores”.
Aderindo às alegações dos Apelados:
“Todos os requisitos necessários para a constituição de servidão por destinação de pai de família resultaram provados
No caso em apreço, resulta dos factos julgados provados que HH (pai da autora e das rés CC e DD) foi proprietário do prédio inscrito na matriz respetiva sob o artigo ...90, da freguesia ... (descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...30 )
Para acesso ao aquele prédio, onde construiu a sua casa, HH, há mais de 50 anos, abriu um caminho neste seu prédio, no sentido poente/nascente, desde a Rua ... até à frente dos anexos da sua casa.
Posteriormente, em 1983, com a autorização do seu pai, a ré DD construiu a sua casa de habitação no terreno desse prédio com o artigo ...90 (que foi, mais tarde juridicamente autonomizado, correspondendo a parcela cedida ao prédio inscrito na matriz predial sob os artigos ...64 rústico e ...44 urbano, da freguesia ..., descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...07, da mesma freguesia, e aí registado em nome dos réus EE, casado com FF, GG e DD).
Também com autorização do pai da autora, em 1992, os autores construíram a sua casa de habitação, ocupando uma parcela do prédio com o artigo ...90, bem como uma parcela adquirida aos proprietários do prédio confinante com esse, a norte, tendo o terreno onde edificaram e que exploraram sido autonomizado juridicamente mediante a realização de uma escritura de justificação, com o subsequente registo (correspondendo ao prédio descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...18, da freguesia ..., atualmente inscrito na matriz sob o artigo ...69..., da mesma freguesia)
Tendo esses prédios (e as respetivas frações que de um deles foram autonomizadas) pertencido ao mesmo dono, pela cedência deste, com os subsequentes atos materiais e jurídicos praticados pelos adquirentes, foram separados quanto à sua titularidade.
Assim, do prédio rústico com o artigo ...90 foram autonomizadas uma parcela que veio a dar origem ao prédio onde a ré DD construiu a sua casa e uma outra parcela onde foi parcialmente edificada a casa dos autores, e o remanescente foi adquirido pela ré CC (por efeito da partilha dos bens deixados pelo pai e das doações realizadas pela autora e pela ré DD).
A existência do caminho – reconhecido pelos réus – que servia toda a área do prédio com o artigo ...90, antes das cedências de parcelas para construção de casas pelas filhas do respetivo proprietário, bem assim como o prédio onde este edificou a sua casa – era, e continuou a ser, revelada por sinais visíveis e permanentes reveladores da existência da serventia.
E esse caminho, que antes era utilizado por HH para aceder ao seu prédio urbano e às várias frações do prédio rústico, manteve-se, através dos mesmos sinais visíveis e permanentes, não só para aceder à parcela remanescente desses prédios, como também para os autores acederem ao prédio onde construíram a sua casa, perpetuando, durante mais de 25 anos (desde 1992, até que a ré DD o impediu, com a colocação de um portão fechado à chave) o gozo da utilidade que tal serventia proporcionava a esse prédio, por intermédio do prédio primitivo.
Ora, não tendo resultado qualquer prova contrária à constituição desse encargo (proporcionado por HH, até à data do seu óbito, e pacificamente reconhecido e respeitado pelas rés CC e DD, durante décadas), preexistindo a relação entre as frações do prédio, com transferência de utilidades de uma parte para a outra (a serventia), evidenciada por sinais visíveis e permanentes na fração do prédio originário que deu origem ao prédio dos autores, ao tempo da separação, há que reconhecer a constituição da servidão por destinação do pai de família.
Constituída uma servidão por destinação do pai de família, o seu conteúdo ou extensão e o seu exercício determinar-se-ão pela situação de facto existente, no momento da separação dos prédios ou frações. (cf. artigo 1564.º do Código Civil).
O caminho aberto por HH – e que este autorizou que passasse a ser utilizado também para acesso ao prédio dos autores – tinha cerca de 2,82 metros de largura, com início junto à Rua ..., seguindo, no sentido poente/nascente, em linha reta, sobre a parcela remanescente do seu prédio com o artigo ...90, encostado à sua estrema norte (numa extensão de 55,60 metros, no sentido poente-nascente, desde a Rua ... até ao ponto que agora corresponde à estrema nascente do prédio dos réus EE, GG e DD, definida por um marco de pedra implantado no solo, e numa extensão de 15,50 metros, no sentido poente-nascente, desde o ponto que agora coincide com a estrema poente do prédio do prédio primitivo com o artigo ...90, definida por aquele marco de pedra) até atingir o prédio dos autores.
a servidão por destinação do pai de família – considerada uma servidão voluntária (cf. artigo 1547.º do Código Civil) – não pode ser extinta por desnecessidade
Sem prejuizo de se entender, ser de manter a decisão de reconhecer a constituição da servidão por destinação de pai de familia, sempre se dirá que não há dúvidas de que, face aos factos provados, estão também verificados todos os requisitos necessários à constituição e ao reconhecimento de uma servidão de passagem por usucapião. Aliás, a constituição daquela servidão foi confessada e admitida pelos réus, ao invocar a sua extinção por desnecessidade, a qual pressupõe necessariamente a sua existência”.
Improcede, pois, também neste particular, a Apelação.
*
2.4. Da (não) extinção por desnecessidade da servidão a favor do prédio dos autores e o Abuso do Direito;
Os réus pedem que se determine a extinção da servidão de passagem, por desnecessidade. Contudo, como escreve a 1.ª instância, “a servidão por destinação do pai de família – considerada uma servidão voluntária (cf. artigo 1547.º do Código Civil) – não pode ser extinta por desnecessidade (12) - Cf. PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, ob. cit.,, pág. 676, OLIVEIRA ASCENSÃO, Direito Civil – Reais, Coimbra Editora, 5.ª Ed., pág. 511, ÁLVARO MOREIRA e CARLOS FRAGA, Direitos Reais, Livraria Almedina, Coimbra, Março de 1971, pág. 344, JOSÉ ALBERTO VIEIRA, Direitos Reais, Coimbra Editora, 2008, pág. 852, JOSÉ ALBERTO GONZÁLEZ, Direitos Reais e Direito Registal Imobiliário 3.ª Ed., 2005, Quid Juris, pág. 41, SANTOS JUSTO, Direitos Reais, Coimbra Editora, 2007, pág. 428 e ISABEL MENERES CAMPOS, Comentário ao Código Civil – Direito das Coisas, (coord. de Henrique Sousa Antunes) Universidade Católica Editora, pág. 741 e os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 11/11/2003 (proc. 03A3510), 13/11/2003 (proc. 03B3029), 18/12/2003 (proc. 03B2987), 14/05/2009 (proc. 09A0661), 20/05/2010 (proc. 1671/05.7TBVCT.G1.S1), 23/01/2012 (proc. 277/05.5TBBCL.G1.S1), 31/01/2012 (proc. 277/05.5TBBCL.G1.S1), 20/05/2013 (proc. 03A1332) e 10/04/2018 (proc. 3546/15.2T8LOU.P1.S1), do Tribunal da Relação de Coimbra de 13/04/1999 (proc. 327/99), 19/06/2001 (proc. 3680-2001), 14/03/2006 (proc. 200/06), do Tribunal da Relação de Guimarães 19/10/2006 (proc. 1859/06-1), 12/01/2012 (proc. 185/11.0TBAMR.G1), 17/01/2013 (proc. 606/10.0TBVCT.G1), 15/03/2016 (proc. 262/14.4TJVNF-F.G1), do Tribunal da Relação de Lisboa de 10/12/2009 (proc. 10894/06.0TMSNT.L1-6) e do Tribunal da Relação do Porto de 19/03/2001 (proc. 0150186), 17/03/2003 (proc. 0253337), 17/04/2008 (proc. 0832078), 09/10/2008 (proc. 0834784), 19/05/2010 (proc. 1585/07.6TBPNF.P1), 09/07/2014 (proc. 3075/10.0TBSTS.P1), 11/11/2014 (proc. 4926/12.0TBVFR.P1), 04/02/2016 (proc. 4398/11.7T2OVR.P1), 12/07/2017 (proc. 3546/15.2T8LOU.P1), 15/08/2018 (proc. 174/16.9T8BAO.P1), www.dgsi.pt.
Com efeito, apenas as servidões constituídas por usucapião e as servidões legais poderão serão judicialmente declaradas extintas, a requerimento do proprietário do prédio serviente, se se mostrarem desnecessárias ao prédio dominante (sendo que, para esse efeito, também “não basta que, para além da passagem objeto da servidão, exista outra via de acesso ao prédio dominante para a via pública, porquanto é necessário que este outro acesso ofereça condições de utilização similares, ou, pelo menos, não desproporcionalmente agravadas (13) - Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 25/09/2007 (proc. 146/06), 13/05/2014 (proc. 4054/11.6TJCBR.C1) e 24/10/2017 (proc. 157/14.3T8VIS.C1), do Tribunal da Relação de Évora de 10/07/2014 (proc. 27/10.4TBAVS.E1) e do Tribunal da Relação de Guimarães de 31/03/2016 (proc. 169/08.6TBMNC.G1) e 19/09/2019 (proc. 716/15.7T8PTL.G2), www.dgsi.pt - (cf. artigo 1569.º, n.os 2 e 3 do Código Civil).
Ao invés, por terem por base um facto voluntário – a “conformação do direito referível à autonomia da vontade do proprietário (o “pai de família” que assim o “destinou” no momento da transmissão) e não uma restrição ou limitação coativa do direito de propriedade privada resultante da lei –, justifica-se que não se extingam por desnecessidade as servidões constituídas por destinação do pai de família, que podem ser constituídas mesmo sem se mostrarem estritamente necessárias. Esta interpretação – conforme à Constituição da República Portuguesa (14) Cf. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 484/2010 (proc. 535/10), www.tribunalconstitucional.pt – é a única que se coaduna com a letra da lei e o pensamento legislativo subjacente (15) - Cf. Atas da Comissão Revisora do Anteprojeto sobre Servidões Prediais do Futuro Código Civil Português, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 136, pág. 142 - (cf. artigo 9.º, n.º 1 do Código Civil).
Na eventualidade de ser reconhecida e não ser extinta por desnecessidade a servidão de passagem a favor do prédio dos autores sobre os prédios dos réus, estes pediram a sua extinção por ser ilegítimo e manifestamente excessivo exercício, face aos limites da boa fé, bons costumes e fim social e económico (cf. artigo 334.º, do Código Civil).
Efetivamente, existe abuso do direito quando “admitido um certo direito como válido em tese geral, todavia, no caso concreto, ele aparece exercitado em termos clamorosamente ofensivos da justiça, entendida segundo o critério social dominante”(16) - MANUEL DE ANDRADE, Teoria Geral das Obrigações, I, Coimbra, 1958, pág. 63. Cf. ainda VAZ SERRA, Abuso do direito (em matéria de responsabilidade civil), Bol. Min. Just. n.º 85, pág. 253 - , não sendo também admissível que o Tribunal valide exigências que não sejam razoáveis ou que derivem de mero capricho (17) - Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27/05/2003 (proc. 03A1351), www.dgsi.pt. -  ou que apenas visem a prática de atos emulativos (“aqueles que não comportam vantagem para quem os exerce, tendo por exclusivo objetivo prejudicar outrem” (18) - Cf. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto De 17/10/2020 (proc. 682/19.0T8MCN.P1), www.dgsi.pt.
No entanto, ainda que o conteúdo dos direitos reis possa ser negativamente delimitado pela necessidade de não se proceder em contravenção com a finalidade económico-social do próprio direito (19) - Cf. MENEZES CORDEIRO, Direitos Reais pág. 412 e os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 10/04/2018 (proc. 3546/15.2T8LOU.P1.S1), do Tribunal da Relação de Coimbra de 10/07/2019 (proc. 33/17.8T8MGL.C1), do Tribunal da Relação de Guimarães de 25/01/2014 (proc. 3480/23.2T8BRG.G1) e do Tribunal da Relação do Porto de 21/10/2021, www.dgsi.pt. -, "o instituto jurídico do abuso de direito jamais poderá servir para se alcançar um resultado substantivo que o específico regime jurídico aplicável (designadamente o regime da servidão constituída por destinação de pai de família) claramente rejeita" (20) - 0 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10/04/2018 (proc. 3546/15.2T8LOU.P1.S1), www.dgsi.pt. Cf., no mesmo sentido, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça 13/11/2003 (proc. 03B3029), do Tribunal da Relação de Guimarães de 19/10/2006 (proc. 1859/06-1) e 15/03/2016 (proc. 262/14.4TJVNF-F.G1) e Tribunal da Relação do Porto 11/11/2014 (proc. 4926/12.0TBVFR.P1) e 12/07/2017 (proc. 3546/15.2T8LOU.P1), www.dgsi.pt .
De facto, se a suposta desnecessidade não poderia fundamentar a extinção da servidão constituída por destinação do anterior proprietário, não se conceberia que pudesse servir de fundamento para considerar abusiva a conduta dos autores, ao pretenderem ver judicialmente reconhecida essa servidão, sob pena de a lei estar a deixar passar pela janela (do abuso de direito) aquilo que não consente que entre pela porta (da extinção da servidão por destinação do pai de família) (21) - Acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães de 19/10/2006 (proc. 1859/06-1) e 15/03/2016 (proc. 262/14.4TJVNF-F.G1) e do Tribunal da Relação do Porto de 12/07/2017 (proc. 3546/15.2T8LOU.P1), www.dgsi.pt.
No caso em apreço, reconhecido o direito de servidão de passagem, constituído por destinação de pai de família, e inexistindo fundamento legal para declarar a sua extinção por eventual desnecessidade, decorre da factualidade provada que esse direito não só realiza interesses juridicamente atendíveis, como mantém utilidade para os seus titulares, pretendendo os autores apenas retomar o seu exercício (ilicitamente obstaculizado pela ré DD), dentro do seu objetivo natural e da razão justificativa da sua existência, não contendendo minimamente com o sentimento jurídico dominante (22) Cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 09/01/2017 (proc. 102/11.8TBALD.C2), www.dgsi.pt.
De resto, o abuso de direito supõe a existência de um lesado pelo respetivo exercício, tendo este o poder de exigir que o exercício do direito se exerça com moderação, equilíbrio, logica e racionalidade, mas não o de requerer que o direito não seja reconhecido (23) - Cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 29/06/1989, (poc. 077210), 13/11/2003 (proc. 03B3029), 09/03/2004 (proc. 04B072) e e 15/04/2015 (proc. 849/09.9TJVNF.P1.S1), do Tribunal da Relação de Évora de 13/07/2017 (proc. 754/12.1TBVRS.E1), do Tribunal da Relação de Guimarães de 15/09/2011 (proc. 3061/08.0TBGMR.G1) e 17/12/2014 (proc. 546/13.0TBFAF.G1) e do Tribunal da Relação de Lisboa de 14/01/2016 (proc. 107/15.0T8SCF-A.L1-2) e 10/03/2022 (proc. 1078/20.6T8FNC.L1-2), www.dgsi.pt.
Posto isto, improcederá o pedido reconvencional, também com esse fundamento.
Verificados os pressupostos legais para a constituição e declaração judicial do direito de servidão de passagem, este direito real limitado de gozo, que impõe a todos uma obrigação de conteúdo negativo, é também oponível aos réus. Consequentemente, deverão os réus abster-se de praticar quaisquer atos impeditivos de uso da respetiva passagem para o prédio dos autores (sendo, também aqui, inócua a sua condenação destes a reconhecer aquele direito) e remover os obstáculos que colocaram que impedem a passagem dos autores pelo leito da servidão (24) - Cf. PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, ob. cit., págs. 614 e 615.”
Mais, mesmo que assim não fosse - a servidão por destinação do pai de família não pode ser extinta por desnecessidade/não existência do Abuso do Direito - não decorre da factualidade provada que a servidão de passagem em causa nos autos não só realiza interesses juridicamente atendíveis, como mantém utilidade para os seus titulares, pretendendo os autores apenas retomar o seu exercício.
Para a extinção por desnecessidade não basta que, para além da passagem objeto da servidão, exista outra via de acesso ao prédio dominante para a via pública, porquanto é necessário que este outro acesso ofereça condições de utilização similares, ou, pelo menos, não desproporcionalmente agravadas - cf. artigo 1569.º, n.os 2 e 3 do Código Civil.
Ora a prova, demonstrou que a outra via de acesso ao prédio, que se inicia na Rua ..., não oferece condições de utilização similares, antes pelo contrário. A inspeção judicial revelou que o acesso que se inicia na Rua ... dá acesso às traseiras do prédio dos AA, onde se localiza arrumos e currais -  visíveis nas fotografias que constam do auto de inspecção. Que desse local apenas se pode aceder ao primeiro andar da casa pelo interior através de umas escadas ou pelo exterior através de uma passagem que contorna o prédio dos AA. A prova por inspeção permitiu apurar que a largura do referido acesso não é a mesma em toda a sua extensão, prova que assume relevância, atento que dos depoimentos das testemunhas SS, PP, OO e MM resultou que o referido acesso, pela sua configuração e dimensão, não permite sem constrangimentos, o acesso de carro ao prédio dos AA.
Assim, não poderia concluir-se que o referido acesso, que se inicia na Rua ..., oferece condições similares as oferecidas pela servidão de passagem em causa nos presentes autos,  acrescendo que a manutenção da servidão de passagem em causa nos presentes autos, não impede a fruição normal do prédio serviente - A desnecessidade susceptível de permitir a extinção judicial de uma servidão de passagem deve ser objectiva, típica, exclusiva e superveniente em relação à constituição da servidão, decorrendo de alterações ocorridas no prédio dominante, e deixar de ter qualquer utilidade para este mesmo prédio/o ónus da prova da desnecessidade incumbe ao proprietário do prédio serviente que pretende a declaração judicial da extinção da servidão/ Não é suficiente para essa declaração, por ex.  a mera confinância do prédio dominante com as vias municipais.
Assim, julgamos improcedente o recurso, mantendo o decidido pelo Juízo Local Cível de Leiria - Juiz ....

As conclusões (sumário):
(…).
*
3.Decisão
Na improcedência do recurso, mantemos a decisão proferida pelo Juízo Local Cível de Leiria - Juiz ....

Custas a cargo dos Apelantes.

Coimbra, 10 de Julho de 2024

(José Avelino Gonçalves - Relator)

(Paulo Correia - 1.º adjunto)

(Helena Melo – 2.ª adjunta)