CTT
QUEBRA DE SEGREDO PROFISSIONAL
INTERESSE PREPONDERANTE
Sumário

I - Os factos presenciados por funcionária dos CTT no exercício das suas funções estão abrangidos pelo dever de sigilo, nos termos do artigo 7.º, n.º 2, alínea b), da Lei 17/12, de 26 de Abril, que visa, essencialmente, a protecção do respeito pela reserva da vida privada dos cidadãos.
II - Tal dever não corresponde a um princípio absoluto e cede perante um interesse preponderante ou prevalecente, havendo que encontrar um ponto de equilíbrio entre os valores em conflito.
III - A existência de um interesse preponderante está dependente da verificação, em concreto, de o depoimento da testemunha se revestir de absoluta necessidade, isto é, ser imprescindível (o meio de prova sujeito a sigilo tem que ser indispensável e não meramente útil), ser essencial (o mesmo ser de tal modo determinante que, a não ser concedida a dispensa, a parte interessada poderá ver a sua posição claudicar, total ou parcialmente) e ser exclusivo (inexistir qualquer outro meio de prova).
IV - O interesse na administração da justiça penal é sensivelmente superior ao interesse tutelado pelo direito à intimidade da vida privada garantido pela manutenção do segredo postal/profissional quanto à identificação da pessoa que procedeu envio da correspondência junto do balcão dos CTT.

Texto Integral

Relatora: Cândida Martinho
Adjuntos: Maria José Guerra
Maria José Santos Matos

Acordam, em audiência, os Juízes na 4ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra

         I.Relatório

          1.

Nestes autos de inquérito nº85/23...., do Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, Juízo de Competência Genérica de Moimenta da Beira – Juiz ... – em que se averiguam factos suscetíveis de integrar, em abstrato, a prática de um crime de falsificação de documentos, previsto e punido pelo artigo 256.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal e de um crime de difamação, previsto e punido pelo artigo 180.º, n.º 1, do Código Penal, os quais terão sido praticados através do envio de correspondência junto do Balcão dos CTT de ..., veio a  Magistrada do Ministério Público requerer a quebra do sigilo postal, bem como do sigilo profissional da testemunha AA, funcionária dos CTT de ..., porquanto esta, em sede de inquirição, alegou estar impedida de prestar depoimento sobre factos que ocorreram durante o exercício das suas funções, razão pela qual se negou a prestar depoimento.

Tendo tal testemunha conhecimento dos factos, sabendo quem é a pessoa remetente, mas tendo-se negado a prestar declarações, conforme resulta do ofício de fls. 26 dos autos principais, o Ministério Público, considerando a diligência em causa imprescindível para descobrir o autor dos factos, requereu  a quebra do sigilo postal, bem como do sigilo profissional de tal testemunha, que decorre do artigo 7, n.º 2, al. b, da Lei n.º 17/12, de 26 Abril, de forma a que possam ser prestadas as informações em causa.

2.

Na sequência de tal requerimento, foram os autos presentes à Mma Juiz de instrução, que suscitou perante este Tribunal da Relação de Coimbra, o presente incidente de quebra de sigilo, nos seguintes termos:

“Veio a Digna Magistrada do Ministério Público requerer a quebra do sigilo postal, bem como do sigilo profissional da testemunha AA, porquanto esta, em sede de inquirição, a mesma alegou estar impedida de prestar depoimento sobre factos que ocorreram durante o exercício das suas funções, razão pela qual se negou a prestar depoimento.

Nos presentes autos investigam-se factos suscetíveis de integrar, em abstrato, a prática de um crime de falsificação de documentos, previsto e punido pelo artigo 256.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal e de um crime de difamação, previsto e punido pelo artigo 180.º, n.º 1, do Código Penal, factos que terão sido praticados através do envio de correspondência junto do Balcão dos CTT de ....

Nos termos do disposto no artigo 7.º, n.º 2, alínea b), da Lei n.º 17/12, de 26 de abril, «A inviolabilidade e o sigilo dos envios postais e a proteção de dados a que alude o número anterior abrangem, nomeadamente: (…) A proibição de revelação a terceiros do conteúdo de qualquer mensagem ou informação de que se tenha tomado conhecimento, devida ou indevidamente, bem como da revelação de identidades e das relações entre remetentes e destinatários e dos endereços de ambos.».

Dita o artigo 135.º do Código de Processo Civil:

«1 - Os ministros de religião ou confissão religiosa e os advogados, médicos, jornalistas, membros de instituições de crédito e as demais pessoas a quem a lei permitir ou impuser que guardem segredo podem escusar-se a depor sobre os factos por ele abrangidos.

2 - Havendo dúvidas fundadas sobre a legitimidade da escusa, a autoridade judiciária perante a qual o incidente se tiver suscitado procede às averiguações necessárias. Se, após estas, concluir pela ilegitimidade da escusa, ordena, ou requer ao tribunal que ordene, a prestação do depoimento.

3 - O tribunal superior àquele onde o incidente tiver sido suscitado, ou, no caso de o incidente ter sido suscitado perante o Supremo Tribunal de Justiça, o pleno das secções criminais, pode decidir da prestação de testemunho com quebra do segredo profissional sempre que esta se mostre justificada, segundo o princípio da prevalência do interesse preponderante, nomeadamente tendo em conta a imprescindibilidade do depoimento para a descoberta da verdade, a gravidade do crime e a necessidade de protecção de bens jurídicos. A intervenção é suscitada pelo juiz, oficiosamente ou a requerimento.

4 - Nos casos previstos nos n.os 2 e 3, a decisão da autoridade judiciária ou do tribunal é tomada ouvido o organismo representativo da profissão relacionada com o segredo profissional em causa, nos termos e com os efeitos previstos na legislação que a esse organismo seja aplicável.

5 - O disposto nos n.os 3 e 4 não se aplica ao segredo religioso.».

Através das consultas efetuadas às bases de dados (cf. processo eletrónico de 27-05-2024, ref.ª 6594119), constatou-se que a Sr.ª testemunha AA é funcionária dos CTT – Correios de Portugal, S.A. - sendo ainda de concluir que os factos sobre os quais recairiam o seu depoimento se encontram, efetivamente, cobertos pelo sigilo postal/profissional. Com efeito, em causa estará a alegada prática de um crime de difamação, cometido através do envio de correspondência junto do balcão dos CTT de ..., onde a referida testemunha exerce funções, pelo que, por essas razões, terá conhecimento dos factos, concretamente da identidade da pessoa que procedeu ao envio de tal correspondência.

Em face do exposto, haverá, pois, que recorrer ao expediente previsto sob o artigo 135º, n.º 3, do Código de Processo Penal, cabendo ao tribunal superior ordenar a necessária quebra de segredo profissional, no caso o Tribunal da Relação de Coimbra.

Deste modo, e por tudo o exposto, suscita-se a intervenção do Venerando Tribunal da Relação de Coimbra nos termos e para os efeitos previstos no artigo 135º, n.º 3 do Código de Processo Penal.

Em conformidade, organize apenso processual, devidamente instruído com cópia do presente despacho e bem assim com os seguintes elementos:

- participação de 07-12-2023 (ref.ª 6281695);

- e-mail de 25-01-2024 (ref.ª 6363966);

- despacho de 07-03-2024 (ref.ª 94946494);

- despacho de 20-03-2024 (ref.ª 95045458);

- consulta de beneficiário da Segurança Social de 27-05-2024 (ref.ª 6594119).


*

Devolva os autos ao Ministério Público.

            (…)”.

            3.

            O incidente é próprio. Não há que realizar quaisquer diligências.

            4.

            Colhidos os vistos legais procedeu-se a conferência.

            Cumpre decidir e apreciar.

            II. Fundamentação

            Está em causa saber se no caso concreto é, ou não, de considerar preenchidos os requisitos que possibilitam o levantamento do sigilo invocado pela testemunha AA, funcionária dos CTT.

            Nos termos do artigo 135º, nº 1 do Código de Processo Penal “os ministros de religião ou confissão religiosa, os advogados médicos, jornalistas, membros de instituições de crédito e as demais pessoas a quem a lei permitir ou impuser que guardem segredo podem escusar-se a depor sobre os factos por ele abrangidos”.

            Acrescenta o nº 3 do mesmo preceito legal que “o tribunal superior (…) pode decidir da prestação de testemunho com quebra do segredo profissional sempre que esta se mostre justificada, sendo o princípio da prevalência do interesse preponderante, nomeadamente tendo em conta a imprescindibilidade do depoimento para a descoberta da verdade, a gravidade do crime e a necessidade de proteção de bens jurídicos (…)”.

O n.º 1 deste artigo consagra, assim, o direito de escusa de profissionais que expressamente identifica (ministros de religião ou confissão religiosa e os advogados, médicos, jornalistas, membros de instituições de crédito) e de profissionais inominados “demais pessoas a quem a lei permitir ou impuser que guardem segredo”.

Em relação a estes, cabe averiguar se a lei lhes concede, ou não, este direito e se os factos sobre os quais se pretende que deponha a testemunha, estão abrangidos por esse dever de sigilo.

Como reconheceu a Mma Juiz no despacho a que já aludimos, os factos cujo conhecimento se pretende obter através do depoimento da mencionada testemunha estão abrangidos pelo dever de sigilo que recai sobre a mesma enquanto funcionária dos CTT, nos termos do citado artigo 7º, nº2, al. b), da Lei 17/12, de 26 de abril.

 Ora, a consagração deste dever de segredo - que visa essencialmente a proteção do respeito pela reserva da vida privada dos cidadãos, através da garantia da confidencialidade de factos do conhecimento da mencionada testemunha enquanto funcionária dos CTT e ao serviço destes – não corresponde a um princípio absoluto, cedendo perante um interesse preponderante ou prevalecente (art.135.º, nº3, do CPP).

No caso dos autos, está em causa a alegada prática dos crimes já aludidos, cometidos através do envio de correspondência junto do balcão dos CTT de ..., onde a referida testemunha exerce funções, pelo que, por estas razões, terá conhecimento da identidade da pessoa que aí se deslocou e procedeu ao envio de tal correspondência.

            Dai a justificação do presente incidente.

            Os autos de inquérito em apreço tiveram origem numa queixa apresentada pela denunciante BB, através da qual relatou  que desconhecidos servindo-se cartas registadas enviadas através do Balcão dos CTT de ..., em seu nome e dirigidas à CPCJ de ..., com o intuito de denegrir a imagem da sua prima de nome CC e de a prejudicar, devido à dificuldades de literacia que a mesma apresenta, davam conta que esta não tem condições para cuidar das suas duas filhas menores, o que não faz qualquer sentido, pois as meninas encontram-se muito bem cuidadas por parte da sua progenitora, sendo que as mesmas frequentam diariamente as atividades escolares.

            Por conseguinte, impõe-se a este Tribunal da Relação conhecer do “interesse preponderante”, perante os crimes em investigação e a necessidade de tal testemunha prestar depoimento a respeito da identificação da pessoa que se dirigiu aos CTT de ... e procedeu ao registo e envio de tais cartas dirigidas à CPCJ e remetidas em nome da denunciante, elementos respeitantes à matéria em sigilo.

            Haverá que encontrar um ponto de equilíbrio entre os valores em conflito, quais sejam o da busca da verdade material e por esse modo da realização da justiça, por um lado, e o interesse que legítima a recusa em revelar certos factos por estar a coberto do sigilo profissional, por outro.

            Cada sigilo profissional visa proteger determinados valores socialmente relevantes, não havendo, como parece lógico, necessária coincidência entre tais valores nos diversos sigilos.

 Ensina Costa Andrade, In Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, Coimbra Editora, 1999, págs. 795 a 796 que essa fórmula do "interesse preponderante", legalmente adotada, projeta-se em quatro implicações: em primeiro lugar, na intencionalidade de vincular o julgador a padrões objetivos e controláveis, não cometendo a decisão à sua livre apreciação; em segundo lugar, no afastamento de qualquer uma das duas soluções extremadas: tanto a tese de que o dever de segredo prevalece invariavelmente sobre o dever de colaborar com a justiça penal, como a tese inversa de que a prestação de testemunho perante o tribunal (penal) configura só por si e sem mais, justificação bastante da violação do segredo profissional; em terceiro lugar, no entendimento de que a realização da justiça penal, só por si e sem mais (despida do peso específico dos crimes a perseguir), não figura como interesse legítimo bastante para justificar a imposição da quebra do segredo. Por último, no reconhecimento de idoneidade à dimensão repressiva da justiça penal para ser levada à balança da ponderação com a violação do segredo, tudo dependendo da gravidade dos crimes a perseguir, consagrando-se, assim, a solução mitigada que admite a justificação (ex vi ponderação) da violação do segredo desde que esteja em causa a perseguição dos crimes mais graves e que provocam maior alarme social.

Como também refere Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código de Processo Penal, 3ª Ed. atualizada, Universidade Católica Editora, pág.363 a 364 «(…) nem todos os bens jurídicos tutelados pela lei penal justificam a quebra do sigilo profissional. O critério da necessidade da proteção dos bens jurídicos é ainda mais rigorosamente delimitado pelo critério da “gravidade do crime”. É aqui que reside o cerne do juízo de justificação feito pelo tribunal superior: na ponderação da gravidade do crime investigado em contrapeso com o prejuízo da intrusão na privacidade da pessoa obrigada ao segredo profissional. A gravidade deve ser aferida em abstrato e em concreto. Em abstrato, o conceito de "gravidade do crime" ou de "crime grave" deve ser condensado de acordo com a bitola fixada no artigo 187.º, n.º 1, al.ª a), isto é, considerando-se como "crime grave" o crime punível com pena de prisão superior, no seu máximo, a três anos, atenta a similitude material entre a tutela do direito à privacidade pelo artigo 187.º e a tutela do segredo profissional pelo artigo 135.º. (…).

 Isto não quer obviamente dizer que a revelação da informação sob segredo profissional deva sempre ter lugar quando estiver em causa a investigação de crimes puníveis com pena superior a três anos de prisão. A ponderação da gravidade dos crimes puníveis com pena superior a três anos de prisão não é indispensável, pois a gravidade do crime deve ser aferida não apenas em abstrato, mas também em concreto, em face das concretas circunstâncias que envolveram a prática do crime.».

Segundo o mesmo autor, in obra citada, págs.363 a 364  «A imprescindibilidade do depoimento para a descoberta da verdade significa duas coisas: a descoberta da verdade é irreversivelmente prejudicada se a testemunha não depuser ou, depondo, o depoimento não incidir sobre os factos abrangidos pelo segredo profissional e, portanto, o esclarecimento da verdade não pode ser obtido de outro modo, isto é, não há meios alternativos à quebra do segredo profissional que permitam apurar a verdade».

Por outro lado, «A “necessidade" de proteção de bens jurídicos identifica-se com uma “necessidade social premente (pressing social need) de revelação da informação coberta pelo segredo profissional ( …)», ou seja, «(…) a quebra do sigilo só é justificável se corresponder a um interesse social premente (…)», o que não se verifica, em princípio, «quando se indicie a prática de crimes particulares, salvo se o crime tiver um impacto social notório» ou «quando houver fundados motivos para crer na existência de causas de isenção da responsabilidade ou de extinção do procedimento criminal».

Ressuma do exposto que a conclusão sobre a existência de um interesse preponderante está dependente da verificação, em concreto, em face da forma como o pedido de quebra do segredo profissional se encontra formulado, se o depoimento da testemunha se reveste de absoluta necessidade, isto é, imprescindibilidade (o meio de prova sujeito a sigilo ser indispensável e não meramente útil), essencialidade (o mesmo ser de tal modo determinante que, a não ser concedida a dispensa, a parte interessada poderá ver a sua posição claudicar, total ou parcialmente) e exclusividade (inexistir qualquer outro meio de prova que não o depoimento do obrigado ao sigilo).

Cabe assinalar que o Tribunal Constitucional, no seu acórdão nº7/87, publicado no DR nº 33/1987, 1ºSuplemento, Série I, de 1987-02-09, páginas 1-22, apreciou preventivamente a constitucionalidade deste artigo 135º, nomeadamente se os seus originários nºs 2 e 3 violavam o disposto no nº3 do artigo 38º da CRP, estando ali em causa a proteção da independência e do sigilo profissional dos jornalistas, transcrevendo-se parte da argumentação expendida, por esclarecedora.

 “Há aqui, segundo se pensa, duas questões diferentes. A primeira está em saber se, invocado o segredo profissional como fundamento de escusa a depor, à autoridade judiciária só resta uma atitude passiva, isto é, aceitar, sem mais, o fundamento invocado, ou se à mesma autoridade é consentido indagar da legitimidade da escusa e chegar à conclusão de que, no caso concreto, o facto não está abrangido pelo segredo. É esta primeira questão que o n.º 2 resolve, dando à autoridade judiciária o poder de averiguar a legitimidade da escusa e, se concluir pela ilegitimidade, ordenar, ou requerer ao tribunal que ordene, a prestação do depoimento. E neste caso pode dizer-se, com o Governo, que não há violação do segredo profissional.

A outra questão consiste em saber se, averiguado que o facto em causa está abrangido pelo segredo profissional, pode ainda assim ordenar-se a prestação do depoimento, com quebra, portanto, desse segredo. É a questão resolvida pelo n.º 3, nos seguintes termos: em primeiro lugar, atribuindo-se a competência para decidir o incidente ao tribunal imediatamente superior àquele onde o mesmo se tiver suscitado ou, no caso de o incidente se ter suscitado perante o Supremo Tribunal de Justiça, ao plenário das secções criminais; em segundo lugar, conferindo ao juiz o poder de, oficiosamente ou a requerimento, suscitar a intervenção daquele tribunal; em terceiro lugar, fazendo preceder a decisão da audição do organismo representativo da profissão relacionada com o segredo profissional em causa; em quarto lugar, possibilitando a quebra do segredo profissional, quando se verificarem os pressupostos referidos no artigo 185.º do CP.

Haverá, assim, quebra do segredo profissional se, nos termos deste artigo 185.º, o segredo «for revelado no cumprimento de um dever jurídico sensivelmente superior ou visar um interesse público ou privado legítimo, quando, considerados os interesses em conflito e os deveres de informação que, segundo as circunstâncias, se impõem ao agente, se puder considerar meio adequado para alcançar aquele fim».

Será isto inconstitucional?

O n.º 3 do artigo 38.º da Constituição foi introduzido pela Lei Constitucional n.º 1/82, de 30 de Setembro. Individualizam-se nele quatro direitos dos jornalistas, todos eles incluídos na liberdade de imprensa: o direito de acesso às fontes de informação, o direito à protecção da independência profissional, o direito à protecção do sigilo profissional e o direito de elegerem conselhos de redacção.

No que respeita ao direito à protecção do sigilo profissional, único aqui em causa, a CRP remete para a lei ordinária: a liberdade de imprensa implica o direito dos jornalistas, nos termos da lei - lê-se no referido n.º 3 -, à protecção do sigilo profissional.

Cabe, portanto, à lei delimitar o seu âmbito e garantir o seu exercício.

A questão estará, pois, em saber se a restrição aqui estabelecida constitui uma «agressão desproporcionada» ao segredo profissional garantido aos jornalistas.

E a resposta parece dever ser negativa, dados os valores em favor dos quais o segredo profissional dos jornalistas é sacrificado e as cautelas de que se faz rodear a quebra do segredo.”

No caso em apreço, como já referimos, está em investigação a eventual pratica de um crime de falsificação, p. e p. pelo artigo 256º, nº1, al.a) e de um crime de difamação p. e p. pelo artigo 180º,nº1,  protegendo-se com tais incriminações, respetivamente, a segurança e credibilidade na força probatória de documentos destinado ao tráfico jurídico e a honra do visado.

Pese embora a mediana gravidade dos crimes em causa, em face das respetivas molduras penais  - pena de prisão até 3 anos ou pena de multa e pena de pisão até 6 meses ou pena de multa até 240 dias - cremos que o interesse na administração da justiça penal é sensivelmente superior ao interesse tutelado pelo direito à intimidade da vida privada garantido pela manutenção do segredo postal/profissional quanto à identificação da pessoa que procedeu envio da correspondência junto do balcão dos CTT de ..., na qual figurava como remetente a denunciante e destinatária a CPCJ.

Para além de que, ao que tudo indica, o depoimento desta testemunha mostra-se não só útil, como imprescindível, pois não se vislumbra como é que no caso vertente a descoberta da verdade material pode ser alcançada a não ser pelo depoimento sobre os factos abrangidos pelo segredo.

Só a testemunha supra identificada estará em condições de identificar a pessoa que dirigindo-se à agência dos CTT de ... procedeu ao registo da correspondência em apreço, razão pela qual estará assim também demonstrada a imprescindibilidade e essencialidade do referido depoimento.

Pelo exposto, sem necessidade de outras considerações, afigura-se-nos que se mostra justificada a prestação do depoimento com quebra do sigilo postal/profissional.

III. Dispositivo

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os Juízes na Secção Penal do Tribunal da Relação de Coimbra em considerar justificada a prestação do testemunho da testemunha AA, com quebra do sigilo postal/profissional, nos termos pretendidos pelo Ministério Público.

Sem tributação.

             

(Texto elaborado pela relatora e revisto pelas suas signatárias - art. 94º, n.º 2, do CPP)

           

                                                                       *