CRIME
ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA
REQUISITOS
COMPARTICIPAÇÃO
CONCEITO
DISTINÇÃO
Sumário

I - Para o preenchimento do conceito de associação criminosa exige-se a existência de um acordo de vontades, ainda que de forma tácita, entre três ou mais pessoas, para cooperarem na realização de um projeto comum – a prática de um ou mais crimes -; que essa união possua ou queira possuir uma certa permanência ou estabilidade; e que entre os seus membros se observem laços de disciplina e tenham agido conjugada e concertadamente, com repartição de funções.
II - O fim abstrato e o elemento de permanência temporal distinguem a «associação criminosa» da «comparticipação», simples acordo conjuntural para se cometer um crime em concreto. Na coautoria, existe, a cada momento, a decisão de cometer determinado crime. Diversamente, na associação criminosa existe um projeto e a cooperação entre si dos seus elementos na realização desse fim criminoso.
III - Impor a indagação de “uma realidade transcendente à vontade e interesses individuais”, além de contrariar o princípio da legalidade – por exigir um elemento não constante da lei – e as razões de política criminal que motivaram a tutela antecipada, conferida pelo legislador à “paz pública” – bem jurídico tutelado com a incriminação das associações criminosas -, conduz ao esvaziamento de utilidade da incriminação das associações criminosas, porquanto exige, para a punição pela prática do crime de associação criminosa, a verificação de uma realidade inexistente ou raramente verificável e que nada acrescenta ao perigo típico.

(da responsabilidade da Relatora)

Texto Integral

Proc. n.º 1190/20.1KRPRT-A.P1








Acordam, em conferência, na 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto.

I - Relatório

No âmbito do processo de inquérito nº 1190/20.1KRPRT-A, que corre termos pelo Juízo de Instrução Criminal do Porto, foi proferido despacho, datado de 18/2/2023, referente à aplicação de medidas coativas, com o seguinte teor (transcrição parcial):

«[…] Isto posto, considerando que o tribunal deve reservar as medidas de coação mais gravosas, designadamente privativas da liberdade, para as situações de ultima ratio, e considerando a moldura dos crimes indiciados nos autos, cuja pena é de máximo não superior a 5 (cinco) anos de prisão, entende-se adequado e proporcional aplicar no caso concreto as seguintes medidas de coação, a cumular com os TIR já prestados, designadamente ponderando os respetivos rendimentos e graus de participação:

i) Aos arguidos AA e BB:

a. apresentações periódicas tri-semanais, às 3ªs, 5ªas e domingos, no posto policial da respetiva área de residência - artigo 198º, nº1, do CPP;

b. proibição de contactos com os demais arguidos – artigo 200º, nº1, al. d), do CPP;

c. proibição de aquisição, uso, detenção ou transporte de utensílios relacionados com a captura, manutenção, transporte de quaisquer espécies protegidas, designadamente do meixão – artigo 200º, nº1, al. e), do CPP;

d. proibição de se ausentarem dos concelhos das respetivas áreas de residência sem autorização do tribunal – artigo 200º, nº1, al. b), do CPP.

e. prestação individual, no prazo máximo de 10 dias, de caução no valor de € 10.000,00 (dez mil euros) – artigo 197º, nº1, do CPP.

ii) Aos arguidos CC, DD, e EE:

a. apresentações periódicas bi-semanais, às 4ªs e 6ªs feiras, no posto policial da respetiva área de residência - artigo 198º, nº1, do CPP;

b. proibição de contactos com os demais arguidos (com exceção dos que têm entre si laços familiares ou residência comum) – artigo 200º, nº1, al. d), do CPP;

c. proibição de aquisição, uso, detenção ou transporte de utensílios relacionados com a captura, manutenção, transporte de quaisquer espécies protegidas, designadamente do meixão – artigo 200º, nº1, al. e), do CPP;

d. proibição de se ausentarem do território de Portugal Continental sem autorização do tribunal – artigo 200º, nº1, al. b), do CPP.

iii) Aos arguidos FF, GG e HH:

a. apresentações periódicas tri-semanais, às terças, quintas e sábados, no posto policial da respetiva área de residência - artigo 198º, nº1, do CPP;

b. proibição de contactos com os demais arguidos (com exceção dos que têm entre si laços familiares) – artigo 200º, nº1, al. d), do CPP;

c. proibição de aquisição, uso, detenção ou transporte de utensílios relacionados com a captura, manutenção, transporte de quaisquer espécies protegidas, designadamente do meixão – artigo 200º, nº1, al. e), do CPP;

Os arguidos de nacionalidade chinesa que tiverem na sua posse os seus passaportes, deverão entregá-los à guarda do tribunal de imediato, ou no prazo de 48 horas caso não seja possível a entrega imediata – art. 200.º, nº3, do C.P.P..

Notifique.

Comunique ao SEF.

Restitua os arguidos à liberdade».

Não se conformando com a decisão, dela veio interpor recurso o Ministério Público, formulando as seguintes conclusões, que se transcrevem [1]:

«IV - Das conclusões

I. A Convenção das Nações Unidas contra a Criminalidade Organizada Transnacional, adotada pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas em 15 de novembro de 2000, foi aberta à assinatura numa Conferência, que decorreu, entre 12 e 15 de dezembro daquele mesmo ano, em Palermo, Itália, e foi assinada por Portugal, em 12 de dezembro de 2000 (cf. www.odccp.org).

II. O direito internacional, quer comum quer convencional, situa-se num plano superior ao direito de fonte interna (cf. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.a edição, revista, Coimbra Editora, Coimbra, 1993, pág. 86 a 87; Jorge Miranda, As relações entre Ordem Internacional e Ordem Interna na atual Constituição Portuguesa, in Ab Vno ad Omnes— 75 Anos da Coimbra Editora, Coimbra Editora, Coimbra, 1998, pág. 291 a 293; André Gonçalves Pereira e Fausto de Quadros, Manuel de Direito Internacional Público, 3.ª edição (reimpressão), Almedina, Coimbra, 1997, pág. 121; Eduardo Correia Baptista, Direito Internacional Público-Conceito e Fontes, vol. I, Lex, Lisboa, 1998, pág. 438 a 442).

III. A primazia do direito internacional convencional sobre o direito ordinário interno, que impõe, em caso de desconformidade normativa entre esses dois planos, uma adaptação da legislação nacional às soluções do concreto direito internacional convencional em causa (cf. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.a edição, revista, Coimbra Editora, Coimbra, 1993, pág. 87 a 88; Jorge Miranda, As relações entre Ordem Internacional e Ordem Interna na atual Constituição Portuguesa, in Ab Vno ad Omnes — 75 Anos da Coimbra Editora, Coimbra Editora, Coimbra, 1998, pág. 291 a 293; André Gonçalves Pereira e Fausto de Quadros, Manuel de Direito Internacional Público, 3.a edição (reimpressão), Almedina, Coimbra, 1997, pág. 123; Eduardo Correia Baptista, Direito Internacional Público-Conceito e Fontes, vol. I, Lex, Lisboa, 1998, pág. 442).

A Convenção das Nações Unidas contra a Criminalidade Organizada Transnacional, foi aprovada, por ratificação, pela Assembleia da República pela Resolução da Assembleia da República n.° 32/2004, de 02 de abril (cfr. D.R. I série -A, n.° 79, 02 de abril de 2004), ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.° 19/2004, de 02 de abril (cfr. D.R. I série -A, n.° 79, 02 de abril de 2004) e tornada pública pelo depósito de ratificação da Convenção pelo Aviso n.° 121/2004, de 17 de junho (cfr. cfr. D.R. I série - A, n.° 141, de 17 de junho de 2004).

A Convenção das Nações Unidas contra a Criminalidade Organizada Transnacional prevê:

"Artigo 2°

Terminologia

Para efeitos da presente Convenção entende-se por:

a) "Grupo criminoso organizado" - um grupo estruturado de três ou mais pessoas, existente há algum tempo e atuando concertadamente com o propósito de cometer um ou mais crimes graves ou infrações estabelecidas na presente Convenção, com a intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício económico ou outro benefício material;

(...)

b) "Grupo estruturado" - um grupo formado de maneira não fortuita para a prática imediata de uma infração, ainda que os seus membros não tenham funções formalmente definidas, não haja continuidade na sua composição nem disponha de uma estrutura elaborada;

(...)

Artigo 3º

Âmbito de aplicação

1. Salvo disposição em contrário, a presente Convenção é aplicável à prevenção, ã investigação e ao procedimento judicial de:

c) Infrações enunciadas nos artigos 5o, 6o, 8o e 23° da presente Convenção;

e

(...)

Artigo 5º

Criminalização da participação num grupo criminoso organizado

1. Cada Estado Parte adotará as medidas legislativas ou outras que sejam necessárias para caracterizar como infração penal, quando praticado intencionalmente:

a) Um dos atos seguintes, ou ambos, enquanto infrações penais distintas das que impliquem a tentativa ou a consumação da atividade criminosa:

i. O entendimento com uma ou mais pessoas para a prática de uma infração grave, com uma intenção direta ou indiretamente relacionada com a obtenção de um benefício económico ou outro benefício material e, quando assim prescrever o direito interno, envolvendo um ato praticado por um dos participantes para concretizar o que foi acordado ou envolvendo a participação de um grupo criminoso organizado;

ii. A conduta de qualquer pessoa que, conhecendo a finalidade e a atividade criminosa geral de um grupo criminoso organizado, ou a sua intenção de cometer as infrações em questão, participe ativamente em:

a. Atividades ilícitas do grupo criminoso organizado;

b. Outras atividades do grupo criminoso organizado, sabendo que a sua participação contribuirá para a finalidade criminosa acima referida;

b) O ato de organizar, dirigir, ajudar, incitar, facilitar ou aconselhar a prática de uma infração grave que envolva a participação de um grupo criminoso organizado.

2. O conhecimento, a intenção, a finalidade, a motivação ou o acordo a que se refere o n° 1 do presente artigo poderão inferir-se de circunstâncias factuais objetivas.

(...)

Artigo 34°

Aplicação da Convenção

(...)

2. As infrações enunciadas nos artigos 5°, 6°, e 23° da presente Convenção serão incorporadas no direito interno de cada Estado Parte, independentemente da sua natureza transnacional ou da implicação de um grupo criminoso organizado nos termos do n° 1 do artigo 3° da presente Convenção, salvo na medida em que o artigo 5° da presente Convenção exija o envolvimento de um grupo criminoso organizado.

3. Cada Estado Parte poderá adotar medidas mais estritas ou mais severas do que as previstas na presente Convenção a fim de prevenir e combater a criminalidade organizada transnacional."

Pela Decisão 2004/579/CE, de 29 de abril de 2004, do Conselho, relativa à celebração da Convenção das Nações Unidas Contra o Crime Organizado Transnacional, a Convenção de Palermo foi aprovada em nome da Comunidade Europeia (cfr. JO L 261, de 06/08/2004, pág. 69 a 115) e consta, na íntegra, do Anexo I daquela Decisão.

VII. A União Europeia, tendo em vista a prossecução do objetivo do Programa de

Haia em melhorar as capacidades comuns da União Europeia e dos seus Estados- Membros a fim de, nomeadamente, lutar contra o crime organizado transfronteiras, baseando-se "no importante trabalho realizado pelas organizações internacionais, em especial a Convenção das Nações Unidades contra o Crime Organizado Transnacional (a «Convenção de Palermo»), celebrada, em nome da Comunidade Europeia, pela Decisão 2004/579/CE do Conselho" [cfr. Considerando (6) da Decisão-Quadro 2008/841/JAI], aprovou a Decisão-Quadro 2008/841/JAI do Conselho, de 24 de outubro de 2008, relativa à luta da criminalidade organizada (cfr. JO L 300, de 11/11/2008, pág. 42 a 45).

VIII. A Decisão-Quadro 2008/841/JAI do Conselho, de 24 de outubro de 2008, relativa à luta da criminalidade organizada (cfr. JO L 300, de 11/11/2008, pág. 42 a 45) prevê:

"Artigo 1.°

Definições

Para efeitos da presente decisão-quadro, entende-se por:

1. «Organização criminosa», a associação estruturada de mais de duas pessoas, que se mantém ao longo do tempo e atua de forma concertada, tendo em vista a prática de infrações passíveis de pena privativa de liberdade ou medida de segurança privativa de liberdade cuja duração máxima seja, pelo menos, igual ou superior a quatro anos, ou de pena mais grave, com o objetivo de obter, direta ou indiretamente, benefícios financeiros ou outro benefício material.

2. «Associação estruturada», uma associação que não foi constituída de forma fortuita para a prática imediata de uma infração e que não tem necessariamente atribuições formalmente definidas para os seus membros, continuidade na sua composição ou uma estrutura sofisticada.

Artigo 2.°

Infrações relativas à participação em organização criminosa

Cada Estado-Membro toma as medidas necessárias para garantir que um ou ambos os tipos de conduta a seguir indicados relacionados com uma organização criminosa sejam considerados infração:

a) A conduta de quem, intencionalmente e com conhecimento quer dos objetivos e da atividade geral da organização criminosa, quer da intenção da organização de cometer a infração em causa, participar ativamente na atividade criminosa da organização, incluindo o fornecimento de informações ou de meios materiais, o recrutamento de novos participantes e qualquer forma de financiamento das atividades da organização, tendo conhecimento de que tal participação contribuirá para a realização da atividade criminosa da organização;

b) A conduta de quem tiver estabelecido, com uma ou mais pessoas, um acordo destinado a levar a cabo uma atividade que, se for executada, configura a prática de uma infração a que se refere o artigo 1.°, mesmo que essa pessoa não participe na execução efetiva de tal atividade."

IX. Os crimes de associação criminosa, previstos e puníveis pelo artigo 299.° do Código e pelo artigo 89.°, n.° 3 do R.G.I.T., devem, no caso vertente, ser interpretados e aplicados:

A) Em respeito pelo artigo 8.°, n.° 2 da Constituição da República Portuguesa, nos termos concebidos pelas disposições conjugadas dos seus artigos 2.°, alíneas a) e b), 3.°, n.° 1, alínea a), 5.° e 34.°, n.° 2 da Convenção das Nações Unidas contra a Criminalidade Organizada Transnacional.

B) Em respeito pelo artigo 8.°, n.° 3 da Constituição da República Portuguesa, nos termos concebidos pelas disposições conjugadas dos seus artigos 2.°, alíneas a) e b), 3.°, n.° 1, alínea a), 5.° e 34.°, n.° 2 da Convenção das Nações Unidas contra a Criminalidade Organizada Transnacional, constantes do Anexo I da Decisão 2004/579/CE, de 29 de abril de 2004, do Conselho, relativa à celebração, em nome da Comunidade Europeia, da Convenção das Nações Unidas Contra o Crime Organizado Transnacional e, bem assim, nos termos concebidos pelos artigos 1.° e 2.° da Decisão-Quadro 2008/841/JAI do Conselho, de 24 de outubro de 2008, relativa à luta da criminalidade organizada.

X. No que tange à Convenção das Nações Unidas Contra a Criminalidade Organizada Transnacional verifica-se, desde logo, no seu artigo 1 (e, bem assim, no artigo 1.° do Anexo I da Decisão do Conselho, de 29 de abril de 2004, 2004/579/CE, in JO L 261, de 06/08/2004, pág. 70) que a preocupação basilar deste diploma reside na preocupação de prevenir e combater mais eficazmente a criminalidade organizada.

Para tanto, estabelece o artigo 2° da Convenção (artigo 2.° do Anexo I da Decisão do Conselho, de 29 de abril de 2004, 2004/579/CE, in JO L 261, de 06/08/2004, pág. 70) um conjunto de conceitos em que assenta todo o remanescente articulado e que, por representar importantíssimo contributo para a concretização conceptual do que deve ser o entendimento sobre os elementos objetivos dos tipos de ilícito, legitima um exame mais detalhado.

X I. O conceito de "grupo criminoso organizado", previsto na alínea a) do artigo 2.° da Convenção (e, bem assim, na alínea a) do artigo 2.° do Anexo I da Decisão do Conselho, de 29 de abril de 2004,2004/579/CE, in JO L 261, de 06/08/2004, pág. 70) recorre, fundamentalmente, aos seguintes elementos:

a. Estruturação;

b. Composição por 3 ou mais pessoas;

c. Duração temporal;

d. Atuação concertada;

e. Intenção de cometer um ou mais crimes determinados;

f. Intenção de obter benefício económico ou outro benefício material.

XII. Na alínea c) do artigo 2.° da Convenção (e, bem assim, no artigo 2.°, alínea c), do Anexo I da Decisão do Conselho, de 29 de abril de 2004, 2004/579/CE, in JO L 261, de 06/08/2004, pág. 70) esclarece-se o que se deve entender por grupo estruturado, densificando, assim, aquele elemento fundamental - a estruturação - exigido para a verificação do conceito "grupo criminoso organizado".

XIII. Para a densificação do conceito de grupo criminoso organizado, no qual se integram os tipos de ilícito previstos e puníveis pelos artigos 299.° do Código Penal e do artigo 89.° do RGIT, poderá, mormente, estar-se perante:

1. Um grupo formado de maneira não fortuita, isto é, um grupo que não tenha sido formado de forma acidental, casual, eventual, ocasional, imprevista, imprevisível, inesperada, impensada, repentina, súbita, incidental, arbitrária, episódica ou esporádica, donde, salvo melhor entendimento, discorre, por um lado, que não tem, necessariamente, de existir um ato próprio de fundação ou de promoção de início do grupo, organização ou associação a partir do qual se concebe (cf., neste sentido, na jurisprudência desde, pelo menos, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 01/06/1994, processo 45272: "Para que se verifique o crime de associação criminosa (...) não é necessário qualquer ato formal de constituição da associação entre os arguidos, bastando que estes tenham agido concertadamente (...) e que a sua ligação e concertação tenham sido prolongadas e não meramente ocasionais") e, por outro lado, que apenas se afastam as "situações de mera agregação momentânea ou casual de uma pluralidade de pessoas", em que tem de existir um certa duração que permita a realização do fim criminoso [Anabela Morais, "Controvérsias do crime de associação criminosa (análise do tipo legal)", Julgar Online, dezembro de 2019, pág. 14];

2. Um grupo formado para a prática mediata de uma só infração, isto é, um grupo que se forme para a prática mediata de apenas um só crime, pelo que o critério de duração temporal da composição do grupo terá, inelutavelmente, de permitir incluir situações em que o escopo do grupo criminoso organizado se destina, não imediatamente, à prática de um único crime, donde emerge que não terá necessariamente de ter uma duração temporal extensa como aquela que seria exigível para a prática de vários crimes mas, outrossim, terá de contemporizar uma duração temporal mais reduzida, apenas se afastando aquele conjunto de pessoas que, de forma fortuita, visa praticar imediatamente um crime;

3. Um grupo formado por membros que não necessitam de ter funções formalmente definidas, donde emerge que os membros do grupo poderão assumir funções mais diluídas, como poderão assumir uma ou várias funções ou assumir uma função e, posteriormente, uma outra ou, até mesmo, assumir várias e distintas funções que se alteram, por exemplo, consoante as necessidades sentidas pela associação com vista à realização do seu escopo;

4. Um grupo em que não existe continuidade na sua composição, donde resulta que o grupo pode ir alternando de membros, ou seja, pode, simplesmente, mudar, total ou parcialmente, os seus membros, porquanto o que releva é a existência de um grupo de pessoas;

5. Um grupo que não tem uma estrutura elaborada, isto é, não tem de existir qualquer complexidade na forma de atuação do grupo, não se exige uma organização estrutural, não tem de existir nem de ser estabelecido nem de se cumprir com um organograma, não tem, necessariamente, de existir um único ou vários chefes ou dirigentes nem tão-pouco tem de haver «qualquer "comando" ou "direção" que lhe confira unidade de impulso» [Anabela Morais, "Controvérsias do crime de associação criminosa (análise do tipo legal)", Julgar Online, dezembro de 2019, pág. 11].

XIV. Ao expendido acresce, ainda, que o artigo 5.°, n.° 1 da Convenção (e, bem assim, no artigo 5.° do Anexo I da Decisão do Conselho, de 29 de abril de 2004, 2004/579/CE, in JO L 261, de 06/08/2004, pág. 71) determina que deverão ser adotadas as medidas necessárias para que seja criminalizado, enquanto participação num grupo criminoso organizado:

a. O entendimento com uma ou mais pessoas para a prática de uma infração grave, com a intenção direta ou indiretamente relacionada com a obtenção de um benefício económico ou outro benefício material e, sempre que o direito interno o exigir, envolvendo um ato praticado por um dos participantes para concretizar o que foi acordado ou envolvendo a participação de um grupo criminoso organizado - artigo 5.°, n.° 1, alínea a), subalínea i), da Convenção (e, bem assim, artigo 5.°, n.° 1, alínea a), subalínea i), do Anexo I da Decisão do Conselho, de 29 de abril de 2004, 2004/579/CE, inJO L 261, de 06/08/2004, pág. 71);

b. A conduta de qualquer pessoa que, conhecendo a finalidade e a atividade criminosa geral de um grupo criminoso organizado, ou a sua intenção de cometer as infrações em questão, participe ativamente em:

i. Atividades ilícitas do grupo criminoso organizado - artigo 5.°, n.° 1, alínea a), subalínea ii) — a), da Convenção (e, bem assim, artigo 5.°, n.° 1, alínea a), subalínea ii) — a), do Anexo I da Decisão do Conselho, de 29 de abril de 2004, 2004/579/CE, in JO L 261, de 06/08/2004, pág. 71);

ii. Outras atividades do grupo criminoso organizado, sabendo que a sua participação contribuirá para a finalidade criminosa acima referida — artigo 5.°, n.° 1, alínea a), subalínea ii) — b), da Convenção (e, bem assim, artigo 5°, n.° 1, alínea a), subalínea ii) — b), do Anexo I da Decisão do Conselho, de 29 de abril de 2004,2004/579/CE, inJOL261, de 06/08/2004, pág. 71);

c. O ato de organizar, dirigir, ajudar, incitar, facilitar ou aconselhar a prática de um crime grave que envolva a participação de um grupo criminoso organizado — artigo 5.°, n.° 1, alínea b) da Convenção (e, bem assim, artigo 5.°, n.° 1, alínea b) do Anexo I da Decisão do Conselho, de 29 de abril de 2004, 2004/579/CE, in JO L 261, de 06/08/2004, pág. 71).

XV. Acrescenta o n.° 2 do artigo 5.° da Convenção (e, bem assim, o artigo 5.°, n.° 2 do Anexo I da Decisão do Conselho, de 29 de abril de 2004, 2004/579/CE, in JO L 261, de 06/08/2004, pág. 71) que poderá inferir-se de circunstâncias factuais objetivas o conhecimento, a intenção, a finalidade, a motivação ou o acordo relativo ao entendimento com uma ou mais pessoas para a prática de uma infração grave, com a intenção direta ou indiretamente relacionada com a obtenção de um benefício económico ou outro benefício material e, sempre que o direito interno o exigir, envolvendo um ato praticado por um dos participantes para concretizar o que foi acordado ou envolvendo a participação de um grupo criminoso organizado.

XVI. Adita, ainda, o artigo 34.°, n.° 3 da Convenção (e, bem assim, o artigo 34.°, n.° 3 do Anexo I da Decisão do Conselho, de 29 de abril de 2004, 2004/579/CE, in JO L 261, de 06/08/2004, pág. 83) que inexiste qualquer óbice a que se adotem conceitos legais sobre os elementos típicos do crime, designadamente, de associação criminosa que tenham um carácter mais amplo que o conceito da Convenção.

XVII. Considerando a natureza própria deste tipo de normas convencionais, o conceito de grupo criminoso organizado, adotado pela Convenção, é o produto de um consenso em termos de mínimo denominador comum entre os Estado, pelo que o referido n.° 3 do artigo 34.° da Convenção permite que o tipo legal seja mais abrangente, isto é, mais severo, punindo situação que estão para além dos limites fixados na própria Convenção. Resulta assim que não é permitida a adoção de medidas que limitem a criminalização do grupo criminoso organizado nos termos em que é concebido pela Convenção.

XVIII. A Decisão-Quadro 2008/841/JAI do Conselho, de 24 de outubro de 2008, relativa à luta contra a criminalidade organizada (JO L 300, de 11/11/2008, pág. 42 a 45), confessadamente na esteira da Convenção das Nações Unidas Contra a Criminalidade Organizada Transnacional [cfr. Considerando (6) da Decisão-Quadro], vem esclarecer os conceitos de organização criminosa e de associação estruturada e instar à adoção das necessárias medidas com vista à criminalização de condutas relativas à participação em organização criminosa em moldes em tudo idênticos aos concebidos pela aduzida Convenção (cfr. artigos 1.° e 2.° da Decisão-Quadro).

XIX . Os tipos de ilícito previstos e puníveis pelos artigos 299.° do Código Penal e do artigo 89.° do R.G.I.T. apresentam, hodiernamente, as seguintes redações:

Artigo 299.°

Associação criminosa

1 - Quem promover ou fundar grupo, organização ou associação cuja finalidade ou atividade seja dirigida à prática de um ou mais crimes é punido com pena de prisão de um a cinco anos.

2 - Na mesma pena incorre quem fizer parte de tais grupos, organizações ou associações ou quem os apoiar, nomeadamente fornecendo armas, munições, instrumentos de crime, guarda ou locais para as reuniões, ou qualquer auxílio para que se recrutem novos elementos.

3 - Quem chefiar ou dirigir os grupos, organizações ou associações referidos nos números anteriores é punido com pena de prisão de dois a oito anos.

4 - As penas referidas podem ser especialmente atenuadas ou não ter lugar a punição se o agente impedir ou se esforçar seriamente por impedir a continuação dos grupos, organizações ou associações, ou comunicar à autoridade a sua existência de modo a esta poder evitar a prática de crimes.

5 - Para os efeitos do presente artigo, considera-se que existe grupo, organização ou associação quando esteja em causa um conjunto de, pelo menos, três pessoas, atuando concertadamente durante um certo período de tempo.

Artigo 89.°

Associação criminosa

1 - Quem promover ou fundar grupo, organização ou associação cuja finalidade ou atividade seja dirigida á prática de crimes tributários é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave não lhe couber, nos termos de outra lei penal.

2 - Na mesma pena incorre quem apoiar tais grupos, organizações ou associações, nomeadamente fornecendo armas, munições, instrumentos de crime, armazenagem, guarda ou locais para as reuniões, ou qualquer auxílio para que se recrutem novos elementos.

3 - Quem chefiar, dirigir ou fizer parte dos grupos, organizações ou associações referidos nos números anteriores é punido com pena de prisão de 2 a 8 anos, se pena mais grave não lhe couber, nos termos de outra lei penal.

i - As penas referidas podem ser especialmente atenuadas ou não ter lugar a punição se o agente impedir ou se esforçar seriamente para impedir a continuação dos grupos, organizações ou associações, ou comunicar à autoridade a sua existência, de modo a esta poder evitar a prática de crimes tributários.

O crime de associação criminosa, previsto e punível pelo artigo 89.° do RGIT, no que respeita ao número de crimes que servem de escopo, se encontra em desconformidade com o Direito Internacional Convencional vigente no ordenamento jurídico português por fazer uso do plural, uma vez que o artigo 2.°, alínea a), da Convenção utiliza a expressão "cometer um ou mais crimes" e o artigo 34.°, n.° 2 impõe que a criminalização da participação num grupo organizado seja incorporado no direito interno de cada Estado Parte, independentemente da sua natureza transnacional.

XXI. Salvo quanto à apontada desconformidade, os tipos de ilícito previstos e puníveis pelos artigos 299.° do Código Penal e 89.° do R.G.I.T., encontram-se, no demais, em concordância com o Direito Internacional Convencional e com o Direito Comunitário Europeu, devendo estabelecer-se, não obstante, especial menção ao facto de o legislador português ter manifestado, de forma absolutamente evidente, que, fazendo uso da prerrogativa estabelecida no artigo 34.°, n.°3 da Convenção das Nações Unidas Contra a Criminalidade Organizada Transnacional, decidiu ser mais severo e, como tal, criou normas penais mais abrangentes, porquanto:

a. Não estabeleceu, quer no artigo 299.° do Código Penal quer no artigo 89.° do R.G.I.T., qualquer limitação aos tipos de crimes visados pela organização, isto é, não procedeu a qualquer restrição ao grupo criminoso organizado que vise apenas a intenção da prática dos crimes graves que, por seu turno e na aceção da Convenção, são aqueles puníveis com pena privativa da liberdade não inferior a quatro anos.

Por outras palavras, o legislador utiliza, sem outra especificação, a expressão "prática de um ou mais crimes" no artigo 299.°, n.° 1 do Código Penal ou "prática de crimes tributários" (artigo 89.°) no R.G.I.T., sem aludir aos crimes com determinados limites mínimos de pena, sem que com isso exista qualquer desconformidade com a Convenção, uma vez que, consoante se expendeu supra, esta não impede a adoção, pelo direito interno, de qualquer descrição típica mais severa ou mais ampla.

b. Não concebeu os crimes descritos no artigo 299.° do Código Penal nem no artigo 89.° do R.G.I.T., como de resultado cortado, isto é, não introduziu em tais ilícitos típicos um elemento subjetivo específico, nomeadamente consubstanciado na "intenção de obter, direta ou indiretamente, um benefício económico ou outro benefício material", contemplada no artigo 2.°, alínea a), da Convenção.

Dito de outro modo, o legislador nacional decidiu-se pela não inclusão desse requisito na lei ordinária interna, determinando que o conceito legal de associação criminosa previsto no Código Penal e no RGIT possua uma abrangência mais ampla que o conceito da Convenção, estabelecendo internamente tipos legais mais amplos e punindo situações que vão além dos limites fixados na própria Convenção, o que, mais uma vez se reforça, se encontra em plena conformidade com o estatuído no aludido n.° 3 do artigo 34.°.

c. Não exigiu, para a prática do crime previsto e punível pelo artigo 89.° do R.G.I.T., que o grupo seja constituído por pelo menos três pessoas, pelo que permite a interpretação, designadamente operada na jurisprudência desde, pelo menos, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 09/11/1995, no processo n.° 48156, e, de 27/01/1998, no processo n.° 490/97, de que basta a comparticipação de dois elementos.

XXII. Salvo quanto à acima identificada desconformidade do artigo 89.° do RGIT, nomeadamente por fazer uso do plural, quando, em rigor, o artigo 2.°, alínea a), da Convenção utiliza a expressão "cometer um ou mais crimes", verifica-se, no demais, que o legislador nacional tomou decisões legislativas, nomeadamente pela Lei n.° 64 - B/2011, de 30 de dezembro e pela Lei n.° 59/2007, de 04 de setembro, motivado pela vigência no ordenamento jurídico interno da referida Convenção (occasio legis) e para ajustar os crimes de associação criminosa, previstos no R.G.I.T. e no Código Penal, ao Direito Internacional Convencional (ratio legis).

XXIII. A evolução histórica do previsto nos artigos 89.° do R.G.I.T. e 299.° do Código Penal demonstra que o legislador se inspirou, eminentemente, na aduzida Convenção aquando das subsequentes alterações legislativas (elemento histórico).

XXIV. Do texto ou letra da lei presente nos tipos de ilícitos em apreciação, salvo quanto à apontada desconformidade do referido artigo 89.°, é possível concluir que o pensamento do legislador foi o de não só respeitar, na íntegra, o Direito Internacional Convencional em causa mas, também, ir para além dele, sendo mais severo, isto é, prevendo conceitos legais de associação criminosa de carácter mais amplo que os conceitos da Convenção (elemento gramatical — função positiva), pelo que não caberá e, por isso, não deverá o intérprete, ainda que por via do preenchimento de conceitos nalguns casos não descritos na letra da lei, restringir ou eliminar aqueles sentidos que não tenham apoio ou correspondência nas descrições típicas dos ilícitos previstos nos artigos 299.° e 89.° nem no texto da Convenção em apreço (elemento gramatical — função negativa).

XXV. Por despacho Judicial de fls. 4972 a 5002, datado de 18/02/2022, foram dados como fortemente indiciados os factos descritos pelo Ministério Público e "vertidos na promoção de 18.02.2023, que remeteu os autos para interrogatório", salvo quanto:

a. Aos factos 21.° a 30.° que se reportam, fundamentalmente, à estruturação e organização da associação criminosa da qual fizeram parte, pelo menos, AA, BB, CC, EE, DD, II, JJ, FF, GG e HH.

b. Aos elementos subjetivos dos tipos de ilícito, os quais foram conformados de molde a não contemporizarem os crimes de associação criminosa e que constam nos artigos 128.° a 139° da promoção do Ministério Público.

XXVI. Relativamente ao início das atividades ilícitas e, em particular, no que tange ao início da prática dos crimes de associação criminosa o Ministério Público sustentou-se, por exemplo e salvo a demais expressamente elencada na promoção para interrogatório judicial de 18/02/2022, no teor de fls. 2528. 2594. 2595 a 2596. 2587 a 2598. 3009 a 3014. fls. 2599 a 2606. fls. 2515. fls. 2997 a 3000. fls. 2516 a 2521. fls. 2529 a 2530 e fls. 2531 a 2532. fls. 2557 a 2580. fls. 2807 a 2814. fls. 2819 a 2821. fls. 2905 a 2907 e 2908 a 2909. fls. 2997 a 3000 e 2986 a 2993. fls. 3050 a 3051. fls. 3058 a 3059. fls. 3237 a 3247. fls. 3165 a 3168. fls. 3214 e fls. 3577. donde decorre que quando se iniciaram diligências de investigação de caráter mais instrusivo sobre as atividades desenvolvidas, designadamente, por BB, AA, GG e FF, logo se apurou que em inícios de março de 2022 já se dedicavam à prática dos factos descritos na indiciação do Ministério Público para submissão a interrogatório judicial (cfr. fls. 4859 a 4919), isto é, que em março de 2022 FF e GG já capturavam e compravam meixão a outros pescadores para, posteriormente, o venderem a AA e a BB que, por sua vez, o retiravam de Portugal e exportavam para países terceiros.

XXVII. Resulta da prova carreada para os autos e supra identificada (cfr, por exemplo, fls. 2599 a 2606; fls. 2515; fls. 2516 a 2521; fls. 2534 a 2535; 2529 a 2530; fls. 2531 a 2532) resulta irrefutável que em março de 2022 os arguidos já se dedicavam à prática dos ilícitos típicos fortemente indiciados e descritos na indiciação de fls. 4859 a 4919, pelo nunca poderiam se ter conhecido em data posterior a março de 2022.

XXVIII. Da análise mais atenta às declarações prestadas pelo arguido FF verifica-se que o mesmo, em rigor, reconhece que ele e o seu filho reuniram com AA e com BB logo a seguir à pandemia, no ano de 2021 (cfr. 8m47s), esclarecendo que "foi numa altura do tempo de verão", quando estavam a "arribar com o barco" (cfr. 9ml5s), e que, nesse momento, combinaram que iriam vender meixão a estes, o que fizeram a partir de novembro desse mesmo ano de 2021 (cfr. 9m37s).

XXIX.Verifica-se. ainda, que apesar das insistências para reiterar em que data se conheceram, o arguido FF manteve a sua posição reportando-se ao tempo de Verão (cfr. 9m28s) do ano de 2021 (cfr. 9m34s) e apenas quando, pelo Mmo. Juiz, é referido - "ouça, mas em novembro é 2022" (cfr. 9m41s) e, de seguida, perguntado - "E outro novembro ou o outro novembro?" e, posteriormente, mencionado - "Já está um bocado confuso. Estamos em 2023", o arguido refere: "Sim. Está bem. Foi em 2022. 2022" (cfr. 9m50s).

XXX . GG, para explicitar em que momento iniciou com FF, seu pai, as atividades ilícitas típicas descritas a fls. 4859 a 4919, declarou - "Parou tudo completamente por causa do Covidl9, não é. E, depois, começou a apertar as despesas e tudo e nós decidimos... prontos... começou aparecer procura, começámos a trabalhar" (cfr. 3ml2s).

XXXI. As declarações prestadas pelos arguidos FF e por GG são inteiramente congruentes no que respeita ao momento a partir do qual passaram a vender a AA e a BB, pois ambos identificam o momento com a fim dos confinamentos impostos pela pandemia. Ora, o último confinamento, consoante é facto notório, findou no ano de 2021.

XXXII. Deste modo, resulta que os arguidos confessaram que iniciaram as atividades ilícitas típicas descritas a fls. 4859 a 4919, no ano de 2021, mais concretamente, após o verão de 2021, portanto, no início da seguinte época de captura, cuja fase inicial ocorre em outubro.

XXXIII. Não obstante GG ter reconhecido que já vendiam meixão a AA "há uns anos valentes... 7, 7anos, 5, por aí" (cfr. 4m21s), tal não abala o acima expendido, mas apenas reforça os fortes indícios da prática dos factos descritos a fls. 4859 a 4919. Isto significa que após AA comprar meixão a GG e a FF, findos os confinamentos decorrentes da situação pandémica da Covidl9, mais propriamente, na época de Verão do ano de 2021, acompanhado de BB, reuniu-se com aqueles e, juntos, acordaram que, desse momento em diante, GG e FF passariam a vender meixão a AA, entregando-o a BB.

XXXIV. Resulta incontornável que AA, BB, GG e FF iniciaram em novembro de 2021 a prática dos factos fortemente indiciados e descritos a fls. 4859 a 4919, porquanto apenas tal conclusão se revela compatível com a prova carreada para os autos, uma vez que em março de 2022 já desenvolviam tais atividades ilícitas típicas (cfr, por exemplo, fls. 2599 a 2606; fls. 2515; fls. 2516 a 2521; fls. 2534 a 2535; 2529 a 2530; fls. 2531 a 2532) e, bem assim, porque vai ao encontro dos factos confessados pelos arguidos FF (cfr. 8m47s; cfr. 9ml5s; cfr. 9m37s) e GG (cfr. 3ml2s).

XXXV. Os arguidos FF e GG, AA e BB integraram grupo estruturado de mais de duas pessoas, que se manteve desde, pelo menos, novembro de 2021 e até 16 de fevereiro de 2023, e que atuou de forma concertada, com vista à prática dos crimes de danos contra a natureza, contrabando de circulação qualificado e de contrabando qualificado, porquanto:

a. Venderam, desde novembro de 2021, meixão vivo a AA e a BB, cidadãos de nacionalidade chinesa, bem sabendo que o mesmo iria ser retirado de Portugal e que iria ser exportado para os mercados asiáticos;

b. Ao venderem o meixão a AA e a BB visavam a obtenção de benefício económico decorrente do recebimento do preço como contraprestação pela entrega do meixão;

c. Ao entregarem o meixão a AA e a BB contribuíam de forma decisiva para que estes pudessem deter e circular no interior do território nacional, retirar do território nacional e exportar os espécimes vendidos;

d. Ao venderem/entregarem participavam de forma ativa na detenção, comercialização e circulação ilícitas, em território nacional, de meixão e na retirada e exportação dessa espécie protegida - cfr. artigo 5.°, n.° 1, alínea a), subalíneas i) e ii)-a) e ii)-b), da Convenção contra a Criminalidade Organizada Transnacional.

XXXVI. No que tange, em concreto, à participação dos arguidos FF e GG na prática dos referidos crimes de associação criminosa (cfr. artigo 89.°, 3 do R.G.I.T., por referência aos artigos 93.n. ° 1 e 92.°, n." alíneas a) e b), e 97.°, alíneas a), b) e g), do mesmo diploma legal, e previsto e punível pelo artigo 299.° do Código Penal, por referência ao artigo 278.°, n.° 1, alínea a), e n.° 2 do mesmo diploma legai), para além de tudo o demais, cumpre, ainda, atender às escutas encetadas ao arguido GG, nomeadamente, a sessão n.° 539 (cfr. fls. 1 a 3 do Anexo III), a sessão n.° 1083 (cfr. fls. 4 e 5 do Anexo III), a sessão 1122 (cfr. fls. 6 a 7), a sessão n.° 2880 (cfr. fls. 8 a 11 do Anexo III) e, sobretudo, a sessão n.° 2881 (cfr. fls. 12 a 13 do Anexo III), já devidamente transcritas nos autos, inclusivamente, ao tempo dos interrogatórios dos arguidos detidos, tanto mais que o arguido FF foi confrontado com o teor da última sessão identificada (cfr. 12m54s do interrogatório judicial do arguido FF supra transcrito).

XXXVII. Nas sessões acimas identificadas e transcritas resulta evidente que os arguidos FF e GG pescavam e compravam meixão a outros pescadores para depois venderem, exclusivamente, a AA e a BB.

XXXVIII. As sessões n.° 1083 e 1122 (cfr. fls. 4 a 7 do Anexo III) são também reveladoras do nível de envolvimento absoluto dos arguidos FF e GG na prática dos tipos de ilícito com AA e com BB, uma vez que revelam que os primeiros até tiveram conhecimento, no dia 22 de novembro de 2022, da detenção de KK pela detenção de 12,8kg de meixão vivo no aeroporto Francisco Sá Carneiro, no Porto (cfr., ainda, fls. 3577, 3587 a 3591, 3604 a 3605, 36320 a 3622, 3623 a 3624, 3630 a 3631, 3632, 3633 a 3634, 3645 a 3646 dos autos principais; cfr. fls. 11 e 12,18 a 20,148 a 149 66 a 72 do Apenso E).

XXXIX. A referida sessão 1122 (cfr. fls. 6 a 7 do Anexo III) reforça, ainda mais, tal nível de envolvimento, porquanto denota que FF, no dia 23 de novembro de 2022, já sabia, inclusivamente, que, não obstante aquele transportador ter sido detido, não foram delatados os nomes de ninguém ("foi verdade ele ser apanhado, mas que não houve, não houve nomes de ninguém" — fls. 6 do Anexo III; "(...) nem julgamento houve (...)" - fls. 7 do Anexo III), e revela, por um lado, que o nível de envolvimento com os arguidos AA e com o arguido BB, na prática dos factos ilícitos típicos descritos a fls. 4859 a 4919, era deveras estreito, demonstra, por outro, que não pretendiam perder tal posição de destaque na venda de meixão vivo e revela que tinham profundo conhecimento das atividades ilícitas típicas desenvolvidas, posteriormente, pelos arguidos AA e BB, designadamente, no que tange à retirada do território nacional e à exportação do meixão vivo que vendiam.

X L . Das sobreditas sessões n.° 2880 e 2881 mais resulta inegável que os arguidos FF e GG sabiam que o meixão que vendiam a AA e a BB iria ser retirado de território nacional e que iria ser transportado para França.

XLI. Das escutas supra referidas e transcritas também se conclui que os arguidos FF e GG integraram grupo estruturado de mais de duas pessoas com AA e com BB, que se manteve ao longo do tempo e atuou de forma concertada, com vista à prática dos crimes de danos contra a natureza, contrabando de circulação qualificado e de contrabando qualificado, porquanto:

a. Venderam meixão vivo a AA e a BB, cidadãos de nacionalidade chinesa, bem sabendo que o mesmo iria ser retirado de Portugal e que iria ser exportado para os mercados asiáticos;

b. Ao venderem o meixão a AA e a BB visavam a obtenção de benefício económico decorrente do recebimento do preço como contraprestação pela entrega do meixão;

c. Ao entregarem o meixão a AA e a BB contribuíam de forma decisiva para que estes pudessem deter e circular no interior do território nacional, retirar do território nacional e exportar os espécimes vendidos;

d. Ao venderem/entregarem participavam de forma ativa na detenção, comercialização e circulação ilícitas, em território nacional, de meixão e na retirada e exportação dessa espécie protegida - cfr. artigo 5.°, n.° 1, alínea a), subalíneas i) e ii)-a) e ii)-b), da Convenção contra a Criminalidade Organizada Transnacional.

XLII. Quanto à detenção, circulação e comercialização no interior do território nacional, o despacho Judicial de fls. 4972 a 5002, datado de 18/02/2022, dá tais factos como fortemente indiciados nos autos.

XLIII. No que concerne à retirada de território nacional, discorre das mais elementares regras da vida e da experiência que inexiste mercado em Portugal para o meixão, porquanto o mesmo tem por destino final os mercados asiáticos, consoante resulta melhor expendido nos artigos 1 a 20 dos factos descritos pelo Ministério Público e dados como fortemente indiciados pelo despacho Judicial de 18/02/2023 (cfr. fls. 4972 a 5002), consoante supra exposto e transcrito.

XLIV. Verifica-se que, entre 2016 e 2018, apenas a China foi responsável por receber cerca de 85% de meixão proveniente da Europa, enquanto que o Japão recebeu 8% e a República da Coreia 3% (cfr., United Nations Office on Drugs and Crimes, 'World Wildlife Crime Report, Trafficking in Protected Species", United Nations, New York, 2020, por exemplo pág. 95 e seguintes, maxime pág. 98).

XLV. O caso vertente insere-se no fenómeno a que a Europol denomina como "(t)he multi-billion euro trafficking of the european Eel (Anguilla anguillap (Europol, "Environmental Crime in the age of climate change", Threat assessment, 2022, pág. 24), em que, tal como sucede nos presentes autos, "redes criminosas chinesas e europeias cooperam nas diferentes fases desta atividade criminosa" (Europol, "Environmental Crime in the age of climate change", Threat assessment, 2022, pág. 25), para efetuarem "o transporte pata a Ásia (...) durante um curto período de tempo, uma vez que os espécimes vivos só podem viajar durante 40 a 48 horas", "empregando numerosas mulas", "frequentemente asiáticos detentores de cidadania europeia ou de autorizações de residência, para viajar por via aérea com as enguias de vidro escondidas no interior de sacos de plástico cheios de água ou caixas de plásticos de esferovite nas suas malas", continuando "a China a ser o principal destino (frequentemente alcançada via Hong Kong)" (Europol, "Environmental Crime in the age of climate change", Threat assessment, 2022, pág. 26).

XLVI. Se inexiste mercado em Portugal para o meixão e o mesmo é adquirido a pescadores e a intermediários nacionais, significa que o mesmo irá ser retirado do território nacional e exportado para os mercados asiáticos.

XLVII. Não poderá deixar de se considerar que pescadores e/ou intermediários nacionais, tais como FF, GG e HH sabiam que o meixão que vendiam a AA e a BB iria, posteriormente, ser retirado do território nacional e exportado para os mercados asiáticos.

XLVIII. Das regras da vida, da mera experiência comum e da prova coligida nos autos que os arguidos FF, GG e HH integraram grupo estruturado de mais de duas pessoas, juntamente com BB e AA, que se manteve ao longo do tempo e atuou de forma concertada, com vista à prática dos crimes de danos contra a natureza, contrabando de circulação qualificado e de contrabando qualificado, porquanto:

a. Venderam meixão vivo a cidadãos de nacionalidade chinesa, bem sabendo que inexiste comércio para o meixão em Portugal e que, por isso, o mesmo iria ser retirado de Portugal e que iria ser exportado para os mercados asiáticos;

b. Ao venderem o meixão a AA e a BB visavam a obtenção de benefício económico decorrente do recebimento do preço como contraprestação pela entrega do meixão;

c. Ao entregarem o meixão a AA e a BB contribuíam de forma decisiva para que estes pudessem deter e circular no interior do território nacional, retirar o território nacional e exportar os espécimes vendidos;

d. Ao venderem/entregarem participavam de forma ativa na detenção, comercialização e circulação ilícitas, em território nacional, de meixão e na retirada e exportação dessa espécie protegida - cfr. artigo 5.°, n.° 1, alínea a), subalíneas i) e ii)-a) e ii)-b), da Convenção contra a Criminalidade Organizada Transnacional.

No que tange à organização e estrutura presente nos autos, mais se verifica que o GG, em sede de interrogatório judicial de arguido detido, pronunciou-se expressamente sobre a relação existente entre AA e BB. Para tanto, referiu sempre que BB ia buscar o meixão (3m50s), não declarando que este comprava meixão, pois identificava AA como sendo aquele que efetivamente o comprava.

XLIX . O arguido GG explicitou que já conhecia AA há cerca de 7 ou 5 anos (cfr.4m21s), por lhe vender meixão desde essa data.

E que por conhecer o AA há muito tempo (4ml3s), porque conheceu BB através de AA (5m20s), porque desde que AA lhe apresentou BB só este último vinha buscar meixão (cfr. 5m20s; cfr. 5m41s; cfr. 5m53s; cfr. 6m01s), porque era essencialmente com AA que tratava das compras por ser este quem conhecia (5m53s), sempre entendeu que o AA dava ordens a BB.

L. O arguido GG referiu que era AA que dava ordens a BB para que este fosse receber de GG o meixão por este vendido (cfr. 5m41s).

LI. Tudo isto são razões plenamente plausíveis para se atender e acreditar na versão dos factos apresentada, nesta parte, pelo arguido GG, pois não poderá deixar de se atender àquilo que foi a perceção deste arguido que, ao longo de quase um ano e meio, contactou AA para lhe vender meixão, entregando a BB o meixão que havia acordado vender com AA. Na verdade, o período temporal que medeia entre novembro de 2021 e fevereiro de 2023 é tempo suficiente para que um homem médio se aperceba da relação entre quem é o comprador e quem é o transportador que atua em nome e por conta daquele comprador.

LII. As regras da experiência e da vida determinam que, em circunstâncias como a do caso vertente, em que se praticam factos ilícitos típicos durante um período de tempo, em que se lidam com vários comparticipantes na prática de crimes, em que as entregas de dinheiro e da contraprestação ocorrem da forma mais rápida possível, em local escondido, em que se lidam com outros elementos que se dedicam igualmente à prática de crimes, é normal que não existam conversas sobre quem manda, quem dá ordens, quem cumpre, que ordens são dadas, como são dadas tais instruções, quem é o chefe máximo, pois isso são conversas que poderão trazer "problemas" a quem as pergunta ou que poderão, no mínimo, provocar o afastamento de quem compra a mercadoria ilícita.

LIII. Exigir que GG tivesse perguntado a BB ou a AA sobre quem mandava, quem cumpria ordens, quem dava o dinheiro, quem recebia o dinheiro, a quem BB entregava o meixão, entre outras, para assim indiciar fortemente o crime de associação criminosa não é, por um lado, compaginável com as aduzidas básicas e elementares regras da vida ou da experiência comum nem, por outro lado, compatível com o direito, porquanto no crime de associação criminosa "(n)ão é de exigir o conhecimento mútuo entre todos os associados, nem a necessidade da sua reunião, sendo indiferente o momento em que cada um aderiu ao projeto criminoso" (Anabela Morais, "Controvérsias do crime de associação criminosa (análise do tipo legal)" Julgar Online, dezembro de 2019, pág. 9), ora se não é exigível tão-pouco o conhecimento mútuo entre todos os associados nem a necessidade de reunião, por maioria de razão, não têm os participantes de conhecer toda a estrutura e modo de funcionamento da organização que integram.

LIV. Verifica-se, por exemplo, apenas da prova supra referida no ponto 5. do presente recurso, que AA entregava dinheiro a BB (cfr., por exemplo, fls. 3050 a 3051), que este fazia várias deslocações a Braga, até às proximidades da residência de AA, que era BB quem fazia a vasta maioria das compras de garrafas de oxigénio (cfr. fls. 2539 a 2541, 2528, 2594, 2595 a 2596, 2587 a 2599 e 3009 a 3014) e de meixão a pescadores e/ou intermediários nacionais (cfr. 2599 a 2606; cfr. fls. 2515; cfr. fls. 2529 a 2530 e 2531 a 2532; cfr. fls. 2557 a 2580; cfr. fls. 2819 a 2821; cfr. fls. 2905 a 2907 e 2908 a 2909; cfr. fls. 3050 a 3051; cfr. fls. 3058 a 3059) e que era também BB quem se encontrava com cidadãos estrangeiros angariados e que lhes entregava o meixão acondicionado no interior de malas de porão para, assim, retirarem o meixão adquirido por via aérea (cfr. fls. 2997 a 3000 e fls. 2986 a 2993).

LV. Concatenada a prova coligida nos autos tudo indicia de forma robusta que AA era quem efetivamente dava ordens ou instruções a BB, entregando-lhe dinheiro, para que este comprasse meixão a GG, a FF, tal como a HH.

LVI. Quando se atende à sessão n.° 256, de fls. 1 a 3 do Anexo IV, já devidamente transcrita em momento anterior ao interrogatório judicial de arguidos detidos, ocorrido no dia 18/02/2022, resulta inegável que é AA quem coordena, quem dá ordens e instruções sobre o modo como o meixão ilicitamente adquirido em Portugal deverá ser retirado de território nacional, sobre onde deverá ser recolhido o meixão, sobre quando o mesmo deverá ser retirado e, bem assim, sobre o local para onde deverá ser transportado.

LVII. Não poderia nunca constar do despacho Judicial de fis. 4972 a 5002, que o arguido GG desconhecia a relação entre AA e BB (cfr. fis. 4987), principalmente, quando também o arguido FF declarou que, "numa altura do tempo de Verão" (9ml5s), "logo a seguir à pandemia" (8m47s), BB e AA encetaram conversa e que combinaram posteriores compras e vendas de meixão.

LVIII.O grupo constituído por AA, BB, GG, FF e LL apresentava estruturação, composição, duração e concertação típicas e subsumíveis aos crimes previstos e puníveis pelos artigos 299.° do Código Penal e 89.° do R.G.I.T..

LIX. Da leitura mais atenta ao teor do despacho Judicial de fis. 4972 a 5002, datado de 18/02/2022, redunda que, para afastar a prática do crime de associação criminosa pelos arguidos e suspeitos identificados promoção do Ministério Público, datada de 10.02.2023, que remeteu os autos para interrogatório, se sustentou nos seguintes entendimentos jurídicos:

a. Quanto ao crime de associação criminosa:

i. Exige-se "a existência de um encontro de acordo de vontades dos participantes que tenha dado origem a uma realidade autónoma, diferente e superior às vontades e interesses dos singulares membros"» (fis. 4991);

ii. Exige-se "um qualquer processo de formação da vontade coletiva, isto é, a adesão dos seus membros a uma realidade que transcende a realidade pessoal de cada um dos membros; a existência de sentimento comum de ligação por parte dos membros da associação a uma unidade diversa de cada um dos seus membros" (fls. 4991);

iii. Exige-se "um sentimento comum de ligação, por parte dos membros da associação a algo que, transcendendo-os, se apresenta como uma unidade diferente de qualquer uma das individualidades componentes e a que eles referente a sua atividade criminosa" (fls. 4993);

iv. Exige-se "que o encontro de vontades dos participantes (...) tenha dado origem a uma realidade autónomas, diferente e superior às vontades e interesses dos singulares membros. Supõem, no plano das realidades psicológica e sociológica, que do encontro de vontades tenha resultado um centro autónomo de imputação fáctica das ações prosseguidas ou a prosseguir em nome e no interesse conjunto. Centro este que, pelo simples facto de existir, deve representar em todo o caso (...) uma ameaça tão intolerável que o legislador reputa necessário reprimi-la com as penas particularmente severas do preceito; neste sentido devendo falar-se, com razão da exigência de um centro autónomo de imputação e motivação" (cfr. fls. 4993 e 4994);

v. Exige-se "uma transpersonalidade fáctica e reforça a conceção da necessidade da presença, na entidade englobante, com metas ou objetivos próprios capaz de integrar o tipo de objetivo de ilícito, do aludido centro autónomo" (cfr. fls. 4994);

vi. Exige-se "uma realidade autónoma, diferente e superior às vontades e interesses dos singulares membros, isto é, quanto emerja um centro autónomo de imputação fáctica das ações prosseguidas ou a prosseguir em nome e no interesse do conjunto, um ente distinto de imputação e motivação, como entidade englobante, com metas ou objetivos próprios.

Centro este que, pelo simples facto de existir, deve representar, em todo o caso, uma ameaça tão intolerável que o legislador reputa necessário reprimi-la com penas particularmente severas. Cita ainda o aludido aresto jurisprudencial o Acórdão do STJ de 16-10-2008, processo n.° 2958/08 - 5.a Secção, ali podendo ler-se que "Para tanto, impõe-se apurar a existência, por um lado, de um centro autónomo de imputação, transcendendo os respetivos membros e ao qual sejam imputadas as ações por eles levadas a cabo, ou seja, uma organização estruturada, estabilizada (até em termos temporais) e hierarquizada, cotada de meios próprios e constituindo uma entidade independente das pessoas que a formam e, por outro lado, o acordo entre os seus membros, quer no sentido de aderirem a tal organização, cujos fins conheciam — quer para, uma vez aderindo a ela, colaborarem com a realização das tarefas que lhe estavam destinadas e lhes eram transmitidas pelos respetivos coordenadores na prossecução dos respetivos objetivos, mediante um esquema de remunerações e de contrapartidas financeiras.»

Revertendo ao caso concreto a luz do que vai dito, sem prejuízo das considerações abaixo tecidas relativamente aos arguidos de nacionalidade chineses, desde já nos parece óbvio que não temos quaisquer condutas dos arguidos de nacionalidade portuguesa que se possam integrar no crime de associação criminosa.

Assim, em relação aos arguidos de nacionalidade chinesa, uma vez que poderá quanto aos mesmos, e em face da factualidade indiciada, excogitar-se a prática do crime em apreço, teremos de perguntar, parafraseando o Acórdão [impercetível]

- se estaremos perante um pacto que tenha dado origem a uma entidade diversa, autónoma, transpessoal, que valha por si, referenciável por si mesmo

- se esse pacto deu origem a uma realidade autónoma superior ou diferente à personalidade, às vontades e interesses dos elementos que a integram

- se dele emana uma especial perigosidade e maior carga de danosidade social;

- se os arguidos seriam condenados igualmente mesmo que nenhum crime houvesse sido cometido (fls. 4995 e 4996);

vii. "Assim, não se vislumbra que o acordo firmado entre os arguidos tenha dado origem a entidade diversa dos mesmos, autónoma e transpessoal ou diferente à personalidade, às vontades e interesses dos elementos que a integram.

E não se vislumbra também que de tal acordo emane uma especial perigosidade e maior carga de danosidade social, que possam considerar-se dignas de uma verdadeira associação criminosa, não se vendo como poderiam os arguidos vir, nesta parte a ser condenados, caso efetivamente não estivesse em causa o cometimento dos demais crimes pelos quais vêm indiciados.

Conclui-se, assim, que a ação dos arguidos, no caso, consiste, outrossim, numa atividade conjunta, sem ser contudo uma associação criminosa, sem ter dado origem a uma realidade autónoma, diferente e superior às vontades e interesses dos seus membros.

Dito de outro modo, o que se verifica no caso é a constatação da existência de plúrimas condutas individuais no contexto de uma ação global, em que cada arguido tem o seu papel e dá o seu contributo para a violação dos bens jurídicos protegidos pelos crimes já supra indicados e indicados.

Por conseguinte, é nosso entender inexistir fundamento, por ora, para indiciação, também quanto aos arguidos de nacionalidade chinesa, quanto à prática dos crimes associação criminosa" (fls. 4995 e 4996).

b. O crime de associação criminosa exige "uma organização perfeitamente caracterizada, com níveis e hierarquias de comando e com uma certa divisão e especialização de funções de cada uma das suas componentes ou aderentes" (fls. 4991).

c. "(Q)ue inexiste matéria factual que permita concluir no sentido da existência de uma verdadeira e autónoma associação criminosa, pois que, sem prejuízo da divisão de tarefas e do papel de cada um dos arguidos na engrenagem criminal imputada, dela não resulta a fundação de qualquer grupo, organização ou associação com carácter de durabilidade (sendo de notar que os primeiros factos imputados remontam apenas a 14.11.2022)" (fls. 4996).

L X. O entendimento defendido no despacho Judicial de fls. 4972 a 5002, datado de 18/02/2022, de que o crime de associação criminosa exige "a existência de um encontro de acordo de vontades dos participantes que tenha dado origem a uma realidade autónoma, diferente e superior às vontades e interesses dos singulares membros", "a adesão dos seus membros a uma realidade que transcende a realidade pessoal de cada um dos membros; a existência de sentimento comum de ligação por parte dos membros da associação a uma unidade diversa de cada um dos seus membros" (fls. 4991), "um sentimento comum de ligação, por parte dos membros da associação a algo que, transcendendo-os, se apresenta como uma unidade diferente de qualquer uma das individualidades componentes e a que eles referente a sua atividade criminosa" (fls. 4993), que se dê "origem a entidade diversa dos mesmos, autónoma e transpessoal ou diferente à personalidade, às vontades e interesses dos elementos que a integram", entre outras considerações de idêntico sentido e alcance, se sustentam, no fundo, nas teorias perfilhadas por Figueiredo Dias no ano de 1988 (cfr. A. cit., "As «Associações Criminosas» no Código Penal Português de 1982 (Arts. 287° e 288°)", Separata da Revista de Legislação e de Jurisprudência, Coimbra Editora, Coimbra, 1988, páginas 31a 52) e no ano de 1999 (A. cit., "Comentário Conimbricense do Código Penal. Parte Especial", Tomo II, Coimbra Editora, 1999, pág. 1155 a 1174).

LXI. A construção doutrinária adotada pelo despacho judicial exige a verificação de um elemento típico - a ideia de uma realidade transcendente à vontade e interesses individuais dos seus membros, a qual corresponde à exigência doutrinal de um sentimento comum de ligação desses membros a essa realidade transcendente — que não se encontra previsto na Convenção das Nações Unidas Contra a Criminalidade Organizada Transnacional (cfr. supra os artigos citados da Convenção de Palermo).

LXII. A decisão judicial em crise opera à criação de um novo elemento definidor do conceito de grupo criminoso organizado que não existe na Convenção de Palermo.

LXIII. A Convenção em causa é aplicável aos procedimentos judiciais por crimes de associação criminosa, consoante resulta incontornável do disposto no artigo 3.°, n.° 1, alínea a).

LXIV. A decisão judicial, acrescentando tal elemento típico aos crimes de associação criminosa em causa nos autos, reduz o âmbito de aplicação do conceito constante da Convenção, tornando-o menos severo e restringindo-o, o que não é permitido pelo artigo 34.°, n.° 3 do referido diploma de direito internacional convencional.

LXY. Não poderia a decisão judicial em crise sustentar tal interpretação, erigindo as sobreditas ideias a elemento indispensável dos tipos de associação criminosa, sob pena de violar o direito internacional convencional vigente na ordem jurídica interna e, atendendo a que os conceitos de organização criminosa são em tudo idênticos com os plasmados na sobredita Convenção, de violar o direito comunitário europeu.

LXVI. «Da letra da lei não se extrai quaisquer outros elementos do tipo legal do crime além do elemento organizativo — a existência de uma associação, grupo ou organização cujo conteúdo e extensão se encontram definidos no n.° 5 do artigo 299.° do Código Penal -, do elemento da finalidade criminosa - "cuja finalidade ou atividade seja dirigida à prática de um ou mais crimes" — e do elemento da estabilidade associativa — o grupo, organização ou associação deve ter "certa duração temporal".

LXVII. Não existe, na letra da lei, qualquer restrição, delimitação do âmbito da figura da associação criminosa, mediante a verificação de uma "realidade transcendente à vontade e interesses individuais" das pessoas que atuam concertada e duradouramente e que por ser transcendente, essa realidade funcione como centro autónomo de imputação e motivação. Nem se alcança como dessa curiosidade subjetiva de abstração engendrada no íntimo de cada um dos membros de uma associação criminosa possa resultar maior dignidade penal ou maior perigo.

LXVIII. E reconhecida "a altíssima e especialíssima perigosidade da associação', derivada do seu particular poder de ameaça e dos fenómenos miméticos e sugestivos, de natureza criminosa, que aquela gera nos seus membros, sendo estas as razões subjacentes ã opção do legislador de antecipação da tutela penal para o momento anterior ao da efetiva perturbação da segurança e tranquilidade públicas, mas em que já se criou um especial perigo de perturbação.

LXIX. Considerando o bem jurídico protegido e a justificação política-criminal da incriminação das associações criminosas, não existe qualquer razão para o legislador pretender apenas punir os membros de uma associação que tivessem " dotado s de uma vontade especialíssima", de uma vontade coletiva, dissociada da vontade e interesses individuais. A conjugação de vontades e esforços, durante certo período de tempo, perdurando o projeto comum — a finalidade criminosa — e o manancial de meios humanos, é uma realidade verificável, tipicamente relevante, sendo "consensual o reconhecimento da extrema perigosidade destas organizações".

LXX. A associação criminosa consiste na associação de vontades entre os diversos membros e a atuação conjugada e concertada dos mesmos por forma a traduzir os seus propósitos de, em conjunto, com certa estabilidade e disciplina, desenvolverem um projeto comum — prática de crime ou crimes. Na associação criminosa, não existe uma "realidade transcendente", distinta da vontade e interesses individuais; uma realidade autónoma e superior às vontades e interesses dos membros. Nem essa realidade constitui requisito conatural à noção de estrutura organizada. Existe, sim, o encontro de vontades dos diversos participantes e a atuação concertada dos mesmos. Cada elemento da associação criminosa, ao promover, fundar, participar como membro ou apoiante, chefiar ou dirigir — as várias ações típicas previstas no artigo 299.° do Código Penal —, pode agir no seu próprio interesse e nem sequer em representação de qualquer outra entidade.

LXXI. A existência de uma "realidade transcendente à vontade e interesses individuais" pressuporia que a atividade de cada agente se inscrevesse numa realidade transpessoal da qual fosse representante e de cuja vontade fosse intérprete e a quem imputasse os motivos para agir, os sucessos e os insucessos da atividade.

Implicaria que o agente atuasse representando a vontade e os interesses duma realidade que a todos transcende e a todos integra na solidariedade emergente de um fim comum.

Essa não é a realidade das coisas. No mundo real, dos acontecimentos, não existe essa cisão entre a vontade individual do agente que promove, funda, faz parte, apoia, chefia ou dirige uma associação, e a vontade do ente associativo. O que existe é o concerto de vontades entre os diversos membros, sendo esse concerto mantido durante "certo período de tempo", aqui residindo os fatores de perigo que o crime visa esconjurar. Cada membro atua no seu próprio interesse e concertadamente com os demais elementos, tendo em vista um projeto que é comum. Quando promove, funda, faz parte, apoia, chefia ou dirige uma associação, não está a agir em representação de qualquer entidade mas em nome próprio. Nem está a agir tendo em vista uma finalidade que não seja sua. A exigência de uma "realidade transcendente à vontade e interesses individuais" implica um esforço de abstração na atitude dos agentes sobre o que seja a sua vontade e interesses individuais por contraponto à vontade do ente associativo que não tem correspondência com a realidade. A associação de vontades entre os diversos membros e a atuação conjugada e concertada por forma a traduzir os seus propósitos de, em conjunto, praticarem crimes, é a única atitude tipicamente relevante.

LXXII. Não existe qualquer razão para o legislador pretender punir, apenas, os membros de uma associação que tivessem "dotados de uma vontade coletiva", dissociada da vontade e interesses individuais. A conjugação de vontades e esforços, durante certo período de tempo, perdurando o projeto comum — a finalidade criminosa — e o manancial de meios humanos, é uma realidade verificável, tipicamente relevante. Para tornar uma associação tipicamente perigosa, basta a disponibilidade e o concerto dos membros entre si, ou dito por outras palavras; "basta a existência de uma união de vontades para a prática abstrata de crimes ou de conjunto de crimes, independentemente da formulação do propósito de execução de um crime determinado e pressupõe uma atuação conjugada e concertada dos agentes, por forma a traduzir os seus propósitos de, em conjunto, fazerem vida da atividade criminosa" (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13/5/1992, CJ 1992, Ano XVII, Tomo III, pág. 15 e seguintes).

LXXIII. Impor a indagação de "uma realidade transcendente à vontade e interesses individuais", além de contrariar o princípio da legalidade – por exigir um elemento não constante da lei - e as razões de política criminal que motivaram a tutela antecipada, conferida, pelo legislador, à "paz pública" — bem jurídico tutelado com a incriminação das associações criminosas -, conduz ao esvaziamento de utilidade da incriminação das associações criminosas porquanto, exige, para a punição pela prática do crime de associação criminosa, a verificação de uma realidade inexistente ou raramente verificável e que nada acrescenta ao perigo típico. A posição da doutrina que exige, no recorte interno da atitude de cada membro, um esforço de abstração da sua vontade, como sendo a vontade da associação, defendendo que essa atitude subjetiva se encontra na órbita do tipo (mas que, na verdade, não está no tipo), não serve qualquer princípio do direito penal, nem congrega qualquer esforço válido interpretativo. Contudo, essa posição tem um efeito imediato: torna necessária a busca de uma realidade subjetiva que, por regra, não existe no espírito dos agentes do crime, assim se procurando indagar uma atitude estranha nos membros, a tal transcendência e abstração da associação, e, por isso, está dado o passo para inutilizar a punição por este tipo crime.

LXXIV. Concluindo, constituem elementos do tipo legal de o crime de associação criminosa: (i) o elemento organizativo; (ii) o elemento finalístico; e (iii) o elemento de estabilidade associativa, bastando para a verificação deste ilícito a existência de um acordo de vontades, ainda que de forma tácita, entre três ou mais pessoas, para cooperarem na realização de um projeto comum — a prática de um ou mais crimes -: que essa união possua ou queira possuir uma certa permanência ou estabilidade e que entre os seus membros se observem laços de disciplina.

LXXV. Esta é a solução interpretativa que melhor se coaduna com o elemento literal, o bem jurídico tutelado e a justificação política-criminal da incriminação das associações criminosas» (Anabela Morais, "Controvérsias do crime de associação criminosa (análise do tipo legal)", Julgar Online, dezembro de 2019, pág. 41 a 57).

LXXVI. Pelo exposto:

a. Verifica-se que, ao acolher tal interpretação, a decisão judicial violou o direito internacional convencional vigente no ordenamento jurídico português, designadamente o disposto no artigo 1.°, no artigo 2.°, alíneas a) e c), no artigo 3.°, n.° 1, alínea a), no artigo 5.° e no artigo 34.°, n.° 3 da Convenção das Nações Unidas Contra a Criminalidade Organizada e, bem assim, o artigo 8.°, n.° 2 da Constituição da República Portuguesa [cfr. Resolução da Assembleia da República n.° 32/2004, de 02 de abril (cfr. D.R. I série -A, n.° 79, 02 de abril de 2004); Decreto do Presidente da República n.° 19/2004, de 02 de abril (cfr. D.R. I série -A, n.° 79, 02 de abril de 2004); Depósito de ratificação da Convenção pelo Aviso n.° 121/2004, de 17 de junho (cfr. cfr. D.R. I série - A, n.° 141, de 17 de junho de 2004)].

b. Considerando que o conceito de grupo criminoso organizado plasmado na Convenção é semelhante aos conceitos Decisão-Quadro 2008/841 /JAI do Conselho, de 24 de outubro de 2008, relativa à luta contra a criminalidade organizada (JO L 300, de 11/11/2008, pág. 42 a 45), quer pela Decisão 2004/579/CE, de 29 de abril de 2004, do Conselho, relativa à celebração da Convenção das Nações Unidas Contra o Crime Organizado Transnacional, esta Convenção foi aprovada em nome da Comunidade Europeia (cfr. JO L 261, de 06/08/2004, pág. 69 a 115), verifica-se, igualmente, que a decisão judicial violou, também, o direito comunitário europeu, designadamente, o artigo 1.°, no artigo 2.°, alíneas a) e c), no artigo 3.°, n.° 1, alínea a), no artigo 5.° do Anexo I da referida Decisão 2004/579/CE e os artigos 1° e 2o da Decisão-Quadro 2008/841/JAI do Conselho, de 24 de outubro de 2008, e, bem assim, o artigo 8.°, n.° 3 da Constituição da República Portuguesa.

c. Verifica-se que a decisão judicial violou o princípio da legalidade – por exigir um elemento típico não constante da lei, designadamente, dos tipos de ilícito previstos e puníveis pelos artigos 89.° do R.G.I.T. e 299 do Código Penal.

d. Fez uma incorreta subsunção jurídica dos crimes de associação criminosa, previstos e puníveis pelos artigos 89.° do R.G.I.T. e 299.º do Código Penal, ao caso concreto.

LXXVII. Do teor da decisão judicial em crise (cfr. fls. 4972 a 5002) discorre que se reconhece estar indiciada "uma divisão de tarefas e do papel de cada um dos arguidos na engrenagem criminal imputada" (cfr. fls. 4991).

Todavia, a estrutura indiciada parece não ter sido bastante para que, na decisão judicial, se decidisse que se encontravam preenchidos os respetivos elementos dos tipos de ilícitos, por se sustentar posição jurídica que exige "uma organização perfeitamente caracterizada, com níveis e hierarquias de comando e com uma certa divisão e especialização de funções" (fls. 4991).

LXXVIII. Dos elementos objetivos do tipo de ilícito previstos e puníveis pelos artigos 89.° do R.G.I.T. e 299.° do Código Penal não se vislumbra, em qualquer lugar, que exigem "uma organização perfeitamente caracterizada, com níveis e hierarquias de comando e com uma certa divisão e especialização de funções" (fls. 4991), tal, simplesmente, não existe.

LXXIX. Na alínea c) do artigo 2.° da Convenção (e, bem assim, no artigo 2.°, alínea c), do Anexo I da Decisão do Conselho, de 29 de abril de 2004, 2004/579/CE, in JO L 261, de 06/08/2004, pág. 70) esclarece-se o que se deve entender por grupo estruturado, densificando, assim, aquele elemento fundamental — a estruturação — exigido para a verificação do conceito "grupo criminoso organizado". Nesse conspecto, é de realçar que se opera a uma dilatação conceptual que compreende o grupo formado de maneira não fortuita para a prática imediata de uma só infração, mesmo que os seus membros não tenham funções formalmente definidas e mesmo que não exista continuidade na sua composição nem disponha de uma estrutura elaborada.

LXXX . Ou seja, para a densificação do conceito de grupo criminoso organizado, no qual se integram os tipos de ilícito previstos e puníveis pelos artigos 299.° do Código Penal e do artigo 89.° do RGIT, poderá, mormente, estar-se perante um grupo formado de maneira não fortuita, isto é, um grupo que não tenha sido formado de forma acidental, casual, eventual, ocasional, imprevista, imprevisível, inesperada, impensada, repentina, súbita, incidental, arbitrária, episódica ou esporádica, cujos membros não necessitam de ter funções formalmente definidas, donde emerge que os membros do grupo poderão assumir funções mais diluídas, como poderão assumir uma ou várias funções ou assumir uma função e, posteriormente, uma outra ou, até mesmo, assumir várias e distintas funções que se alteram, por exemplo, consoante as necessidades sentidas pela associação com vista à realização do seu escopo.

LXXXI. Mais resulta da Convenção de Palermo, da Decisão do Conselho, de 29 de abril de 2004,2004/579/CE e, ainda, da Decisão-Quadro 2008/841/JAI do Conselho, de 24 de outubro de 2008, que o grupo não tem de ter uma estrutura elaborada, isto é, que não tem de existir qualquer complexidade na forma de atuação do grupo, porquanto ao não se exigir uma organização estrutural, não tem de existir nem de ser estabelecido nem de se cumprir com um organograma, não tem, necessariamente, de existir um único ou vários chefes ou dirigentes nem tão-pouco tem de haver «qualquer "comando" ou "direção" que lhe confira unidade de impulso» [Anabela Morais, "Controvérsias do crime de associação criminosa (análise do tipo legal)", Julgar Online, dezembro de 2019, pág. 11].

LXXXII. Ora, o aplicador do direito não pode adotar um entendimento jurídico que exija um elemento objetivo do tipo que não está tipificado na lei, sob pena de violação do principio da legalidade, nem, tão-pouco, poderá perfilhar raciocínio jurídico que sufrague posição que estabelece requisitos mais apertados do que aqueles previstos quer no direito convencional internacional quer no direito comunitário europeu, sob pena de violar quer compromissos quer legislação internacional que o Estado português está obrigado a cumprir.

LXXXIII. Ao ser adotado, pela decisão judicial em crise, um entendimento tão estrito sobre o que é um grupo que não tem uma estrutura elaborada, foi, também, por esta via, violado:

a. O direito internacional convencional vigente no ordenamento jurídico português, designadamente o disposto no artigo 1.°, no artigo 2.°, alíneas a) e c), no artigo 3.°, n.° 1, alínea a), no artigo 5.° e no artigo 34.°, n.° 3 da Convenção das Nações Unidas Contra a Criminalidade Organizada e, bem assim, o artigo 8,°, n.° 2 da Constituição da República Portuguesa [cfr. Resolução da Assembleia da República n.° 32/2004, de 02 de abril (cfr. D.R. I série -A, n.° 79, 02 de abril de 2004); Decreto do Presidente da República n ° 19/2004, de 02 de abril (cfr. D.R. I série -A, n.° 79, 02 de abril de 2004); Depósito de ratificação da Convenção pelo Aviso n.° 121/2004, de 17 de junho (cfr. cfr. D.R. I série - A, n.° 141, de 17 de junho de 2004)].

b. O direito comunitário europeu, designadamente, a Decisão-Quadro 2008/841 /JAI do Conselho, de 24 de outubro de 2008, relativa à luta contra a criminalidade organizada QO L 300, de 11/11/2008, pág. 42 a 45), a Decisão 2004/579/CE, de 29 de abril de 2004, do Conselho, relativa à celebração da Convenção das Nações Unidas Contra o Crime Organizado Transnacional, esta Convenção foi aprovada em nome da Comunidade Europeia (cfr. JO L 261, de 06/08/2004, pág. 69 a 115) Organizada e, bem assim, o artigo 8.°, n.° 3 da Constituição da República Portuguesa.

c. O princípio da legalidade - por exigir um elemento objetivo dos tipos não constante da lei, designadamente, dos tipos de ilícito previstos e puníveis pelos artigos 89.° do R.G.I.T. e 299 do Código Penal.

LXXXIV. Da decisão judicial em crise mais resulta que foi entendido que a prática desde 14/11/2022 e até à data do interrogatório judicial de arguido detidos, ocorrido a 18/02/2023, não era tempo suficiente para se verificar a exigência típica de uma certa duração temporal. Sendo certo que, consoante supra se demonstrou, na decisão judicial em crise não se atendeu aos elementos de prova coligidos nos autos e identificados na promoção do Ministério Público e não foram sequer consideradas as declarações do arguido GG que, prontamente, referiu que não só vendia, juntamente com o seu pai, FF, meixão a AA há 7, 5 anos, como também continuou, a partir de fevereiro/março de 2022, a vender a este e a entregar a BB meixão, o que, por si só, determinaria que a data de 14/11/2022 simplesmente não fizesse qualquer sentido faça aos elementos de prova.

Sendo ainda certo, consoante supra se demonstrou, que na decisão judicial em crise não foi feita, tão-pouco, apreciação global dos elementos de prova já carreados para os autos nem, consequentemente, estes foram concatenados com as declarações prestadas pelos arguidos FF e GG, o que conduziria à conclusão de que, pelo menos, estes arguidos já se dedicavam concertadamente com AA e com BB à venda, circulação, transporte de meixão no interior de Portugal e à retirada e exportação, com recurso a outros cidadãos (vulgo, mulas), de tais espécimes do território nacional, desde, seguramente, novembro de 2021.

LXXXV. Propugna o Ministério Público que o período de 3 (três) meses sempre seria tempo mais do que suficiente para se dar como fortemente indiciado que os arguidos atuaram concertadamente durante um certo período de tempo, nos termos e para os efeitos do previsto no n.° 5 do artigo 299.° do Código Penal e no artigo 89.° do R.G.I.T..

LXXXVI. Verifica-se que nos tipos de ilícito previstos e puníveis pelos artigos 299.° do Código Penal e do artigo 89.° do RGIT, poderá, mormente, estar-se perante um grupo formado de maneira não fortuita, isto é, um grupo que não tenha sido formado de forma acidental, casual, eventual, ocasional, imprevista, imprevisível, inesperada, impensada, repentina, súbita, incidental, arbitrária, episódica ou esporádica, donde, salvo melhor entendimento, discorre, por um lado, que não tem, necessariamente, de existir um ato próprio de fundação ou de promoção de início do grupo, organização ou associação a partir do qual se concebe (cfr., neste sentido, na jurisprudência desde, pelo menos, Acórdão do Supremo Tribunal de justiça, de 01/06/1994, processo 45272: "Para que se verifique o crime de associação criminosa (...) não é necessário qualquer ato formal de constituição da associação entre os arguidos, bastando que estes tenham agido concertadamente (...) e que a sua ligação e concertação tenham sido prolongadas e não meramente ocasionais") e, por outro lado, que apenas se afastam as "situações de mera agregação momentânea ou casual de uma pluralidade de pessoas", em que tem de existir um certa duração que permita a realização do fim criminoso [Anabela Morais, "Controvérsias do crime de associação criminosa (análise do tipo legal)", Julgar Online, dezembro de 2019, pág. 14].

LXXXVII. Os crimes de associação criminosa terão de prever situações em que um grupo é formado para a prática mediata de apenas uma infração, ou seja, um grupo que se forme para a prática mediata de apenas um só crime, pelo que o critério de duração temporal da composição do grupo terá, inelutavelmente, de permitir incluir situações em que o escopo do grupo criminoso organizado se destina, não imediatamente, à prática de um único crime, donde emerge que não terá necessariamente de ter uma duração temporal extensa como aquela que seria exigível para a prática de vários crimes mas, outrossim, terá de contemporizar uma duração temporal mais reduzida, apenas se afastando aquele conjunto de pessoas que, de forma fortuita, visa praticar imediatamente um crime.

LXXXVIII. Entende-se, igualmente, que a decisão judicial em crise adotou, nesta parte, interpretação sobre a duração no tempo que não está em conformidade com:

a. O direito internacional convencional vigente no ordenamento jurídico português, designadamente o disposto no artigo 1.°, no artigo 2.°, alíneas a) e c), no artigo 3.°, n.° 1, alínea a), no artigo 5.° e no artigo 34.°, n.° 3 da Convenção das Nações Unidas Contra a Criminalidade Organizada e, bem assim, o artigo 8.°, n.° 2 da Constituição da República Portuguesa [cfr. Resolução da Assembleia da República n.° 32/2004, de 02 de abril (cfr. D.R. I série -A, n.° 79, 02 de abril de 2004); Decreto do Presidente da República n.° 19/2004, de 02 de abrü (cfr. D.R. I série -A, n.° 79, 02 de abril de 2004);

Depósito de ratificação da Convenção pelo Aviso n.° 121/2004, de 17 de junho (cfr. cfr. D.R. I série - A, n.° 141, de 17 de junho de 2004)].

b. A Decisão-Quadro 2008/841 /JAI do Conselho, de 24 de outubro de 2008, relativa à luta contra a criminalidade organizada (JO L 300, de 11/11 /2008, pág. 42 a 45), a Decisão 2004/579/CE, de 29 de abril de 2004, do Conselho, relativa à celebração da Convenção das Nações Unidas Contra o Crime Organizado Transnacional, esta Convenção foi aprovada em nome da Comunidade Europeia (cfr. JO L261, de 06/08/2004, pág. 69 a 115) e, bem assim, o artigo 8.°, n.° 3 da Constituição da República Portuguesa.

c. O princípio da legalidade — por exigir um elemento objetivo dos tipos não constante da lei, designadamente, dos tipos de ilícito previstos e puníveis pelos artigos 89° do R.G.I.T. e 299 do Código Penal.

d. O disposto no artigo 299.°, n.° 5 do Código de Processo Penal.

e. O disposto no artigo 89.° do R.G.I.T.

LXXXIX.vDando por reproduzidos todos os elementos de prova expressamente identificados a fls. 4911 4919 e supra referidos e transcritos, em consonância com o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 11 de maio de 2021, no processo n.° 3/20.9XDLSB, que aborda questão em tudo idêntica à dos presentes autos, nomeadamente no que tange à associação criminosa associada ao crime de contrabando qualificado, perfilhamos no mesmo sentido, isto é, de que não se pode colocar em causa, nos presentes autos de inquérito, que os arguidos e pelos suspeitos identificados na promoção de fls. 4857 a 4919, incorreram na prática dos crimes de associação criminosa, previstos e puníveis pelos artigos 89.° do RGIT e 299.° do Código Penal, porquanto que, ao longo do tempo e desde novembro de 2021, se integraram em grupo que, salvo o demais:

a. Utilizou mais do que um armazém para manter, conservar e armazenar meixão;

b. Utilizou vários veículos automóveis para transportar meixão quer no interior quer no exterior do território nacional;

c. Adotou especiais metodologias de despistagem das autoridades policiais, recorrendo, para tanto, a viatura que serve de batedor e a conduções rodoviárias de contra vigilância para aferir da existência ou não de alguma investigação em curso;

d. Deteve rede estruturada de pescadores e intermediários nacionais que procederam, concertadamente, à venda de meixão no interior do território nacional;

e. Deteve rede estruturada de elementos que procedeu, de forma concertada, à manutenção e conservação de meixão em armazéns, com vista à posterior retirada de território nacional e exportação dos espécimes de meixão adquiridos aos pescadores e intermediários nacionais;

f. Transportou, por via terrestre, meixão para França;

g. Transportou para França todos os utensílios e materiais necessários para, nesse país, montar armazém destinado à manutenção de conservação de meixão em estado vivo;

h. Deteve rede de contactos para a compra e venda de meixão em países terceiros, como em França e no Senegal, locais para onde pretendiam enviar, por via aérea, o meixão apreendido nos autos;

i. Deteve rede de contactos de indivíduos de nacionalidade chinesa, com visto de residência em Espanha, para contactarem com mulas espanholas (cfr., por exemplo, fls. 29j) a 29k) do Apenso G; cfr. fls. 42 43 do Apenso II) e para auxiliarem no transporte, por via terrestre, de meixão para França (cfr., por exemplo, fls. 4581 a 4598),

j. Deteve rede estruturada, a nível internacional, de pessoas de nacionalidade senegalesa, espanhola e que residem fora do território nacional, como, por exemplo, em França e em Espanha que transportaram, por via aérea, meixão;

k. Deteve rede estruturada de compradores ou, pelo menos, transportadores no Senegal, em Espanha e em França que receberam o meixão que transportaram desde Portugal;

1. Deteve meios para retirar meixão do território nacional, quer por via aérea quer por via terrestre;

m. Deteve meios para albergar outros cidadãos chineses, tais como DD e EE que residem no domicílio de AA, para que estes pratiquem, no seio do grupo criminoso organizado, crimes danos contra a natureza, de contrabando de circulação e de contrabando qualificados;

n. Deteve elevadas quantias monetárias para comprar meixão aos seus intermediários nacionais e, bem assim, para pagar viagens de avião, estadias em hotéis e refeições a mulas que transportam, por via aérea, o meixão;

o. Deteve elevadíssimas quantias monetárias poder continuar a desenvolver tais atividades apesar de contratempos decorrentes de apreensões de meixão pelas autoridades aeroportuárias e policiais.

XC. A factualidade até agora indiciada faz incorrer os arguidos na prática dos imputados crimes de:

1. Danos contra a natureza, previsto e punível pelo artigo 278.°, n.° 1, alínea a), e n.° 2 do Código Penal.

2. Contrabando de circulação qualificado, previsto e punível pelos artigos 93.°, n.° 1 e 97.°, alíneas a), b) e g), do R.G.I.T.

3. Contrabando qualificado, previsto e punível pelos artigos 92.°, n.° 1, alínea a), e 97.°, alíneas a), b) e g), do R.G.I.T.

4. Associação criminosa, previsto e punível pelo artigo 89.°, n.° 3 do R.G.I.T., por referência aos artigos 93.°, n.° 1 e 92.°, n.° 1, alíneas a) e b), e 97.°, alíneas a), b) e g), do mesmo diploma legal.

5. Associação criminosa, previsto e punível pelo artigo 299.° do Código Penal, por referência ao artigo 278.°, n.° 1, alínea a), e n.° 2 do mesmo diploma legal.

XCI. Ora, o crime de associação criminosa, previsto e punível pelo artigo 89.°, n.° 3 do R.G.I.T., admite a aplicação de prisão preventiva, nos termos do disposto nos artigos 1.°, alínea m), e 202.°, n.° 1, alínea c), do Código de Processo Penal.

XCII. O crime de associação criminosa, previsto e punível pelo artigo 299.°, n.° 1 do Código Penal, por referência ao artigo 278.°, n.° 1, alínea a), do mesmo diploma legal, por seu turno, também admite a aplicação de prisão preventiva, nos termos do disposto nos artigos 1.°, e 202.°, n.° 1, alínea c), do Código de Processo Penal.

XCIII. AA encontra-se desempregado e, apesar de não dispor de meios lícitos de rendimento, custeia, ainda, a permanência no seu domicílio de EE e de DD que estão igualmente desempregados, para além de assumir, juntamente com o seu cônjuge, todas as demais despesas inerentes ao agregado familiar que, por seu turno, compreende três filhos menores e estudantes em Braga.

XCIV. As declarações prestadas sobre as condições económicas por EE também não resistem ao confronto com a prova carreada para o presente inquérito, desde logo porque o mesmo não se encontrava em Portugal há cerca de 15 dias, contados da data da sua submissão a interrogatório judicial de arguido detido (18/02/2023), mas, outrossim, há cerca de um mês, uma vez que o mesmo, juntamente com BB, AA, CC, II e JJ, transportava, no dia 19 de janeiro de 2023, em Burgos, Espanha, cerca de 15kg de meixão, para além de utensílios e materiais necessários para instalar, em França, um armazém destinado à conservação e manutenção de meixão em estado vivo.

XCV. Verifica-se, desde logo, especial perigo de fuga por parte dos arguidos EE e DD, uma vez que se afiguram ténues as ligações ao território nacional, não sendo conhecidos nos autos quaisquer fatores, ainda que sociais, profissionais e/ou familiares, que permitam asseverar que, após tomarem conhecimento dos factos e das consequentes molduras penais dos tipos de ilícito fortemente indiciados, se manterão em Portugal, tanto mais que os mesmos se encontram em Portugal em turismo, não detendo qualquer título de residência.

XCVI. O perigo de fuga necessita, ainda, de ser especialmente acautelado quanto a AA, BB, DD, EE, porquanto, apesar de terem sido sujeitos a medida de proibição de saída de Espanha no dia 21 de janeiro de 2023, ausentaram-se, nos dias seguintes, para Portugal, incumprindo tais medidas, pelo que o risco de se ausentarem, igualmente, de Portugal é considerável, ora porque AA se encontra desempregado, ora porque BB declarou que se encontra, hodiernamente, com rendas em atraso, não dispondo das condições económicas necessárias e lícitas para garantir o pagamento de despesas, ora porque DD, EE se encontram desempregados, não dispõem de quaisquer meios lícitos de subsistência e residem, a título gratuito, no domicílio de AA.

XCVII. Deverá, ainda, ser especialmente prevenido o perigo de fuga e de continuação da atividade criminosa, considerando que DD e EE encontram-se em território nacional sem qualquer título de residência, pernoitando em casa de AA que os dirige e chefia. Ora, tais perigos necessitam de ser ainda mais precavidos quando se atende à situação de desemprego de AA e ao facto de o seu agregado familiar ser composto pelo seu cônjuge e por três filhos menores e estudantes.

XCVIII. O perigo de continuação da atividade criminosa necessita, igualmente, de ser especialmente acautelado, uma vez que, apesar de AA, BB, EE terem sido detidos em Espanha com cerca de 150kg de meixão e de terem sido submetidos a interrogatórios e de terem sido sujeitos a medidas de coação, certo é que logo regressaram a território português para continuaram a praticar ilícitos típicos, sendo indubitável que, pelo menos, AA e BB praticaram ilícitos típicos.

XCIX. Para além do expendido, o perigo de continuação da atividade criminosa verifica- se, ainda, quanto aos arguidos AA, BB, EE, DD, uma vez que entrecorre dos autos que as atividades criminosas que desenvolvem, no do grupo em que se integram, garantem vantagens económicas que constituíam parte fundamental dos rendimentos que auferiam, pelo que a necessidade de obterem tais proventos ilícitos funda tal perigo.

C. Ademais, os contactos que AA e BB manifestam deter com cidadãos, quer em Portugal quer no estrangeiro, designadamente, em Espanha, Senegal e França, demonstram, de forma inequívoca, que mantêm uma estrutura que lhes permite continuar com a atividade criminosa caso não sejam sujeitos a medida privativa da liberdade que os impeça, em absoluto, de estabelecer contactos, ainda que a partir do seu domicílio.

Cl. Por outro lado, ocorre, igualmente, perigo de continuação da atividade criminosa, que apenas a detenção pode acautelar, porque, em razão da natureza e das circunstâncias dos crimes e da personalidade dos suspeitos já revelada na prova coligida, existe uma probabilidade muito elevada de reiteração da atividade criminosa, traduzida na prática dos mesmos tipos de ilícito fortemente indiciados.

Na verdade, os arguidos AA e BB montaram e estruturam a atividade criminosa que se indicia nos autos e têm, ainda, os conhecimentos, os contactos, os meios e a capacidade logística para prosseguir a prática dos factos, numa atividade altamente lucrativa, como se indicia nos autos.

CII. Ora, tudo isto leva a considerar que tal perigo de continuarem a praticar os ilícitos típicos é bastante elevado.

CIII. Pelo exposto, em face da gravidade dos crimes fortemente indiciados, do grau de ilicitude e de culpa e independentemente de antecedentes criminais, sendo previsível, na ponderação dos referidos critérios, a aplicação de pena privativa da liberdade, o Ministério Público propugna que a medida de coação que se mostra adequada, necessária e proporcional é:

a. Quanto aos arguidos AA e BB, nos termos do disposto nos artigos 1.°, alínea m), 191.°, 193.°, 202.°, n.° 1, alínea c), e 204.°, n.° 1, alíneas a) e c), do Código de Processo Penal, a aplicação da medida de coação de prisão preventiva.

b. Quanto aos arguidos EE e DD nos termos do disposto nos artigos 1.°, alínea m), 191.°, 193.°, 202.°, n.° 1, alíneas c) e f), e 204.°, n.° 1, alíneas a) e c), do Código de Processo Penal, a aplicação da medida de coação de prisão preventiva.

CIV. Foram violados o artigo 8.°, n.° 2 e n.° 3 da Constituição da República Portuguesa, os artigos 1.°, 2.°, alíneas a) e c), 3.°, n.° 1, alínea a), no artigo 5.° e 34.°, n.° 3 da Convenção das Nações Unidas Contra a Criminalidade Organizada, a os artigos 1." e 2.° da Decisão-Quadro 2008/841/JAI do Conselho, de 24 de outubro de 2008, os artigos 1.°, 2.°, alíneas a) e c), 3.°, n.° 1, alínea a), no artigo 5.° e 34°, n.° 3 do Anexo I da Decisão 2004/579/CE, de 29 de abril de 2004, do Conselho, os artigos 299.° do Código Penal e 89.° do R.G.I.T. e os artigos 191.°, 193, 202.°, n.° 1, alíneas a) e c), e 204.°, n.° 1, alíneas a) e c), do Código de Processo Penal».


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O recurso foi admitido para subir imediatamente, em separado e sem efeito suspensivo.

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Os arguidos AA, EE e DD apresentaram resposta, concluindo dever ser mantido na íntegra o despacho recorrido, negando-se provimento ao recurso, com a consequência de que deverão continuar a aguardar os ulteriores termos do processo sujeitos às medidas de coação judicialmente determinadas, posição condensada no seguinte conjunto de conclusões:

«I. Não ocorreu imperfeita apreciação dos “fortes” indícios da prática dos crimes de associação criminosa, ora previsto e punível pelo artigo 89.º n.º 1 do RGIT, pelo art.º 8.º n.º 2 da CRP e pelos artigos 2.º a), b), 5.º n.º 1 b), a), subalíneas i), ii)-a), ii)-b) e n.º 2 da Convenção das Nações Unidas contra a Criminalidade Organizada Transnacional, ora p. e p. pelo art.º 299.º do Código Penal, pelo art.º 8.º n.º 2 da CRP e pelos artigos 2.º a), b), 5.º n.º 1 b), a), subalíneas i), ii)- a), ii)-b) e n.º 2 da Convenção das Nações Unidas contra a Criminalidade Organizada Transnacional, antes pelo contrário.

II. Desde logo, a decisão judicial não violou o direito internacional convencional vigente no ordenamento jurídico português, e, por conseguinte, não violou o princípio da legalidade, porquanto não é aplicável a Convenção das Nações Unidas Contra a Criminalidade Organizada, uma vez que não estamos no âmbito de procedimento judicial sobre associação criminosa;

III. A decisão judicial em causa determinou a correta subsunção jurídica dos crimes em causa, excluindo, por ora, o de associação criminosa, tanto o p. e p. pelo art.º 89.º do RGIT e o p. e p. pelo art.º 299.º do CPP, assim como o de branqueamento (cfr. decisão judicial de 18/02/2023).

IV. Ora, da matéria vertida na decisão em análise, nada fornece dados suficientes sobre esta organização criminosa para a qual os arguidos vierem recorridos.

V. Os arguidos FF e GG não confessaram ter iniciado as atividades ilícitas após o Verão de 2021, nem que, no Verão desse ano, se reuniram com AA e BB e que “juntos acordaram que, desse momento em diante (…) passariam a vender meixão a AA, entregando-o a BB”.

AA não lidera, não comanda nem emite ordens a qualquer outro arguido, sobre como e onde é que devem fazer a captura do meixão, sobre como e onde devem armazenar e para, como e onde transportá-lo. Tudo absolutamente falso e baseado em especulações, sem quaisquer indícios que o sustentem.

VI. Das declarações de FF no dia 18/02/2023, se retira que, AA e BB, embora se pudessem conhecer, eram entidades distintas, compradores distintos. Não discorre das declarações deste arguido, antes pelo contrário, que o BB estivesse a comprar sob ordem e comando de AA, para aquele ou para “o grupo”.

VII. Se AA liderasse e comandasse a alegada associação criminosa, designadamente ordenando a BB que fosse adquirir meixão a pescadores, estes iriam ter a consciência de que se trataria de uma unidade só, onde vender a AA ou a BB, era igual, como se estivessem a vender à mesma pessoa ou ao mesmo núcleo.

VIII. Mais afirmou o Ministério Público que AA chefia o grupo dos arguidos de nacionalidade chinesa; que BB atua em nome e por conta de AA; que BB dirige em nome e por conta de AA, os restantes, para a manutenção e transporte de meixão, e de cidadãos estrangeiros para o seu transporte; que DD passou a garantir a manutenção do meixão em conjunto com estes (mas nunca que o fez sob a ordem de nenhum deles…), e que chegou a entregar uma mala de viagem a um estrangeiro; que DD e EE passaram a prestar auxílio a BB e AA no transporte (…).

IX. Na verdade, apenas num dos Inquéritos em apenso menciona que BB agia por instrução de AA, e, só numa das vezes lograram consumar o transporte de meixão para fora do território nacional.

X. Quando se faz tamanha imputação de factos a uma conduta criminal que envolve muito mais que o ato físico por si, torna-se imprescindível executar uma subsunção dos indícios de prova, traduzi-los em factos, traçando o fio condutor legível e credível do nexo causal entre indício e resultado, sob pena de cairmos no âmbito da arbitrariedade e discricionariedade do entendimento que cada um possa ter, esvaziando as normas do seu sentido prático e teleológico, o que, sobretudo em processo penal, jamais pode colher.

XI. Não resulta fortemente indiciado que AA, BB, DD e CC, consistam numa associação criminosa, por nem concretizado, como, e a partir de que prova, interpretam ao ponto de determinar convictamente existir toda uma organização com planeamento por detrás da prática dos ilícitos criminais.

XII. O próprio Ministério Público, recorrendo, qualifica juridicamente a prática dos ilícitos criminais pelos arguidos em regime de coautoria material (v. ponto 3.º, p. 60 “Da qualificação jurídica dos factos”), mesmo em relação à associação criminosa.

XIII. Concluímos não fazer sentido esta argumentação. Ora terão praticado os crimes de dano contra a natureza, e de contrabando, por exemplo, em regime de coautoria ou em virtude de associação criminosa (um crime em si, ao contrário da coautoria, que é uma forma de praticar o crime), mas não a própria associação criminosa em coautoria. Se a associação criminosa já requer uma pluralidade de agentes, como justapor-lhe a coautoria?

XIV. É coautor quem tomar parte direta execução do facto, por acordo ou conjuntamente com outro(s). Na coautoria há uma agregação de pessoas para a prática do mesmo facto, quer pela decisão conjunta, quer pela execução conjunta, pautada pela contribuição funcional de cada coautor para a sua realização. Encontra-se p. e p. pelo art.º 26.º do Código Penal, constituindo assim um modo de operar em relação à prática criminal, e não um crime em si.

XV. Ambos conceitos jurídicos coincidem no que toca à pluralidade de agentes na prática, para um, de um crime, para outro, do crime (o da associação), mas divergem nos restantes requisitos (os da associação), relativamente ao seu fim abstrato e, sobretudo, ao elemento de permanência temporal e exigência de uma determinada organização e estrutura.

XVI. Daqui se retira que o próprio Ministério Público poderá estar confuso acerca das suas afirmações: os arguidos recorridos, praticaram os crimes em coautoria, ou fizeram-no sendo uma associação criminosa? A resposta parece-nos evidente, e não encontra luz no plano da associação criminosa.

XVII. Sendo per si a associação criminosa um tipo legal de crime (enquanto a coautoria, por outro lado, é um modo de operar), existirá uma relação de concurso efetivo entre o crime de associação criminosa e os crimes praticados em associação. O autor do crime de associação criminosa não tem necessariamente de ser o autor do crime-fim que constitui o escopo da associação. No regime de coautoria, o coautor é-o do crime “fim” praticado.

XVIII.A associação criminosa é um crime de perigo abstrato, cuja punibilidade se justifica pela altíssima e especialíssima perigosidade derivada do seu particular poder de ameaça e dos mútuos estímulos e contra-estímulos de natureza criminosa que cria nos seus membros.

XIX. Para que se verifique este tipo de crime deverá existir uma associação que se revela através um pacto, mais ou menos explícito, entre três ou mais pessoas, durante um período temporal que se pretende tendencialmente estável e duradouro, com o fim da prática de crimes – daí criando uma subcultura que faz perigar os valores e a paz sociais.

XX. Focando no tópico temporal, os factos relatados reportam-se a meados de Novembro e Dezembro de 2022, e de Janeiro 2023, ou seja, sensivelmente ao período de três/quatro meses.

XXI. Andou bem a decisão judicial, que, desses meses (somente em determinados dias em que ocorrem eventos de aquisição, outros de transporte, não promovendo ato contínuo prolongado), não ser sequer suficiente para que se suceda ou alcance a estrutura, organização e entidade própria que a associação criminosa merece;

XXII. Por outro prisma, não é de todo despiciendo atentar também à figura jurídica da cumplicidade, em razão dos arguidos aqui recorridos, DD e EE, já que os indícios que o próprio Ministério Público refere, descreve-os como uma situação de auxílio prestado a BB e AA no transporte.

XXIII.O auxílio só seria englobado no crime de associação criminosa no caso de lograr obter resultados e proveitos efetivos para a associação.

XXIV. Sem prejuízo, e no sentido do despacho recorrido, e da demais jurisprudência, o conceito de bando integra uma situação de atuação ilícita intermédia: mais grave que a mera participação criminosa (na coautoria e cumplicidade), menos censurável do que aquelas em que existe uma perfeita e definida “associação criminosa”, integrando aquelas condutas em que, pelo menos dois agentes atuam de forma voluntária e concertada, em colaboração mútua, com uma incipiente estrutura, algumas funções atribuídas, mas sem que se possa já considerar como existente uma organização perfeitamente caracterizada, com níveis e hierarquias de comando e com uma certa divisão e especialização de funções de cada uma das suas componentes ou aderentes.

XXV. Não conseguiu o Ministério Público demonstrar o que defende, isto é, qual a estrutura entre os arguidos, o nível de hierarquia e quais as tarefas concretamente atribuídas a cada um, e de que indícios se pode absorver um sentimento que extravasa a mera prática de condutas individuais com fim ao benefício económico de cada um, e não do conjunto como um núcleo que supera o individuo.

XXVI. Não logrou preencher o tipo subjetivo, que implica o dolo, atento o disposto nos arts. 14.º e 299.º do Código Penal, devendo o participante realizar com conhecimento e vontade - dolo associativo - nem o tipo objetivo do crime de associação criminosa, que neste caso assenta em fundar, fazer parte, apoiar, chefiar ou dirigir um grupo, organização ou associação cuja atividade seja dirigida à prática de crimes.

XXVII. Não se basta com a mera concordância das várias pessoas ou o mero encontro de vontades para a prática de crimes em conjunto - sob pena, como já dissemos, de confundirmos e esvaziarmos a figura da coautoria. Num bando, pudesse ser o caso, as ditas tarefas são executadas em conjugação de esforços, mas qualquer um poderá fazê-las, atenta a habitual fraca complexidade. Os participantes deverão atuar em nome desta e não em proveito próprio ou de um líder, pela existência de um sentimento comum de pertença a algo que os transcende.

XXVIII. Logo, entendemos que se fosse de aplicar e imputar o crime de associação criminosa a cada conjunto de que decidem programar um crime, então tudo seria uma associação criminosa… É, por isso, evidentemente necessário que se faça da letra da lei uma interpretação para uma aplicação rigorosa, sob pena de esvaziar o regime de coautoria, reconduzindo todo o conjunto a uma associação criminosa.

XXIX. Os arguidos em causa, a ter-se juntado, fizeram-no de forma fortuita, casual, eventual, ocasional, até, dir-se-ia, sazonal (esporádica e episódica), arbitrária quanto às participações, absolutamente impensada, procurando cada um obter um o seu proveito económico, ao invés de um benefício económico comum;

XXX. Os indivíduos em questão ter-se-ão, eventualmente, ajudado mutuamente na execução de alguns atos materiais que compõem, por exemplo, o contrabando, ao invés de estarem a atuar mediante uma estrutura organizada, cada um com funções especificamente atribuídas, para obtenção de um fim comum, fazendo- por mera necessidade de colaboração, um auxílio pontual por parte de alguns dos arguidos.

XXXI.O Ministério Público recorre igualmente por entender que as medidas de coação aplicadas aos arguidos recorridos não acautelam os perigos de fuga e de continuação da atividade criminosa, nos termos do art.º 204.º n.º 1 c) do Código de Processo Penal;

XXXII. Pautando pela aplicação da prisão preventiva, ao abrigo do art.º 202.º do CPP.

XXXIII. Inexiste perigo de fuga porque os aqui recorridos não tentaram fugir, nem exibiram comportamentos que fizesse prever essa intenção. Os meios financeiros de que dispõem os arguidos não se afiguram suficientes para assegurar a sua subsistência no caso de se pretenderem furtar à justiça; no caso de AA, vive com familiares, ou seja, acha-se familiar e socialmente integrado, o que de igual modo não estimulará a sua fuga; a qualidade ou condição de estrangeiro em nada facilita a saída ou a movimentação de quem queira movimentar-se.

XXXIV. O perigo de fuga tem de ser concreto, sendo que a mera alegação da existência do mesmo não pode ser considerada como suficiente. O mesmo argumento se aplica à inexistência de perigo de perturbação da prova (recolhida e por recolher).

XXXV. Tendo em conta a fase em que se encontra o processo, e as circunstâncias aduzidas acerca dos arguidos, a continuação destes sujeitos às medidas de coação que lhes foram impostas, como têm vindo a estar (desde fevereiro), não causa qualquer perturbação, como não tem causado, pelo que não se afigura necessário nem proporcional aos receios imputados, a aplicação da medida de coação mais gravosa, como o seja, a prisão preventiva, que ademais se pode provisionar como de longa estadia, já que se reconhece serem demorados os processos até à sua conclusão.

Termos em que deve ser mantido na íntegra o despacho recorrido, negando-se provimento ao recurso, continuando a aguardar os ulteriores termos do processo sujeitos às medidas de coação judicialmente determinadas».


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A Sra. Procuradora Geral-Adjunta, neste Tribunal, emitiu parecer, pugnando pela procedência parcial do recurso e concluindo nos seguintes moldes: «Quanto à qualificação penal concordamos integralmente com as considerações aduzidas na peça recursiva, que aqui reproduzimos no que respeita às suas conclusões, pelo que entendemos que nessa parte o recurso merece provimento.

Quanto à medida de prisão preventiva cuja aplicação o Ilustre colega do Ministério Público sugere afigura-se-me que, na presente data a mesma é extemporânea e desajustada.

Na verdade, os factos ocorrerem nos anos de 2020 a 2022, os arguidos foram sujeitos a interrogatório judicial em 18.02.2023 e sobre a data da prolação do despacho de que se recorre - 18.02.023- é decorrido 1 ano e 3 meses, razão pela qual não obstante a grandiosidade de valor do meixão ilicitamente capturado e a gravidade dos factos indiciados se nos afigura que na presente data as medidas de coação aplicadas aos arguidos AA, BB, CC, DD e EE, expressas a fls. 520 e seg. são adequadas e excessiva a aplicação de medida privativa de liberdade.

Efetivamente, sendo a medida de prisão preventiva a medida de coação mais grave, afigura-se-me em face do tempo decorrido que as demais medidas já aplicadas se mostram adequadas e suficientes face à situação pessoal dos arguidos».


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Cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, não foi apresentada qualquer resposta ao parecer.

Procedeu-se a exame preliminar e foram colhidos os vistos, após o que o processo foi à conferência.

Cumpre apreciar e decidir.


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II - Fundamentação

É pelo teor das conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões de discordância com o decidido e resume o pedido (artigos 412.º, n.º 1 e 417.º, n.º 3, do CPP), que se delimita o objeto do recurso e se fixam os limites do horizonte cognitivo do Tribunal Superior, sem prejuízo das questões que devem ser conhecidas oficiosamente, como sucede com os vícios a que alude o art.º 410.º, n.º 2 ou o art.º 379.º, n.º 1, do CPP (cf., por todos, os acórdãos do STJ de 11/4/2007 e de 11/7/2019, disponíveis em www.dgsi.pt).

Aquilo que importa apreciar e decidir é saber se as medidas de coação aplicadas se revelam insuficientes face às exigências cautelares concretamente verificadas, o que passa por apreciar se:

● em face da prova constante dos autos é de considerar indiciariamente demonstrada a prática pelos arguidos/recorridos (AA, BB, EE e DD) de um crime de associação criminosa; e se

● a medida de coação de prisão preventiva se afigura necessária e proporcional às exigências cautelares verificadas no caso concreto.


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Apreciando os fundamentos do recurso.

Na sequência de interrogatório judicial a que foram sujeitos, em 18/2/2023, aos arguidos AA, BB, EE e DD foram aplicadas medidas de coação não privativas da liberdade (respetivamente, aos arguidos AA e BB: a. apresentações periódicas tri-semanais, às 3ªs, 5ªas e domingos, no posto policial da respetiva área de residência - artigo 198º, nº1, do CPP; b. proibição de contactos com os demais arguidos – artigo 200º, nº1, al. d), do CPP; c. proibição de aquisição, uso, detenção ou transporte de utensílios relacionados com a captura, manutenção, transporte de quaisquer espécies protegidas, designadamente do meixão – artigo 200º, nº1, al. e), do CPP; d. proibição de se ausentarem dos concelhos das respetivas áreas de residência sem autorização do tribunal – artigo 200º, nº1, al. b), do CPP. e. prestação individual, no prazo máximo de 10 dias, de caução no valor de €10.000,00 (dez mil euros); e aos arguidos EE e DD: a. apresentações periódicas bi-semanais, às 4ªs e 6ªs feiras, no posto policial da respetiva área de residência - artigo 198º, nº1, do CPP; b. proibição de contactos com os demais arguidos (com exceção dos que têm entre si laços familiares ou residência comum) – artigo 200º, nº1, al. d), do CPP; c. proibição de aquisição, uso, detenção ou transporte de utensílios relacionados com a captura, manutenção, transporte de quaisquer espécies protegidas, designadamente do meixão – artigo 200º, nº1, al. e), do CPP; d. proibição de se ausentarem do território de Portugal Continental sem autorização do tribunal – artigo 200º, nº1, al. b), do CPP) -, por estar fortemente indiciada a prática dos seguintes ilícitos:

- 1. Dano contra a natureza, previsto e punível pelo artigo 278.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2 do Código Penal, por referência ao Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal, ao artigo II e ao Anexo II da Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies de Fauna e Flora Selvagem Ameaçadas de Extinção (CITES), artigo 4.º, n.º 2, alíneas a) a c) do Decreto Lei n.º 50/80, de 23 de julho, que a ratificou, e ao artigo 5.º, n.º 2 alíneas a), b), c), subalínea i), e d), e n.º 4 e Anexo B do Regulamento (CE) n.º 338/97, do Conselho, de 09 de dezembro de 1996, na redação conferida pelo Regulamento (UE) n.º 160/2017, da Comissão, de 20 de janeiro de 2017, relativo à proteção de espécies da fauna e da flora selvagens através do controlo do seu comércio e no Regulamento da Pesca no Troço Internacional do Rio Minho, aprovado pelo Decreto n.º 8/2008, de 09 de abril, punível com pena de prisão até 5 anos.

2. Contrabando de circulação qualificado, previsto e punível pelos artigos 93.º, n.º 1 e 97.º, alíneas a), b) e g), do R.G.I.T., por referência ao Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal, ao artigo II e ao Anexo II da Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies de Fauna e Flora Selvagem Ameaçadas de Extinção (CITES), artigo 4.º, n.º 2, alíneas a) a c) do Decreto Lei n.º 50/80, de 23 de julho, que a ratificou, ao artigo 5.º, n.º 2 alíneas a), b), c), subalínea i), e d), e n.º 4 e Anexo B do Regulamento (CE) n.º 338/97, do Conselho, de 09 de dezembro de 1996, na redação conferida pelo Regulamento (UE) n.º 160/2017, da Comissão, de 20 de janeiro de 2017, relativo à proteção de espécies da fauna e da flora selvagens através do controlo do seu comércio, ao Regulamento da Pesca no Troço Internacional do Rio Minho, aprovado pelo Decreto n.º 8/2008, de 09 de abril; artigo 1.º, n.º 1, com referência ao artigo 2.º, alíneas a) e b) do Decreto-Lei n.º 81/2005, de 20 de abril; artigos 1.º, 2.º, n.º 3, 3.º e 4.º da Portaria n.º 197/2006, de 23 de fevereiro, na redação conferida pela Portaria n.º 247/2010, de 03 de maio; artigos 1.º, n.º 1, alínea a), 2.º, n.º 1, alínea a), 3.º, n.º 1, 7.º, n.º 1, alínea a), 8.º, n.º 1, e 29.º, n.º 1, alínea b), todos do Código do Imposto de Valor Acrescentado (CIVA); artigos 1.º, 2.º, alíneas a), b), d) e e) do Decreto-Lei n.º 147/2003, que aprovou o Regime de Bens em Circulação, na redação conferida pela Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro; e artigos 4.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), subalínea iv), 13.º e 15.º do Decreto-Lei n.º 121/2017, de 20 de setembro; punível com pena de prisão de 1 a 5 anos.

3. Contrabando qualificado, previsto e punível pelos artigos 92.º, n.º 1, alínea a), e 97.º, alíneas a), b) e g), do R.G.I.T., por referência ao Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal, ao artigo II e ao Anexo II da Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies de Fauna e Flora Selvagem Ameaçadas de Extinção (CITES), artigo 4.º, n.º 2, alíneas a) a c) do Decreto Lei n.º 50/80, de 23 de julho, que a ratificou, ao artigo 5.º, n.º 2 alíneas a), b), c), subalínea i), e d), e n.º 4 e Anexo B do Regulamento (CE) n.º 338/97, do Conselho, de 09 de dezembro de 1996, na redação conferida pelo Regulamento (UE) n.º 160/2017, da Comissão, de 20 de Janeiro de 2017, relativo à proteção de espécies da fauna e da flora selvagens através do controlo do seu comércio, ao Regulamento da Pesca no Troço Internacional do Rio Minho, aprovado pelo Decreto n.º 8/2008, de 09 de abril; artigo 1.º, n.º 1, com referência ao artigo 2.º, alíneas a) e b) do Decreto-Lei n.º 81/2005, de 20 de abril; artigos 1.º, 2.º, n.º 3, 3.º e 4.º da Portaria n.º 197/2006, de 23 de fevereiro, na redação conferida pela Portaria n.º 247/2010, de 03 de maio; artigos 1.º, n.º 1, alínea a), 2.º, n.º 1, alínea a), 3.º, n.º 1, 7.º, n.º 1, alínea a), 8.º, n.º 1, e 29.º, n.º 1, alínea b), todos do Código do Imposto de Valor Acrescentado (CIVA); artigos 1.º, 2.º, alíneas a), b), d) e e) do Decreto-Lei n.º 147/2003, que aprovou o Regime de Bens em Circulação; artigos 4.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), subalínea ii), 8.º, n.º 4, 13.º, 15.º e 18.º do Decreto Lei n.º 121/2017, de 20 de setembro; e artigos 4.º, n.ºs 1 e 2, alíneas a) a c) do Decreto-Lei n.º 50/80, de 23 de janeiro, punível com pena de prisão de 1 a 5 anos de prisão, com base na demonstração (indiciária) dos seguintes factos (segue transcrição):

«1. O termo meixão é, comummente, utilizado para identificar a fase larvar da família Anguillidae, constituída por peixes de corpo normalmente cilíndrico, à qual pertencem as enguias, sendo a Enguia-europeia cientificamente denominada de Anguilla Anguilla, da ordem Anguilliformes. É habitualmente apodada, igualmente, de enguia de vidro, porquanto o seu corpo é transparente, quando considerada na fase juvenil do seu ciclo de vida à chegada às bacias hidrográficas, após a fase de leptocéfalo, quando possui o tamanho de cerca de 4 a 8 centímetros.

2. A Enguia-europeia nasce no mar dos Sargaços, no Atlântico Norte, junto à costa americana, onde ocorre a reprodução desta espécie. Após a eclosão dos ovos fecundados, as larvas de enguia ou leptocéfalos migram ao longo do Atlântico, arrastadas pela corrente quente do Golfo até, decorridos 2 a 3 anos, atingirem o litoral europeu.

3. Depois de migrar ao longo do Atlântico Norte, esta espécie chega à costa e aos rios portugueses, onde, aquando do contacto com as águas salobras/doces das bacias hidrográficas, os leptocéfalos sofrem um processo de metamorfose, transformando-se em enguia de vidro.

4. Portugal, por ser um dos locais onde primeiro se pode encontrar esta espécie, é um país muito procurado por indivíduos que aqui se deslocam com vista à aquisição de enormes quantidades de espécimes, cujo destino é, invariavelmente, a introdução no mercado asiático e, substancialmente em menor escala, ao mercado espanhol.

5. Esta espécie é alvo de elevada procura, sobretudo, nos mercados asiáticos, enquanto viva, para engorda em aquacultura intensiva ou em arrozais, crescimento, consumo interno ou posterior exportação para os continentes europeus e americanos para fins gastronómicos.

6. O meixão pode atingir, na fase inicial da época da sua captura, entre outubro e dezembro de cada ano, um elevado preço na sua comercialização, na ordem dos €.:6.500,00 por quilograma, que contém uma quantidade aproximada de 4.000 a 5.000 espécimes. No resto da época, entre janeiro e abril de cada ano, o valor comercial poderá decair até cerca de €.:2.500, 00 por quilograma.

7. Trata-se de uma espécie inscrita no Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal, e protegida pela Convenção de Berna, regulada atualmente pelo Decreto-Lei n.º 38/2021, de 31 de maio (quanto à captura da enguia, incluindo meixão, exceto quando regulada pela Legislação da Pesca, nomeadamente quando existe autorização para a pesca profissional da enguia), pela Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies de Fauna e Flora Selvagem Ameaçadas de Extinção (doravante, CITES), artigo II e Anexo II, pelo Decreto Lei n.º 50/80, de 23 de Julho, que a ratificou, e pelo Decreto-Lei n.º 121/2017, de 20 de setembro que implementa, a nível nacional, a CITES e o Regulamento (CE) n.º 338/97, do Conselho, de 09 de Dezembro de 1996, na redação atual, bem como do Regulamento (CE) n.º 865/2006, da Comissão, de 04 de Maio de 2006, estando sujeita a restrições de comércio internacional que, pelo seu volume, possa comprometer a sua sobrevivência ou a conservação da população total a um nível compatível com o papel da espécie nos ecossistemas em que se encontra presente.

8. Não obstante gozar de proteção especial, a espécie de Enguia-europeia corre riscos de extinção, resultantes da sobrepesca, realizada fora das condições legais, tendo, nos últimos 10 anos, se verificado um decréscimo acentuado, superior a 70%, da população total de enguia.

9. A sua captura é proibida em todas as bacias hidrográficas nacionais, à exceção do ..., que a permite, em determinados períodos e de forma regulada, nos termos do Regulamento da Pesca no Troço Internacional do Rio Minho, aprovado pelo Decreto n.º 8/2008, de 09 de abril, sendo que a Capitania do Porto de Caminha, para os períodos hábeis de pesca de meixão, apenas emite licenças ou autorizações de pesca tradicional da enguia de vidro, em números contados, a pescadores que se registem e se habilitem legalmente.

10. Aqueles que estão legalmente autorizados a proceder à captura de Enguia-europeia têm, obrigatoriamente, nos termos do disposto no artigo 1.º, n.º 1, com referência ao artigo 2.º, alíneas a) e b) do Decreto-Lei n.º 81/2005, de 20 de Abril, que apresentar o pescado fresco em lota, considerando-se como tal os animais subaquáticos (peixes) que não tenham sofrido desde a sua captura qualquer operação de conservação, exceto refrigeração ou conservação a bordo em água do mar ou em salmoura, para primeira venda, salvo se, nos termos do disposto nos artigos 1.º, 2.º, n.º 3, 3.º e 4.º da Portaria n.º 197/2006, de 23 de Fevereiro, na redação conferida pela Portaria n.º 247/2010, de 03 de Maio, estiverem autorizados a proceder à venda direta do pescado capturado.

11. Nos termos do disposto nos artigos 1.º, n.º 1, alínea a), 2.º, n.º 1, alínea a), 3.º, n.º 1, 7.º, n.º 1, alínea a), 8.º, n.º 1, e 29.º, n.º 1, alínea b), todos do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA), essa venda ou transmissão de bens efetuada em território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo agindo como tal, é geradora de imposto, no caso, Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), que é exigível no momento em que os bens são postos à disposição do adquirente, sendo que, para além da obrigação de pagamento desse imposto, o sujeito passivo está obrigado a emitir uma fatura, independentemente da qualidade do adquirente dos bens, ainda que este não a solicite.

12. De acordo com o disposto no artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 147/2003, que aprovou o Regime de Bens em Circulação, na redação conferida pela Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro, todos os bens em circulação em território nacional, seja qual for a sua natureza ou espécie, que sejam objeto de operações realizadas por sujeitos passivos de Imposto sobre o Valor Acrescentado, deverão ser acompanhados de documentos de transporte.

13. Por documento de transporte deve entender-se, nos termos do disposto no artigo 2.º, alíneas a), b), d) e e) do Regime de Bens em Circulação, a fatura, guia de remessa, nota de devolução, guia de transporte ou documentos equivalentes, que deve ser entregue pela pessoa singular ou coletiva ou entidade fiscalmente equiparada que, por si ou através de terceiros em seu nome e por sua conta, coloca os bens à disposição da pessoa singular ou coletiva ou entidade fiscalmente equiparada que, recebendo os bens em circulação, realiza ou se propõe realizar o seu transporte até ao local de destino ou de transbordo.

14. Quem proceda à aquisição, em lota ou através de venda direta, de Enguia europeia, que tenha sido legalmente capturada, deve, nos termos do disposto nos artigos 13.º e 15.º do Decreto-Lei n.º 121/2017, de 20 de Setembro, fazendo uso da fatura que comprove a legalidade da aquisição e do documento de transporte, obter um Certificado Comunitário, comprovativo da origem legal dos espécimes, documento que consente a detenção e a circulação dentro e fora de Portugal, condicionada à posse dos referidos documentos.

15. Nos termos do disposto no artigo 4.º, n. os 1 e 2, alínea a), subalínea iv) do Decreto Lei n.º 121/2017, de 20 de setembro, tal Certificado deve ser obtido junto do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas (doravante, I.C.N.F.), autoridade administrativa responsável pelo cumprimento e execução da CITES, do Regulamento e do Regulamento de Execução, sendo que para a sua obtenção, nos termos da lista anexa à Portaria n.º 87/2018, de 28 de março, implica o pagamento de valor atualizado anualmente de acordo com o índice do consumidor que, no ano de 2022, ascendia ao montante de €.: 44, 00 (quarenta e quatro euros).

16. Quem pretenda proceder à exportação desses espécimes, através da sua venda no comércio internacional, tem que obter junto do I.C.N.F., nos termos do disposto nos artigos 4.º, n. os 1 e 2, alínea a), subalínea ii), 8.º, n.º 4, e 18.º do Decreto Lei n.º 121/2017, de 20 de setembro, uma Licença de Exportação, emitida a partir desse Certificado Comunitário, sendo que para a sua obtenção, nos termos da lista anexa à Portaria das taxas Portaria n.º 87/2018, de 28 de março, necessário se torna realizar o pagamento de valor atualizado anualmente com base no coeficiente resultante da variação do índice médio de preços no consumidor.

17. Nos termos do disposto no artigo 4.º, n. os 1 e 2, alíneas a) a c) do Decreto-Lei n.º 50/80, de 23 de janeiro, que ratificou a Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies de Fauna e Flora Selvagens Ameaçadas de Extinção, essa Licença de Exportação deverá satisfazer as seguintes condições:

a. Que uma autoridade científica do Estado de exportação considere que essa exportação não prejudica a sobrevivência da dita espécie;

b. Que uma autoridade administrativa do Estado de exportação tenha a prova de que o espécime não foi obtido infringindo as leis sobre a preservação da fauna e da flora em vigor nesse Estado;

c. Que uma autoridade administrativa do Estado de exportação tenha a prova de que todo o espécime vivo será acondicionado e transportado de forma a evitar os riscos de ferimentos, doença ou maltrato.

18. Autorizado o pedido de emissão da Licença de Exportação, o seu titular deve apresentar-se às estâncias aduaneiras sob jurisdição nacional, previstas no Anexo da Portaria n.º 48/2018, de 14 de fevereiro, local onde são executadas as verificações e formalidades relativas à exportação de espécimes vivos de uma espécie incluída no anexo B do Regulamento (CE) n.º 338/97, do Conselho.

19. De acordo com o disposto no artigo 13.º do Regulamento (CE) n.º 865/2006, da Comissão, de 04 de maio de 2006, que estabelece normas de execução do Regulamento (CE) n.º 338/97, do Conselho, a apresentação de pedidos de documentos de exportação está sujeita a um regime aduaneiro, sendo que os espécimes só beneficiarão de sujeição a um regime aduaneiro após apresentação dos documentos exigidos.

20. A apresentação às estâncias aduaneiras visa o cumprimento das formalidades necessárias e das verificações correspondentes na exportação de espécimes, designadamente, a verificação da conformidade dos documentos apresentados pelo exportador e da sua concordância com os espécimes apresentados.

- Do Apenso (inquérito 34/22.4AALSB) -

31. Os arguidos BB e AA compraram, no dia 14 de novembro de 2022, bombas de oxigénio para manterem o meixão vivo, que haviam adquirido e que adquiriam, em tanques que detinham em armazém (cf. fls. 3587 a 3591 e 3604 a 3605).

32. O arguido BB, seguindo as instruções de AA, adquiriu a GG e a FF, no dia 15 de novembro de 2022, na Rua ..., em ..., meixão vivo que estes últimos que capturaram e que compraram a pescadores [cfr. fls. 3620 a 3622, 3623 a 3624 dos autos principais; cf., ainda, sessões 539, 1083 e 1122 do Anexo III (Autos de transcrição Alvo ...40 – GG)].

33. O arguido AA ordenou, entre o dia 15 e o dia 17 de novembro de 2022, a FF para que este parasse, porque o meixão que este se encontrava a vender era grande demais e porque queria que este mantivesse os espécimes armazenados por um período mais longo (cf., ainda, sessões 539 do Anexo III (Autos de transcrição Alvo ...40 – GG).

34. Seguidamente, BB armazenou o meixão adquirido em armazém sito em ... (cf. 3625 a 3626, 3627 a 3628, 3629, 3630 a 3631, 3632).

35. O arguido BB, de acordo com as instruções dadas por AA, adquiriu a HH, no dia 20 de novembro de 2022, na Rua ..., em ..., meixão vivo que este havia capturado e adquirido a outros pescadores, tendo, de seguida, armazenado o meixão adquirido em armazém sito em ... (cf. fls. 3633 e 3634).

36. Em data não concretamente apurada, AA e BB, para transportarem, por via aérea e com destino em Dakar, no Senegal, o meixão vivo que adquiriram, angariam KK, indivíduo de nacionalidade espanhola, titular do passaporte... ...79 [cf. fls. 11 e 66 a 72 do Apenso (inquérito 34/22.4AALSB)], e MM, indivíduo de nacionalidade espanhola, titular do passaporte... ...02, [cf. fls. 66 a 72 do Apenso (inquérito 34/22.4AALSB); melhor identificado a fls. 2 do Apenso (inquérito 38/22.7AALSB)], pagando-lhes, pelo menos, todas as despesas e entregando a KK quantia nunca inferior a €.:270, 00.

37. No dia 21 de novembro de 2022, segundo as ordens e instruções de BB e de AA, KK e MM deslocaram-se até ao aeroporto Francisco Sá Carneiro, no Porto, com vista a embarcarem num voo de ligação a Lisboa e com destino em Dakar, no Senegal, portando, cada um, duas malas de porão que entregaram na zona do check-in e, de seguida, entraram na área de embarque [cf. fls. 66 a 72 do Apenso (inquérito 34/22.4AALSB)].

38. As malas portadas por KK foram sujeitas, enquanto bagagens de porão, a inspeção pelas autoridades aeroportuárias.

39. As malas portadas por KK continham no seu interior 12,8Kg de meixão vivo, correspondente a cerca de 44.800 espécimes, no valor de €.: 76.800, 00 [cf. fls. 53 a 61 do Apenso (inquérito 34/22.4AALSB)].

40. Os arguidos não requereram nem foram concedidas quaisquer licenças emitidas em seu nome que permitissem a captura de meixão nem o seu armazenamento.

41. Os arguidos não requerem nem lhes foi concedido Certificado Comunitário pelo I.C.N.F.

Relativamente à factualidade constante dos pontos 42º, 44º, 45º, 46º, 47º, 62º, 64º, 65º, 66º, 67º, 78º a 84º, 97º, 99º, 100º, 101º, 102º, 112º, 113º, 116º, 117º e 118º, considerou-se a mesma como indiciada apenas relativamente aos arguidos AA, BB, CC, DD e EE (sendo estes os «arguidos de nacionalidade chinesa», referidos na decisão recorrida).

42. Os arguidos não requerem nem lhes foi concedida Licença de Exportação pelo I.C.N.F.

43. Os arguidos não concederam nem emitiram qualquer fatura comprovativa da aquisição, em lota ou através de venda direta, dos exemplares de meixão, nem guia de remessa nem guia de transporte nem quaisquer outros documentos equivalentes essenciais para a obtenção, junto do I.C.N.F., do concernente Certificado Comunitário, que também não possuíam, comprovativo da origem legal dos espécimes, que autorizasse a sua detenção e a sua circulação no interior do Portugal.

44. Os arguidos não apresentaram o meixão ao controlo das estâncias aduaneiras sob jurisdição nacional, para cumprimento das formalidades necessárias e das verificações correspondentes na exportação de espécimes, com o fito de as poderem transportar para fora do território nacional e de as comercializar em país(es) terceiro(s).

45. Os arguidos eximiram a mercadoria ao controlo das estâncias aduaneiras sob jurisdição nacional, para cumprimento das formalidades necessárias e das verificações correspondentes na exportação de espécimes, com o fito de as comercializar em países terceiros e com destino final na China.

46. Os arguidos procuravam exportar ou retirar do território nacional os supra referidos exemplares de meixão, mercadoria com o valor aduaneiro de, pelo menos, €.:76.800, 00, para proceder à sua venda no comércio internacional, sem que, para tanto, possuíssem os documentos legalmente exigíveis, no caso, licença de captura ou fatura comprovativa de aquisição, documento de transporte, Certificado Comunitário e Licença de Exportação, emitida pelo ICNF a partir daquele Certificado.

47. Os arguidos não lograram transportar o referido meixão para fora de território nacional por razões estranhas às suas vontades, nomeadamente em resultado da inspeção realizada pelas autoridades aeroportuárias do Aeroporto Francisco Sá Carneiro, no Porto.

- Do Apenso (inquérito 37/22.9AALSB) -

48. O arguido BB, seguindo as ordens de AA:

a. Adquiriu a HH, no dia 22 de novembro de 2022, na Rua ..., em ..., meixão vivo que este último havia capturado e comprado a pescadores;

b. De seguida, armazenou os espécimes adquiridos no armazém sito em ... (cf. fls. 3635 a 3637, 3638 a 3639 e 3645 e 3646).

49. O arguido BB, mediante as instruções dadas por AA:

c. Adquiriu a HH, no dia 23 de novembro de 2022, na Rua ..., em ..., meixão vivo que este último havia capturado e comprado a pescadores;

e

a. De seguida, armazenou os espécimes adquiridos no armazém sito ... (cf. fls. 3647 a 3648).

50. O arguido BB, de acordo com as ordens de AA:

a. Adquiriu a HH, no dia 23 de novembro de 2022, na Rua ..., em ..., meixão vivo que este último havia capturado e comprado a pescadores;

e

b. De seguida, armazenou os espécimes adquiridos em armazém sito ... (cf. fls. 3652 a 3654).

51. O arguido BB, consoante instruído por AA:

a. Adquiriu a HH, no dia 24 de novembro de 2022, na Rua ..., em ..., meixão vivo que este último havia capturado e comprado a pescadores;

e

b. De seguida, armazenou os espécimes adquiridos em armazém sito em ... (cf. fls. 3655 a 3656).

52. O arguido DD, desde, pelo menos, 25 de novembro de 2022, passou a garantir, juntamente com BB e AA, a manutenção do meixão armazenado em estado vivo que havia sido por estes últimos adquirido (cf. fls. 3702 a 3703, 3709 a 3710, 3711 a 3712).

53. Em data não concretamente apurada, AA e BB, para transportarem, por via aérea e com destino em Dakar, no Senegal, o meixão vivo que adquiriram, angariaram NN, indivíduo de nacionalidade senegalesa, titular do passaporte ...94 [cf. fls. 71 a 73 do Apenso (inquérito 37/22.9AALSB)] e a sua tia, OO, indivíduo de nacionalidade senegalesa, titular do passaporte ...82 [cf. fls. 74 a 76 do Apenso (inquérito 37/22.9AALSB)], pagando-lhes todas as despesas, entregando a NN quantia não inferior a €.: 45, 00 e entregando a OO quantia não inferior a €.:1.149, 09 [cf. fls. 89 a 91 do Apenso (inquérito 37/22.9AALSB)].

54. Os arguidos AA e BB, no dia 26 de novembro de 2022, pelas 20h, deslocaram-se ao aeroporto Francisco Sá Carneiro, no Porto, onde se encontraram com OO para, posteriormente, a transportarem para a residencial ..., sita na Avenida ..., e para um restaurante (cf. fls. 3709 a 3710).

55. Os arguidos BB e DD, no dia 27 de novembro de 2022, transportaram OO e quatro malas, contendo, no seu interior, meixão, até à Rua ..., em Lisboa, local onde permaneceram até às 17h02m momento em que se encontraram com NN (cf. fls. 3726 a 3728).

56. Após, OO e NN, seguindo as ordens e instruções dadas por BB e DD, deslocaram-se até ao aeroporto Humberto Delgado, em Lisboa, transportando quatro malas que continham meixão [cf. fls. 180 a 183 do Apenso (inquérito 37/22.9AALSB)].

57. Uma vez chegados ao aeroporto Humberto Delgado, em Lisboa, com vista a embarcarem num voo com destino em Dakar, no Senegal, OO e NN portaram, cada um, duas malas de porão que entregaram na zona do check-in e, de seguida, entraram na área de embarque [cf. fls. 173 a 177 do Apenso (inquérito 37/22.9AALSB)].

58. As malas portadas por OO e NN foram sujeitas, enquanto bagagens de porão, a inspeção pelas autoridades aeroportuárias.

59. As malas portadas por OO e NN continham, no seu interior 34, 32kg de meixão vivo, correspondentes a cerca de 120.197 espécimes, no valor de €.: 206.052, 00 [cf. fls. 84 a 88 do Apenso (inquérito 37/22.9AALSB)].

60. Os arguidos não requereram nem foram concedidas quaisquer licenças emitidas em seu nome que permitissem a captura de meixão nem o seu armazenamento.

61. Os arguidos não requerem nem lhes foi concedido Certificado Comunitário pelo I.C.N.F.

62. Os arguidos não requerem nem lhes foi concedida Licença de Exportação pelo I.C.N.F.

63. Os arguidos não concederam nem emitiram qualquer fatura comprovativa da aquisição, em lota ou através de venda direta, dos exemplares de meixão, nem guia de remessa nem guia de transporte nem quaisquer outros documentos equivalentes essenciais para a obtenção, junto do I.C.N.F., do concernente Certificado Comunitário, que também não possuíam, comprovativo da origem legal dos espécimes, que autorizasse a sua detenção e a sua circulação no interior do Portugal.

64. Os arguidos não apresentaram o meixão ao controlo das estâncias aduaneiras sob jurisdição nacional, para cumprimento das formalidades necessárias e das verificações correspondentes na exportação de espécimes, com o fito de as poderem transportar para fora do território nacional e de as comercializar em país(es) terceiro(s).

65. Os arguidos eximiram a mercadoria ao controlo das estâncias aduaneiras sob jurisdição nacional, para cumprimento das formalidades necessárias e das verificações correspondentes na exportação de espécimes, com o fito de as comercializar em países terceiros e com destino final na China.

66. Os arguidos procuravam exportar ou retirar do território nacional os supra referidos exemplares de meixão, mercadoria com o valor aduaneiro de, pelo menos, €.:206.052,00, para proceder à sua venda no comércio internacional, sem que, para tanto, possuíssem os documentos legalmente exigíveis, no caso, licença de captura ou fatura comprovativa de aquisição, documento de transporte, Certificado Comunitário e Licença de Exportação, emitida pelo ICNF a partir daquele Certificado.

67. Os arguidos não lograram transportar o referido meixão para fora de território nacional por razões estranhas às suas vontades, nomeadamente em resultado da inspeção realizada pelas autoridades aeroportuárias do Aeroporto Humberto Delgado, em Lisboa.

- Dos Apensos (inquéritos 38/22.7AALSB e 39/22.5AALSB) -

68. Os arguidos AA, BB e DD continuaram a garantir a manutenção do meixão vivo que adquiriram e armazenavam (cf. fls. 3729 a 3730, 3736 a 3737, 3755 a 3756 e 3758).

69. No dia 29 de novembro de 2022, pelo menos o arguido BB deslocou-se ao Aeroporto Francisco Sá Carneiro para se encontrar com indivíduo(s) de identidade desconhecida e, de seguida, o(s) transportar (cf. fls. 3743 a 3745).

70. Em data não concretamente apurada, pelo menos os arguidos AA e BB, para transportarem, por via aérea e com destino em Dakar, no Senegal, o meixão vivo que haviam adquirido, angariaram, novamente, MM, indivíduo de nacionalidade espanhola, titular do passaporte... ...02 [cf. fls. 13 a 16-A do Apenso (inquérito 38/22.7AALSB); cf., ainda, fls. 66 a 72 do Apenso (inquérito 34/22.4AALSB)] e angariaram PP, indivíduo de nacionalidade espanhola, titular do passaporte... ...22 [cf. fls. 10 a 19-A do Apenso (inquérito 39/22.5AALSB)], pagando-lhes todas as despesas, entregando a MM quantia não inferior a €.: 100,00 e quantia não inferior a 2.500, 00Francos CFA [cf. fls. 6 do Apenso (inquérito 38/22.7AALSB)] e entregando a OO quantia não inferior a €.: 20,00 [cf. fls. 4 do Apenso (inquérito 39/22.5AALSB)].

71. Em momento não concretamente apurado do dia 02 de dezembro de 2022, os arguidos AA, BB, DD e II, dividindo tarefas entre si, entregaram quatro malas, que continham no seu interior meixão, a MM e PP e transmitiram-lhes instruções no sentido de transportarem, por via aérea, as sobreditas malas que continham meixão até Dakar, no Senegal.

72. Uma vez chegados ao aeroporto Francisco Sá Carneiro, no Porto, com vista a embarcarem num voo de ligação a Lisboa e com destino em Dakar, no Senegal, MM e PP portaram, cada um, duas malas de porão que entregaram na zona do check-in e, de seguida, entraram na área de embarque [cf. fls. 1 e 32 do Apenso (inquérito 38/22.7AALSB); fls. 2 e 29 do Apenso (inquérito 39/22.5AALSB)].

73. As malas portadas por MM e PP foram sujeitas, enquanto bagagens de porão, a inspeção pelas autoridades aeroportuárias do Aeroporto Francisco Sá Carneiro, no Porto.

74. As malas portadas por MM continham, no seu interior 12, 3kg de meixão vivo, correspondentes a cerca de 43.500 espécimes, no valor de €.: 73.800, 00 [cf. fls. 29b) a 29i) do Apenso (inquérito 38/22.7AALSB)].

75. As malas portadas por PP continham, no seu interior 11, 45kg de meixão vivo, correspondentes a cerca de 40.700 espécimes, no valor de €.: 67.700, 00 [cfr. fls. 32 a 41 do Apenso (inquérito 39/22.5AALSB)].

76. No dia 03 de dezembro de 2022, o arguido BB e II pagaram a MM e a PP, pelo menos, as despesas necessárias para que estes regressassem a Espanha [cf. fls. 3759 a 3761, 3762 a 3763 e 3764 dos autos principais e fls. 29j) a 29l) do Apenso (inquérito 38/22.7AALSB)].

77. Os arguidos não requereram nem foram concedidas quaisquer licenças emitidas em seu nome que permitissem a captura de meixão nem o seu armazenamento.

78. Os arguidos não requerem nem lhes foi concedido Certificado Comunitário pelo I.C.N.F.

79. Os arguidos não requerem nem lhes foi concedida Licença de Exportação pelo I.C.N.F.

80. Os arguidos não concederam nem emitiram qualquer fatura comprovativa da aquisição, em lota ou através de venda direta, dos exemplares de meixão, nem guia de remessa nem guia de transporte nem quaisquer outros documentos equivalentes essenciais para a obtenção, junto do I.C.N.F., do concernente Certificado Comunitário, que também não possuíam, comprovativo da origem legal dos espécimes, que autorizasse a sua detenção e a sua circulação no interior do Portugal.

81. Os arguidos não apresentaram o meixão ao controlo das estâncias aduaneiras sob jurisdição nacional, para cumprimento das formalidades necessárias e das verificações correspondentes na exportação de espécimes, com o fito de as poderem transportar para fora do território nacional e de as comercializar em país(es) terceiro(s).

82. Os arguidos eximiram a mercadoria ao controlo das estâncias aduaneiras sob jurisdição nacional, para cumprimento das formalidades necessárias e das verificações correspondentes na exportação de espécimes, com o fito de as comercializar em países terceiros e com destino final na China.

83. Os arguidos procuravam exportar ou retirar do território nacional os supra referidos exemplares de meixão, mercadoria com o valor aduaneiro total de, pelo menos, €.: 141.500, 00, para proceder à sua venda no comércio internacional, sem que, para tanto, possuíssem os documentos legalmente exigíveis, no caso, licença de captura ou fatura comprovativa de aquisição, documento de transporte, Certificado Comunitário e Licença de Exportação, emitida pelo ICNF a partir daquele Certificado.

84. Os arguidos não lograram transportar o referido meixão para fora de território nacional por razões estranhas às suas vontades, nomeadamente em resultado da inspeção realizada pelas autoridades aeroportuárias do Aeroporto Francisco Sá Carneiro, no Porto.

- Informe G103/2023 da Dirécción General de La Guardia Civil (Operación Koppig – 25/01/2023) –

85. Os arguidos BB e AA continuaram a adquirir meixão vivo e malas, com vista a efetuar futuros transportes de meixão vivo, contando, para o efeito, com a ajuda do arguido CC desde, pelo menos, o dia 11 de dezembro de 2022 (cf. fls. 3852 a 3856).

86. O arguido BB, de acordo com as ordens dadas por AA, comprou, no dia 16 de janeiro de 2023, bombas de oxigénio para manter o meixão vivo, adquirido e a adquirir, em tanques no armazém sito na Rua ..., em ..., ... (cf. fls. 4457 a 4463, fls. 4467 a 4468 e fls. 4615 a 4616 e 4621, 4641 a 4647).

87. Os arguidos AA, BB e DD continuaram a garantir a manutenção do meixão vivo que adquiriram e armazenavam (cf. fls. 4470 a 4471).

88. Desde, pelo menos, o dia 18 de janeiro de 2023, o arguido EE passou a prestar auxílio a BB e AA no transporte de meixão que estes dois últimos haviam adquirido (cf. fls. 4473 a 4477).

89. O arguido BB, seguindo as ordens de AA, no dia 18 de janeiro de 2022:

a. Adquiriu, na Rua ..., em ..., meixão vivo a GG e a FF,

e

b. De seguida, armazenou os espécimes adquiridos no armazém sito na Rua ..., em ... (cf. fls. 4475, 4478 a 4480).

90. No dia 19 de janeiro de 2023 (cf. fls. 4488 a 4489), os arguidos BB, AA, CC, DD, EE e, bem assim, II e JJ (cf. fls. 4597 a 45989) introduziram:

a. No interior do veículo automóvel com a matrícula .. - GR - ..:

a. 118,1kg de meixão vivo, correspondentes a cerca de 413.350 espécimes, de valor nunca inferior a €.: 708.600, 00, que haviam adquirido a GG, FF e a HH e que armazenavam no interior do armazém sito na Rua ..., em ... (cf. fls. 4581 4589 e 4596);

e

b. 32,2kg de meixão morto, correspondentes a cerca de 112.700 espécimes, de valor nunca inferior a €.: 12.880, 00, que haviam adquirido a GG, FF e a HH e que armazenavam no interior do armazém sito na Rua ..., em ... (cf. fls. 4581 4589 e 4596);

b. No interior do veículo automóvel com a matrícula .. - FC - ..:

a. 45 garrafões de 5litros cheios de água;

b. 1 Sistema de oxigenação de água de marca XIa Chen;

c. 2 termómetros a laser;

d. 1 manómetro com mangueira e pistola para gás;

e. 1 mangueira com pistola para gás;

f. 1 transformador de 12W a 220W;

g. 2 bolsas de plástico usadas para a exportação de meixão;

h. 1 medidor digital de salinidade de água;

i. 2 rolos de plástico;

j. Diversas ferramentas acomodadas em 1 mala;

k. 9 pinças de plástico;

l. 2 coladores de plástico;

m. 2 coladores de metal;

n. 1 piscina no interior de 1 caixa, com capacidade para 380 litros;

o. 2 baldes com capacidade para 25litros;

p. 1 pacote de panos novos;

q. Cabos de bateria automóvel e compressor de pneus;

r. 1 mangueira de jardim com 12 metros;

s. 1 skimmer;

t. 7 filtros para oxigenador de água;

u. 2 banheiras de plástico negro com capacidade para 110 litros;

v. Uma bandeja metálica;

w. Um congelador com 60x100x80cm, contendo no seu interior blocos de gelo e produtos alimentícios (cf. fls. 4581 a 4595).

91. Seguidamente, os arguidos BB, AA, CC, EE e, bem assim, II e JJ seguiram no interior das sobreditas viaturas, transportando o aduzido meixão no interior do território nacional até que, pelas 18h38m, o veículo automóvel com a matrícula .. - GR - .. dirigiu-se em direção a Espanha, pela autoestrada A24, e, pelas 19h50m, passou a fronteira de Portugal para Espanha, seguindo pela estrada A-75 espanhola (cf. fls. 4488 a 4489).

92. Os arguidos BB, AA, CC, EE e, bem assim, II e JJ, enquanto seguiam nas viaturas com as matrículas .. - GR - .. e .. - FC - .., foram intercetados pelo Destacamento de Tráfico de Burgos, pelas 23h35 de 19 de janeiro de 2023, em Burgos.

93. Na sequência, do controlo e verificação dos bens transportados naqueles veículos pelas autoridades policiais espanholas, BB, AA, CC, EE e, bem assim, II e JJ foram submetidos a interrogatórios judiciais e, no dia 21 de janeiro de 2023, sujeitos, no âmbito do processo n.º ...4/2003, com o n.º...47, que correu termos no Juzgado de Instrucción n.º ..., foram todos sujeitos a medida de proibição de saída do território espanhol e BB, JJ, II e EE foram ainda sujeitos à medida de retirada do passaporte (cf. fls. 4595).

94. Não obstante a aplicação de tais medidas:

a. Os arguidos II e EE, no dia 22 de janeiro de 2023, encontravam-se em Portugal (cf. fls. 4558).

b. O arguido BB, no dia 23 de janeiro de 2023, encontrava-se em Portugal (cf. fls. 4556 a 4557).

c. AA regressou a Portugal em momento não concretamente apurado.

95. Os arguidos não requereram nem foram concedidas quaisquer licenças emitidas em seu nome que permitissem a captura de meixão nem o seu armazenamento.

96. Os arguidos não requerem nem lhes foi concedido Certificado Comunitário pelo I.C.N.F.

97. Os arguidos não requerem nem lhes foi concedida Licença de Exportação pelo I.C.N.F.

98. Os arguidos não concederam nem emitiram qualquer fatura comprovativa da aquisição, em lota ou através de venda direta, dos exemplares de meixão, nem guia de remessa nem guia de transporte nem quaisquer outros documentos equivalentes essenciais para a obtenção, junto do I.C.N.F., do concernente Certificado Comunitário, que também não possuíam, comprovativo da origem legal dos espécimes, que autorizasse a sua detenção e a sua circulação no interior do Portugal.

99. Os arguidos não apresentaram o meixão ao controlo das estâncias aduaneiras sob jurisdição nacional, para cumprimento das formalidades necessárias e das verificações correspondentes na exportação de espécimes, com o fito de as poderem transportar para fora do território nacional e de as comercializar em país(es) terceiro(s).

100. Os arguidos eximiram a mercadoria ao controlo das estâncias aduaneiras sob jurisdição nacional, para cumprimento das formalidades necessárias e das verificações correspondentes na exportação de espécimes, com o fito de as comercializar em países terceiros e com destino final na China.

101. Os arguidos retiraram do território nacional os supra referidos espécimes, vivos, mercadoria com o valor aduaneiro de, pelo menos, €.: €.:721.480, 00, para proceder à sua venda no comércio internacional, sem que, para tanto, possuíssem os documentos legalmente exigíveis, no caso, licença de captura ou fatura comprovativa de aquisição, documento de transporte, Certificado Comunitário e Licença de Exportação, emitida pelo ICNF a partir daquele Certificado.

102. Os arguidos lograram transportar a aduzida quantidade de meixão para fora de território nacional.

103. O arguido BB, de acordo com as instruções de AA, comprou, no dia 24 de janeiro de 2023, bombas de oxigénio para manterem o meixão vivo, adquirido e que haviam de adquirir, em tanques que detinham em armazém sito na Rua ..., em ..., ... (cf. fls. 4577 a 4578 e fls. 4617 a 4620 e 4621, 4648 a 4652).

104. De seguida, o arguido BB, de acordo com as instruções dadas por AA, no mesmo dia 24 de janeiro de 2023:

a. Comprou meixão vivo a FF e a GG, na Rua ..., em ...,

e

b. De seguida, armazenou os espécimes adquiridos em armazém sito na Rua ..., ... (cf. fls. 4577 e 4578).

105. O arguido BB, de acordo com as instruções dadas por AA, no dia 25 de janeiro de 2023:

a. Comprou meixão vivo a pessoas de identidade desconhecida da zona centro de Portugal (cf. fls. 4599 a 4603, fls. 4654 a 4667),

e

b. Pelas 00h51m, armazenou, com o auxílio de EE, os espécimes de meixão adquiridos (cf. fls. 4604 e 4605).

106. Os arguidos BB e AA reuniram-se nos dias 26 de janeiro de 2023 e 28 de janeiro de 2023 para melhor desenvolverem o plano criminoso que AA gizava (cf., respetivamente, fls. 4606 e 4607 e fls. 4632 a 4633).

107. O arguido BB, no dia 29 de janeiro de 2023, entre as 18h16 e as 18h59, em conformidade com as instruções dadas por AA:

a. Comprou meixão vivo a HH, na Rua ..., em ...,

e

b. De seguida, transportou, no interior de caixas de esferovite brancas, os espécimes adquiridos para o armazém sito na Rua ..., em ... (cf. fls. 4639 a 4640).

108. O arguido BB, uma vez chegado ao seu destino, sito na Rua ..., ..., ..., o arguido DD logo envidou os necessários esforços no sentido de auxiliar aquele a descarregar as aduzidas caixas que continham, no seu interior, espécimes de meixão (cf. fls. 33 a 43 do Apenso (inquérito 2/23.9MALSB).

109. Os arguidos detinham, quer no interior das aduzidas caixas de esferovite quer no interior do armazém sito na Rua ..., ..., pelo menos:

a. 143,70kg de meixão vivo, correspondente a cerca de 502.950 exemplares de meixão, com o valor de €.: 862.200, 00;

b. 6,20kg de meixão morto, correspondente a cerca de 21.700 espécimes de meixão, com o valor de €.: 2.480, 00.

110. Os arguidos mais detinham, no interior do sobredito armazém (cf. fls. 45, 53 a 54:

a. Cinco tanques/piscinas de armazenamento de meixão, três dos quais com água e exemplares de meixão;

b. Uma garrafa de oxigénio da marca “GASIN” com regulador de pressão e pistola de ar, com n.º de série ...1...;

c. Uma garrafa de oxigénio da marca “GASIN” com n.º de pedido ...75 e n.º de série ...5...;

d. 1 (um) NON CONTACT DIGITAL MEASURE INSTRUMENT modelo T01;

e. Vinte e três caixas de esferovite;

f. Dois crivos de madeira;

g. Três malas de viagem de cor azul, verde, bordô;

h. Três balanças de marca “DAHONG”, modelo “IPSDI”;

i. Um cartão da operadora USO utilizado;

j. Um cartão da operadora USO por utilizar;

k. Um saco de sal marinho do atlântico de 25kg;

l. Duas pistolas de ar comprimido da marca “CEVIK”;

m. Uma caixa com pinças de plástico;

n. Um medidor de temperatura industrial da marca “ANDOWL”;

o. Um manómetro de pressão da marca “CARDUBOS METÁLICOS”;

p. Uma caixa de cartão que contem diversas redes do tipo “mosquiteira”;

q. Uma caixa de cartão contendo diversos sacos de plástico, normalmente utlizados no acondicionamento de meixão durante o transporte em malas de viagem;

r. Um saco já utilizado de sal marinho do atlântico de 25 kg;

s. Um saco já utilizado de sal para piscinas e descalcificador de 25kg;

t. Duas mangueiras de cor azul;

u. Cinco bombas de água da marca “HAILEA”1;

v. Um refrigerador de água de cor preta;

w. Um medidor de temperatura;

x. 2 bombas de ar de cor vermelha da marca “JIX”;

y. 1 refrigerador de água de cor preta com bomba de água e mangueira verde;

z. 5 sacos de retenção de meixão de rede do tipo “mosquiteira”;

aa. 1 saco com diversas esponjas;

bb. 12 coadores de plástico de diversas cores;

cc. 1 arca de congelação da marca “JOCEL”;

dd. 1 arca de congelação da marca “KUNFT”.

ee. 1 saco contendo diversos sacos de embalamento de meixão com inscrições em chinês.

ff. 1 rolo de tubo plástico verde.

gg. 1 saco de serapilheira contendo sacos de embalamento de meixão.

hh. 18 retalhos de manta isolante térmica de alumínio previamente cortados para embalamento de meixão.

ii. 1 pistola de compressor de ar comprimido, pressão de 10kg, de cor azul.

jj. 1 saco plástico com 4 (quatro) manómetros eletrónicos.

kk. 1 rapeta embalada, marca “NOBLEZA”.

ll. Diversos tubos plásticos com tamanhos e bitolas variado mm. 1 dispersor de saídas de oxigénio.

nn. 1 bomba de água submersível preta, com tubo acoplado.

oo. 1 lanterna de led.

pp. 1 mini compressor de ar portátil branco com as inscrições “HONG LING YL 3200”, com uma mangueira cor de laranja.

qq. 1 termómetro digital azul marca “HENDI”.

rr. 1 bomba de ar marca “JIX”, de cor vermelha, nova e embalada.

ss. 1 bomba de água azul e cinzenta, com as inscrições “E BANG EB-026”.

tt. 1 parafusadora elétrica sem fios amarela e preta, de 12V, marca “KIWI”.

uu. 1 serra elétrica do tipo TICO TICO, cor azul escura, marca “HEISENAL”.

vv. 1 cartão SIM com as inscrições “...”, nº ...52.

ww. 1 bilhete de avião em nome de DD de Dakhla com destino a Casablanca e de Casablanca para Agadir.

xx. 1 bilhete de avião em nome de DD de Casablanca e de Casablanca para Madrid.

yy. 2 rolos embalados e fechados de tela isolante termo acústica de alumínio, da marca SPACEREFLEX, ref. FLOOR 2, c/ 18m2 cada rolo.

zz. Malas, da marca Kanorun: 5 (cinco) malas pretas; 5 (cinco) malas cinzentas; 3 (três) malas azuis; 1 (uma) mala amarela; 1 (uma) mala castanha;1 (uma) mala verde clara.

aaa. 1 rolo de tecido.

bbb. 1 caixa de cartão contendo 14 (catorze) rolos de etiquetas e sacos.

ccc. 1 caixa de cartão contendo sacos plásticos típicos para embalamento e acondicionamento de meixão.

ddd. 1 caixa de cartão enviada para “AA” contendo: 11 (onze) capas de mala pretas e 11 (onze) capas de malas castanhas.

eee. 1 piscina desmontável, medidas 20,5x29x77, com um autocolante com a inscrição: A..., Lda. IS – ...73, Rua ..., ....

fff. 1 bomba de água limpa de cor amarela, modelo ZSPW400-D, de marca indeterminada.

ggg. 1 conjunto de manómetros de pressão azuis com caracteres chineses.

hhh. 1 caixa contendo diversas torneiras e ligações para tubagens, marca “TYROLIT”.

iii. 1 saco de 25kg, fechado, de sal de piscina.

jjj. 1 piscina desmontável com armação

kkk. 1 rede do tipo mosquiteira.

lll. 1 saco com um rolo de fio de nylon.

mmm. 4 filtros pretos.

nnn. 1 bomba de oxigenação azul.

ooo. 1 bomba de oxigenação cinzenta.

111. Os arguidos não possuíam qualquer fatura comprovativa da aquisição, em lota ou através de venda direta, dos exemplares de meixão, nem guia de remessa nem guia de transporte nem quaisquer outros documentos equivalentes essenciais para a obtenção, junto do I.C.N.F., do concernente Certificado Comunitário, que também não possuíam, comprovativo da origem legal dos espécimes, que autorizasse a sua detenção e a sua circulação no interior do Portugal.

112. Os arguidos procuravam exportar ou retirar do território nacional os supra referidos espécimes, mercadoria com o valor aduaneiro de, pelo menos, €.:864.680, 00, para proceder à sua venda no comércio internacional, sem que, para tanto, possuíssem os documentos legalmente exigíveis, no caso, licença de captura ou fatura comprovativa de aquisição, documento de transporte, Certificado Comunitário e Licença de Exportação, emitida pelo ICNF a partir daquele Certificado.

113. Os arguidos não lograram transportar o referido meixão para fora de território nacional por razões estranhas às suas vontades, nomeadamente, por terem sido alvo de buscas realizadas pelas Polícia Marítima no dia 29 de janeiro de 2023, pelas 19h47m.

114. Os arguidos não requereram nem foram concedidas quaisquer licenças emitidas em seu nome.

115. Os arguidos não requerem nem lhes foi concedido Certificado Comunitário pelo I.C.N.F.

116. Os arguidos não requerem nem lhes foi concedida Licença de Exportação pelo I.C.N.F.

117. Os arguidos não apresentaram o meixão ao controlo das estâncias aduaneiras sob jurisdição nacional, para cumprimento das formalidades necessárias e das verificações correspondentes na exportação de espécimes, com o fito de as poderem transportar para fora do território nacional e de as comercializar em país(es) terceiro(s).

118. Os arguidos eximiram a mercadoria ao controlo das estâncias aduaneiras sob jurisdição nacional, para cumprimento das formalidades necessárias e das verificações correspondentes na exportação de espécimes, com o fito de as comercializar em países terceiros.

- Buscas de 16/02/2023 nos autos principais -

119. No dia 16 de fevereiro de 2023, o arguido AA detinha consigo, no interior do seu domicílio, sito na Rua ..., em ..., Braga, pelo menos (cf. fls. 1 a 20 do Anexo - Vol. 1/2):

a. 5 (cinco) telemóveis;

b. 7 (sete) cartões sim;

c. 2 (dois) talões de estacionamento França;

d. 1 (um) bloco de apontamentos;

e. Diversos apontamentos e documentos bancários;

f. 3 (três) pens;

g. 2 (duas) faturas B...;

h. 2 (duas) ATRADIUS;

i. 1 (uma) piscina;

j. Diversos sacos de plásticos;

k. 2 (duas) malas de viagem;

l. Diversas Bombas e filtros de piscina;

m. Diversos pepinos do mar e cavalos marinhos secos;

n. 1 (um) cheque em branco;

o. 1 (um) cheque no valor de 1.084.00 euros;

p. 1 (um) cheque no valor de 1.368.65 euros;

q. 760 (setecentos e sessenta) euros em numerário.

120. No dia 16 de fevereiro de 2023, o arguido DD detinha consigo pelo menos (cf. fls. 21 a 29 do Anexo V – Vol. 1/2):

a. 4 (quatro) cartões de multibanco;

b. 2 (dois) cartões octoplus;

c. 4 (quatro) cartões Sim;

d. 1 (um) telemóvel.

121. No dia 16 de fevereiro de 2023, o arguido EE detinha consigo pelo menos (cf. fls. 30 a 40 do Anexo V – Vol. 1/2):

a. 589 (quinhentos e oitenta e nove) euros em numerário;

b. 4 (quatro) cartões SIM;

c. 1 (um) cartão de multibanco;

d. 5 (cinco) cartões de embarque;

e. 1 (um) bloco de apontamentos em chinês;

f. 1 (um) talão de pagamento mastercard;

g. 1 (um) telemóvel.

122. No dia 16 de fevereiro de 2023, o arguido HH detinha consigo, no interior do seu domicílio, sito na Rua ..., em ..., pelo menos (cf. fls. 43 a 58 do Anexo V – Vol. 1/2):

a. 17 (dezassete) exemplares de meixão;

b. 1 (uma) rede de pesca denominada do tipo mosquiteira;

c. 1 (um) tubo de filtragem de escoamento de água de tanque;

d. 1 (um) telemóvel.

123. No dia 16 de fevereiro de 2023, o arguido BB detinha, pelo menos (cf. fls. 59 a 123 do Anexo V – Vol. 1/2):

a. 2 (duas) malas de viagem;

b. 1 (uma) caixa com termómetro e pilhas;

c. 2 (duas) bombas submersíveis;

d. 1 (um) coador;

e. 1 (uma) extensão;

f. 2 (dois) medidores de temperatura;

g. 1 (um) rolo de arame verde;

h. Tomadas;

i. Rolos de fita adesiva;

j. 2 (dois) tubos com ponteira para ar comprimido;

k. 1 (uma) rede;

l. 1 (um) tubo de oxigenação;

m. 1 (uma) caixa de enzimas;

n. Vários sacos de embalamento de meixão;

o. Diverso material de acondicionamento de meixão;

p. 3 (três) maquinas de vácuo manuais;

q. 1 (uma) balança;

r. 1 (uma) bomba de tratamento de água;

s. 2 (dois) telefones;

t. Diversa documentação bancária;

u. Diversa documentação relacionada com a B...;

v. Diversas notas de apontamentos em chinês;

w. 1 (uma) pen;

x. 2 (dois) cadernos de apontamentos;

y. 1 (uma) agenda com apontamentos;

z. 3 (três) telemóveis;

aa. 1 (uma) carteira com diversos documentos;

bb. 1675 (mil seiscentos e setenta e cinco) euros em numerário;

cc. 1 (um) bloco de anotações;

dd. 17 (dezassete) ringgit em numerário;

ee. 300 (trezentos) baht em numerário;

ff. 810 (oitocentos e dez) yuan em numerário;

gg. 185 (cento e oitenta e cinco) euros em numerário;

hh. 155 (cento e cinquenta e cinco) euros;

ii. 305 (trezentos e cinco) euros;

jj. 1 (uma) mangueira e pistola de ar comprimido;

kk. 1 (um) sistema de oxigenação

ll. 1 (uma) caixa de oxigenação.

124. O arguido FF, no dia 16 de fevereiro de 2023, detinha, pelo menos:

a. 02 (dois) sacos com redes de meixão (cf. fls. 124 a 145 do Anexo V – Vol. 1/2);

b. 02 (dois) cadernos com apontamentos de pescado, de cor preta;

c. 02 (duas) rapetas;

d. 01 (uma) caixa de esferovite, que contêm no interior redes de meixão;

e. 01 (um) Pano de rede de meixão;

f. 05 (cinco) crivos, com formas e cores variadas;

g. 01 (uma) caixa de esferovite, que contêm 09 (nove) bombas de ar, de cor vermelha;

h. 01 (uma) balança, da marca Marques;

i. 01 (um) aquário com a respetiva bomba de refrigeração;

j. 01 (um) saco com remendos de rede de meixão;

k. 01 (uma) bomba de água, marca Einhell;

l. Exemplares de meixão encontrados no chão do armazém;

m. 05 (cinco) sacos de plástico com meixão congelado, encontrado no congelador do armazém, perfazendo um total de 1,130 kg (um quilo, cento e trinta gramas) de meixão morto, correspondente a cerca de 4.200 exemplares, com o valor total de €.: 480, 00.

125. O arguido GG, no dia 16 de fevereiro de 2023, detinha, pelo menos:

a. 2400 (dois mil e quatrocentos) euros em numerário;

b. 1 (um) telemóvel;

c. 7,200kg (sete quilos e duzentas gramas) de meixão vivo, correspondentes a cerca

de 25.200 exemplares de enguia europeia, no valor total de €.:43.200,00;

d. Diversas rapetas e crivos;

e. Tanque de conservação de meixão com sistema de refrigeração acoplado;

f. 1 (uma) balança.

126. O arguido CC, no dia 16 de fevereiro de 2023, detinha, pelo menos (cf. fls. 156 a 188 do Anexo V – Vol. 1/2):

a. 21.160 (vinte e um mi cento e sessenta) euros em numerário;

b. 843 (oitocentos e quarenta e três) yuan em numerário;

c. 239 (duzentos e trinta e nove) dólares em numerário;

d. 31 (trinta e um) ringgit em numerário;

e. 2 (dois) cadernos com documentos e apontamentos;

f. Diversos documentos;

g. 1 (um) telemóvel.

127. Todas as quantias e objetos apreendidos nos autos são resultantes ou foram adquiridos com quantias resultantes, foram utilizados ou estão diretamente relacionadas com as atividades ilícitas supra descritas.

128. Os arguidos AA, BB, CC, DD e EE (sendo estes os arguidos de nacionalidade chinesa referidos na decisão recorrida) agiram de forma livre, voluntária e consciente, dividindo tarefas entre si, de forma concertada e em conjugação de esforços para alcançarem o objetivo comum de obter benefício económico, bem sabendo que, em resultado da prática dos factos supra descritos, foram capturados, detidos e comercializados, pelo menos, 379,47kg de meixão, correspondentes a cerca de 1.328.145 exemplares de enguia europeia, com o valor total de, pelo menos, €.: 2.054.192, 00.

128-A. Os arguidos FF, GG e HH (sendo estes os arguidos de nacionalidade portuguesa referidos na decisão recorrida) agiram de forma livre, voluntária e consciente, com o objetivo de obterem benefício económico, bem sabendo que, em resultado da prática dos factos supra descritos, foram capturadas, detidas e comercializadas quantidades de meixão correspondentes ás vendas pelos mesmos realizadas, com o valor total, não apurado, que receberam.

129. Os arguidos AA, BB, CC, DD e EE agiram de forma livre, voluntária e consciente, dividindo tarefas entre si e em conjugação de esforços para alcançarem o objetivo de obter benefício económico, com o propósito alcançado de adquirirem a pescadores, através do pagamento de contraprestações económicas, elevadas quantidades de Enguia europeia, bem sabendo que capturavam espécie de fauna selvagem ameaçada de extinção, protegida por instrumentos legais e internacionais, e sujeita a restrições de comércio internacional que, pelo seu volume, pudesse comprometer a sua sobrevivência ou a conservação da população total a um nível compatível com o papel da espécie nos ecossistemas em que a mesma se encontrava presente.

129-A. Os arguidos FF, GG e HH agiram de forma livre, voluntária e consciente, com o propósito de capturarem espécie de fauna selvagem ameaçada de extinção, protegida por instrumentos legais e internacionais, e sujeita a restrições de comércio internacional que, pelo seu volume, pudesse comprometer a sua sobrevivência ou a conservação da população total a um nível compatível com o papel da espécie nos ecossistemas em que a mesma se encontrava presente.

130. Os arguidos AA, BB, CC, DD e EE agiram de forma livre, voluntária e consciente, dividindo tarefas entre si e em conjugação de esforços para alcançarem o objetivo de obter benefício económico, bem sabendo que compravam, possuíam e detinham meixão para futuramente o comercializar, não obstante saberem que se tratava de espécie de fauna selvagem ameaçada de extinção, protegida por instrumentos legais e internacionais, e sujeita a restrições de comércio internacional que, pelo seu volume, pudesse comprometer a sua sobrevivência ou a conservação da população total a um nível compatível com o papel da espécie nos ecossistemas em que a mesma se encontrava presente.

130-A. Os arguidos FF, GG e HH agiram de forma livre, voluntária e consciente, para alcançarem o objetivo de obter benefício económico, bem sabendo que possuíam e detinham meixão para futuramente o comercializar, não obstante saberem que se tratava de espécie de fauna selvagem ameaçada de extinção, protegida por instrumentos legais e internacionais, e sujeita a restrições de comércio internacional que, pelo seu volume, pudesse comprometer a sua sobrevivência ou a conservação da população total a um nível compatível com o papel da espécie nos ecossistemas em que a mesma se encontrava presente.

131. Os arguidos AA, BB, CC, DD e EE agiram de forma livre, voluntária e consciente, dividindo tarefas entre si, de forma concertada, e em conjugação de esforços para alcançarem o objetivo de obter benefício económico, com o propósito de obter, deter e circular ao longo do território português com os supra identificados espécimes de uma espécie de fauna protegida, com o fito de os retirarem de território nacional, destinando-os às explorações aquícolas situadas em países asiáticos, para posterior venda, a troco de avultadas quantias monetárias, propósito último da sua atuação.

131-A. Os arguidos FF, GG e HH agiram de forma livre, voluntária e consciente, para obterem benefício económico, com o propósito capturar, deter e circular no território português com os supra identificados espécimes de uma espécie de fauna protegida.

132. Os arguidos AA, BB, CC, DD e EE, agindo de forma livre, voluntária e consciente, dividindo tarefas entre si, de forma concertada, e em conjugação de esforços para alcançarem o objetivo de obter benefício económico, colocaram e detiveram em circulação no interior do território nacional aduaneiro mercadoria de circulação condicionada, em violação das leis aduaneiras relativas à circulação interna de mercadorias, bem sabendo que:

A.

Nunca haviam requerido nem nunca haviam sido concedidas quaisquer licenças emitidas em seus nomes que permitissem a captura de meixão nem o seu armazenamento.

B.

Nunca haviam requerido nem nunca lhes havia sido concedido Certificado Comunitário pelo I.C.N.F.

C.

Nunca haviam requerido nem nunca lhes havia sido concedida Licença de Exportação pelo I.C.N.F.

D.

Não haviam concedido nem haviam emitido qualquer fatura comprovativa da aquisição, em lota ou através de venda direta, dos exemplares de meixão, nem guia de remessa nem guia de transporte nem quaisquer outros documentos equivalentes essenciais para a obtenção, junto do I.C.N.F., do concernente Certificado Comunitário, que também não possuíam, comprovativo da origem legal dos espécimes, que autorizasse a sua detenção e a sua circulação no interior do Portugal.

E.

Não haviam apresentado o meixão ao controlo das estâncias aduaneiras sob jurisdição nacional, para cumprimento das formalidades necessárias e das verificações correspondentes na exportação de espécimes, com o fito de as poderem transportar para fora do território nacional e de as comercializar em país(es) terceiro(s).

F.

Eximiam as mercadorias ao controlo das estâncias aduaneiras sob jurisdição nacional, para cumprimento das formalidades necessárias e das verificações correspondentes na exportação de espécimes, com o fito de as comercializar em países terceiros e com destino final na China.

132 –A. Os arguidos FF, GG e HH, agindo de forma livre, voluntária e consciente, para alcançarem o objetivo de obter benefício económico, colocaram e detiveram em circulação no interior do território nacional mercadoria de circulação condicionada, em violação das leis aduaneiras relativas à circulação interna de mercadorias, bem sabendo que:

A.

Nunca haviam requerido nem nunca haviam sido concedidas quaisquer licenças emitidas em seus nomes que permitissem a captura de meixão nem o seu armazenamento.

B.

Nunca haviam requerido nem nunca lhes havia sido concedido Certificado Comunitário pelo I.C.N.F.

C.

Nunca haviam requerido nem nunca lhes havia sido concedida Licença de Exportação pelo I.C.N.F.

D.

Não haviam concedido nem haviam emitido qualquer fatura comprovativa da aquisição, em lota ou através de venda direta, dos exemplares de meixão, nem guia de remessa nem guia de transporte nem quaisquer outros documentos equivalentes essenciais para a obtenção, junto do I.C.N.F., do concernente Certificado Comunitário, que também não possuíam, comprovativo da origem legal dos espécimes, que autorizasse a sua detenção e a sua circulação no interior de Portugal.

133. Os arguidos AA, BB, CC, DD e EE, agindo de forma livre, voluntária e consciente, em conjugação de esforços para alcançarem o objetivo de obter benefício económico, procuraram exportar ou retirar do território nacional os supra referidos espécimes de meixão, mercadoria com o valor total aduaneiro de, pelo menos, €.: 1.145.832,00, para proceder à sua venda no comércio internacional, sem que, para tanto, possuíssem os documentos legalmente exigíveis, no caso, licença de captura ou fatura comprovativa de aquisição, documento de transporte, Certificado Comunitário e Licença de Exportação, emitida pelo ICNF a partir daquele Certificado.

134. Os arguidos AA, BB, CC, DD e EE apenas não lograram transportar o referido meixão, com o valor total aduaneiro de, pelo menos, €.:1.145.832,00, para fora de território nacional por razões estranhas às suas vontades, nomeadamente em resultado das inspeções realizadas pelas autoridades aeroportuárias e pela atuação da Polícia Marítima.

135. Os arguidos AA, BB, CC, DD e EE, agindo de forma livre, voluntária e consciente, e em conjugação de esforços para alcançarem o objetivo de obter benefício económico, retiraram do território nacional os supra referidos espécimes de meixão referidos nos pontos 90º a)-a) e a)-b) da imputação do M.P., como o valor total aduaneiro ali referido, para proceder à sua venda no comércio internacional, sem que, para tanto, possuíssem os documentos legalmente exigíveis, no caso, licença de captura ou fatura comprovativa de aquisição, documento de transporte, Certificado Comunitário e Licença de Exportação, emitida pelo ICNF a partir daquele Certificado.

136. Os arguidos AA, BB, CC, DD e EE agiram de forma livre, voluntária e consciente, em conjugação de esforços para alcançarem o objetivo de obter benefício económico, bem sabendo que a exportação ou saída do território da União Europeia para um país terceiro, de milhares de espécimes de uma espécie incluída no anexo B do Regulamento (CE) n.º 338/97, do Conselho, de 09 de Dezembro de 1996, sem os apresentar às estâncias aduaneiras ou recintos diretamente fiscalizados pela autoridade aduaneira para cumprimento das formalidades de despacho, com vista à sua comercialização internacional, era absolutamente proibida pelo Anexo II da Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies da Fauna e da Flora Selvagens Ameaçadas de Extinção.

137. Os arguidos AA, BB, CC, DD e EE, agindo de forma livre, voluntária e consciente, e em conjugação de esforços para alcançarem o objetivo de obter benefício económico, mais sabiam que a mercadoria que adquiriram, detinham, pretendiam exportar ou retirar do território nacional e que retiraram de Portugal havia sido obtida em resultado de condutas ilícitas e que não possuíam qualquer dos documentos legais que os habilitassem a fazê-lo.

138. Os arguidos AA, BB, CC, DD e EE, agindo de forma livre, voluntária e consciente, e em conjugação de esforços para alcançarem o objetivo de obter benefício económico, decidiram, ainda assim, eximir a mercadoria ao controlo das entidades competentes, designadamente das estâncias aduaneiras sob jurisdição nacional, para cumprimento das formalidades necessárias e das verificações correspondentes na exportação e na retirada de território nacional de espécimes, com o fito de as comercializar em países terceiros.

138-A. Os arguidos FF, GG e HH, agindo de forma livre, voluntária e consciente, para alcançarem o objetivo de obter benefício económico, decidiram, ainda assim, eximir a mercadoria ao controlo das entidades competentes.

139. Os arguidos AA, BB, CC, DD e EE agiram de forma livre, voluntária e consciente, em conjugação de esforços para alcançarem o objetivo de obter benefício económico, bem sabendo que realizavam, em numerário, todas as compras e vendas, associadas à captura, à comercialização e à exportação ou retirada de território nacional de meixão, bem como o pagamento a indivíduos de nacionalidade estrangeira que retirariam por via aérea meixão vivo de Portugal.

139-A. Os arguidos FF, GG e HH agiram de forma livre, voluntária e consciente, para alcançarem o objetivo de obter benefício económico, bem sabendo que realizavam, em numerário, todas as compras e vendas, associadas à captura e à comercialização meixão.

Resultaram ainda indiciados os seguintes factos quanto à situação pessoal e sócio-económica dos arguidos:

a) Quanto ao arguido AA:

- Exerceu, pelo menos até ao mês de janeiro de 2023, a atividade profissional de empregado em loja no concelho ..., auferindo rendimento mensal correspondente ao salário mínimo.

- Encontra-se em Portugal desde 2011.

- Reside com a família, designadamente com a mulher que trabalha em loja de chinês sita em ..., e com três filhos de 9, 15 e 17 anos, todos estudantes em Braga.

b) Quanto ao arguido BB:

- Reside em Portugal desde o ano de 2004, onde reside com a família, designadamente, com mulher e três filhos, de 13, 16 e 18 anos de idade, todos estudantes em ....

- Explora uma loja [2]em ..., onde trabalham o arguido e a mulher.

c) Quanto ao arguido CC:

- Reside desde há pelo menos 20 anos.

- Reside com a família, mulher e um filho de 15 anos, estudante em ....

- Tem um filho de 30 anos de anterior relação, que reside com a mãe na Madeira.

- Explora uma loja [3] em ..., onde trabalham o arguido e a mulher e uma funcionária.

- Aufere um salário de 1000 euros mensais e reside em ....

d) Quanto ao arguido DD:

- Encontra-se em Portugal há, pelo menos, 3 meses.

- Não trabalha.

- Reside com o arguido AA que conheceu na China.

- Veio para Portugal sozinho, sendo que a família reside em Hong Kong.

e) Quanto ao arguido EE:

- Encontra-se em Portugal há 2 semanas.

- Não trabalha.

- Reside com o arguido AA que conheceu na China.

- Veio para Portugal sozinho, sendo que a família reside em Hong Kong.

f) Quanto ao arguido FF:

- Exerce a atividade profissional de pescador.

- Aufere um rendimento mensal não inferior a € 400,00.

- Reside com a esposa e com a sogra.

- Tem três filhos já todos autónomos.

- Não tem antecedentes criminais.

g) Quanto ao arguido GG:

- Exerce a atividade profissional de pescador e vendedor ambulante.

- Reside com a mulher e 2 filhos do casal e um filho da mulher, de 12 anos.

- Os seus filhos têm 4 e 2 anos de idade, respetivamente.

- A esposa do arguido trabalha num café.

- Trabalha na pesca com o pai e juntamente com outros pescadores que trabalham consigo, no seu barco.

- Não tem antecedentes criminais.

h) Quanto ao arguido HH:

- Exerce a atividade profissional de trolha e encontra-se desempregado.

- Despende mensalmente a quantia de 150 euros mensais a título de pensão de alimentos.

- Com a pesca ocasional e os biscates aufere quantia mensal compreendida entre 500 a 600 euros.

- Reside com os pais.

- Tem uma filha de 3 anos que vive com a mãe, a qual trabalha numa confeitaria.

- Não tem antecedentes criminais».

Para fundamentar as medidas de coação aplicadas aos arguidos, escreveu-se no despacho recorrido (segue transcrição):

«4 – Motivação

A convicção do Tribunal relativamente à factualidade acima indiciada resulta dos elementos de prova comunicados aos arguidos e elencados na promoção que antecede, designadamente os seguintes:

- POR DECLARAÇÕES

- Apenso (inquérito n.º 37/22.9AALSB) -

1. Declarações prestadas pelo arguido NN, a fls. 71 a 73 do

Apenso (inquérito n.º 37/22.9AALSB);

2. Declarações prestadas pela arguida OO, a fls. 74 a 76 do Apenso (inquérito n.º 37/22.9AALSB);

- Apenso (inquérito n.º 38/22.7AALSB) -

3. Declarações prestadas pelo arguido MM a fls. 13 a 16 – A do Apenso (inquérito n.º 38/22.7AALSB);

- Apenso (inquérito n.º 39/22.5AALSB) -

4. Declarações prestadas pela arguida PP a fls. 10 a 13 – A do Apenso (inquérito n.º 39/22.5AALSB);

- PERICIAL

- Apenso (inquérito n.º 34/22.4AALSB) -

1. Exame pericial do ICNF de fls. 53 a 62 do Apenso (inquérito n.º 34/22.9AALSB);

- Apenso (inquérito n.º 37/22.9AALSB) -

2. Exame pericial do ICNF de fls. 84 a 88 do Apenso (inquérito n.º 37/22.9AALSB);

- Apenso (inquérito n.º 38/22.7AALSB) -

3. Exame pericial do ICNF de fls. 29 b) a 29 i) do Apenso (inquérito n.º 38/22.7AALSB);

- Apenso (inquérito n.º 39/22.5AALSB) -

4. Exame pericial do ICNF de fls. 32 a 41 do Apenso (inquérito n.º 39/22.5AALSB);

- Apenso (inquérito n.º 2/23.9MALSB) -

5. Exame pericial do ICNF de fls. 71 a 74.

- DOCUMENTAL

1. Elementos de identificação civil de BB a fls. 3738v e 3739;

2. Elementos de identificação civil de AA a fls. 3739v a 3740;

3. Informação da Segurança Social de AA a fls. 3227;

4. Auto de diligência de fls. 2515;

5. Auto de diligência de fls. 2516 a 2521;

6. Auto de diligência de fls. 2528 a 2530;

7. Auto de diligência de fls. 2531 a 2535;

8. Auto de diligência de fls. 2557 a 2580;

9. Cópia de documentos quitação de fls. 2594 a 2598;

10. Auto de visionamento de imagens de fls. 2599 a 2606;

11. Auto de diligência de fls. 2624 a 2625;

12. Auto de diligência de fls. 2807 a 2814;

13. Auto de diligência externa de fls. 2815 a 2816;

14. Auto de diligência de fls. 2819 a 2821;

15. Autos de diligência de fls. 2822 a 2824 e de 2825;

16. Auto de diligência de fls. 2902 a 2903;

17. Auto de diligência de fls. 2905 a 2907;

18. Auto de diligência de fls. 2908 a 2909;

19. Auto de diligência externa de fls. 2986 a 2996;

20. Auto de diligência de fls. 2997 a 3000;

21. Auto de diligência de fls. 3001 a 3003;

22. Auto de visualização de imagens de fls. 3009 a 3014;

23. Auto de diligência de fls. 3050 a 3051;

24. Auto de visualização de imagens de fls. 3052 a 3055;

25. Fls. 3092 a 3097, 3100 a 3105, 3109 a 3132, 3136 a 3142 3150 a 3163;

26. Auto de diligência de fls. 3165 a 3168;

27. Auto de diligência de fls. 3213;

28. Auto de diligência de fls. 3214;

29. Auto de diligência de fls. 3215;

30. Auto de visualização de imagens de fls. 3237 a 3247;

31. Auto de diligência de fls. 3567 a 3570;

32. Auto de diligência de fls. 3577;

33. Anexo III – Autos de transcrição Alvo ...40 (GG);

34. Anexo IV – Autos de transcrição Alvo ...50 (AA); 35. Anexo VI – Documentação - Segurança Social;

- Apenso (inquérito n.º 34/22.4AALSB) -

36. Auto de diligências de fls. 3577;

37. Auto de visualização de imagens de fls. 3587 a 3591

38. Cópias de documentos de quitação de fls. 3604 a 3605;

39. Auto de diligência de fls. 3620 a 3622;

40. Auto de diligência 3623 a 3624;

41. Auto de diligência de fls. 3630 a 3631;

42. Auto de diligência de fls. 3632;

43. Auto de diligência de fls. 3633 a 3634;

44. Auto de diligência de fls. 3645 a 3646;

45. Produtos 539, 1083, 1122 do código alvo ...40 de fls. 3688 e 3689 dos autos principais e fls. 1 a 7 do Apenso Transcrições – Alvo ...40;

46. Auto de notícia de fls. 11 e 12 do Apenso (inquérito n.º 34/22.4AALSB);

47. Folhas de suporte de fls. 18 a 20 do Apenso (inquérito n.º 34/22.4AALSB);

48. Auto de apreensão de fls. 22 do Apenso (inquérito n.º 34/22.4AALSB);

49. Auto de diligência de fls. 148 a 149 do Apenso (inquérito n.º 34/22.4AALSB);

50. Auto de visualização de imagens de fls. 66 a 72 do Apenso (inquérito n.º 34/22.4AALSB);

- Apenso (inquérito n.º 37/22.9AALSB) -

36. Auto de diligência de fls. 3635 a 3637;

37. Auto de diligência de fls. 3638 a 3639;

38. Auto de diligência de fls. 3645 a 3646;

39. Auto de diligência de fls. 3647 a 3648;

40. Auto de diligência de fls. 3652 a 3654;

41. Auto de diligência de fls. 3655 a 3656;

42. Autos de diligência de fls. 3709 a 3712;

43. Autos de diligência de fls. 3726 a 3733;

44. Auto de notícia de fls. 79 a 83 do Apenso (inquérito n.º 37/22.9AALSB);

45. Auto de apreensão de fls. 89 a 91 do Apenso (inquérito n.º 37/22.9AALSB);

46. Auto de diligência de fls. 131 a 133 do Apenso (inquérito n.º 37/22.9AALSB);

47. Auto de diligência de fls. 134 a 135 do Apenso (inquérito n.º 37/22.9AALSB);

48. Fls. 146 a 164 do Apenso (inquérito n.º 37/22.9AALSB);

49. Auto de visionamento de fls. 173 a 177 do Apenso (inquérito n.º 37/22.9AALSB);

50. Auto de visionamento de fls. 180 a 183 do Apenso (inquérito n.º 37/22.9AALSB);

51. Fls. 187 a 206 do Apenso (inquérito n.º 37/22.9AALSB);

- Apenso (inquérito n.º 38/22.7AALSB) -

67. Auto de notícia de fls. 1 do Apenso (inquérito n.º 38/22.7AALSB);

68. Auto de apreensão de fls. 3 do Apenso (inquérito n.º 38/22.7AALSB);

69. Fls. 21 a 25 do Apenso (inquérito n.º 38/22.7AALSB);

70. Auto de diligência de fls. 29j) a 29k) verso do Apenso (inquérito n.º 38/22.7AALSB);

71. Auto de diligência de fls. 29l) do Apenso (inquérito n.º 38/22.7AALSB);

72. Folha de suporte de fls. 32 do Apenso (inquérito n.º 38/22.7AALSB);

73. Fls. 34 a 38 do Apenso (inquérito n.º 38/22.7AALSB);

74. Fls. 51 a 60 do Apenso (inquérito n.º 38/22.7AALSB);

75. Autos de diligência de fls. 3729 a 3730, 3736 a 3737, 3755 a 3756 e 3758;

76. Auto de diligência de fls. 3762 a 3763;

77. Autos de diligência de fls. 3759 a 3761 e de fls. 3764;

- Apenso (inquérito n.º 39/22.5AALSB) -

78. Auto de notícia de fls. 2 do Apenso (inquérito n.º 39/22.5AALSB);

79. Auto de apreensão de fls. 4 do Apenso (inquérito n.º 39/22.5AALSB);

80. Fls. 18 a 20, 47 e 48 e 61 a 70 do Apenso (inquérito n.º 39/22.5AALSB);

81. Folha de suporte do Apenso (inquérito n.º 39/22.5AALSB);

82. Auto de diligência de fls. 42 a 43 do Apenso (inquérito n.º 39/22.5AALSB);

83. Auto de diligência de fls. 44 do Apenso (inquérito n.º 39/22.5AALSB);

84. Autos de diligência de fls. 3729 a 3730, 3736 a 3737, 3755 a 3756 e 3758;

85. Auto de diligência de fls. 3762 a 3763;

86. Autos de diligência de fls. 3759 a 3761 e de fls. 3764;

- Informe G103/2023 da Dirección General de La Guardia Civil (Operación Koppig – 25/01/2023) -

87. Auto de diligência de fls. 3852 a 3856;

88. Auto de diligência de fls. 4457 a 4466;

89. Auto de diligência de fls. 4467 a 4468;

90. Auto de diligência de fls. 4470 a 4471;

91. Auto de diligência de fls. 4472 a 4477;

92. Auto de diligência de fls. 4478 a 4480;

93. Auto de diligência de fls. 4481 a 4485;

94. Auto de diligência de fls. 4486 a 4487;

95. Auto de diligência de fls. 4488 a 4489;

96. Informe G103/2003, de fls. 4581 a 4598 [Decisão Europeia de Investigação de fls. 4428 a 4438 (fls. 4439 a 4449)];

97. Auto de diligência de fls. 4556 a 4557;

98. Auto de diligência de fls. 4558;

99. Cópia de documentos de quitação de fls. 4615 a 4616 e 4621; 100. Auto de visualização de imagens de fls. 4641 a 4647;

- Apenso (inquérito n.º 2/23.9MALSB) -

101. Auto de diligência de fls. 4556 a 4557;

102. Auto de diligência de fls. 4558;

103. Auto de diligência de fls. 4577 a 4578;

104. Auto de diligência de fls. 4599 a 4603;

105. Auto de visualização de imagens de fls. 4654 a 4662; 106. Auto de visualização de imagens de fls. 4663 a 4667;

107. Auto de diligência de fls. 4604 a 4605;

108. Auto de diligência de fls. 4606 a 4608;

109. Auto de diligência de fls. 4609 a 4610;

110. Cópia de documentos de quitação de fls. 4617 a 4621;

111. Auto de visualização de imagens de fls. 4648 a 4652;

112. Auto de diligência de fls. 4630 a 4631;

113. Auto de diligência de fls. 4632 a 4638;

114. Auto de diligência de fls. 4639 a 4640;

115. Auto de diligência de fls. 4654 a 4667;

116. Auto de notícia de fls. 33 a 43 do Apenso (inquérito 2/23.9MALSB);

117. Auto de busca e apreensão de fls. 45 do Apenso (inquérito 2/23.9MALSB);

118. Folha de suporte a fls. 46 do Apenso (inquérito 2/23.9MALSB);

119. Auto de busca e apreensão de fls. 53 a 54 do Apenso (inquérito 2/23.9MALSB);

120. Folha de suporte a fls. 55 do Apenso (inquérito 2/23.9MALSB);

121. Auto de busca e apreensão de fls. 61 a 62 do Apenso (inquérito 2/23.9MALSB);

122. Folha de suporte a fls. 63 do Apenso (inquérito 2/23.9MALSB);

123. Auto de busca e apreensão de fls. 64 a 67 do Apenso (inquérito 2/23.9MALSB);

124. Folha de suporte a fls. 68 do Apenso (inquérito 2/23.9MALSB);

125. Auto de busca e apreensão de fls. 69 do Apenso (inquérito 2/23.9MALSB);

126. Folha de suporte a fls. 70 do Apenso (inquérito 2/23.9MALSB);

127. Pesquisa por carta de condução de BB a fls. 87 do Apenso (inquérito 2/23.9MALSB);

128. Fls. 90 e 91 do Apenso (inquérito 2/23.9MALSB);

129. Fls. 92 do Apenso (inquérito 2/23.9MALSB);

- Buscas de 16/02/2023 nos autos principais -

130. Auto de diligência de fls. 4790;

131. Auto de diligência de fls. 4791 a 4792;

132. Auto de diligência de fls. 4793 a 4794;

133. Auto de diligência de fls. 4795 a 4797;

134. Auto de diligência de fls. 4798 a 4800;

135. Auto de diligência de fls. 4801 a 4802;

136. Documentos de quitação de fls. 4810 e 4811;

137. Anexo V – Vol. 1/2;

138. Anexo V – Vol. 2/2.

Face ao exposto, e ao vasto manancial probatório recolhido e devidamente comunicado aos arguidos, sem prejuízo das considerações que se tecerão a propósito da qualificação jurídica, dúvidas não restam ao tribunal que se encontra fortemente indiciada a factualidade supra elencada, pois que os aludidos elementos apontam indiciariamente no mesmo sentido, não tendo a aludida factualidade sido minimamente posta em causa no âmbito deste interrogatório de arguidos detidos, atendendo a que não foram prestadas quaisquer declarações pelos arguidos de nacionalidade chinesa [4], nem por eles foi apresentada qualquer versão alternativa.

Ao invés, temos que, ouvido o arguido HH, este admitiu ter recorrido à captura do meixão, pelo menos por duas ou três vezes, sendo que, igualmente admitiu ter entregue meixão ao arguido BB, o que fez sozinho, mediante contrapartida económica e prévio contacto agendado por um indivíduo, pescador, de nome QQ.

Esclareceu que entregava o peixe vivo, em caixas de esferovite, o que fez no local onde o guardava, o qual era distinto da sua residência.

Por sua vez, o arguido FF declarou que efetivamente procedeu à captura de meixão, designadamente com inícios em novembro, como forma de compensar as dificuldades que sentia na pesca de mar.

Do mesmo modo, admitiu a venda aos arguidos AA e BB, por pelo menos três vezes, em quantidades de, pelo menos 10, 12 e 9 kgs respetivamente, mediante contrapartida económica.

Finalmente, o arguido GG esclareceu que igualmente se dedicou à captura de meixão a partir de 2022, sendo que vendeu tal produto aos arguidos BB e AA, desconhecendo a relação entre ambos.

Mais declarou que também vendia para outras pessoas, sendo certo que mantinha em sua casa um tanque para a manutenção do meixão vivo, sendo certo que apenas o vendiam nestas condições.

Ora, do teor de tais declarações prestadas pelos arguidos em apreço, que confirmam a sua participação nos factos, bem como dos arguidos BB e AA (assim credibilizando a demais prova recolhida), resulta, no entanto, para o tribunal, conjugadas aquelas com a demais prova, não haver suficiente indiciação de que está em causa a existência de uma verdadeira organização, devidamente estruturada, pela forma descrita na imputação do MP, com a existência de um grupo em permanente cooperação, mas apenas aquilo que resulta dos factos que se deram como indiciados, ou seja, por um lado, a conjugação de esforços entre os arguidos de nacionalidade chinesa, mas sem a aludida organização e estrutura - veja-se que dos factos imputados resulta mesmo que os arguidos DD, EE, e CC, apenas surgem em datas posteriores ao início da prática dos factos, e ao longo dos meses de novembro (finais), dezembro e janeiro; e, por outro lado, resumindo-se a atividade dos arguidos de nacionalidade portuguesa [5] a vendas ocasionais e no âmbito de uma atividade que se restringe ao território nacional.

Além disso, dificilmente se vislumbra na prova recolhida a existência de tal organização e estruturação para além do que resulta dos concretos factos imputados e levados a cabo pelos arguidos de nacionalidade chinesa [6], correspondentes a uma atividade que, apesar do valor que o meixão capturado poderia render no estrangeiro, se limita, em Portugal e nos factos em apreço, na sua essência, à compra, circulação e tentativa de exportação através de terceiros para tanto contratados (naquela assumindo preponderância evidente apenas os arguidos BB e AA).

Da mesma forma, não resulta da prova recolhida qualquer indício de recebimento por parte dos arguidos de nacionalidade chinesa [7]de concretos valores monetários em virtude da atividade dada como indiciada (veja-se que as tentativas de exportação resultaram frustradas), nem da sua canalização para aquisição de quaisquer bens.

No que diz respeito aos arguidos de nacionalidade portuguesa [8], foram os mesmos, nas suas declarações, claros no sentido de que capturariam também para venda a outros potenciais clientes que aparecessem, inexistindo um vínculo quer de fidelidade, quer de obediência a um qualquer chefe, que não nos parece também resultar da demais prova recolhida.

Diga-se, aliás, que não nos parece que tais vínculos, ou a existência de um desígnio comum, fossem sequer compatíveis com a imputação de transações entre tais arguidos e os de nacionalidade chinesa [9].

Do mesmo modo se diga que a mera realização de transações em numerário não consente, em nosso entender, que se conclua que está em causa a ocultação, encobrimento ou mobilização a que se refere a imputação do Ministério Público, antes estando em causa a utilização de um meio de pagamento corrente, não configurando quaisquer dos factos imputados, razoavelmente, a reutilização dos valores monetários em causa.

Relativamente à precisão feita supra na alínea c), a mesma resultou de a prova recolhida apenas permitir, tal como resulta já do supra exposto, que a matéria relativa à exportação de meixão seja imputada aos arguidos da nacionalidade chinesa [10].

Isto posto, no que se reporta à situação pessoal dos arguidos que se logrou apurar, o tribunal valorou os esclarecimentos prestados pelos arguidos aquando da sua identificação, tendo sido ainda valorados os respetivos TIR.

Quanto aos antecedentes criminais, o tribunal teve em consideração os CRC juntos aos autos.


*

5 – Qualificação jurídica:

É nosso entender, a matéria de facto indiciada nos autos, sem prejuízo do ulterior andamento do inquérito, permitirá, desde já, configurar a prática pelos arguidos:

a) FF, GG e HH dos seguintes crimes:

1. Dano contra a natureza, previsto e punível pelo artigo 278.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2 do Código Penal, por referência ao Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal, ao artigo II e ao Anexo II da Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies de Fauna e Flora Selvagem Ameaçadas de Extinção (CITES), artigo 4.º, n.º 2, alíneas a) a c) do Decreto Lei n.º 50/80, de 23 de julho, que a ratificou, e ao artigo 5.º, n.º 2 alíneas a), b), c), subalínea i), e d), e n.º 4 e Anexo B do Regulamento (CE) n.º 338/97, do Conselho, de 09 de dezembro de 1996, na redação conferida pelo Regulamento (UE) n.º 160/2017, da Comissão, de 20 de janeiro de 2017, relativo à proteção de espécies da fauna e da flora selvagens através do controlo do seu comércio e no Regulamento da Pesca no Troço Internacional do Rio Minho, aprovado pelo Decreto n.º 8/2008, de 09 de abril, punível com pena de prisão até 5 anos.

2. Contrabando de circulação qualificado, previsto e punível pelos artigos 93.º, n.º 1 e 97.º, alíneas a), b) e g), do R.G.I.T., por referência ao Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal, ao artigo II e ao Anexo II da Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies de Fauna e Flora Selvagem Ameaçadas de Extinção (CITES), artigo 4.º, n.º 2, alíneas a) a c) do Decreto Lei n.º 50/80, de 23 de julho, que a ratificou, ao artigo 5.º, n.º 2 alíneas a), b), c), subalínea i), e d), e n.º 4 e Anexo B do Regulamento (CE) n.º 338/97, do Conselho, de 09 de dezembro de 1996, na redação conferida pelo Regulamento (UE) n.º 160/2017, da Comissão, de 20 de janeiro de 2017, relativo à proteção de espécies da fauna e da flora selvagens através do controlo do seu comércio, ao Regulamento da Pesca no Troço Internacional do Rio Minho, aprovado pelo Decreto n.º 8/2008, de 09 de abril; artigo 1.º, n.º 1, com referência ao artigo 2.º, alíneas a) e b) do Decreto-Lei n.º 81/2005, de 20 de abril; artigos 1.º, 2.º, n.º 3, 3.º e 4.º da Portaria n.º 197/2006, de 23 de fevereiro, na redação conferida pela Portaria n.º 247/2010, de 03 de maio; artigos 1.º, n.º 1, alínea a), 2.º, n.º 1, alínea a), 3.º, n.º 1, 7.º, n.º 1, alínea a), 8.º, n.º 1, e 29.º, n.º 1, alínea b), todos do Código do Imposto de Valor Acrescentado (CIVA); artigos 1.º, 2.º, alíneas a), b), d) e e) do Decreto-Lei n.º 147/2003, que aprovou o Regime de Bens em Circulação, na redação conferida pela Lei n.º 82-B/2014, de 31 de dezembro; e artigos 4.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), subalínea iv), 13.º e 15.º do Decreto-Lei n.º 121/2017, de 20 de setembro; punível com pena de prisão de 1 a 5 anos.

a) AA, BB, CC, DD e EE dos crimes imputados aos arguidos de nacionalidade portuguesa, bem como de um crime de contrabando qualificado, previsto e punível pelos artigos 92.º, n.º 1, alínea a), e 97.º, alíneas a), b) e g), do R.G.I.T., por referência ao Livro Vermelho dos Vertebrados de Portugal, ao artigo II e ao Anexo II da Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies de Fauna e Flora Selvagem Ameaçadas de Extinção (CITES), artigo 4.º, n.º 2, alíneas a) a c) do Decreto Lei n.º 50/80, de 23 de julho, que a ratificou, ao artigo 5.º, n.º 2 alíneas a), b), c), subalínea i), e d), e n.º 4 e Anexo B do Regulamento (CE) n.º 338/97, do Conselho, de 09 de dezembro de 1996, na redação conferida pelo Regulamento (UE) n.º 160/2017, da Comissão, de 20 de Janeiro de 2017, relativo à proteção de espécies da fauna e da flora selvagens através do controlo do seu comércio, ao Regulamento da Pesca no Troço Internacional do Rio Minho, aprovado pelo Decreto n.º 8/2008, de 09 de abril; artigo 1.º, n.º 1, com referência ao artigo 2.º, alíneas a) e b) do Decreto-Lei n.º 81/2005, de 20 de abril; artigos 1.º, 2.º, n.º 3, 3.º e 4.º da Portaria n.º 197/2006, de 23 de fevereiro, na redação conferida pela Portaria n.º 247/2010, de 03 de maio; artigos 1.º, n.º 1, alínea a), 2.º, n.º 1, alínea a), 3.º, n.º 1, 7.º, n.º 1, alínea a), 8.º, n.º 1, e 29.º, n.º 1, alínea b), todos do Código do Imposto de Valor Acrescentado (CIVA); artigos 1.º, 2.º, alíneas a), b), d) e e) do Decreto-Lei n.º 147/2003, que aprovou o Regime de Bens em Circulação; artigos 4.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), subalínea ii), 8.º, n.º 4, 13.º, 15.º e 18.º do Decreto Lei n.º 121/2017, de 20 de setembro; e artigos 4.º, n.ºs 1 e 2, alíneas a) a c) do Decreto-Lei n.º 50/80, de 23 de janeiro, punível com pena de prisão de 1 a 5 anos de prisão.

Isto posto, no que tange à demais qualificação jurídica efetuada pelo Ministério Público designadamente no que tange à imputação dos crimes de:

A) Associação criminosa, previsto e punível pelo artigo 89.º, n.º 3 do R.G.I.T., pelo artigo 8.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa e pelos artigos 2.º, alíneas a) e b), e 5.º, n.º 1, alínea b) e alínea a), subalíneas i) e ii), subalíneas a) e b), e n.º 2 da Convenção das Nações Unidas contra a Criminalidade Organizada Transnacional, aprovada, por ratificação, pela Assembleia da República pela Resolução da Assembleia da República n.º 32/2004, de 02 de abril (cf. D.R. I série –A, n.º 79, 02 de abril de 2004), ratificada pelo Presidente da República n.º 19/2004, de 02 de abril (cf. D.R. I série –A, n.º 79, 02 de abril de 2004) e tornado pública pelo depósito de ratificação da Convenção pelo Aviso n.º 121/2004, de 17 de junho (cf. D.R. I série – A, n.º 141, de 17 de junho de 2004), por referência aos artigos 93.º, n.º 1 e 92.º, n.º 1, alíneas a) e b), e 97.º, alíneas a), b) e g), do mesmo diploma legal;

B) Associação criminosa, previsto e punível pelo artigo 299.º do Código Penal, pelo artigo 8.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa e pelos artigos 2.º, alíneas a) e b), e 5.º, n.º 1, alínea b) e alínea a), subalíneas i) e ii), subalíneas a) e b), e n.º 2 da Convenção das Nações Unidas contra a Criminalidade Organizada Transnacional, aprovada, por ratificação, pela Assembleia da República pela Resolução da Assembleia da República n.º 32/2004, de 02 de abril (cf. D.R. I série –A, n.º 79, 02 de abril de 2004), ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 19/2004, de 02 de abril (cf. D.R. I série –A, n.º 79, 02 de abril de 2004) e tornado pública pelo depósito de ratificação da Convenção pelo Aviso n.º 121/2004, de 17 de junho (cf. D.R. I série –A, n.º 141, de 17 de junho de 2004), por referência ao artigo 278.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2 do mesmo diploma legal; e

C) Branqueamento, previsto e punível pelo artigo 368.º - A, n.º 1, alíneas i), d), e n.º 4, do Código Penal, por referência aos artigos 278.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2 e 299.º do Código Penal, 89.º, n.º 3, 92.º, n.º 1, alíneas a) e b), 93.º, n.º 1 e 97.º, alíneas a), b) e g), do R.G.I.T.;

entendemos que, por ora, os factos indiciados não permitem uma subsunção aos crimes em apreço, pelos seguintes fundamentos:

Quanto aos crimes de associação criminosa, temos que os normativos supra referidos exigem, desde logo, “a congregação de três elementos essenciais: um elemento organizativo, um elemento de estabilidade associativa e um elemento de finalidade criminosa”.

Ou seja, temos que tais crimes se consumam “com a fundação da associação com a finalidade de praticar crimes, ou - relativamente a associados não fundadores - com a adesão ulterior, sendo o agente punido independentemente dos crimes cometidos pelos associados e em concurso efetivo com estes.”

Na verdade, “o bem jurídico protegido pelo crime de associação criminosa é a paz pública, entendida no sentido das expectativas sociais de uma vida comunitária livre da especial perigosidade de organizações que tenham por escopo o cometimento de crimes.

Com o objetivo de densificar a categoria em apreço, por forma a permitir a sua delimitação de situações de simples coautoria ou ainda da figura do bando (forma especial de comparticipação, por vezes utilizada para qualificar determinados tipos de crime), o crime de associação criminosa exige “a existência de um encontro de vontades dos participantes que tenha dado origem a uma realidade autónoma, diferente e superior às vontades e interesses dos singulares membros”; uma certa duração, isto é, que a organização perdure no tempo, ainda que incerto, para permitir a realização do seu fim criminoso; uma estrutura minimamente organizada, isto é, a existência de um substrato material que supere os simples agentes e que permita a concretização do encontro de vontades para a prática de crimes; um qualquer processo de formação da vontade coletiva, isto é, a adesão dos seus membros a uma realidade que transcende a realidade pessoal de cada um dos membros; a existência de sentimento comum de ligação por parte dos membros da associação a uma unidade diversa de cada um dos seus membros.”

Por sua vez, e diferentemente “o conceito de bando abarca uma situação de atuação ilícita intermédia entre a simples comparticipação criminosa e a associação criminosa - mais grave do que as situações de mera participação criminosa, embora menos censurável do que aquelas em que existe uma perfeita e definida “associação criminosa” -, integrando aquelas condutas em que, pelo menos dois agentes atuam de forma voluntária e concertada, em colaboração mútua, com uma incipiente estruturação de funções, mas sem que se possa já considerar como existente uma organização perfeitamente caracterizada, com níveis e hierarquias de comando e com uma certa divisão e especialização de funções de cada uma das suas componentes ou aderentes, como sucede na associação criminosa.” – cf. no sentido acabado de expor, por todos, o Acórdão do TRP de 10.03.2021, proc. nº 5148/20.2JAPRT-A.P1, in www.dgsi.pt.

Ademais, a propósito deste crime e da figura da “associação criminosa”, importa também aludir ao Ac. do STJ de 27/05/2010 (disponível em www.dgsi.pt), que de forma extensa refere doutrina e jurisprudência pertinentes, seguindo-se aqui de perto algumas das referências ali efetuadas e que nos parecem fundamentais para a análise, nesta parte, do caso dos autos.

Assim, tal como ali se pode ver, Figueiredo Dias (in “As «Associações Criminosas» no Código Penal Português de 1982”, Coimbra Editora, 1988, separata da Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 119.º, n.ºs 3751 a 3760), refere (págs. 26 e seg.), a propósito da identificação do bem jurídico e extensão da área de tutela, que o “específico bem jurídico protegido pelo tipo de associações criminosas é a tutela da paz pública, no sentido do asseguramento do mínimo de condições sócio-existenciais sem o qual se torna problemática a possibilidade, socialmente funcional, de um ser-com-outros actante e sem entraves”, tratando-se de uma intervenção num estádio prévio, através de uma dispensa antecipada de tutela, quando a segurança pública ainda não foi (necessariamente) perturbada, mas se criou já um perigo de perturbação que só por si viola a paz pública.

O tipo de ilícito das associações criminosas assume-se como um verdadeiro crime de perigo abstrato, assente num substrato irrenunciável: a altíssima perigosidade desta espécie de associações, derivada do forte poder de ameaça da organização e dos mútuos estímulos e contra-estímulos de natureza criminosa que aquela cria nos seus membros. (Estes aspetos são retomados no Comentário…, §§ 4 e 5, a págs. 1157, precisando-se o bem jurídico protegido de paz pública no sentido das expectativas sociais de uma vida comunitária livre da especial perigosidade de organizações que tenham por escopo o cometimento de crimes).

A propósito dos requisitos imprescindíveis para que se possa falar de uma associação ou dos sinónimos grupo e organização, a pág. 32, refere verificar-se uma convergência doutrinal e jurisprudencial, nemine discrepante, reconhecendo-se que só haverá associação ali, onde o encontro de vontade dos participantes - um qualquer pacto mais ou menos explícito entre eles – tiver dado origem a uma realidade autónoma, diferente e superior às vontades e interesses dos singulares membros.

O Autor, a págs. 35 a 38, expõe as notas que, por força, terão de estar presentes na entidade capaz de integrar o tipo objetivo do artigo 287.º, enunciando como tais:

1- Uma pluralidade de pessoas (defendendo serem suficientes duas pessoas);

2- Uma certa duração, que não tem de ser, a priori, determinada, mas que tem forçosamente de existir para permitir a realização do fim criminoso pela associação. Só com esta componente se atingindo o limiar mínimo de revelação de um ente autónomo, que supere um mero acordo ocasional de vontades;

3- Um mínimo de estrutura organizatória que sirva de substrato material à existência de algo que supere os simples agentes, devendo requerer-se uma certa estabilidade ou permanência das pessoas que compõem a organização, que não tem de ser tipicamente cunhada, mas antes se pode concretizar pelas formas mais diversas;

4- Indispensável a existência de um qualquer processo de formação da vontade coletiva;

5- Um sentimento comum de ligação, por parte dos membros da associação a algo que, transcendendo-os, se apresenta como uma unidade diferente de qualquer uma das individualidades componentes e a que eles referem a sua atividade criminosa. (No que respeita ao primeiro elemento, o Autor, no Comentário Conimbricense, § 14, pág. 1161, tende a considerar dever valer a exigência mais normal e razoável de um mínimo de 3 pessoas. Há que ter em conta que com a redação dada pela Lei n.º 59/2007, o artigo 299.º do Código Penal passou a exigir, no novo n.º 5, um “conjunto de, pelo menos, três pessoas”).

Figueiredo Dias, acompanhando de muito perto o trabalho de 1988, exposto em “Associações Criminosas”, retoma o tema em 1999, no Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo II, págs. 1155 a 1174.

No § 7, a pág. 1158, explicita o Autor que da área de tutela deste tipo de ilícito é de excluir qualquer factualidade que não releve da especial perigosidade da associação, da sua autónoma danosidade social e da sua específica dignidade penal.

A propósito da distinção entre «associação e mera comparticipação criminosa» ensina no § 8, pág. 1158: «O problema mais complexo de interpretação e aplicação que aqui se suscita é, na verdade, o de distinguir cuidadosamente – sobretudo quando se tenha verificado a prática efetiva de crimes pela organização – aquilo que é já associação criminosa daquilo que não passa de mera comparticipação criminosa. Para tanto indispensável se torna uma cuidadosa aferição, pelo aplicador, da existência in casu dos elementos típicos que conformam a existência de uma organização no sentido da lei (cf. infra § 9 ss.)

Em muitos casos, porém, tal não será suficiente. Sendo neles indispensável que o aplicador se pergunte se, na hipótese, logo da mera associação de vontades dos agentes resultava sem mais um perigo para bens jurídicos protegidos notoriamente maior e diferente daquele que existiria se no caso se verificasse simplesmente uma qualquer forma de comparticipação criminosa.

E que só se a resposta for indubitavelmente afirmativa (in dubio pro reo) possa vir a considerar integrado o tipo de ilícito do artigo 299º. (Um bom critério prático residirá aliás em o juiz não condenar nunca por associação criminosa, à qual se impute já a prática de crimes, sem se perguntar primeiro se condenaria igualmente os agentes mesmo que nenhum crime houvesse sido cometido e sem ter respondido afirmativamente à pergunta)».

No § 10, in fine, pág. 1159, realça que atento o autónomo e específico bem jurídico tutelado o essencial é a especial perigosidade ínsita na própria organização.

No § 13, a págs. 1160/1, a propósito da existência de uma associação, grupo ou organização, que é elemento comum a todas as modalidades de ação que integram o tipo objetivo do ilícito, refere o Autor, que os designativos sinónimos de associação, grupo ou organização “supõem no mínimo, que o encontro de vontades dos participantes – hoc sensu, a verificação de um qualquer pacto mais ou menos explícito entre eles – tenha dado origem a uma realidade autónoma, diferente e superior às vontades e interesses dos singulares membros. Supõem, no plano das realidades psicológica e sociológica, que do encontro de vontades tenha resultado um centro autónomo de imputação fáctica das ações prosseguidas ou a prosseguir em nome e no interesse do conjunto. Centro este que, pelo simples facto de existir, deve representar em todo o caso (…) uma ameaça tão intolerável que o legislador reputa necessário reprimi-la com as penas particularmente severas do preceito; neste sentido devendo falar-se, com razão, da exigência de um centro autónomo de imputação e motivação”.

No § 39, pág. 1170, refere que o crime de associação criminosa “consuma-se com a realização das ações descritas no art.º 299.º- 1, 2 e 3, só se tornando necessária a verificação de um resultado em uma das hipóteses previstas no n.º 1 (“fundar”). A prática efetiva de crimes pela associação não é nunca necessária à consumação”, conformando aquilo que a lei e doutrina chamam de crime permanente (§ 49, pág. 1174).

A págs. 34 de “As «Associações Criminosas» no Código Penal Português de 1982” e a págs. 1161 do “Comentário Conimbricense do Código Penal - Parte Especial, Tomo II”, com o objetivo de distinguir decisivamente as associações criminosas da mera comparticipação criminosa, refere o Autor que a circunstância de os artigos 287.º e 299.º do Código Penal de 1982 e de 1995, terem como rubrica, respetivamente, «Associações criminosas» e «Associação criminosa» - e não meramente «associações de criminosos» ou «de malfeitores» -, claramente indicia, no plano textual, uma atualização da ideia de uma transpersonalidade fáctica e reforça a conceção da necessidade da presença, na entidade englobante, com metas ou objetivos próprios capaz de integrar o tipo objetivo de ilícito, do aludido centro autónomo.

Do que não pode prescindir-se é de que a associação constitua uma realidade referenciável e, assim, dotada de uma identidade individualizável, que possa funcionar como o «complemento direto» das ações de fundar, apoiar, chefiar ou dirigir.»

Em termos jurisprudenciais, o acórdão que aqui seguimos de perto cita, entre muitos outros, o Ac. do STJ de 03-05-2007, processo n.º 896/07 - 5.ª Secção, podendo ler-se que «Como resulta, designadamente, do elemento sistemático, o bem jurídico protegido pelo art.º 299.º do CP é, dentro da ordem e tranquilidade públicas, a paz pública: esta é colocada em perigo pela simples existência da associação criminosa, independentemente da comissão de qualquer crime a cuja prática se destine a associação.

Este é um crime de perigo abstrato: formada a associação deve, sem mais, considerar-se integrado o elemento objetivo do crime em causa.

Daqui se retira um critério prático de distinguir o crime de um caso de mera comparticipação criminosa: no 1.º caso, formada a associação e verificada a existência do elemento subjetivo, haverá de seguir-se-lhe, como consequência, a aplicação de uma reação criminal, enquanto que no 2.º caso, está-se perante atos preparatórios, em regra não puníveis.

O conceito de “associação” é um conceito normativo para cuja densificação há que lançar mão a critérios normativos e teleológicos, bem como a propósitos e exigências político-criminais – cf. Figueiredo Dias, As “Associações Criminosas” no Código Penal Português de 1982, Coimbra Editora, 1988, pág. 23. (…) Quanto ao tipo subjetivo, exige-se a existência de dolo: o elemento intelectual exige, para além do mais, o conhecimento pelo agente de que existe uma associação criminosa cujo objetivo é a prática de crimes; o elemento volitivo exige, pelo menos, o dolo eventual.»

Também ali citado é o Ac. do STJ de 17-04-2008, processo n.º 4457/06 - 3.ª Secção -, donde decorre que «O bem jurídico acautelado pela incriminação da associação criminosa é o da paz pública, no sentido das expectativas sociais de uma vida comunitária livre da especial perigosidade de organizações que tenham por escopo o cometimento de crimes.

O legislador, numa clara opção de política criminal, antecipa a tutela penal para o momento anterior ao da efetiva perturbação da segurança e tranquilidade públicas, mas em que já se criou um especial perigo de perturbação. Daí que dogmaticamente se integre a infração na categoria dos crimes de perigo abstrato, permanentes e de participação necessária.

(…)

Em suma, só pode falar-se de associação criminosa quando a confluência de vontades dos participantes dê origem a uma realidade autónoma, diferente e superior às vontades e interesses dos singulares membros, isto é, quando emerja um centro autónomo de imputação fáctica das ações prosseguidas ou a prosseguir em nome e no interesse do conjunto, um ente distinto de imputação e motivação, como entidade englobante, com metas ou objetivos próprios. Centro este que, pelo simples facto de existir, deve representar, em todo o caso, uma ameaça tão intolerável que o legislador reputa necessário reprimi-la com penas particularmente severas.»

Cita ainda o aludido aresto jurisprudencial o Acórdão do STJ de 16-10-2008, processo n.º 2958/08 - 5.ª Secção, ali podendo ler-se que, ”Para tanto, impõe-se apurar a existência, por um lado, de um centro autónomo de imputação, transcendendo os respetivos membros e ao qual sejam imputadas as ações por eles levadas a cabo, ou seja, uma organização estruturada, estabilizada (até em termos temporais) e hierarquizada, dotada de meios próprios e constituindo uma entidade independente das pessoas que a formam e, por outro lado, o acordo entre os seus membros, quer no sentido de aderirem a tal organização – cujos fins conheciam –, quer para, uma vez aderindo a ela, colaborarem com a realização das tarefas que lhe estavam destinadas e lhes eram transmitidas pelos respetivos coordenadores na prossecução dos respetivos objetivos, mediante um esquema de remunerações e de contrapartidas financeiras.»

Revertendo ao caso concreto à luz do que vai dito, sem prejuízo das considerações abaixo tecidas relativamente aos arguidos de nacionalidade chinesa [11], desde já nos parece óbvio que não temos quaisquer condutas dos arguidos de nacionalidade portuguesa [12]que se possam integrar no crime de associação criminosa.

Assim, em relação aos arguidos de nacionalidade chinesa [13], uma vez que poderá quanto aos mesmos, e em face da factualidade indiciada, excogitar-se a prática do crime em apreço, teremos de perguntar, parafraseando o Acórdão citado:

- se estaremos perante um pacto que tenha dado origem a entidade diversa, autónoma, transpessoal, que valha por si, referenciável por si mesma;

- se esse pacto deu origem a uma realidade autónoma, superior ou diferente à personalidade, às vontades e interesses dos elementos que a integram;

- se dele emana especial perigosidade e maior carga de danosidade social;

- se os arguidos seriam condenados igualmente mesmo que nenhum crime houvesse sido cometido.

Ora, considerada a matéria indiciada teremos, desde logo, de concluir que inexiste matéria factual que permita concluir no sentido da existência de uma verdadeira e autónoma associação criminosa, pois que, sem prejuízo da divisão de tarefas e do papel de cada um dos arguidos na engrenagem criminal imputada, dela não resulta a fundação de qualquer grupo, organização ou associação com caráter de durabilidade (sendo de notar que os primeiros factos imputados remontam apenas a 14.11.2022).

Por outro lado, sendo certo que da apurada factualidade se retira que os arguidos combinaram entre si um plano criminoso, temos que tal não basta à existência de uma “associação”, sob pena de “irremediável confusão entre o tipo de associações criminosas e a figura da coautoria”, devendo ser excluída qualquer factualidade que não releve da especial perigosidade da associação, da sua autónoma danosidade social e da sua específica dignidade penal (cf. Figueiredo Dias, citado pelo Acórdão que aqui vimos seguindo, in “Associações Criminosas”, pág. 32 e no Comentário, pág. 1158).

Ora, a resposta a tais questões parece-nos que terá de ser negativa.

Veja-se, desde logo, estarem em causa graus de tal forma distintos de atuação que, no que tange ao poder de tomada de decisão, o número de intervenientes denuncia uma incipiente organização, reforçada com o facto do hiato temporal sob análise ser, também ele muito curto para que se possa concluir nesse sentido da existência de uma entidade que transcenda as personalidades singulares dos intervenientes.

Além disso, sem prejuízo das tarefas de que cada elemento ficou incumbido no plano traçado e no respetivo encadeamento de atos praticados, não se vislumbra uma formal, definida e concreta hierarquização típica de uma verdadeira organização que vá para além da atuação das vontades individuais dos seus membros.

Assim, não se vislumbra que o acordo firmado entre os arguidos tenha dado origem a entidade diversa dos mesmos, autónoma e transpessoal, superior ou diferente à personalidade, às vontades e interesses dos elementos que a integram.

E não se vislumbra também que de tal acordo emane uma especial perigosidade e maior carga de danosidade social, que possam considerar-se dignas de uma verdadeira associação criminosa, não se vendo como poderiam os arguidos vir, nesta parte a ser condenados, caso efetivamente não estivesse em causa o cometimento dos demais crimes pelos quais vêm indiciados.

Conclui-se, assim, que a ação dos arguidos, no caso, consiste, outrossim, numa atividade conjunta, sem ser contudo uma associação criminosa, sem ter dado origem a uma realidade autónoma, diferente e superior às vontades e interesses dos seus membros.

Dito de outro modo, o que se verifica no caso é a constatação da existência de plúrimas condutas individuais no contexto de uma ação global, em que cada arguido tem o seu papel e dá o seu contributo para a violação dos bens jurídicos protegidos pelos crimes já supra indicados e indiciados.

Por conseguinte, é nosso entender inexistir fundamento, por ora, para indiciação, também quanto aos arguidos de nacionalidade chinesa, quanto à prática dos crimes associação criminosa.

Isto posto, vejamos quanto ao crime de branqueamento.

Dispõe o artigo 368º-A do Código Penal o seguinte:

1 - Para efeitos do disposto nos números seguintes, consideram-se vantagens os bens provenientes da prática, sob qualquer forma de comparticipação, de factos ilícitos típicos puníveis com pena de prisão de duração mínima superior a seis meses ou de duração máxima superior a cinco anos ou, independentemente das penas aplicáveis, de factos ilícitos típicos de:

a) Lenocínio, abuso sexual de crianças ou de menores dependentes, ou pornografia de menores;

b) Burla informática e nas comunicações, extorsão, abuso de cartão de garantia ou de cartão, dispositivo ou dados de pagamento, contrafação de moeda ou de títulos equiparados, depreciação do valor de moeda metálica ou de títulos equiparados, passagem de moeda falsa de concerto com o falsificador ou de títulos equiparados, passagem de moeda falsa ou de títulos equiparados, ou aquisição de moeda falsa para ser posta em circulação ou de títulos equiparados;

c) Falsidade informática, contrafação de cartões ou outros dispositivos de pagamento, uso de cartões ou outros dispositivos de pagamento contrafeitos, aquisição de cartões ou outros dispositivos de pagamento contrafeitos, atos preparatórios da contrafação, aquisição de cartões ou outros dispositivos de pagamento obtidos mediante crime informático, dano relativo a programas ou outros dados informáticos, sabotagem informática, acesso ilegítimo, interceção ilegítima ou reprodução ilegítima de programa protegido;

d) Associação criminosa;

e) Infrações terroristas, infrações relacionadas com um grupo terrorista, infrações relacionadas com atividades terroristas e financiamento do terrorismo;

f) Tráfico de estupefacientes e substâncias psicotrópicas;

g) Tráfico de armas;

h) Tráfico de pessoas, auxílio à imigração ilegal ou tráfico de órgãos ou tecidos humanos;

i) Danos contra a natureza, poluição, atividades perigosas para o ambiente, ou perigo relativo a animais ou vegetais;

j) Fraude fiscal ou fraude contra a segurança social;

k) Tráfico de influência, recebimento indevido de vantagem, corrupção, peculato, participação económica em negócio, administração danosa em unidade económica do setor público, fraude na obtenção ou desvio de subsídio, subvenção ou crédito, ou corrupção com prejuízo do comércio internacional ou no setor privado;

l) Abuso de informação privilegiada ou manipulação de mercado;

m) Violação do exclusivo da patente, do modelo de utilidade ou da topografia de produtos semicondutores, violação dos direitos exclusivos relativos a desenhos ou modelos, contrafação, imitação e uso ilegal de marca, venda ou ocultação de produtos ou fraude sobre mercadorias.

2 - Consideram-se igualmente vantagens os bens obtidos através dos bens referidos no número anterior.

3 - Quem converter, transferir, auxiliar ou facilitar alguma operação de conversão ou transferência de vantagens, obtidas por si ou por terceiro, direta ou indiretamente, com o fim de dissimular a sua origem ilícita, ou de evitar que o autor ou participante dessas infrações seja criminalmente perseguido ou submetido a uma reação criminal, é punido com pena de prisão até 12 anos.

4 - Na mesma pena incorre quem ocultar ou dissimular a verdadeira natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou titularidade das vantagens, ou os direitos a ela relativos.

5 - Incorre ainda na mesma pena quem, não sendo autor do facto ilícito típico de onde provêm as vantagens, as adquirir, detiver ou utilizar, com conhecimento, no momento da aquisição ou no momento inicial da detenção ou utilização, dessa qualidade.

6 - A punição pelos crimes previstos nos n.ºs 3 a 5 tem lugar ainda que se ignore o local da prática dos factos ilícitos típicos de onde provenham as vantagens ou a identidade dos seus autores, ou ainda que tais factos tenham sido praticados fora do território nacional, salvo se se tratar de factos lícitos perante a lei do local onde foram praticados e aos quais não seja aplicável a lei portuguesa nos termos do artigo 5.º

7 - O facto é punível ainda que o procedimento criminal relativo aos factos ilícitos típicos de onde provêm as vantagens depender de queixa e esta não tiver sido apresentada.

8 - A pena prevista nos n.ºs 3 a 5 é agravada em um terço se o agente praticar as condutas de forma habitual ou se for uma das entidades referidas no artigo 3.º ou no artigo 4.º da Lei n.º 83/2017, de 18 de agosto, e a infração tiver sido cometida no exercício das suas atividades profissionais.

9 - Quando tiver lugar a reparação integral do dano causado ao ofendido pelo facto ilícito típico de cuja prática provêm as vantagens, sem dano ilegítimo de terceiro, até ao início da audiência de julgamento em 1.ª instância, a pena é especialmente atenuada.

10 - Verificados os requisitos previstos no número anterior, a pena pode ser especialmente atenuada se a reparação for parcial.

11 - A pena pode ser especialmente atenuada se o agente auxiliar concretamente na recolha das provas decisivas para a identificação ou a captura dos responsáveis pela prática dos factos ilícitos típicos de onde provêm as vantagens.

12 - A pena aplicada nos termos dos números anteriores não pode ser superior ao limite máximo da pena mais elevada de entre as previstas para os factos ilícitos típicos de onde provêm as vantagens.

Ora, no caso, pelos fundamentos já expostos supra no que concerne ao crime de associação criminosa (e para o qual também remete a alínea d) do artigo supra transcrito), importa salientar que, retomando os argumentos já expendidos, sempre estaria afastada a indiciação por este crime.

Vejamos, contudo, se face à factualidade dos autos, existe fundamento para considerar indiciada a prática do crime de branqueamento, tendo em conta o crime indiciado de dano contra a natureza (cf. alínea i) do normativo supra transcrito).

Ora, para o efeito, importa, desde logo, ter em conta que “o fenómeno do branqueamento, comumente designado de branqueamento de capitais, consiste na integração intencional de dinheiro e/ou bens provenientes de atividades ilícitas nos ciclos empresarial e financeiro legal, sendo caracterizado pela tentativa de encobrir a verdadeira fonte ou propriedade dos bens ou fundos e dissimular a sua distribuição final, tentando conferir-lhes aparência de legalidade.” (cf., neste sentido, por todos, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 9.02.2021, proc. 1183/19.1TELSB-B.L1-5, in www.dgsi.pt).

Isto é, a verificação do crime em apreço importa e supõe o desenvolvimento de atividade que, podendo integrar várias fases, visam dar uma aparência de origem legal a bens de origem ilícita, assim encobrindo a sua origem, conduzindo, na maior parte das «um aumento de valores, que não é comunicado ás autoridades legítimas» - cf. Acórdão do TRL de 18.07.2013, citado em anotação ao artigo 368º-A do Código Penal em www.pdglisboa.pt.

Contudo, no caso, a simples constatação da realização de transações em numerário não permite, sem mais, concluir por qualquer ato subsequente de “lavagem” das respetivas quantias, inexistindo na factualidade imputada e indiciada qualquer elemento demonstrativo de uma vontade de conferir a tais montantes uma aparência de origem legal, designadamente mediante “camuflagem” através do sistema bancário ou reintrodução no circuito económico.

Nestes termos, entendemos que, por ora, e sem prejuízo dos ulteriores termos do inquérito, não se afigura possível concluir pela verificação de pressupostos fácticos que permitam a subsunção ao crime em análise.


*

6 – Exigências cautelares e medida de coação a aplicar.

Como é sabido, a aplicação de medida de coação diferente do TIR depende da verificação dos requisitos previstos no art.º 204º do CPP, devendo ter-se em conta os princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade, previstos no artigo 193º do mesmo diploma legal, dando os nº 2 e 3 desta norma especial relevo à subsidiariedade das medidas privativas da liberdade.

Assim, no caso, e no que se reporta concretamente aos arguidos AA, BB, CC, DD, EE, entendemos que, a existir perigo de fuga, o mesmo terá de reportar-se quase unicamente à nacionalidade dos mesmos e, particularmente no que respeita aos arguidos DD e EE, à falta de ligações, designadamente familiares e laborais, ao nosso país.

Com efeito, os demais arguidos vivem em Portugal há largos anos, tendo neste país as suas famílias e atividades profissionais, nenhum facto concreto se vislumbrando no sentido de que os mesmos alguma atuação tenham tido que seja indiciadora de que se preparam para abandonar o país.

Aliás, podemos até, neste momento, concluir o contrário, já que as buscas realizadas em 29.01.2023 não constituíram fator de fuga para os arguidos BB e DD, nem para os demais a eles ligados e, naturalmente, delas conhecedores.

No que se reporta aos arguidos de nacionalidade portuguesa, não se vislumbram quaisquer factos de onde se possa retirar o perigo de fuga.

Não se vislumbra também que existam factos concretos de perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo, sendo certo que, para os presentes autos, já foi carreado todo um manancial de prova, que se tem, assim, por adquirido.

Existe, contudo, evidente perigo de continuação da atividade criminosa quanto a todos os arguidos, considerando a sua forma de atuação, bem como a natureza dos crimes imputados, desde logo atendendo ao pendor altamente lucrativo da atividade em apreço, geradora de rendimentos não alcançáveis com facilidade por via lícita, sendo certo que a atividade em causa é reiterada, apesar das vicissitudes que resultam dos próprios factos imputados (insucesso de exportações, detenção de arguidos aquando do transporte do produto para Espanha, com a inerente perda das vantagens pretendidas) - cf. artigo 204º, nº1, al. c), do CP.

Assim, relativamente aos arguidos que assumem preponderância nos factos, BB e AA, entendemos que o regime coativo, que se impõe mais gravoso, deverá obviar a que os mesmos circulem livremente no território português, assim se evitando viagens aos locais de compra do meixão.

Isto posto, considerando que o tribunal deve reservar as medidas de coação mais gravosas, designadamente privativas da liberdade, para as situações de ultima ratio, e considerando a moldura dos crimes indiciados nos autos, cuja pena é de máximo não superior a 5 (cinco) anos de prisão, entende-se adequado e proporcional aplicar no caso concreto as seguintes medidas de coação, a cumular com os TIR já prestados, designadamente ponderando os respetivos rendimentos e graus de participação:

i) Aos arguidos AA e BB:

a. apresentações periódicas tri-semanais, às 3ªs, 5ªas e domingos, no posto policial da respetiva área de residência - artigo 198º, nº1, do CPP;

b. proibição de contactos com os demais arguidos – artigo 200º, nº1, al. d), do CPP;

c. proibição de aquisição, uso, detenção ou transporte de utensílios relacionados com a captura, manutenção, transporte de quaisquer espécies protegidas, designadamente do meixão – artigo 200º, nº1, al. e), do CPP;

d. proibição de se ausentarem dos concelhos das respetivas áreas de residência sem autorização do tribunal – artigo 200º, nº1, al. b), do CPP.

e. prestação individual, no prazo máximo de 10 dias, de caução no valor de €

10.000,00 (dez mil euros) – artigo 197º, nº1, do CPP.

ii) Aos arguidos CC, DD, e EE:

a. apresentações periódicas bi-semanais, às 4ªs e 6ªs feiras, no posto policial da respetiva área de residência - artigo 198º, nº1, do CPP;

b. proibição de contactos com os demais arguidos (com exceção dos que têm entre si laços familiares ou residência comum) – artigo 200º, nº1, al. d), do CPP;

c. proibição de aquisição, uso, detenção ou transporte de utensílios relacionados com a captura, manutenção, transporte de quaisquer espécies protegidas, designadamente do meixão – artigo 200º, nº1, al. e), do CPP;

d. proibição de se ausentarem do território de Portugal Continental sem autorização do tribunal – artigo 200º, nº1, al. b), do CPP.

iii) Aos arguidos FF, GG e HH:

a. apresentações periódicas tri-semanais, às terças, quintas e sábados, no posto policial da respetiva área de residência - artigo 198º, nº1, do CPP;

b. proibição de contactos com os demais arguidos (com exceção dos que têm entre si laços familiares) – artigo 200º, nº1, al. d), do CPP;

c. proibição de aquisição, uso, detenção ou transporte de utensílios relacionados com a captura, manutenção, transporte de quaisquer espécies protegidas, designadamente do meixão – artigo 200º, nº1, al. e), do CPP;

Os arguidos de nacionalidade chinesa [14] que tiverem na sua posse os seus passaportes, deverão entregá-los à guarda do tribunal de imediato, ou no prazo de 48 horas caso não seja possível a entrega imediata – art. 200.º, nº3, do C.P.P..

Notifique.

Comunique ao SEF.

Restitua os arguidos à liberdade […]».


*

Antes de se entrar na apreciação do recurso apresentado pelo Ministério Público, importa recordar o seguinte conjunto de princípios gerais a que a lei processual penal sujeita a aplicação das medidas de coação:

-- princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade: as medidas de coação devem ser necessárias e adequadas às exigências cautelares que o caso requerer (a medida deve ser idónea para satisfazer as necessidades cautelares do caso concreto) e proporcionais à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas (art.º 193º, nº 1 do Código de Processo Penal), desdobrando-se o último num critério quantitativo: a medida de coação deve ser proporcionada à gravidade do crime, tomando-se em consideração a medida abstrata da pena e fazendo-se uma prognose da pena que em concreto virá a ser aplicada ao arguido; e num critério qualitativo: tem-se em conta o comportamento e personalidade do arguido;

-- princípio da subsidiariedade das medidas de coação privativas da liberdade (prisão preventiva e obrigação de permanência na habitação) – art.º 193º, nº 2, 201º, nº 1 e 202º, nº 1, todos do Código de Processo Penal [15].

O respeito pelo princípio da subsidiariedade impõe considerar sempre a prisão preventiva como uma medida de natureza excecional que só pode ser aplicada como extrema ratio, quando nenhum outro meio se perfile ou anteveja como adequado e suficiente [16].

Por outro lado, impõe-se que se verifiquem os denominados pericula libertatis (art.º 204º do Código de Processo Penal):

a) fuga ou perigo de fuga (perigo concreto e não mera probabilidade, sendo certo que se tem que ter presente que estamos perante um perigo, não se confundindo com existência de atos preparatórios da fuga); ou

b) perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova (perigo concreto a que não seja possível obstar com outros meios); ou

c) perigo, em razão da natureza e circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de que este continue a atividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem e a tranquilidade públicas (função cautelar com validade no próprio processo e não medida de segurança alheia ao processo em que é aplicada) [17].

Feitas estas considerações, apreciemos, então, os fundamentos do recurso interposto pelo Ministério Público – que, como vimos, considera, por um lado, que, diversamente do que foi entendido pelo tribunal a quo, encontra-se já suficientemente indiciada a prática pelos arguidos de um crime de associação criminosa e, por outro, que as medidas cautelares determinadas mostram-se insuficientes para garantir as exigências cautelares verificadas no caso concreto (em particular, os perigos de fuga e de continuação da atividade criminosa) que, pela sua gravidade e premência, só a prisão preventiva poderá acautelar adequadamente.


*

Sob o título “prisão preventiva”, estabelece o n.º 1, do art.º 202.º, do Código do Processo Penal:

“1 - Se considerar inadequadas ou insuficientes, no caso, as medidas referidas nos artigos anteriores, o juiz pode impor ao arguido a prisão preventiva quando:

a) Houver fortes indícios de prática de crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a 5 anos;

b) Houver fortes indícios de prática de crime doloso que corresponda a criminalidade violenta;

c) Houver fortes indícios de prática de crime doloso de terrorismo ou que corresponda a criminalidade altamente organizada punível com pena de prisão de máximo superior a 3 anos;

d) Houver fortes indícios de prática de crime doloso de ofensa à integridade física qualificada, furto qualificado, dano qualificado, burla informática e nas comunicações, recetação, falsificação ou contrafação de documento, atentado à segurança de transporte rodoviário, puníveis com pena de prisão de máximo superior a 3 anos;

e) Houver fortes indícios da prática de crime doloso de detenção de arma proibida, detenção de armas e outros dispositivos, produtos ou substâncias em locais proibidos ou crime cometido com arma, nos termos do regime jurídico das armas e suas munições, puníveis com pena de prisão de máximo superior a 3 anos;

f) Se tratar de pessoa que tiver penetrado ou permaneça irregularmente em território nacional, ou contra a qual estiver em curso processo de extradição ou de expulsão.”.

A natureza indiciária da prova significa que não se exige prova plena, mas apenas a probabilidade, fundada em elementos de prova que, conjugados, convençam da possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada uma pena ou medida de segurança criminal [18].

Como nos dá conta o acórdão do STJ de 28/8/2018 [19], quando na fase de inquérito, para a fixação da medida de coação da prisão preventiva, se alude, como no art.º 202.º, n.º 1, als. a) a e), a fortes indícios, o que se pretende é inculcar a ideia de que o legislador não permite que se decrete a medida com base em meras suspeitas, mas exige que haja já sobre a prática de determinado crime uma «base de sustentação segura» quanto aos factos e aos seus autores que permita inferir que o arguido poderá por eles vir a ser condenado e que, por conseguinte, essa base de sustentação deverá ser constituída por «provas sérias», provas que deixem uma impressão já nítida da responsabilidade do arguido objetivadas a partir dos elementos recolhidos.

Sendo diferente o contexto probatório em relação ao (primeiro) momento da aplicação da medida de coação e ao momento da acusação, poderá então afirmar-se que de certo modo se equivalem o conceito de «fortes indícios» usado no art.º 202.º e o de «indícios suficientes» explicitado no art.º 283.º, n.º 2 CPP: aqueles como estes pressupõem a possibilidade de ao arguido vir a ser aplicada em julgamento uma pena, devendo ter idoneidade bastante para tal.

Mas aferida essa idoneidade pela circunstância de serem usados perante realidades processuais distintas. “Fortes indícios”, tendo em conta que a medida de coação é fixada ainda numa fase de aquisição da prova, configurando-se esse conceito como uma exigência de que ela não se apoie numa débil consistência probatória, mas antes em elementos probatórios já de solidez suficiente embora, porventura, não bastantes ainda para deduzir uma acusação. “Indícios suficientes”, no sentido em que, finda essa fase de investigação e aquisição da prova eles terão então de possuir, força necessária e solidez vincada, para deles resultar uma possibilidade razoável de em julgamento ser aplicada uma pena ao arguido.
No presente caso, insurge-se o recorrente relativamente à consideração do juiz de instrução criminal de que, dos elementos probatórios indiciários recolhidos no inquérito, ainda não é possível afirmar, com um mínimo de certeza e razoabilidade, que os arguidos tenham constituído ou posteriormente aderido a uma associação criminosa digna desse nome.
Revendo a nossa posição firmada no acórdão proferido no processo n.º 5148/20.2JAPRT-A.P1, datado de 10/3/2021, cremos que assiste razão ao recorrente quanto à consideração de que o crime de associação criminosa já se encontra suficientemente indiciado, pelas razões que passaremos a explicitar.
O bem jurídico acautelado pela incriminação da associação criminosa é a paz pública, “no sentido das expectativas sociais de uma vida comunitária livre da especial perigosidade de organizações que tenham por escopo o cometimento de crimes” (Figueiredo Dias, “Comentário Conimbricense ao Código Penal – Parte Especial”, Coimbra Editora, 1999, Tomo II, pág.1157).
A razão de ser da incriminação das associações criminosa acolhe-se na perigosidade acrescida que para os bens jurídicos penalmente relevantes resulta, em geral, da criminalidade organizada. O legislador, numa clara opção de política criminal, antecipa a tutela penal para o momento anterior ao da efetiva perturbação da segurança e tranquilidade públicas, mas em que já se criou um especial perigo de perturbação que só por si viola a paz pública. Daí que dogmaticamente se integre a infração na categoria dos crimes de perigo abstrato [20], “todavia assente num substrato irrenunciável: a altíssima e especialíssima perigosidade da associação, derivada do seu particular poder de ameaça e dos mútuos estímulos e contra-estímulos de natureza criminosa que aquela cria nos seus membros” (Figueiredo Dias, “Comentário Conimbricense ao Código Penal”, Coimbra Editora, 1999, pág.1157).
Sobre os elementos do tipo legal do crime de associação, são fundamentalmente duas as posições que têm vindo a ser defendidas, como nos dá conta Anabela Morais no estudo intitulado “Controvérsias do crime de associação criminosa (análise do tipo legal)”, publicado na Julgar Online (Dezembro de 2019), e que aqui seguimos de perto.
Para uma primeira corrente jurisprudencial que se firmou ao longo de largos anos, recensearam-se como elementos constitutivos do tipo objetivo os seguintes:
1. Elemento organizativo: a existência de uma associação, grupo ou organização.
No n.º 5 do citado artigo 299.º do Código Penal, aditado pela Lei 59/2007, estipulou o legislador que “Para os efeitos do presente artigo, considera-se que existe grupo, organização ou associação quando esteja em causa um conjunto de, pelo menos, três pessoas, atuando concertadamente durante um certo período de tempo”.
Constitui, assim, requisito essencial da associação, grupo ou organização, o acordo de vontades de, pelo menos, três elementos tendo em vista a concertação para fins criminosos.
Paulo Pinto Albuquerque situa o crime de associação criminosa na modalidade de crime de convergência, ou seja, aquele em que os contributos dos vários comparticipantes para o facto se dirigem, na mesma direção, à violação do bem jurídico (“Comentário do Código Penal”, 2008, pág. 753). A união, voluntária, entre os três elementos não tem que assumir figura próxima de uma sociedade civil ou comercial, nem é necessário qualquer ato formal de constituição da associação entre os seus elementos, bastando a distribuição de funções na realização de um projeto comum, tendo cada elemento consciência da sua tarefa ou tarefas atribuídas na atuação concertada visando a concretização desse projeto. Não é de exigir o conhecimento mútuo entre todos os associados, nem a necessidade da sua reunião, sendo indiferente o momento em que cada um aderiu ao projeto criminoso.
Na estrutura exigida para que de associação criminosa se possa falar, não existem limiares mínimos de organização, hierarquização, funcionamento ou divisão de trabalho. Conforme se referiu, basta a “distribuição” de tarefas entre os diversos elementos que a integram e que cada membro saiba qual a tarefa que lhe cabe na realização do projeto comum, podendo estar atribuído, a todos os seus elementos, as mesmas ou diversas funções associadas a esse fim. Ensinava, a este propósito, o Professor Beleza dos Santos, “Não é necessário que possua qualquer grau de organização específica. Não é necessário que ela tenha uma sede, um lugar determinado de reunião. Não é mesmo essencial que os seus membros se reúnam e nem sequer que se conheçam. Não é preciso que tenha um comando ou uma direção que lhe dê unidade de impulso, nem que possua qualquer convenção reguladora da sua atividade ou da distribuição dos seus encargos e lucros” (in “O Crime de Associação de Malfeitores”, Revista de Legislação e Jurisprudência, 70.º, pág. 97 e seguintes).
Em suma, a estrutura do grupo, organização ou associação [21], pode ser rudimentar, sendo exigível, apenas, que entre os seus membros se observem laços de disciplina. A dinâmica de uma associação criminosa pode assentar na existência de vários dirigentes; pode ser dirigida por um grupo; pode resultar do desempenho, por alguns dos elementos, de tarefas de maior relevância, de entre as tarefas distribuídas; ou, simplesmente, da distribuição de tarefas pelos diversos membros, sem existir qualquer “comando” ou “direção” que lhe confira unidade de impulso.
A consumação do crime verifica-se logo que o grupo, organização ou associação sejam criados, independentemente do começo de execução de qualquer dos crimes que se propôs levar a cabo. “Ainda que a associação se dissolva logo depois de constituída e por isso não tenha na realidade durado, não deixa de existir o crime, se tiver havido nos associados a resolução de a constituir para durar “(Professor Beleza dos Santos, RLJ, Ano 70.º, pág. 97 e seguintes) [22].
Sendo o cerne da associação criminosa a verificação da existência da associação, a execução dos crimes que sejam o seu objeto ou fim constituem crimes autónomos e diversos, existindo uma relação de concurso efetivo entre o crime de associação criminosa e os crimes da associação, por serem diversos os bens jurídicos protegidos com a incriminação da associação criminosa e os bens protegidos em cada um dos crimes-fim, sendo certo que o autor do crime de associação criminosa não tem necessariamente de ser o autor do crime-fim que constitui o escopo da associação.
2. Elemento da finalidade criminosa: “o grupo, organização ou associação cuja finalidade ou atividade seja dirigida à prática de um ou mais crimes”, sendo este o projeto comum.
Para a verificação deste elemento não é necessário que existam crimes concretos, cometidos ou planeados, apenas que a associação se proponha essa prática. O escopo desviante não tem que estar estabelecido à partida, podendo surgir numa fase em que a associação já esteja em funções e não carece de ser o único objetivo, nem sequer o principal, da associação. “O fim criminoso da associação pode ser principal, concomitante ou acessório na vida da organização, impondo-se, contudo, que se trate de crimes (do direito penal primário ou secundário) e não apenas contra-ordenações“(cf. Paulo Pinto de Albuquerque, “Comentário do Código Penal à Luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem”, Universidade Católica Editora, 3ª edição, pág. 1038, nota 6 ao artigo 299.º).
3. Elemento da estabilidade associativa: o grupo, organização ou associação deve ter “certa duração temporal”; estabilidade ou permanência. Significa que se verifica este elemento constitutivo quando um conjunto de, pelo menos, três pessoas, se unam voluntariamente para cooperar na realização de um fim ou fins comuns e essa união possua ou queira possuir uma certa permanência ou estabilidade. Este elemento afasta as situações de mera agregação momentânea ou casual de uma pluralidade de pessoas, porquanto exige que o grupo, organização ou associação viva, ou ao menos se proponha viver, como reunião estável de diversas pessoas ligadas entre si com o fito de delinquir e norteadas pela atuação de um programa criminoso. A duração não tem de ser “a priori” determinada, mas tem de existir para permitir a realização do fim criminoso da associação.
O tipo subjetivo admite qualquer modalidade de dolo.
Constituem elementos subjetivos do tipo de ilícito: a. o elemento intelectual: o conhecimento (a representação) pelo agente de todos os elementos constitutivos do tipo objetivo do ilícito: que existe um grupo, organização ou associação de que o agente é promotor, fundador, membro, apoiante, chefe ou dirigente; e de que constitui escopo da organização a prática de crimes [23] ; b. o elemento volitivo: sendo admissível qualquer modalidade de dolo, basta que o agente represente a possibilidade de ser membro ou estar a apoiar um grupo, organização ou associação criminosa, e se conforme com essa possibilidade.
Em suma, para esta posição, é essencial para o preenchimento do conceito de associação criminosa a existência de um acordo de vontades, ainda que de forma tácita, entre três ou mais pessoas, para cooperarem na realização de um projeto comum – a prática de um ou mais crimes -; que essa união possua ou queira possuir uma certa permanência ou estabilidade; e que entre os seus membros se observem laços de disciplina e tenham agido conjugada e concertadamente, com repartição de funções. O fim abstrato e o elemento de permanência temporal distinguem a «associação criminosa» da «comparticipação», simples acordo conjuntural para se cometer um crime em concreto. Na coautoria, existe, a cada momento, a decisão de cometer determinado crime. Diversamente, na associação criminosa existe um projeto e a cooperação entre si dos seus elementos na realização desse fim criminoso.
Esta posição é defendida pelo Professor Beleza dos Santos: «São elementos típicos desta infração: a) A existência de uma associação e b) a sua finalidade criminosa. Examinemos separadamente cada um deles. a) É essencial que haja uma associação, isto é, que diversas pessoas se unam voluntariamente para cooperar na realização de um fim ou fins comuns e que essa união possua ou queira possuir uma certa permanência ou estabilidade. A agregação casual ou momentânea de uma pluralidade de pessoas, embora para a realização de um fim, é uma reunião e não uma associação. Para existir o crime a que nos estamos referindo, é preciso (…) que a associação deva viver, ou ao menos propor-se viver, como reunião estável de diversas pessoas ligadas entre si pelo propósito de delinquir e tendo em vista a atuação de um programa criminoso. O que caracteriza este primeiro elemento do crime é, por isso, a união de diversas pessoas, para cooperarem, com uma certa permanência de esforços, num fim comum. Será, porém, necessário que haja uma certa organização, quer dizer, uma direção, uma disciplina, uma hierarquia, uma sede ou lugar de reunião, uns estatutos ou uma convenção para regular os direitos ou deveres comuns a especialmente a partilha de lucros? (…) O confronto das disposições que citamos e a análise do seu teor e razão de ser levam-nos, porém, nitidamente a uma conclusão oposta.” (Revista de Legislação e Jurisprudência, “O crime de Associação de Malfeitores (interpretação do artigo 263.º do Código Penal)”, Ano 70, págs. 97 e 98).
Quanto ao elemento “finalidade criminosa”, escreveu o Professor Beleza dos Santos “Um outro elemento essencial (…) é que a associação tenha em vista a prática de crimes. Se a união de diferentes pessoas apenas se fez para a realização de um ou mais crimes determinados, não tendo, porém, carácter permanente, poderá existir comparticipação criminosa, mas não haverá uma associação para delinquir. A primeira implica a cooperação de diferentes pessoas em um ou mais crimes. A segunda a associação estável de diversas pessoas com o propósito genérico de praticar uma pluralidade de crimes.”. Neste sentido, por referência ao crime de associação criminosa para o tráfico de estupefacientes, decidiu o Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão proferido em 1/6/1994, no processo n.º 45272 (CJSTJ 1994, Ano II, Tomo II, pág. 242, e BMJ n.º 438, pág. 154): «Para a existência do crime de associação criminosa para o tráfico de estupefacientes, previsto no artigo 28 .º do DL n.º 15/93, basta que os agentes tenham agido concertadamente, visando o tráfico de droga, com repartição de funções e que a sua ligação e concertação tenham sido prolongadas e não meramente ocasionais.»
Para uma segunda corrente jurisprudencial, que igualmente se foi firmando, só se pode falar em associação criminosa quando o encontro de vontades dos agentes – em qualquer das modalidades que pode assumir a ação típica – tenha dado origem a uma realidade autónoma, diferente e superior às vontades e interesses dos singulares membros.
De acordo com esta posição, só ocorrerá um crime de associação criminosa com a existência de “um sentimento de ligação por parte dos membros da associação (não, ou não só, ao seu chefe ou líder, se o houver, mas, ou também) a algo que, transcendendo-os, se apresenta como uma unidade diferente de qualquer uma das individualidades componentes” (Figueiredo Dias, “Comentário Conimbricense ao Código Penal”, Coimbra Editora, 1999, pág.1160).
Neste sentido, concluem Jorge Figueiredo Dias e Manuel da Costa Andrade: “[…] só pode afirmar-se a existência daquele elemento quando comprovadamente se verifique uma realidade fáctica transcendental em cujo nome e interesse atuam as pessoas individuais nele integradas. Concretamente, nunca se pode falar de associação criminosa quando os agentes se propõem praticar e praticam quaisquer infrações em nome e no interesse próprio, mesmo que para o efeito tenham que recorrer à colaboração mais ou menos organizada, mais ou menos duradora de outras pessoas. Em tal caso, deverá ser no contexto da doutrina geral, nos termos do regime da comparticipação que há de aferir-se da responsabilidade individual dos intervenientes singulares” (“Associações Criminosas. Artigo 287.º do Código Penal”, CJ Ano X, 1985, tomo IV, pág. 18).
Contudo, e como bem faz notar o recorrente, a suposta exigência de “uma realidade autónoma, diferente e superior às vontades e interesses dos singulares membros”, de “um centro autónomo de imputação fáctica das ações prosseguidas em nome e no interesse do conjunto”, não constava da letra da lei, nem tal elemento foi incluído, pelo legislador, em 2007, no tipo legal de crime.
Não existe, na letra da lei, qualquer delimitação do âmbito da figura da associação criminosa, mediante a exigência de verificação de uma “realidade transcendente à vontade e interesses individuais” das pessoas que atuam concertada e duradouramente e que, por ser transcendente, essa realidade funcione como centro autónomo de imputação e motivação. Como observa Anabela Morais (no texto já citado e que aqui seguimos de perto), nem se alcança como dessa curiosidade subjetiva de abstração engendrada no íntimo de cada um dos membros de uma associação criminosa possa resultar maior dignidade penal ou maior perigo.
Considerando o bem jurídico protegido e a justificação política-criminal da incriminação das associações criminosas, não existe qualquer razão para o legislador pretender apenas punir os membros de uma associação que estivessem “dotados de uma vontade especialíssima”, de uma vontade coletiva, dissociada da vontade e interesses individuais. A conjugação de vontades e esforços, durante certo período de tempo, perdurando o projeto comum – a finalidade criminosa – e o manancial de meios humanos, é uma realidade verificável, tipicamente relevante, sendo “consensual o reconhecimento da extrema perigosidade destas organizações”.
Como assinala a autora no estudo que aqui seguimos de perto e reproduzimos, impor a indagação de “uma realidade transcendente à vontade e interesses individuais”, além de contrariar o princípio da legalidade – por exigir um elemento não constante da lei – e as razões de política criminal que motivaram a tutela antecipada, conferida pelo legislador à “paz pública” – bem jurídico tutelado com a incriminação das associações criminosas -, conduz ao esvaziamento de utilidade da incriminação das associações criminosas, porquanto exige, para a punição pela prática do crime de associação criminosa, a verificação de uma realidade inexistente ou raramente verificável e que nada acrescenta ao perigo típico.
A posição da doutrina que exige, no recorte interno da atitude de cada membro, um esforço de abstração da sua vontade, como sendo a vontade da associação, defendendo que essa atitude subjetiva se encontra na órbita do tipo (mas que, na verdade, não está no tipo), não serve qualquer princípio do direito penal, nem congrega qualquer esforço válido interpretativo. Contudo, essa posição tem um efeito imediato: torna necessária a busca de uma realidade subjetiva que, por regra, não existe no espírito dos agentes do crime, assim se procurando indagar uma atitude estranha nos membros - a tal transcendência e abstração da associação -, e, por isso, está dado o passo para inutilizar a punição por este tipo crime.
Em linha com a norma paralela constante do Código Penal, dispõe o artigo 89.º da Lei n.º 15/2001, de 5 de junho, com as alterações introduzidas pela Lei 64-B/2011 (Regime Geral das Infrações Tributárias), sob a epígrafe “associação criminosa”, o seguinte: «1 – Quem promover ou fundar grupo, organização ou associação cuja finalidade ou atividade seja dirigida à prática de crimes tributários é punido com pena de prisão de um a cinco anos, se pena mais grave não lhe couber, nos termos de outra lei penal. 2 – Na mesma pena incorre quem apoiar tais grupos, organizações ou associações, nomeadamente fornecendo armas, munições, instrumentos de crime, armazenagem, guarda ou locais para as reuniões, ou qualquer auxílio para que se recrutem novos elementos. 3 – Quem chefiar, dirigir ou fizer parte dos grupos, organizações ou associações referidos nos números anteriores é punido com pena de prisão de 2 a 8 anos, se pena mais grave não lhe couber, nos termos de outra lei penal. 4 – As penas referidas podem ser especialmente atenuadas ou ter lugar a punição se o agente impedir ou se esforçar seriamente para impedir a continuação dos grupos, organizações ou associações, ou comunicar à autoridade a sua existência, de modo a esta poder evitar a prática de crimes tributários».
Basta, assim, como observa o recorrente, que o agrupamento tenha apenas alguma estrutura: utilizando a definição do artigo 2.º, alínea a), das Convenção das Nações Unidas contra a Criminalidade Organizada Transnacional, que seja «formado de maneira não fortuita para a prática imediata de uma infração e cujos membros não tenham necessariamente funções formalmente definidas, podendo não haver continuidade na sua composição nem dispor de uma estrutura desenvolvida».
Assinala Albano Manuel Morais Pinto (in “Comentário das Leis Penais Extravagantes”, Paulo Pinto de Albuquerque e Jorge Branco, Universidade Católica Editora, Vol. I, pág. 106 e seguintes; anotação 4 ao artigo 184.º): «Não parece ter sido outro o sentido com que o Projeto da mesma Convenção foi acolhido pelos Estados da União Europeia quando, no artigo 1.°, n.º 3, da Posição Comum de 29 de Março de 1999, definida pelo Conselho com base no artigo K.3 do Tratado da União Europeia, relativa á Proposta de Convenção das Nações Unidas contra a criminalidade organizada (Posição 1999/235/JAl, publicada no J.O. n.º L087 de 31/3/1999, pp.1 e s.) se estabeleceu que os Estados Membros apoiariam as disposições desse Projeto enquanto ele fosse "aplicável de forma tão ampla quanto possível às atividades de organizações criminosas e à cooperação internacional no combate a essas organizações" e as suas "relevantes disposições" incluíssem "as atividades de pessoas, atuando concertadamente com o objetivo de praticar crimes graves, envolvidas em qualquer organização criminosa que disponha de uma estrutura e que seja, ou tenha sido, constituída por um determinado período de tempo", para logo de seguida, se acrescentar que elas "não deveriam limitar-se a grupos dotados de uma estrutura altamente desenvolvida ou de natureza duradoura, tais como as organizações mafiosas" e que "os participantes nas organizações não tinham de ter necessariamente papéis formalmente definidos dentro delas ou de nelas participar de forma continuada (artigo 1.º n.º 3).
E conclui o autor: «[...] Não obstante os anos decorridos, ainda devem ter-se como plenamente, válidos os ensinamentos de Beleza dos Santos, na medida em que traduzem uma interpretação conforme, não apenas com a Convenção de Palermo, mas também com a referida Ação Comum e, se se quiser, com o alcance que foi dado a essa Ação quando, através da citada Posição comum assumida pela União Europeia, em 29 de Março de 1999, a propósito da proposta daquela Convenção e dos seus Protocolos (Posição 1999/2357JAI), (também) se estabeleceu, por um lado, que os Estados Membros garantiriam que as disposições da mesma proposta, relativas á obrigação de considerar determinadas atividades como criminosas, não seriam incompatíveis com os artigos 1.º e 2.º da Ação Comum em causa (n.º 2 do artigo 1.° da mesma Posição) e, por outro, e como se referiu, se reafirmou a desnecessidade da ideia de uma estrutura desenvolvida, a par de outro requisitos como a definição de papéis dos seus membros (cf., uma vez mais, artigo 1.º, n.º 3 da Posição).
E que deve ser este o entendimento resulta, hoje, também, de forma clara do atual artigo 299.° do Código Penal, que, como que antecipando a Decisão — Quadro 2008/841/JAI ou dando mesmo aplicação ao carácter genérico da Ação Comum 98/733/JAI, veio, com a Reforma de 2007, dar a forma de lei, precisamente á posição que, por força do princípio da interpretação conforme o Direito Comunitário", já se deveria ter como a mais adequada em face do artigo 1.º dessa Ação.
Aí, com efeito, se estabelece, sob o n.° 5, que "considera-se que existe grupo, organização ou associação quando esteja em causa um conjunto de, pelo menos, três pessoas, atuando concertadamente durante um certo período de tempo" e, desta forma, coloca-se, claramente, o traço individualizador da associação, relativamente à comparticipação, nessa permanência temporal, como que em "uma affectio societatis para o crime, que, de forma alguma existe" naquela [para utilizarmos as palavras porque (também) atuais, do Ac. do ST], de 17/4/1997, BMJ 466, p. 243, principalmente] ..."
É esta a solução interpretativa que melhor se coaduna com o elemento literal, o bem jurídico tutelado e a justificação política-criminal da incriminação das associações criminosas. Para além disso, só esta interpretação é conforme com o direito internacional convencional e com o direito comunitário europeu, vigentes no ordenamento jurídico português (cf. o art.º 8.º da CRP), designadamente com o disposto no artigo 1.°, no artigo 2.°, alíneas a) e c), no artigo 3.°, n.° 1, alínea a), no artigo 5.° e no artigo 34.°, n.° 3 da Convenção das Nações Unidas Contra a Criminalidade Organizada, e no artigo 1.°, no artigo 2.°, alíneas a) e c), no artigo 3.°, n.° 1, alínea a), no artigo 5.° do Anexo I da Decisão 2004/579/CE, de 29 de abril de 2004, do Conselho, relativa á celebração da Convenção das Nações Unidas Contra o Crime Organizado Transnacional, e nos artigos 1.° e 2.° da Decisão-Quadro 2008/841/JAI do Conselho, de 24 de outubro de 2008.
Como bem salienta o recorrente, o caso vertente insere-se no fenómeno a que a Europol denomina como "(t)he multi-billion euro trafficking of the european Eel (Anguilla anguilla) (Europol, "Environmental Crime in the age of climate change", Threat assessment, 2022, pág. 24), em que "redes criminosas chinesas e europeias cooperam nas diferentes fases desta atividade criminosa" (Europol, "Environmental Crime in the age of climate change", Threat assessment, 2022, pág. 25), para efetuarem "o transporte para a Ásia (...) durante um curto período de tempo, uma vez que os espécimes vivos só podem viajar durante 40 a 48 horas", "empregando numerosas mulas", "frequentemente asiáticos detentores de cidadania europeia ou de autorizações de residência, para viajar por via aérea com as enguias de vidro escondidas no interior de sacos de plástico cheios de água ou caixas de plásticos de esferovite nas suas malas", continuando "a China a ser o principal destino (frequentemente alcançada via Hong Kong)" (Europol, "Environmental Crime in the age of climate change", Threat assessment, 2022, pág. 26).
No presente caso, os elementos de facto e a prova indiciária disponível à data da prolação da decisão recorrida são claramente suficientes para revelar a existência de uma organização composta, entre outros, pelos arguidos/recorridos, que, ao longo do tempo, desde data não concretamente apurada, mas situada, pelo menos, no ano de 2022, dedicou-se, de forma concertada, organizada e em permanente conjugação de esforços para alcançar o objetivo comum de obter o maior benefício económico:
a) Á captura de meixão em território nacional sem que para tanto se encontrem devidamente autorizados para o efeito e em locais onde é proibida a sua captura.
b) Á compra e á venda de meixão ilicitamente capturado em território nacional, sem que, para tanto, concedam ou possuam qualquer fatura comprovativa da aquisição, em lota ou através de venda direta, dos exemplares de enguia europeia.
c) Á detenção, armazenamento e circulação, no interior de território nacional, de meixão ilicitamente capturado em território nacional, sem que, para tanto, possuam fatura comprovativa da aquisição, em lota ou através de venda direta, dos exemplares de enguia europeia, nem guia de remessa nem guia de transporte nem quaisquer outros documentos equivalentes essenciais para a obtenção, junto do I.C.N.F., do concernente Certificado Comunitário, que também nunca possuíram, comprovativo da origem legal dos espécimes, que autorizasse a sua detenção e a sua circulação no interior do país.
d) A retirar do território nacional, por via terrestre, de meixão, ilicitamente capturado em Portugal, sem o apresentar às autoridades aduaneiras e sem que, para tanto, possuíssem os documentos legalmente exigíveis, no caso, licença de captura ou fatura comprovativa de aquisição, documento de transporte, Certificado Comunitário e Licença de Exportação, emitida pelo ICNF a partir daquele Certificado.
e) A angariar terceiros que, posteriormente, retiram, do interior do território nacional, por via aérea, meixão, ilicitamente capturado em Portugal, sem o apresentar às autoridades aduaneiras e ocultando-o no interior de bagagens nos aeroportos Francisco Sá Carneiro, no Porto, e Humberto Delgado, em Lisboa, sem que, para tanto, possuam os documentos legalmente exigíveis, no caso, licença de captura ou fatura comprovativa de aquisição, documento de transporte, Certificado Comunitário e Licença de Exportação, emitida pelo ICNF a partir daquele Certificado, que autorizasse a saída de meixão de Portugal.
Encontra-se, assim, indiciada a prática dos crimes de associação criminosa, previstos e puníveis pelos artigos 89.° do RGIT e 299.° do Código Penal, porquanto, ao longo do tempo e desde, pelo menos, o ano de 2022, os arguidos/recorridos integraram-se em grupo que:
a. Utilizou mais do que um armazém para manter, conservar e armazenar meixão;
b. Utilizou vários veículos automóveis para transportar meixão, quer no interior, quer no exterior do território nacional;
c. Deteve rede estruturada de pescadores e intermediários nacionais que procederam, concertadamente, à venda de meixão no interior do território nacional;
d. Deteve rede estruturada de elementos que procedeu, de forma concertada, à manutenção e conservação de meixão em armazéns, com vista à posterior retirada de território nacional e exportação dos espécimes de meixão adquiridos aos pescadores e intermediários nacionais;
e. Deteve rede de contactos para a compra e venda de meixão em países terceiros, como em França e no Senegal, locais para onde pretendiam enviar, por via aérea, o meixão apreendido nos autos;
f. Deteve rede de contactos de indivíduos de nacionalidade chinesa, com visto de residência em Espanha, para contactarem com “mulas” espanholas (cf., por exemplo, fis. 29j) a 29k) do Apenso G; cf. fls. 42 43 do Apenso H) e para auxiliarem no transporte, por via terrestre, de meixão para França (cf., por exemplo, fls. 4581 a 4598);
g. Deteve rede estruturada, a nível internacional, de pessoas de nacionalidade senegalesa, espanhola e que residem fora do território nacional, como, por exemplo, em França e em Espanha, que transportaram, por via aérea, meixão;
h. Deteve rede estruturada de compradores ou, pelo menos, transportadores no Senegal, em Espanha e em França que receberam o meixão que transportaram desde Portugal;
i. Deteve meios para retirar meixão do território nacional, quer por via aérea, quer por via terrestre;
j. Deteve meios para albergar outros cidadãos chineses, tais como DD e EE, que residem no domicílio de AA, para que estes pratiquem, no seio do grupo criminoso organizado, crimes de dano contra a natureza, de contrabando de circulação e de contrabando qualificados;
k. Deteve elevadas quantias monetárias para comprar meixão aos seus intermediários nacionais e, bem assim, para pagar viagens de avião, estadias em hotéis e refeições a “mulas” que transportam, por via aérea, o meixão;
l. Deteve elevadas quantias monetárias para poder continuar a desenvolver tais atividades apesar de contratempos decorrentes de apreensões de meixão pelas autoridades aeroportuárias e policiais.

*

Encontrando-se indiciariamente demonstrado o crime de associação criminosa, analisemos se as medidas de coação aplicadas são adequadas a prevenir as exigências cautelares verificadas no caso concreto ou se, pelo contrário, revela-se necessária a aplicação da mais gravosa medida coativa – a prisão preventiva -, como defende o MP/recorrente [24].

Como se reconhece no acórdão deste TRP, de 14/1/2015 [25], a prisão preventiva é, irrecusavelmente, a medida coativa mais eficaz, aquela que, em princípio, satisfaz plenamente as exigências cautelares de qualquer processo.

No entanto, é, simultaneamente, a mais gravosa e por isso só deve ser aplicada e mantida desde que outras, menos penosas, se mostrem inadequadas ou insuficientes.

A este propósito salienta-se no acórdão do TRL de 4/5/2022 (in www.dgsi.pt) que o princípio da necessidade «consiste em que o fim visado pela concreta medida de coação (…) decretada não pode ser obtido por outro meio menos oneroso para os direitos do arguido, estando essas medidas previstas, em consonância, numa escala de crescente gravidade a partir do TIR, passando por outras não privativas da liberdade até às duas mais graves - a obrigação de permanência na residência e a prisão preventiva -, que “só podem ser aplicadas quando se revelarem inadequadas ou insuficientes as outras medidas de coação” (cf. nº 2 daquele preceito), devendo, ainda assim, ser dada preferência à primeira sempre que ela se revele suficiente para satisfazer as exigências cautelares” (cf. nº 3 do mesmo preceito)»[26].

Relativamente ao “perigo de continuação da atividade criminosa” importa assinalar que este decorrerá de um juízo de prognose de perigosidade social do arguido, a efetuar a partir de circunstâncias anteriores ou contemporâneas à conduta que se encontra indiciada e sempre relacionada com esta (art.º 204º, al. c) do Código de Processo Penal), e concordamos com o tribunal a quo e com o MP/recorrente quando assinala que tal perigo se verifica por referência à totalidade dos arguidos/recorridos [27].

Com efeito, não temos dúvidas de que, no caso concreto, o modo de execução dos crimes por que os arguidos se encontram fortemente indiciados - dada a intensidade dolosa, o nível de organização implementado, a eficácia e determinação com que os arguidos/recorridos agiram de forma concertada com os demais -, ilustra, de forma notória, o perigo de continuação da atividade criminosa,[28] e que este dificilmente poderá ser contido mediante a aplicação das medidas de coação concretamente aplicadas, que, por isso, se nos afiguram inadequadas.
Analisando, em primeiro lugar, a situação do arguido AA, importa assinalar que assume um papel predominante, provavelmente de liderança, dentro da estrutura do grupo, como indica a prova indiciária contida no processo. Este fator, associado á circunstância de poder ter fácil acesso à sua rede de contactos e ao facto de depender economicamente da atividade ilícita a que se vinha dedicando (já que estava desempregado), extremamente lucrativa, revela um intensíssimo risco de continuação da atividade criminosa.

A gravidade dos crimes praticados e o associado modo de execução, dando nota da indiciada existência de planificação e contributo de uma rede amplificada de agentes nacionais e estrangeiros, remete-nos para a existência de elevadas preocupações em sede de prevenção geral, na vertente da necessidade de resposta adequada por forma a tranquilizar a sociedade, aspeto que nem a obrigação de permanência na habitação, mesmo que com vigilância eletrónica, tem o condão de alcançar, como se reconhece no acórdão do TRP de 21/12/2016 [29].

Tudo ponderado, e relativamente ao arguido AA, consideramos que nenhuma das medidas de coação aplicadas e nem sequer a obrigação de permanência na habitação, mesmo com vigilância eletrónica, se apresentam como adequadas e suficientes para prevenir os perigos analisados, sobretudo o de continuação da atividade criminosa, tendo em conta o facto de não ser possível, através da vigilância eletrónica, controlar eficazmente os contactos que o arguido possa estabelecer, mesmo à distância, a partir da sua residência e que poderiam redundar na prossecução da atividade ilícita, risco que se quer prevenir.

Com efeito, a medida de coação de prisão preventiva, atendendo à natureza dos crimes em causa, à personalidade e condições pessoais do arguido e às elevadas exigências cautelares, sobretudo no que se refere ao perigo de continuação da atividade criminosa, é adequada e proporcional ao caso em apreço, mostrando-se inidónea, pelas razões apontadas, a obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica.

Assim, entendemos que a prisão preventiva é a única medida que se revela adequada e proporcional à gravidade dos crimes fortemente indiciados e à personalidade manifestada pelo arguido AA, sendo de esperar, num juízo de prognose, que lhe será aplicada uma pena de prisão efetiva.

Idênticas reflexões suscita a situação concreta do arguido BB. Embora resulte indiciado que este arguido se dedica (também) a uma atividade lícita, os factos já apurados e as provas constantes do processo indiciam fortemente que, também ele, dispõe dos conhecimentos, contactos, meios e capacidade logística para prosseguir a prática dos factos, numa atividade altamente lucrativa.

Com efeito, os contactos que AA e BB manifestam deter com cidadãos, quer em Portugal, quer no estrangeiro, designadamente, em Espanha e Senegal, demonstram, de forma inequívoca, que mantêm uma estrutura que lhes permite continuar com a atividade criminosa caso não sejam sujeitos a medida privativa da liberdade que os impeça, em absoluto, de estabelecer contactos, ainda que a partir do seu domicílio.

O perigo de continuação da atividade criminosa deriva, ainda, da circunstância de os arguidos AA e BB terem sido detidos em Espanha, na companhia do arguido EE, com cerca de 150kg de meixão e de terem sido submetidos a interrogatórios e sujeitos a medidas de coação, o que não os demoveu de regressaram a território português, incumprindo as medidas coativas aplicadas, e de continuaram a praticar ilícitos típicos de idêntica natureza [30].

Assim, entendemos que a prisão preventiva é a única medida que se revela adequada e proporcional à gravidade dos crimes fortemente indiciados e à personalidade manifestada pelo arguido BB, sendo de esperar, num juízo de prognose, que lhe será aplicada uma pena de prisão efetiva.

Se relativamente aos arguidos AA e BB o perigo de fuga encontra-se relativamente contido, dada a ligação ao nosso país que evidenciam, encontrando-se aqui a residir há vários anos com as respetivas famílias (incluindo com filhos menores), temos de reconhecer ser outra a realidade dos arguidos EE e DD.
Com efeito, estes arguidos encontram-se desempregados, não dispõem de quaisquer meios lícitos de subsistência ou de autorização de residência no nosso país e residem, a título gratuito, no domicílio de AA. O estímulo para se porem em fuga não pode, por isso, ser descartado, como salienta o MP/recorrente.
Contudo, encontrando-se os arguidos, ao que tudo indica, na base da pirâmide da organização, o perigo de continuação da atividade criminosa é naturalmente menos premente do que o evidenciado pelos arguidos AA e BB. Assim, não estando suficientemente indiciada a possibilidade prática de os arguidos EE e DD poderem prosseguir a atividade ilícita a que se vinham dedicando por meio de contactos estabelecidos à distância, a partir de casa, a obrigação de permanência na habitação revela-se como medida cautelar adequada e suficiente para impedir a continuação da atividade criminosa.
Além disso, nada nos autos indica que o perigo de fuga, em concreto, seja de tal forma acentuado que não possa ser adequadamente contido através da medida de obrigação de permanência na habitação, com fiscalização eletrónica [31].
Deste modo, na decorrência dos princípios da necessidade e subsidiariedade que regulam a aplicação das medidas de coação e, em particular, da prisão preventiva, esta medida cautelar mais gravosa apenas deverá ser aplicada aos arguidos EE e DD se a obrigação de permanência na habitação se revelar inexequível (nomeadamente, por ausência dos necessários consentimentos) ou se não for possível efetivar a vigilância eletrónica, que se afigura indispensável no caso concreto.
À medida de coação de obrigação de permanência na habitação acresce a medida de proibição de contactos com os restantes arguidos, previamente determinada pelo tribunal de primeira instância (cf. o art.º 201.º, n.º 2, do CPP).
Procede, assim, parcialmente, o presente recurso. [32]


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III - Dispositivo

Pelo exposto, acordam os juízes da segunda secção criminal do Tribunal da Relação do Porto em conceder parcial provimento ao recurso, revogando-se o despacho recorrido e, em consequência:
1) Considera-se indiciariamente demonstrada a prática pelos arguidos AA, BB, DD e EE de um crime de associação criminosa, p. e p. pelos artigos 299.º do Código Penal e 89.º do RGIT.
2) Em substituição das medidas de coação previamente aplicadas, impõe-se:
3) Aos arguidos AA e BB, a medida de coação de prisão preventiva.
4) Aos arguidos DD e EE, a medida de coação de obrigação de permanência na habitação, com vigilância eletrónica, cumulada com a proibição de contactos com os demais arguidos, sem prejuízo de deverem aguardar os ulteriores termos do processo em prisão preventiva se a obrigação de permanência na habitação se revelar inexequível (nomeadamente, por ausência dos necessários consentimentos) ou se não for possível efetivar a vigilância eletrónica.

Sem custas.

Notifique.


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(Texto processado e revisto pela relatora – art.º 94.º, n.º 2, do CPP – e assinado digitalmente).


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Porto, 10 de julho de 2024

Liliana de Páris Dias (relatora)

Francisco Mota Ribeiro (adjunto)

José António Rodrigues da Cunha (adjunto)


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[1] Mantendo-se a ortografia original do documento.
[2] «Loja de chinês», na expressão do tribunal a quo.
[3] «Loja de chinês», de acordo com a expressão utilizada na decisão recorrida.
[4] Isto é, os arguidos AA, BB, CC, DD e EE.
[5] Isto é, os arguidos FF, GG e HH.
[6] Isto é, os arguidos AA, BB, CC, DD e EE.
[7] Isto é, os arguidos AA, BB, CC, DD e EE.
[8] Os arguidos FF, GG e HH.
[9] Os arguidos AA, BB, CC, DD e EE.
[10] Os arguidos AA, BB, CC, DD e EE.
[11] Isto é, os arguidos AA, BB, CC, DD e EE.
[12] Isto é, os arguidos FF, GG e HH.
[13] Os arguidos já referidos.
[14] Ou seja, os arguidos AA, BB, CC, DD e EE.
[15] Salienta-se no acórdão deste TRP, de 4/7/2012, relatado pela Desembargadora Maria Dolores Silva e Sousa e disponível em www.dgsi.pt, o seguinte:
“O princípio da necessidade vem a traduzir-se na impossibilidade de o fim visado pela concreta medida de coação decretada não poder ser obtido por outro meio menos oneroso para os direitos do arguido.
Deste princípio decorrem as seguintes consequências:
a). Estabelecimento de uma escala de gravidade relativa das medidas de coação, ordenadas da mais para a menos grave, em consequência das restrições dos direitos, impostas ao arguido. i. prisão preventiva; ii. obrigação de permanência na habitação; iii. proibição de permanência, de ausência e de contactos; iv. suspensão do exercício de funções, de profissão e de direitos; v. obrigação de apresentação periódica; vi. caução; vii. termo de identidade e residência.
b). subsidiariedade da prisão preventiva e da obrigação de permanência na habitação em relação às outras medidas de coação.
c). subsidiariedade da prisão preventiva em relação à obrigação de permanência na habitação.
d). preferência pela cumulação de duas ou mais medidas de coação menos gravosas em detrimento da aplicação de uma medida mais gravosa. (Cf. Paulo Pinto Albuquerque, Comentário do Código do Processo Penal, pág. 525 e Frederico Isasca, Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais, pág. 99 a 118, sob o tema A Prisão Preventiva e Restantes Medidas de Coação).
[16] Cf. o acórdão do TRL, de 19/6/2019, relatado pelo Desembargador João Lee Ferreira e disponível em www.dgsi.pt.
[17] Como é assinalado no acórdão deste TRP, de 6/5/2015 (Elsa Paixão, in www.dgsi.pt), o perigo de continuação da atividade criminosa, previsto no art.º 204º al. c) CPP, deve ser interpretado como meio de impedir o arguido de praticar crimes da mesma espécie daqueles pelos quais está indiciado.
[18] Cf. o acórdão deste TRP, de 9/1/2019 (relatado pela Desembargadora Elsa Paixão e disponível em www.dgsi.pt).
[19] Relatado pelo Conselheiro Nuno Gomes da Silva e disponível para consulta em www.dgsi.pt.
[20]  Neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26/2/1997, proferido no processo n.º 120/97 (CJSTJ 1997, tomo 1, pág. 230): “Os crimes dos artigos 287.º e 288.º do CP/82 (299.º e 300.º CP revisto) entram na categoria dos crimes de perigo abstrato. O perigo é razão motivante da lei, mas não entra na estrutura do facto. Não há então evento de perigo; independentemente de qualquer situação concreta de perigo tem lugar a incriminação da ação ou omissão em abstrato perigosa – Cavaleiro Ferreira, I, 1987, pág. 88). A propósito do crime de associações criminosas e de organizações terroristas podem ver-se as seguintes considerações de Cavaleiro Ferreira, Lições, I, 1987: «…Ambos os crimes constituem materialmente uma antecipação da tutela penal, para além da conspiração e da preparação de qualquer crime e, neste aspeto, pouco condizente com a restrição da punibilidade, admitida em qualquer das fases do iter criminis. Formalmente, é um crime autónomo, diferente e separado dos crimes que venham a ser deliberados, preparados ou executados (…) O crime consuma-se com a fundação da associação com a finalidade de praticar crimes, ou – relativamente aos associados não fundadores – com a adesão ulterior. Haverá sempre que distinguir claramente o crime de associações criminosas dos crimes que venham a ser cometidos por todos ou por alguns associados, entre uns e outros haverá concurso de crimes…”. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14/12/1994, proferido no processo n.º 46884, (acessível www.dgsi.pt; documento n.º SJ199412140468843): “O crime de associação criminosa é um crime de perigo abstrato que se preenche com a manifestação desse perigo, independentemente da prática de crimes concretos dentro da prossecução do objetivo e vontade comuns. Estes crimes têm autonomia em relação ao crime de associação criminosa e estão em concurso real com este”.
[21] É de notar que do artigo 2.º, alínea c), da Convenção das Nações Unidas contra a Criminalidade Organizada Transnacional consta a definição de “grupo estruturado” como “um grupo formado de maneira não fortuita para a prática imediata de uma infração e cujos membros não tenham necessariamente funções formalmente definidas, podendo não haver continuidade na sua composição, nem dispor de uma estrutura desenvolvida”.
[22] No mesmo sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13/12/2001, proferido no processo 3654/01-5.ª (CJSTJ 2001, tomo 3, pág. 237): “O crime de associação criminosa consuma-se independentemente do começo de execução de qualquer dos delitos que os agentes se propõem levar a cabo; basta que a respetiva organização seja votada e ajustada a esse fim”. No Acórdão de 10/05/2001, proferido no processo n.º 373/01 (CJSTJ 2001, tomo II, pág. 198), decidiu o Supremo Tribunal de Justiça: “O crime de associação criminosa, quer seja ele o que se contempla no artigo 299.º do Código Penal, quer o que se apresenta, com mais gravosa tonalidade, no artigo 28.º do Decreto-Lei 15/93, não sobram dúvidas quanto a que se deve ter por consumado independentemente do começo de execução de qualquer dos ilícitos que a referida associação se propôs levar a cabo, bastando-se (ou preenchendo-se tipicamente) com a mera criação de organização votada, engendrada e ajustada a essa finalidade delituosa, certo sendo que a circunstância de a associação ser já de si e de per si um crime conduz a que os seus membros ou os nela participantes sejam alvo de responsabilização e de punição pelos crimes que eventualmente venham a ser cometidos no âmbito da organização criada (segundo as regras da acumulação real ou efetiva)”.
[23] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 5/11/1997, proferido no processo 549/97 (CJSTJ 1997, Tomo III, pág. 222): “XIII-Age com dolo quem, sabendo da finalidade criminosa da associação, voluntariamente desempenhe alguma das ações previstas na norma incriminadora. O dolo não se dirige, pois, à comissão de cada um dos crimes que integram o objeto da associação, mas sim à criação, fundação, participação, apoio, chefia ou direção da associação, com conhecimento da finalidade criminosa desta”.
[24] O crime de associação criminosa, previsto e punível pelos artigos 299.º, n.º 1, do Código Penal e 89.º, n.º 3, do RGIT, admite a aplicação de prisão preventiva, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 1.º, m) e 202.º, n.º 1, c), do Código de Processo Penal.
[25] Relatado pelo Desembargador Neto de Moura e disponível em www.dgsi.pt.
[26] Salienta-se no acórdão deste TRP, de 4/7/2012, relatado pela Desembargadora Maria Dolores Silva e Sousa e disponível em www.dgsi.pt, o seguinte:
“O princípio da necessidade vem a traduzir-se na impossibilidade de o fim visado pela concreta medida de coação decretada não poder ser obtido por outro meio menos oneroso para os direitos do arguido.
Deste princípio decorrem as seguintes consequências:
a). Estabelecimento de uma escala de gravidade relativa das medidas de coação, ordenadas da mais para a menos grave, em consequência das restrições dos direitos, impostas ao arguido. i. prisão preventiva; ii. obrigação de permanência na habitação; iii. proibição de permanência, de ausência e de contactos; iv. suspensão do exercício de funções, de profissão e de direitos; v. obrigação de apresentação periódica; vi. caução; vii. termo de identidade e residência.
b). subsidiariedade da prisão preventiva e da obrigação de permanência na habitação em relação às outras medidas de coação.
c). subsidiariedade da prisão preventiva em relação à obrigação de permanência na habitação.
d). preferência pela cumulação de duas ou mais medidas de coação menos gravosas em detrimento da aplicação de uma medida mais gravosa. (Cf. Paulo Pinto Albuquerque, Comentário do Código do Processo Penal, pág. 525 e Frederico Isasca, Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais, pág. 99 a 118, sob o tema A Prisão Preventiva e Restantes Medidas de Coação).”
[27] Como é salientado no acórdão deste TRP, de 26/10/2016 (relatado pelo Desembargador Neto de Moura e disponível em www.dgsi.pt), o perigo tem de ser real e não meramente hipotético ou virtual e resultar de todos os elementos factuais disponíveis no processo, analisados e ponderados de acordo com as regras da experiência comum.
Por seu turno, o acórdão do TRL de 19/6/2019, relatado por João Lee Ferreira e disponível em www.dgsi.pt, refere que “No âmbito da apreciação dos requisitos de aplicação de medida de coação, impõe-se formular um juízo de prognose sobre o comportamento futuro do arguido, a partir dos indícios já recolhidos e assente numa “qualificada” probabilidade de verificação das particulares exigências cautelares. Esse juízo de prognose terá necessariamente de encontrar sustentação em realidades tão díspares como a gravidade dos factos indiciados e a moldura penal abstratamente aplicável, a forma concreta de atuação, os sentimentos indiciariamente revelados pelo arguido na conduta, o relacionamento e estruturação familiar e afetiva, os meios económicos disponíveis, a existência e natureza de vínculos referentes a atividade profissional, bem como os antecedentes por factos desta natureza.”.
[28] Conforme a propósito escreve Irineu Cabral Barreto, in “A Convenção Europeia dos Direitos do Homem Anotada”, 34ª edição, Coimbra Editora, 2005, páginas 95, no comentário ao artigo 5°, n°1, alínea c), da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, citando um acórdão do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, esta norma, ao estabelecer que ninguém pode ser privado da sua liberdade salvo quando houver motivos razoáveis para crer que é necessário impedi-lo de cometer uma infração, “não cobre uma politica de prevenção geral contra uma pessoa ou categoria de pessoas que se revelem perigosas” ela visa “evitar a prática de uma infração concreta e específica”.
No mesmo sentido se pronuncia Germano Marques da Silva, ao escrever in “Curso de Direito Penal”, II, Verbo, páginas 269 que “A aplicação de uma medida de coação não pode servir para acautelar a prática de qualquer crime pelo arguido, mas tão só a continuação da atividade criminosa pela qual o arguido está indiciado”.
[29] Relatado pelo Desembargador Moreira Ramos e disponível em www.dgsi.pt.
Refere-se no acórdão deste TRP, de 8/2/2012 (relatado pelo Desembargador Ricardo Costa e Silva, disponível em www.dgsi.pt): “O perigo de perturbação da ordem e da tranquilidade públicas decorre diretamente dos termos em que são perpetrados certos crimes, pela revolta e insegurança que geram nas pessoas, sobretudo quando não se lhes segue uma imediata reação reasseguradora, por parte do aparelho repressivo, em que repousa a crença da ordem e segurança comunitárias”.
[30] Como é salientado no acórdão do TRL de 24/11/2020 (relatado pelo Desembargador Luís Gominho, igualmente disponível para consulta em www.dgsi.pt), “A continuação da atividade criminosa, que se pretende impedir mediante a medida de coação, não pode abranger comportamentos que ultrapassem o prolongamento daquele que constitui o objeto do processo, sob pena de se transformar a medida de coação numa medida de segurança.”.
[31] Adianta Frederico Isasca (in “A prisão preventiva e as restantes medidas de coação”, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 13, n.º 3, Julho-Setembro 2003, páginas 375 e 376), relativamente ao perigo de fuga: “Quanto ao perigo (…) deve ser real e iminente, não meramente hipotético, virtual ou longínquo”.
Como se refere no acórdão do TRP, de 26/9/2007 (relatado pela Desembargadora Maria Leonor Esteves, consultável em www.dgsi.pt), o perigo de fuga não se presume, sendo, ainda, necessário que haja elementos concretos que apontem no sentido de que o recorrente tem condições (económicas e/ou de apoio logístico) para a empreender e denota a intenção de se eximir à ação da justiça.
[32] A decisão agora proferida não prejudica, naturalmente, a possibilidade de o tribunal de primeira instância, numa perspetiva atualista, poder modificar as medidas de coação agora determinadas (cf. os artigos 212º, n.º 3 e 213.º do CPP), admitindo-se, como possível, uma diminuição das exigências cautelares com o decurso do tempo e dada a «antiguidade» da decisão recorrida.