SUPERIOR INTERESSE DA CRIANÇA
AVÓS
DIREITO DE VISITA
PODER PATERNAL
Sumário

(do relator):
1. O art.º 1887.º-A, do C. Civil, ao estabelecer que “Os pais não podem injustificadamente privar os filhos do convívio com os irmãos e ascendentes”, estabelece um primeiro princípio segundo o qual o filho, irmão e ascendentes têm o direito de conviver e um segundo princípio segundo o qual, em caso justificado, os pais podem denegar esse convívio.
2. O que está em causa, em face desse preceito é saber se a oposição ao convívio se configura como um ato justificado, que tem o condão de paralisar os respectivos direitos, tendo presente que a pedra de toque dessa análise se situa no superior interesse do menor, nos termos do disposto pela al. a), do art.º 4.º da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, aprovada pela Lei n.º 147/99, de 01 de Setembro, aqui aplicável, ex vi, do art.º 4.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, aprovado pela Lei n.º 141/2015, de 08 de Setembro.
3. Não contendo os autos factualidade suscetível de integrar a justificação exigida pelo art.º 1887.º-A, do C. Civil, para a denegação de convívio entre o apelante e o neto, devem susbsistir os direitos base de cada um deles a esse convívio, em cuja concreta delimitação se não poderá esquecer que as decisões judiciais, longe de se limitarem a constactar disfunções sócio familiares, se devem orientar pela realização do ideal de justiça, como decorre do disposto nos n.ºs 1 e 2, do art.º 202.º, da Constituição da República Portuguesa.

Texto Integral

Acordam os Juízes que constituem o Tribunal da Relação de Lisboa.

1. RELATÓRIO.
SAC propôs contra CAS e CIS, pais de CVS, neto do requerente, procedimento tutelar (cível) comum, pedindo se declare o seu direito a conviver com o neto.
Foi designada data para Conferência na qual requerente e requeridos não lograram chegar a acordo prosseguindo os autos a tramitação que lhes é própria.
Realizada audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença, julgando a ação improcedente.
Inconformado com essa decisão, o A dela interpôs recurso, recebido como apelação, pedindo a sua revogação e a substituição por outra que permita as visitas do avô ao neto e convívio entre ambos, formulando para o efeito as seguintes conclusões:
1. Viu-se o Requerente, pai da Requerida, forçado a instaurar a presente ação com vista a conhecer
e conviver com o seu neto, CVS, filho dos Requeridos.
2. A fim de conhecer e conviver com o neto, o Requerente voltou, mais uma vez, a tentar reatar o seu relacionamento com a filha, tudo tendo feito para evitar a presente ação, mais tais contactos foram e continuam a ser rejeitados.
3. A decisão sobre a matéria de facto incorre em deficiente apreciação da prova e em erro ostensivo na apreciação da prova, fazendo uma apreciação arbitrária e seletiva das provas produzidas em julgamento, assim se violando o disposto nos arts. 5.º, n.º 2, 410.º e 607.º, n.º 4, todos do CPC, aplicáveis nos termos do disposto no art. 33.º, n.º 1 do RGPTC.
4. Designadamente, parte-se de uma solução jurídica – errada - e selecionam-se essencialmente os factos – como provados e não provados – que relevam para suportar a referida solução, omitindo os que possam contrariá-la.
5. A sentença assenta no denominado “conflito” entre o Requerente e os Requeridos e quer fazê-lo decorrer do divórcio daquele e da mãe da Requerida, pelo que leva aos Factos Provados (FP) diversos factos que se referem ao divórcio destes – os FP 3 a 5.
6. Tal atuação insere-se no errado contexto em que se funda a decisão: transforma-se os autos num segundo divórcio, arrastando as eventuais causas e efeitos deste até 22 anos depois do seu decretamento, e fazendo aplicar as suas regras a uma relação entre avô e neto, não obstante o parecer técnico constante do relatório perícia ordenado pelo tribunal ir em sentido inverso.
7. Pelo exposto, os FP n.ºs 3 a 5 são de todo irrelevantes para a decisão os autos, devendo ser eliminados.
8. Ainda que assim não viesse a ser decidido, no que não se concede, pelo menos o FP n.º 5 teria de ser eliminado, ora não só por irrelevante, pois a causa de tal divórcio dos pais da Requerida, tal como a sentença quer fazer retirar do FP n.º 5, é de todo abusiva.
9. Assim, vir a considerar provado, 22 anos depois, o que se passava no casamento do Requerente é tarefa que não se pedia ao tribunal, nem este podia cumprir. Fazê-lo com frases vagas como “pautado por discussões” e sem qualquer concretização, como “por vezes, ocorriam na presença da Requerida”, é juridicamente inaceitável.
10. Como juridicamente é inaceitável a falta de fundamentação do assim provado, limitando-se o tribunal a invocar que “as testemunhas inquiridas, que mereceram a credibilidade do Tribunal, atestaram a factualidade, de uma forma ou doutra, escrita nos pontos 5 (…”). Sobre que testemunhas o atestaram nada é dito.
11. O FP n.º 6 não resultou do invocado pelas partes, nem do provado nos autos, devendo ser alterado: “Com o arrastamento do processo de partilha pós divórcio, Requerente e Requerida deixaram de manter regulares contactos, não obstante os esforços daquele”.
12. Nesse sentido, vale o invocado pela Requerida, que situa em 2005 o distanciamento, vários anos após a separação, em 2001, e o divórcio, em 2002 e que dá conta de convites do pai em 2009, situando nesse ano, 7 anos após o divórcio, a sua decisão de romper em definitivo com o pai.
13. O FP n.º 13 deve passar a ter a seguinte redação: “O único encontro que o Requerente teve com o neto ocorreu em 19.09.2021, proposta dos Requeridos, aceite pelo Requerente”, pois o encontro ocorreu por sugestão dos Requeridos, aceite pelo Requerente, e não por ordem do tribunal, como consta da ata da conferência de 15/9/2021.
14. Os factos levados aos FP são manifestamente insuficientes, por diversas razões, como se passa a justificar.
15. Como resulta da matéria levada aos factos provados, deu o tribunal uma especial relevância ao divórcio do Requerente da mãe da Requerida. Todavia, omitiu tudo o que foi invocado e provado pelo Requerente sobre a verdadeira razão do diferendo pós-divórcio e manipulação dos filhos pela mãe, que são as verdadeiras razões do afastamento da Requerida em relação ao seu pai.
16. Assim, sobretudo se se mantiverem nos FP, os n.ºs 3 a 5, mas não apenas, deve ser aditado aos Factos Provados:
- FP a aditar n.º 1 – O processo de divórcio foi instaurado pelo Requerente e terminou por acordo, o mesmo tendo acontecido com o processo de regulação do poder paternal.
17. Tais factos resultam provados pelos DOCs. 1 e 2 juntos às alegações do Requerente e são relevantes, para demonstrar que o principal litígio surgiu após divórcio, com a partilha.
18. Porque a sentença entronca, ainda que erradamente no pressuposto moral de que o Requerente deve primeiro reatar o convívio com a filha para depois disso, e só depois disso, poder aceder ao neto, têm de ser levados aos factos provados os esforços, gorados, do Requerente nesse sentido.
19. A sentença fixou-se apenas nos factos que considerou relevantes para provar o conflito entre a Requerida e o Requerente, omitindo todos os factos relevantes segundo outra solução plausível de direito para o caso concreto.
20. Devem assim ser aditados os seguintes outros factos:
- FP a aditar n.º 2 – Após o divórcio dos pais e durante a partilha, o Requerente fez diversas tentativas para manter contacto com os filhos, o que foi sendo recusado por estes.
- FP a aditar n.º 3 - A fim de conhecer e conviver com o neto e com o mesmo poder estabelecer uma relação afetiva, o Requerente voltou, mais uma vez, a tentar reatar o seu relacionamento com a filha, mas tais contactos foram e continuam a ser rejeitados.
21. A prova destes factos, quanto ao neto, resulta da documentação junta pelo Requerente (docs. 5 e 6 juntos à pi), que não foi impugnada pelos Requeridos; quanto às tentativas de contacto do Requerente e recusa pela filha, valem desde logo os docs. 1 a 3 que esta juntou às suas alegações.
22. Resulta ainda dos depoimentos das testemunhas transcritos nos pontos 15 e 22 das alegações, que aqui se dão por reproduzidos.
23. Para prova de que o Requerente apresenta todas as condições para estabelecer com o neto uma relação de são convívio e afetividade, requisitos que este tribunal não pode deixar de analisar, com vista a alterar a decisão jurídica, devem ainda ser aditados os seguintes factos.
- FP a aditar n.º 4 - O Requerente tem uma atividade extraprofissional variada, de atividades desportivas a culturais, sendo uma pessoa culta, com leituras vastas e idas regulares a museus, exposições, cinemas, livrarias e outras.
- FP a aditar n.º 5 - O Requerente viaja sempre que pode e faz um esforço constante de aculturação, por essa e muitas outras vias.
24. Nesse sentido, vão os depoimentos das testemunhas transcritos no ponto 16 das alegações, que aqui se dão por reproduzidos.
25. Sobre as competências sociais e humanos do Requerente, mesmo em relação a uma filha que dele se tinha afastado, deve ainda ser aditado
- FP n.º 6 – O Requerente é pessoa compassiva, tendo ajudado vários familiares em situação de doença e, mesmo após o distanciamento dos filhos, não deixou de prestar todo o apoio na doença oncológica da filha mais velha, logo que esta lhe deu conhecimento da mesma e o pediu.
26. Nesse sentido, vão os depoimentos das testemunhas transcritos no ponto 17 das alegações, que aqui se dão por reproduzidos.
27. Para suporte das vantagens do convívio avô/neto, mostra-se relevante salientar a relação positiva entre a Requerida e os avós, designadamente paternos, pois o relacionamento dos filhos do Requerente com os avós, maternos e paternos, foi muito relevante no seu crescimento e desenvolvimento emocional e foi sempre fomentado pelo pai.
- FP a aditar n.º 7 - Com os avós paternos, a relação da Requerida e dos irmãos foi de grande proximidade e de adoração recíproca, avós que, até ingressarem no ensino pré-escolar, tomavam conta deles durante o período de trabalho diário dos pais.
28. Nesse sentido, vão os depoimentos das testemunhas transcritos no ponto 18 das alegações, que aqui se dão por reproduzidos
29. A sentença deu por não provados, com motivação insuficiente, sectária e contrária à lei:
a) O distanciamento entre Requerente e os seus filhos só ocorreu após o divórcio e, sobretudo, depois deste, durante o processo de inventário.
b) O afastamento entre o requerente e os Requeridos foi provocado por estes
30. A 1.ª parte do facto da alínea a) deve ser considerado provado porque tal é o que consta já do FP n.º 6; a 2.ª parte resulta do foi aceite pela Requerida, situando esta o afastamento em 2005, 3 anos após o divórcio e a quebra total do relacionamento com o pai, por iniciativa dela, em 2009.
30. O Facto da al. b) nunca tal foi invocado por qualquer das partes.
31. O que resultou o Requerente invocou e resultou provado foi que o corte de relações consigo foi da exclusiva iniciativa da Requerida, que, em 10/4/2009, assim o decidiu, como prova pelo doc. 2 que juntou às suas alegações.
32. Não se trata, pois, de saber quem é o responsável por tal situação, como a sentença diz, mas de saber quem teve a iniciativa, e, sem dúvida, é a própria Requerida que a assume.
33. Mas invocou igualmente o Requerente, e provou, que fez diversas tentativas de reaproximação e muitos pedidos de desculpas, por alguma coisa que, no litígio que o opusera à ex-mulher, pudesse ter feito que magoasse a filha, mas foram sempre recusados.
34. O Requerente também imputou culpas a si próprio, tenho reconhecido, com mágoa, que o enorme desgaste a que foi sujeito no período da partilha, mas tudo tentou para manter um relacionamento tão normal com os filhos quanto as circunstâncias e a oposição da mãe permitiam.
35. Assim o FNP da al. b) deve ser considerado provado, com alterações,
- O afastamento entre o Requerente e a Requerida foi da iniciativa desta, não obstante as tentativas de reaproximação do Requerente.
36. Tal é o decorre dos depoimentos das testemunhas transcritos nos pontos 15 e 22 das alegações, que aqui se dão por reproduzidos.
37. A sentença assenta, na sua fundamentação jurídica nas seguintes ideias base:
- Há uma situação de manifesto conflito entre Requerente e Requeridos,
- O mau relacionamento entre avô e restante família será sentido pela criança, levando-a a viver um conflito de lealdade que até à presente data não vivenciou
- Tal conflito tem de ser previamente resolvido pelo avô, que só depois poderá aspirar a conviver com o neto
38. Sob a capa de proteger o menor, a sentença toma manifestamente um partido: entre o avô e a mãe, escolhe esta, privando aquele de qualquer contacto com o neto, e para todo o sempre, impedindo em definitivo um conhecimento entre ambos.
39. Em síntese, quanto à solução jurídica da causa, este recurso baseia-se nas seguintes premissas:
a. A norma aplicável ao caso supõe que haja um litígio entre os pais e os avós, só assim lhe dando sentido útil;
b. Ao tribunal, como decorre do art.º 1887.º-A do CC, cabe dirimir o litígio e não foi isso que fez; partiu e terminou nele, deixando aos pais a resolução do que considerou ser um conflito;
c. Não há, no caso concreto, qualquer conflito, mas uma total ausência de contactos entre o Requerente e a Requerida e entre aquele e o Requerido, que se viram pela primeira vez no tribunal, no decurso desta ação.
d. Não havendo conflito, mas total ausência de contactos entre o Requerente e os Requeridos, não pode o menor ser prejudicado por um inexistente conflito;
e. A sentença não faz qualquer ponderação sobre as vantagens para o menor do convívio com o avô,
assim como nada aprecia das qualidades do Requerente que lhe permitam tal convívio, apesar de as ter considerado provadas;
f. A forma como o tribunal pretende que o avô tenha acesso ao neto é preconceituosa e sectária; é também impossível, como resulta dos factos que se pedem que sejam dados como provados e que a sentença considerou não provados ou omitiu de todo;
g. Quer a jurisprudência, quer a doutrina, quer ainda a medicina são concordes nas vantagens decorrentes do convívio entre netos e avós e em reconhecer o direito de visita dos avós;
40. A interpretação efetuada pelo tribunal de que basta um conflito entre um dos pais com os avós do menor para excluir o direito de visita e contacto do neto com avô esvazia de aplicação e viola o art. 1887º-A do CC., de várias formas diferentes.
41. Em primeiro lugar, se não houvesse um litígio entre os pais e os avós, ou entre algum daqueles e um destes, a norma em causa era totalmente desnecessária, como desnecessária era a existência deste tipo de ações, cada vez mais frequentes.
42. Ao tribunal não cabe apurar se existe ou não um conflito – que a norma, aliás, pressupõe – mas decidir se os pais têm razões justificativas para “privar os filhos do convívio com os (…) ascendentes”, no que se mostra violada a norma legal.
43. A sentença ficciona uma realidade que não existe, nem pode existir, e abstrai de uma norma que existe, esquecendo as sábias palavras contidas no acórdão do TRP de 30-05-2018, processo 1441/16.7T8PRD.P: “Neste mundo complexo em que os tribunais são chamados, cada vez mais, a resolver situações que a sociedade, com o bom senso e os saberes adquiridos, devia saber evitar, nada se compõe convenientemente, apenas se remedeia.”
44. Atente-se em que toda a sentença assenta na citação de um único acórdão – Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 10/4/2018, Proc. 3382/11.5TBVFX-A.L1-1- , cuja matéria de facto em muito se distancia da dos autos.
45. Em segundo lugar, a sentença, sob a capa de estar a dirimir o litígio, deixa tal decisão no poder discricionário dos pais, visto fazer depender o acesso do avô ao neto de este reatar convívios com a filha, o que tem sempre tentado e tem sido recusado por esta, sem dar qualquer justificação, a que faz ainda acrescer a obrigação de o Requerente reatar convívios com o outro filho, tio do menor, sem que se perceba como chega a tal conclusão.
46. Assim, deixa a sentença totalmente nas mãos dos pais a decisão, o que foi já considerado ilegal por este tribunal, conforme Ac. de 9/6/2022, Proc. 3162/21.0T8CSC-A.L1-26: A relação da criança com os avós e com os irmãos não deve ser deixada ao capricho e discricionariedade dos pais (…)A ser assim, não precisaria a avó da criança de recorrer a tribunal para que este fixasse um regime de convívio entre ambas, pois deixaria ao critério da progenitora
47. Em face do decidido, a sentença não podia considerar irrelevante os factos que respeitam às tentativas de reaproximação do Requerente em relação à filha, e à recusa desta neste sentido.
48. Em terceiro lugar, não há, no caso concreto, qualquer conflito, apenas um distanciamento entre o Requerente e a Requerida, pelo que não será tal inexistente litígio a causar qualquer transtorno ao neto, obrigando-o, porventura, a tomar partidos, como aconteceu com a Requerida.
49. Como ficou provado, quer do relatório da perícia ordenada pelo tribunal, quer pelo depoimento das testemunhas, o Requerente em todas as características que lhe perrmitem um são e proveitoso convívio com o neto.
50. Em quarto lugar, erra o tribunal quanto às consequências que retira de tal conflito, pois não havendo qualquer convívio entre o Requerente e os pais do neto não se vê como pode a sentença concluir que o mau relacionamento entre o Requerente e a Requerida não “será sentido pela criança, levando-a a viver um conflito de lealdade que até à presente data não vivenciou”.
51. Se se tivesse em conta a validade desta argumentação, na grande maioria dos casos de divórcio, um dos pais deveria ficar privado do convívio com os filhos.
52. Em quinto lugar, a sentença não faz qualquer ponderação entre vantagens e desvantagens no convívio entre neto e avô, no que volta a violar a norma em análise. A norma parte do pressuposto de que a regra é a existência de tal convívio, pelas suas vantagens para o menor, apenas sendo de o recurso em situações limite.
53. Sobre tais vantagens, a sentença nada diz, exceto indiretamente quando releva a existência de convívio do menor os restantes avós. E das características pessoais e sociais do avô, que, como foi considerado provado, não correspondem ao quadro pintado pela Requerida, a sentença nada retira.
54. Em sexto lugar, e sobretudo, a sentença viola a norma pois nunca apura se pais têm razões justificativas para “privar os filhos do convívio com os (…) ascendentes”.
55. Como tem sido decidido, em relação à norma em causa, Está subjacente uma presunção de que o convívio da criança com os ascendentes e irmãos é positivo para a criança e necessário para o desenvolvimento da personalidade deste” (AC do TRLisboa de 9/6/2022) pelo que caberia aos Requeridos provar que o mesmo é prejudicial para o filho e/ou que o Requerente não tem as características necessárias para o mesmo. Mas não provaram nem uma, nem outra coisa.
56. Os Requeridos nem sequer rejeitaram de todo os contactos entre o Requerente e o neto, apenas os pretendendo reduzir a 2 por ano, e conforme ata da conferência de 29/6/2022, o que demonstra que não consideram que o Requerente não detenha condições para conviver com o neto.
57. E isso mesmo resultou do Relatório Pericial Psicológico relativo ao Requerente, elaborado pelo INMLCF em 15.03.2023: “conclui-se que o examinado aspira a ter algum tipo de convívio regular com o neto, o que decorre de um sentido de identidade extensível tanto ao avô como ao neto, não se apurando défices sociais ou alterações psicopatológicas que contraindiquem tal convívio” (FP n.º 16).
58. Mas nem aquilo que os pais estavam dispostos a conceder, como se tudo não passasse de um direito seu, o tribunal decretou!!!!
59. Sente a sentença, porém, a impossibilidade de recusar o direito do neto ao convívio com o avô, tanto mais que nada desabona a favor de que este possa estabelecer tal convívio, mas faz depender este direito do menor de uma condição que fica na livre disponibilidade dos pais, e que se tem revelado de execução impossível.
60. Ora, e desde logo, “os tribunais não têm legitimidade para impor afetos”; depois, o tribunal bem sabe, que esse tem sido o propósito do Requerente, mas que a Requerida tem negado.
61. Por outro lado, não se percebe porque não impõe a sentença igual obrigação aos Requeridos, ou, pelo menos à Requerida e ao marido, manifestando uma parcialidade e falta de isenção que não é admissível em domínios tão sensíveis como o do desenvolvimento de um menor.
62. Por último, mesmo que fosse fundado que o tribunal receasse que “o mau relacionamento entre avô e restante família (…) será sentido pela criança”, o que veementemente se rejeita, poderia e deveria a sentença evitar ou minorar tal estado de coisas, prevendo um convívio gradual e monitorizado, em alternativa a uma total ausência de convívio.
63. O decidido contraria doutrina e jurisprudência, que entendem que, os avós constituem um pilar importante, desde logo enquanto transmissores de valores sociais e fraternos. Os psiquiatras e psicólogos salientam igualmente as vantagens do relacionamento entre avós e netos.
64. A doutrina e jurisprudência maioritárias reconhecem a existência do “direito de visita” dos avós relativamente aos seus netos. Ainda que reconhecidamente diferente do direito dos pais, o direito dos avós tem vindo a obter tutela legal e jurisdicional.
65. O Tribunal Europeu de Justiça da União Europeia e Tribunal Europeu dos Direitos do Homem reconheceram de forma expressa aos avós o direito de visita dos seus netos, passando a influenciar decisivamente a jurisprudência portuguesa.
66. Por todo o exposto, tendo o tribunal a quo negado a possibilidade de visitas no presente caso, sendo tal privação de convívio absolutamente injustificada, decidindo em violação do art. 1887.º-A do C. Civil, cabe a este tribunal cumprir o papel de zelar pelo superior interesse da criança.
*
Os progenitores contra-alegaram, pugnando pela conformação da decisão recorrida.
*
O Ministério Público contra-alegou, pugnando também pela confirmação da decisão recorrida.
           

2. FUNDAMENTAÇÃO.

A) OS FACTOS.

O Tribunal a quo julgou:
A.1. provados os seguintes factos:
1. CVS nasceu a 09 de Agosto de 2017 e é filho de CIS e de CAS.
2. CAS é filha de SAC e de BFS.
3. SAC e BFS divorciaram-se por sentença proferida a 03.07.2002, proferida pelo 2° Juízo de Família do Tribunal de Família e Menores da Comarca de Cascais, transitada a 15.07.2002.
4. A 28.06.2002, foi homologado o acordo de regulação das responsabilidades parentais da Requerida e do seu irmão F.
5.  No âmbito de tal acordo ficou, além do mais, estabelecido que:
“1º Os menores ficam confiados à guarda e cuidados da mãe, com quem os menores ficarão a residir e a quem cabe o exercício do poder paternal.
(...)3° O pai terá os menores em fins de semana alternados em horário e períodos a combinar com a mãe e com os próprios menores.
4º Os menores passarão metade das suas férias escolares com cada um dos progenitores.
(...)”.
5. O casamento entre o Requerente e a mãe da Requerida era pautado por discussões que, por vezes, ocorriam na presença da Requerida e dos seus irmãos.
6. Após o divórcio dos pais, a Requerida deixou de manter contactos regulares com o Requerente.
7. O Requerente é uma pessoa idónea e respeitada, no seu círculo pessoal e profissional.
8. É médico de profissão, na especialidade de patologia, encontrando-se presentemente aposentado do serviço público, ainda que continue a desenvolver atividade profissional.
9.  Como prestador de serviços, o Requerente tem horário livre e o volume de trabalho depende da sua escolha.
10. Tem casa própria sita em Lisboa, e duas segundas habitações, uma na praia e outra no campo, todas com condições para que o neto ali se desloque e/ou permaneça.
11. O Requerente tem um convívio familiar e social, excepto com os filhos.
12. Tem um círculo de amigos, muitos deles mantidos desde os tempos de infância, não obstante o corte de vida decorrente do regresso a Portugal após longo período de tempo em Luanda.
13. O único encontro que o Requerente teve com o neto ocorreu em 19.09.2021, por ordem do tribunal.
14. O Requerente só teve conhecimento do nascimento do seu neto CVS através da sua filha Paula, irmã da 1ª Requerida, algum tempo após o mesmo.
15. O CVS convive habitualmente com os seus avós paternos e avó materna.
16. No Relatório Pericial Psicológico relativo ao requerente, elaborado pelo INMLCF em 15.03.2023, que aqui se dá por integralmente reproduzido, refere-se, além do mais, que:
“(...)
6.5 Reunindo de modo crítico e compreensivo todos os dados, conclui-se que o examinado aspira a ter algum tipo de convívio regular com o neto, o que decorre de um sentido de identidade extensível tanto ao avô como ao neto, não se apurando défices sociais ou alterações psicopatológicas que contra indiquem tal convívio. Os motivos de descontentamento e mal-estar alegados pelo Requerente e pela Requerida dos autos, referentes à antiga relação conjugal e à relação pai-filhos, não são, necessária e inevitavelmente, extensíveis a uma modalidade de relação avô-neto, que deve ser descontaminada dos aspetos negativos do passado familiar. Alguns traços de personalidade do examinado, como restrição afetiva, reserva, rigidez, circunspeção, são, aparentemente, temperados por bom senso, pragmatismo e motivação em ter um relacionamento estável com o neto.”

A. 2. Não provados os seguintes factos:
A) O distanciamento entre Requerente e os seus filhos só ocorreu após o divórcio e, sobretudo, depois deste, durante o processo de inventário.
B) O afastamento entre o Requerente e os Requeridos foi provocado por estes.


B) O DIREITO APLICÁVEL.
O conhecimento deste Tribunal de 2.ª instância, quanto à matéria dos autos e quanto ao objecto do recurso, é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente como, aliás, dispõem os art.ºs 635.º, n.º 2 e 639.º 1 e 2 do C. P. Civil, sem prejuízo do disposto no art.º 608.º, n.º 2 do C. P. Civil (questões cujo conhecimento fique prejudicado pela solução dada a outras e questões de conhecimento oficioso).
Atentas as conclusões da apelação, acima descritas, as questões submetidas ao conhecimento deste Tribunal pelo apelante consistem em saber se, a) os factos 3 a 5 da matéria de facto provada da sentença devem ser eliminados por irrelevantes para decisão da causa, sendo que o facto sob o n.º 5 é abusivo por “…vir a considerar provado, 22 anos depois, o que se passava no casamento do Requerente é tarefa que não se pedia ao tribunal, nem este podia cumprir”, e não se encontra fundamentado uma vez que a decisão recorrida se limita a remeter para “as testemunhas inquiridas…” (conclusões 1 a 10), b) o facto sob o n.º 6 deve ser alterado, dele passando a constar que “Com o arrastamento do processo de partilha pós divórcio, Requerente e Requerida deixaram de manter regulares contactos, não obstante os esforços daquele” (conclusões 11 e 12), c) o facto sob o n.º 13 deve ser alterado, dele passando a constar que “O único encontro que o Requerente teve com o neto ocorreu em 19.09.2021, proposta dos Requeridos, aceite pelo Requerente” (conclusão 13), d) devem ser aditados sete novos factos à matéria de facto provada da sentença com o seguinte conteúdo:
1 – O processo de divórcio foi instaurado pelo Requerente e terminou por acordo, o mesmo tendo acontecido com o processo de regulação do poder paternal;
2 – Após o divórcio dos pais e durante a partilha, o Requerente fez diversas tentativas para manter contacto com os filhos, o que foi sendo recusado por estes;
3 - A fim de conhecer e conviver com o neto e com o mesmo poder estabelecer uma relação afetiva, o Requerente voltou, mais uma vez, a tentar reatar o seu relacionamento com a filha, mas tais contactos foram e continuam a ser rejeitados;
4 - O Requerente tem uma atividade extraprofissional variada, de atividades desportivas a culturais, sendo uma pessoa culta, com leituras vastas e idas regulares a museus, exposições, cinemas, livrarias e outras;
5 - O Requerente viaja sempre que pode e faz um esforço constante de aculturação, por essa e muitas outras vias;
6 – O Requerente é pessoa compassiva, tendo ajudado vários familiares em situação de doença e, mesmo após o distanciamento dos filhos, não deixou de prestar todo o apoio na doença oncológica da filha mais velha, logo que esta lhe deu conhecimento da mesma e o pediu;
7 - Com os avós paternos, a relação da Requerida e dos irmãos foi de grande proximidade e de adoração recíproca, avós que, até ingressarem no ensino pré-escolar, tomavam conta deles durante o período de trabalho diário dos pais (conclusões 14 a 27), 
e) O facto sob a al. a) dos factos não provados da sentença deve ser declarado provado e o facto sob a al. b) dessa mesma espécie deve ser declarado provado apenas que “O afastamento entre o Requerente e a Requerida foi da iniciativa desta, não obstante as tentativas de reaproximação do Requerente” (conclusões 29 a 36), f) a decisão recorrida viola o disposto no art.º 1887.-A, do C. Civil, uma vez que a existência de convício com o apelante é do interesse superior do menor (conclusões 38 a 66).
Conhecendo.
1) Quanto à primeira questão, a saber, se os factos 3 a 5 da matéria de facto provada da sentença devem ser eliminados por irrelevantes para decisão da causa, sendo que o facto sob o n.º 5 é abusivo por “…vir a considerar provado, 22 anos depois, o que se passava no casamento do Requerente é tarefa que não se pedia ao tribunal, nem este podia cumprir”, e não se encontra fundamentado uma vez que a decisão recorrida se limita a remeter para “as testemunhas inquiridas…”.
Sob os números 3 a 5 da matéria de facto da sentença o tribunal a quo declarou provado que:
3. SAC e BFS divorciaram-se por sentença proferida a 03.07.2002, proferida pelo 2° Juízo de Família do Tribunal de Família e Menores da Comarca de Cascais, transitada a 15.07.2002.
4. A 28.06.2002, foi homologado o acordo de regulação das responsabilidades parentais da Requerida e do seu irmão F.
5. No âmbito de tal acordo ficou, além do mais, estabelecido que:
“1º Os menores ficam confiados à guarda e cuidados da mãe, com quem os menores ficarão a residir e a quem cabe o exercício do poder paternal.
(...)3° O pai terá os menores em fins de semana alternados em horário e períodos a combinar com a mãe e com os próprios menores.
4º Os menores passarão metade das suas férias escolares com cada um dos progenitores.
(...)”.
5. O casamento entre o Requerente e a mãe da Requerida era pautado por discussões que, por vezes, ocorriam na presença da Requerida e dos seus irmãos”.
Pretende o apelante que tais factos são irrelevantes para decisão desta causa devendo, por isso, ser eliminados.
Analisados tais factos contactamos, primeiramente, que os mesmos contêm dois factos indicados como n.º 5, a saber, o facto que começa com a expressão “No âmbito de tal acordo…” e o facto que começa sob a expressão “O casamento entre o Requerente e a mãe da Requerida…” e em segundo lugar que os factos sob os n.ºs 3 a 5 foram extraídos dos respectivos documentos autênticos constantes dos autos, o que não acontece em relação ao segundo facto também identificado como número 5.
Os factos 3 a 5 provados por documento autêntico nos termos do disposto no n.º 1, do art.º 371.º, do C. Civil, assumem a natureza de factos circunstanciais em relação à matéria destes autos não se vislumbrando fundamento para que os mesmos não integrem a matéria de facto pertinente da sentença, nos termos do disposto no n.º 4, do art.º 607.º, do C. P. Civil.
O mesmo poderia declarar-se quanto ao segundo facto identificado como o número 5 em relação ao qual se não vislumbra que o tribunal a quo tenha exorbitado os seus poderes de conhecimento.
Acontece, todavia, que se trata de uma conclusão, com foros de generalidade e indefinição subjetiva no que respeita a qualquer dos progenitores da apelada, sendo certo que o mesmo em nada contribui, quer para decisão da causa, quer para a mera e melhor compreensão de qualquer dos factos pertinentes, como decorre da irrelevância que o tribunal a quo atribuiu a toda a matéria dos artigos 19 a 253.º das alegações a que se reporta o art.º 39.º RJPTC, não se lhe reportando, quer no âmbito da matéria de facto provada, quer no âmbito da matéria de facto não provada.
Atenta, pois, a repetição do número 5 na matéria de facto provada da sentença e a sua impertinência para decisão da causa, não deixará o mesmo de ser retirado do âmbito da matéria de facto pertinente provada, o que ora se declara, nesta medida procedendo parcialmente esta primeira questão da apelação.
2) Quanto à segunda questão, a saber, se o facto sob o n.º 6 deve ser alterado, dele passando a constar que “Com o arrastamento do processo de partilha pós divórcio, Requerente e Requerida deixaram de manter regulares contactos, não obstante os esforços daquele”.
Sob o n.º 6 dos factos provados da sentença o tribunal a quo declarou provado que:
Após o divórcio dos pais, a Requerida deixou de manter contactos regulares com o Requerente”.
O apelante aceita esse mesmo facto pretendendo, todavia, que o mesmo se localiza temporalmente na partilha pós divórcio e que indiretamente a ausência de contactos seja imputada à apelada, sua filha.
Esta pretensão, que encontrará apoio nas alegações do apelado a que se reporta o art.º 39.º RJPTC, em especial nos seus art.º 63 e 107.º, é apresentada à revelia da fixação da matéria de facto pertinente para decisão da causa por parte da sentença que, a nosso ver bem, olvidou toda a matéria articulada sob os artigos 19.º a 253.º das alegações dos apelados e a resposta que o apelante lhes deu nos artigos 49.º a 138.º das suas alegações, circunscrevendo o facto em causa ao que é relevante, a saber, a ausência de contactos regulares entre o apelante e a apelada.
Acresce que analisados os meios de prova citados pelo apelante, não se vislumbra fundamento, em face do disposto na al. b), do n.º 1, do art.º 640.º, do C. P. Civil, para determinar a alteação pretendida, como determina o n.º 1, do art.º 662.º, do C. P. Civil. 
Improcede, pois, esta segunda questão da apelação.
3) Quanto à terceira questão, a saber, se o facto sob o n.º 13 deve ser alterado, dele passando a constar que “O único encontro que o Requerente teve com o neto ocorreu em 19.09.2021, proposta dos Requeridos, aceite pelo Requerente”.
Sob o número 13 da matéria de facto provada da sentença, o tribunal a quo declarou provado que:
O único encontro que o Requerente teve com o neto ocorreu em 19.09.2021, por ordem do tribunal”.
Trata-se de um facto complexo, integrado pela realização do encontro entre o apelante e o seu neto e pela génese de tal encontro em decisão judicial.
Não sendo questionada a realização do encontro o apelante discorda da sua imputação a decisão judicial.
Porque de decisão judicial se trata a sua existência só poderá ser provada através do respectivo documento autêntico que a enforma e corporiza.
Ora, analisados os autos, não encontramos o suporte documental dessa mesma decisão, antes se encontrado na acta da diligência judicial de 15 de setembro de 2021 que os requeridos declararam “Não concordam com a pretensão do avô, mas aceitam que que exista um único convívio para que o mesmo possa conhecer o neto”, após o que apelante e apelados acordaram no citado encontro.
Nos termos do disposto no n.º 1, do art.º 371.º, do C. Civil encontra-se, pois, provado que “O único encontro que o Requerente teve com o neto ocorreu em 19.09.2021, proposta dos Requeridos, aceite pelo Requerente” e não que “O único encontro que o Requerente teve com o neto ocorreu em 19.09.2021, por ordem do tribunal”.
Procede, pois, esta terceira questão, alterando-se o facto provado sob o n.º 13 da matéria de facto provada da sentença, ex vi, do n.º 1, do art.º 662.º, do C. P. Civil, o qual passará a ter a seguinte redação:
O único encontro que o Requerente teve com o neto ocorreu em 19.09.2021, proposta dos Requeridos, aceite pelo Requerente, como constante na acta de conferência de 15 de setembro de 2021”.
4) Quanto à quarta questão, a saber, se devem ser aditados sete novos factos à matéria de facto provada da sentença com o seguinte conteúdo:
1 – O processo de divórcio foi instaurado pelo Requerente e terminou por acordo, o mesmo tendo acontecido com o processo de regulação do poder paternal;
2 – Após o divórcio dos pais e durante a partilha, o Requerente fez diversas tentativas para manter contacto com os filhos, o que foi sendo recusado por estes;
3 - A fim de conhecer e conviver com o neto e com o mesmo poder estabelecer uma relação afetiva, o Requerente voltou, mais uma vez, a tentar reatar o seu relacionamento com a filha, mas tais contactos foram e continuam a ser rejeitados;
4 - O Requerente tem uma atividade extraprofissional variada, de atividades desportivas a culturais, sendo uma pessoa culta, com leituras vastas e idas regulares a museus, exposições, cinemas, livrarias e outras;
5 - O Requerente viaja sempre que pode e faz um esforço constante de aculturação, por essa e muitas outras vias;
6 – O Requerente é pessoa compassiva, tendo ajudado vários familiares em situação de doença e, mesmo após o distanciamento dos filhos, não deixou de prestar todo o apoio na doença oncológica da filha mais velha, logo que esta lhe deu conhecimento da mesma e o pediu;
7 - Com os avós paternos, a relação da Requerida e dos irmãos foi de grande proximidade e de adoração recíproca, avós que, até ingressarem no ensino pré-escolar, tomavam conta deles durante o período de trabalho diário dos pais”
A resposta esta questão encontra-se contida na apreciação das questões anteriores na parte em que reportam a matéria de facto pertinente para decisão da causa e ao acerto da sentença recorrida na parte em que, grosso modo, não atendeu às alegações dos apelados relativas ao relacionamento entre o apelante e a sua ex-cônjuge, mãe da apelada, e ao próprio desenvolvimento da relação de paternidade/filiação entre o apelante e a apelada.
No exercício das competências que lhe são conferidas pelos n.ºs 3 e 4, do art.º 607.º, do C. P. Civil, em relação à primeira o tribunal a quo considerou o divórcio e a regulação das responsabilidades parentais (factos sob os n.ºs 3 a 5) e em relação à segunda considerou o estado do relacionamento entre o apelante e a apelada (facto sob o n.º 6).
Na parte que respeita, grosso modo, às condições sócio profissionais do apelado, as mesmas integram já os factos provados sob os números 7 a 12 e 16, com os quais se conforma o apelante.
Acresce que esta pretensão do apelado se, por um lado, não especifica o acréscimo de conteúdo fáctico em relação à matéria dos factos sob os n.ºs 7 a 12 e 16, por outro, se apresenta na linha de “contas com o passado” e “qualidades/desqualidades”, irrelevantes para decisão da causa, como antes referido.
Improcede, pois, também esta quarta questão.
5) Quanto à quinta questão, a saber, se o facto sob a al. a) dos factos não provados da sentença deve ser declarado provado e o facto sob a al. b) dessa mesma espécie deve ser declarado provado apenas que “O afastamento entre o Requerente e a Requerida foi da iniciativa desta, não obstante as tentativas de reaproximação do Requerente”.
Também a resposta a esta questão se encontra contida na apreciação das questões anteriores, quer no que respeita ao “pós divórcio” ou “pós inventário”, quer no que respeita à imputação subjetiva do “afastamento”.
Com efeito, o que está diretamente em causa nos autos e decorre da petição inicial é a relação familiar que o apelante pretende seja estabelecida com o seu neto, filho dos apelados, e não a imputação objetiva e subjetiva do estado de relacionamento familiar entre o apelante e os apelados.
Não obstante, a talhe de foice, sempre se dirá que analisados os elementos de prova citados pelo próprio apelante, se não vislumbra que a este Tribunal da Relação, sobrelevando a versão do apelante em face da versão dos apelados quanto à disfuncionalidade do relacionamento como pai e filha, seja dado formar uma convicção contrária à formada pelo Tribunal a quo, como determina o n.º 1, do art.º 662.º, do C. P. Civil.
Improcede, pois, também esta quinta questão da apelação.
6) Quanto à sexta questão, a saber, se o facto a decisão recorrida viola o disposto no art.º 1887.-A, do C. Civil, uma vez que a existência de convício com o apelante é do interesse superior do menor.
O art.º 1887.º-A, do C. Civil, sob a epígrafe “Convívio com irmãos e ascendentes”, estabelece que “Os pais não podem injustificadamente privar os filhos do convívio com os irmãos e ascendentes”.
Esta norma tem o condão de vincar, ainda que numa formulação negativa, o direito dos filhos a conviverem com outros parentes, que não apenas os progenitores, a saber, os irmãos e os ascendentes.
Trata-se de um direito que resultaria já de outras normas civilistas, entre elas, as que estabelecem os graus de parentesco (art.ºs 1576.º a 1582.º, do C. Civil), o direito e dever de alimentos (art.º 2009.º, do C Civil) e a sucessão legitimária (art.ºs 2027.º, 2133.º, 2157.º, 2166.º e 2034.º, do C. Civil) e que se configura como um direito complexo, que envolve também deveres e que é acompanhado pelo correspondente direito dos irmãos e ascendentes a que se reporta.
O apelante propôs o presente procedimento contra os progenitores do seu neto, arrogando-se o direito a estabelecer com ele convívio de natureza familiar.  
Como decorre da dinâmica do conflito dos autos, na sua génese, o mesmo configura-se mais propriamente como uma ausência de convívio entre o apelante e o seu neto, por arrastamento da ausência de convivo com os seus progenitores, do que por uma privação deliberada de convívio por parte destes, como decorre da matéria de facto pertinente para decisão.
Reportando-nos diretamente ao texto do preceito legal em referência, a expressão proibitiva não podem injustificadamente privar permite-nos constatar que na matéria é estabelecido um primeiro princípio segundo o qual o filho, irmão e ascendentes têm o direito de conviver e um segundo principio segundo qual, em caso justificado, os pais podem denegar esse convívio.
Ora, no caso sub judice, partindo de uma realidade familiar em que o apelante não tem convivido com os progenitores e logo não tem também convivido com o seu neto, aportamos a uma realidade processual em que os apelados se opõem ao requerido convívio, seguida de uma apresentação do menor ao avô e de novo seguida da ausência de contactos entre ambos nos cerca de três anos decorridos sobre a entrada do processo e a realização da referida apresentação.
Atentas as posições estremadas das partes o que agora está em causa, em face o art.º 1887.º-A, do C. Civil, citado, é saber se a oposição os apelados ao convívio entre o apelante e o seu neto se configura como um ato justificado, que tem o condão de paralisar o direito de qualquer deles, tendo desde logo presente que a pedra de toque dessa análise se situa no superior interesse do menor, nos termos do disposto pela al. a), do art.º 4.º da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, aprovada pela Lei n.º 147/99, de 01 de Setembro, aqui aplicável, ex vi, do art.º 4.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, aprovado pela Lei n.º 141/2015, de 08 de Setembro.
Ora, analisada a matéria de facto provada da sentença, com a configuração que resulta da apreciação das questões anteriores desta apelação, não vislumbramos nela quaisquer factos pelos quais se possa concluir que o interesse superior do menor exige/determina, ou sequer, aconselha, o seu afastamento do convívio com o apelante.
O menor convive habitualmente com os seus avós paternos e avó materna (facto provado sob o n.º 15) e o veredico técnico quanto ao convivio com o apelante é claro ao referir a “…relação avô- neto, que deve ser descontaminada dos aspetos negativos do passado familia” (facto provado sob o n.º 16).
Na perspectiva do superior interesse do menor nada autoriza a conclusão de que denegação desse convívio pelos progenitores se configura como justificada.
Aliás, analisada a matéria de facto provada, para além da comprovada ausência de contactos (facto provado sob o n.º 6) entre o apelante e a apelada, também não se vislumbra fundamento objectivo para a falta de convivio entre ambos, sem prejuizo dos ressentimentos reciprocos profusamente trazidos aos autos, mas que o tribunal a quo rejeitou, como lhe era exigível que o fizesse, com o que o apelante e os apelados se conformaram no que excede as questões concretas da apelação.
Não contendo os autos factualidade suscetível de integrar a justificação exigida pelo art.º 1887.º-A, do C. Civil, para a denegação de convivio entre o apelante e o neto, devem subsistir os direitos base de cada um deles a esse convivio, em cuja concreta delimitação se não poderá esquecer que as decisões judiciais, longe de se limitarem a constactar disfunções sócio familiares, se devem orientar pela realização do ideal de justiça, como decorre do disposto nos n.ºs 1 e 2, do art.º 202.º, da Constituição da República Portuguesa.
Aproximando-se a data em que o menor fará sete anos, desconhecendo-se as circunstãncias da sua vida familiar junto dos pais e no convivio com os restantes familiares, as circunstâncias da sua vida escolar e de tempos livres e desconhecendo-se também as condiçoes sócios profissionais e familiares dos progenitores, este Tribunal da Relação não dispõe das necessárias condições para fixar um regime de convivios dentro dos parametros em que o mesmo foi pedido pelo apelante, quer no que respeita ao seu número e periodicidade, que no que respeita às condiçes concretas da sua realização.
Para o efeito urgirá, pois, que essas circunstâncias factuais sejam apuradas pelo tribunal a quo, o qual começará por determinar a realização de relatório social para o efeito, ouvindo sobre o mesmo o apelante e os progenitores em exercicio do seu direito de audição e contraditório, decidindo de facto e de direito, nos parametros estabelecidos neste acórdão, com respeito do disposto nos art.ºs 607.º e 608.º, do C. P.Civil, com as necessárias, adaptações. 
  

C) SUMÁRIO
1. O art.º 1887.º-A, do C. Civil, ao estabelecer que “Os pais não podem injustificadamente privar os filhos do convívio com os irmãos e ascendentes”, estabelece um primeiro princípio segundo o qual o filho, irmão e ascendentes têm o direito de conviver e um segundo princípio segundo qual, em caso justificado, os pais podem denegar esse convívio.
2. O que está em causa, em face desse preceito é saber se a oposição ao convívio se configura como um ato justificado, que tem o condão de paralisar os respectivos direitos, tendo presente que a pedra de toque dessa análise se situa no superior interesse do menor, nos termos do disposto pela al. a), do art.º 4.º da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, aprovada pela Lei n.º 147/99, de 01 de Setembro, aqui aplicável, ex vi, do art.º 4.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, aprovado pela Lei n.º 141/2015, de 08 de Setembro.
3. Não contendo os autos factualidade suscetível de integrar a justificação exigida pelo art.º 1887.º-A, do C. Civil, para a denegação de convívio entre o apelante e o neto, devem susbsistir os direitos base de cada um deles a esse convívio, em cuja concreta delimitação se não poderá esquecer que as decisões judiciais, longe de se limitarem a constactar disfunções sócio familiares, se devem orientar pela realização do ideal de justiça, como decorre do disposto nos n.ºs 1 e 2, do art.º 202.º, da Constituição da República Portuguesa.


3. DECISÃO.
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação parcialmente procedente, alterando a sentença recorrida em matéria de facto, como acima exposto, declarando o direito do apelante e seu neto a conviveram entre ambos e determinando a realização pelo tribunal a quo de relatório social para apuramento das circunstâncias da vida familiar do menor junto dos pais e no convívio com os restantes familiares, as circunstâncias da sua vida escolar e de tempos livres e das condições sócios profissionais e familiares dos progenitores, ouvindo sobre o relatório o apelante e os progenitores no exercício do seu direito de audição e contraditório, e o MP, decidindo de facto e de direito, nos parâmetros acima estabelecidos, com respeito do disposto nos art.ºs 607.º e 608.º, do C. P. Civil, com as necessárias adaptações.

Lisboa, 17-07-2024
Orlando Santos Nascimento
Micaela Sousa
Maria do Céu Silva