MARCA
REGISTO
CARÁCTER DISTINTIVO
Sumário

- A omissão de pronúncia não se verifica quando não se rebatem todos os argumentos apresentados, nomeadamente baseados num aresto, mas, tão só, quando não se conhece das concretas controvérsias centrais a dirimir, no caso, considerar se o sinal registando é suscetível de gerar confusão ou associação;
- O caráter distintivo de uma marca, no sentido vertido no artigo 208.º do CPI, ocorre quando essa marca permite identificar o produto/ serviço como provindo de uma empresa determinada, distinguindo-o do produto/ serviço prestado por outras empresas;
- A falta de caráter distintivo obsta à concessão do registo de marca nacional, conforme decorre dos artigos 209.º e 231.º, ambos do CPI.

Texto Integral

Acordam na Secção da Propriedade Intelectual, Concorrência, Regulação e Supervisão do Tribunal da Relação de Lisboa:
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I - Relatório
Bakery Ingredientes, Lda, intentou recurso, ao abrigo do disposto nos artigos 38.º e seguintes do Código da Propriedade Industrial, do despacho do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), de 23 de janeiro de 2024, que indeferiu o pedido de registo da marca nacional n.º 707434 “CREAMCRUNCHY”, pedindo que o mesmo fosse deferido.
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Cumprido o disposto no artigo 42.º do Código da Propriedade Industrial, o INPI remeteu o processo administrativo.
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O Tribunal da Propriedade Intelectual proferiu a seguinte decisão:
“Termos em que, vistos os princípios e as normas invocadas, se indefere o recurso apresentado, mantendo-se o despacho recorrido que recusou o registo da marca nacional n.º 707434, com o sinal:
CREAMCRUNCHY
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Inconformada com tal decisão, veio a Recorrente Bakery Ingredientes, Lda interpor recurso de apelação, apresentando as seguintes conclusões:
“I. O presente recurso tem como objecto a matéria de facto e a matéria de direito
II. O tribunal deixou de pronunciar sobre inúmeras marcas registadas a nível europeu com expressões similares
III. Devendo a invés do que aconteceu considerar como facto provado as marcas elencadas pelo aqui recorrente, Marca nominativa italiana com o nº de registo – 2021000019673 – CREAMY CRUNCHY; Marca nominativa chinesa com o nº de registo - 10187708 HERSHEYS COOKIENCREME.CREAMYCRUNCHYHAPPINESS; Marca mista turco com o nº de registo 2020-42842 - flavia cinnamon & caramel crunchy & cream reach flavor; Marca Nominativa americana com o nº de registo 5507728 - SWEET MEETS SALTY, CREAMY MEETS CRUNCHY
IV. A nível europeu já existem diversos registos de marcas idênticos e com expressões semelhantes.
V. Não houve qualquer oposição ao presente registo.
VI. Não se afigura que o mesmo não tenha carácter distintivo.
VII. Estamos perante uma marca nominativa a qual é composto pela designação de fantasia associado a doces e pastelaria
VIII. O recorrente já utiliza a marca em produtos que comercializa.
IX. A expressão CREAMCRUNCHY é uma junção de duas palavras inglesas, “cream” e “crunchy”, sendo uma expressão de mera fantasia.
X. A expressão em apreço embora dirigida ao mercado nacional não é portuguesa, tem um significado meramente elucidativo e metafórico.
XI. O nome não se afigura usual nem é rapidamente identificável
XII. Não se vê no vocábulo “creamcrunchy”, quando referido ao concreto produto em causa nos autos, quaisquer sinais comuns com objectos idênticos, apenas diferenciados pela sua origem.
XIII. Desta forma, teremos de concluir que nos encontramos em face de uma marca expressiva ou significativa, cuja composição dá a ideia do produto a que se reporta, dotada por si, considerada na globalidade dos seus elementos, de eficácia distintiva.
XIV. A marca que se pretende registar não é suscetível de poder ser confundida tendo a mesma um caracter distinto
XV. A marca em crise é conceptualmente diversa, inexistindo risco de confusão e inexistindo risco de confusão com outras marcas.
XVI. Não se podendo afirmar sem sombra de dúvidas que uma será tomada pela outra
XVII. Não se encontrando preenchido o previsto no artigo 209º/1 e 231º/1 b) do CPI.
XVIII. Padecendo a decisão proferida de nulidade de acordo com o artigo 615º/1 d) do C.P.C.”
Tendo concluído que:
TERMOS EM QUE e noutros que VV. Exas. suprirão, concedendo-se a apelação e revogando-se a decisão revidenda, substituindo-se por outra que admita o registo da marca nacional nº 707434, far-se-á JUSTIÇA.”
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Os autos foram à conferência.
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II - Questões a decidir
O objeto do recurso é balizado pelas conclusões do apelante, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, não estando o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito, conforme resulta dos artigos 5.º, n.º 3, 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1, e 608.º, todos do CPC.
Assim, importa, no caso, apreciar e decidir:
- se a sentença proferida pelo Tribunal a quo não se pronunciou sobre a existência de diversas marcas similares, e, em caso afirmativo, se padece de nulidade;
- se deve ser aditado à matéria de facto provada que existem as seguintes marcas registadas: Marca nominativa italiana com o nº de registo – 2021000019673 – CREAMY CRUNCHY; Marca nominativa chinesa com o nº de registo - 10187708 HERSHEY'S COOKIES'N'CREME.CREAMYCRUNCHY HAPPINESS; Marca mista turco com o nº de registo 2020-42842 - flavia cinnamon & caramel crunchy & cream reach flavor; Marca Nominativa americana com o nº de registo 5507728 - SWEET MEETS SALTY, CREAMY MEETS CRUNCHY;
- se deve ser concedido o registo da marca n.º 707434 “CREAMCRUNCHY”, da Recorrida.
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II – Fundamentação
A – Factos provados
A decisão recorrida declarou como provados os seguintes factos:
1. Em 20/06/2023, a Recorrente pediu o registo da marca nacional nº 707434 CREAMCRUNCHY
2. O pedido destinava-se a abranger os seguintes produtos/serviços da Classificação internacional de Nice:
Classe 30: açúcares, adoçantes naturais, revestimentos e coberturas doces, produtos apícolas; café, chás e cacau e substitutos dos mesmos; gelados, iogurtes gelados e sorvetes; grãos processados, amidos, e produtos feitos a partir dos mesmos, preparações de cozedura e leveduras; sais, temperos, aromas e condimentos; alimentos que contêm cacau [como elemento principal]; alimentos que contêm chocolate [como elemento principal]; alimentos à base de cacau; aromas de chocolate; artigos de confeitaria cobertos de chocolate; chocolate; chocolate areado; chocolate não medicinal; chocolate para coberturas; chocolate para confeitaria e pão; chocolates; cobertura de chocolate; confeções de mousse; confeitaria com sabor a chocolate; cremes à base de cacau sob a forma de pastas para barrar; cremes (custards); cremes de chocolate para barrar; cremes de chocolate para barrar que contêm frutos de casca rija; cremes de ovos; crumbles; decorações de chocolate para bolos; decorações de chocolate para artigos de confeitaria; doces gelados; doçaria cozida; frutos com cobertura de chocolate; frutos oleaginosos com cobertura de chocolate; frutos secos cobertos [confeitaria]; frutos secos cobertos de chocolate; gelados de confeitaria; geleias de frutas (confeitaria); geleias de frutos [confeitaria]; ingredientes à base de cacau para produtos de confeitaria; massa para biscoitos; molho de chocolate; molhos de chocolate; mousse [doçaria]; pastelaria, bolos, tartes e biscoitos (bolachas); pastelaria de massa folhada [viennoiseries]; pedaços de cacau; pepitas de cacau; preparações para a elaboração de produtos de confeitaria; produtos de confeitaria; produtos de confeitaria não medicinais; produtos de confeitaria não medicinal de chocolate; produtos de confeitaria não medicinal, à base de farinha, com cobertura de chocolate; produtos de padaria; produtos de padaria sem glúten; produtos à base de chocolate; produtos gelados de confeitaria; produtos para barrar à base de chocolate; produtos para barrar, de chocolate, contendo oleaginosas; sobremesas de chocolate; sobremesas preparadas [confeitaria]; sobremesas preparadas à base de chocolate; sucedâneo de leite-creme; sucedâneos de chocolate; tabletes (produtos de confeitaria); trufas [confeitaria]; trufas de chocolate.
3. O INPI recusou o registo da marca referida em 1.º, por despacho do Diretor do Instituto, de 23.01.2024. (cf. processo INPI)
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B - Factos não apurados
A decisão recorrida não os declarou.
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III - Do mérito do recurso
Como referido supra, os presentes autos reportam-se a um pedido de registo de marca nacional, no caso, o n.º 707434, cujo regime legal se mostra previsto no Código de Propriedade Industrial (CPI).
Vejamos as questões suscitadas.
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Da nulidade (omissão de pronúncia).
A Recorrente, nas suas alegações de recurso, reportando-se “a inúmeras marcas registadas a nível europeu com expressões similares”, que havia invocado no recurso interposto do INPI, refere que “as quais não foram tidas em consideração na formulação da presente decisão. Padecendo a decisão proferida de nulidade de acordo com o artigo 615º/1 d) do C.P.C.
Vejamos.
Dispõe o artigo 608.º do CPC, sob a epígrafe “Questões a resolver – Ordem do julgamento”, que:
1 - Sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 278.º, a sentença conhece, em primeiro lugar, das questões processuais que possam determinar a absolvição da instância, segundo a ordem imposta pela sua precedência lógica.
2 - O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.”
Por sua vez, estabelece o artigo 615.º do mesmo diploma legal, sob a epígrafe “Causas de nulidade da sentença”, que:
“1 - É nula a sentença quando:
a) Não contenha a assinatura do juiz;
b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
c) Os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível;
d) O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento;
e) O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido.
2 - A omissão prevista na alínea a) do número anterior é suprida oficiosamente, ou a requerimento de qualquer das partes, enquanto for possível colher a assinatura do juiz que proferiu a sentença, devendo este declarar no processo a data em que apôs a assinatura.
3 - Quando a assinatura seja aposta por meios eletrónicos, não há lugar à declaração prevista no número anterior.
4 - As nulidades mencionadas nas alíneas b) a e) do n.º 1 só podem ser arguidas perante o tribunal que proferiu a sentença se esta não admitir recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades.”
Importa recordar que as «questões» referidas no número 2 do artigo 608.º, “reportam-se aos pontos fáctico-jurídicos estruturantes da posição das partes, nomeadamente os que se prendem com a causa de pedir, pedido e exceções, não se reconduzindo à argumentação utilizada pelas partes em defesa dos seus pontos de vista fáctico-jurídicos, mas sim às concretas controvérsias centrais a dirimir. Deste modo, não constitui nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, a circunstância de não se apreciar e fazer referência a cada um dos argumentos de facto e de direito que as partes invocaram tendo em vista obter a (im)procedência da ação. Questões e argumentos não se confundem, sendo que o dever de decisão é circunscrito à apreciação daquelas, tanto mais que, com muita frequência, as partes são prolíficas num argumento cuja medida é inversamente proporcional à pertinência das questões” (cfr. Código de Processo Civil Anotado, António Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Sousa, Vol. I, pág. 727).
Dito isto, vejamos em que moldes foi suscitada a questão que a Recorrente afirma ter o Tribunal a quo omitido e em que termos este se pronunciou sobre aquela.
A Recorrente alega que “Entendeu, no entanto, o Tribunal a quo, em suma, que não se afigura que possa subsistir algum caráter distintivo na expressão, por forma ao público consumidor conotar a marca com uma determinada origem empresarial.
Salvo o devido respeito, não pode a Recorrente conformar-se com a decisão revidenda, uma vez que considera que existe um carater distintivo na expressão.
Ademais, conforme irá ser possível aferir, não existe risco de confusão.
Aliado a isso existem diversos registos a nível europeu semelhantes.
Não se logra compreender que exista uma clara omissão de pronúncia na medida em que o recorrente indicou diversas marcas similares, as quais não foram tidas em consideração na formulação da presente decisão.
Padecendo a decisão proferida de nulidade de acordo com o artigo 615º/1 d) do
C.P.C.”
Compulsada a sentença em crise, resulta, efetivamente, que o Tribunal não se pronunciou diretamente sobre os alegados registos.
Porém, relativamente à questão colocada, a qual seja a de se considerar a (in)existência de caráter distintivo do sinal, de forma a aquilatar da concessão do registo da marca n.º 707434, dúvidas não existem que a sentença em crise se pronunciou sobre a mesma.
Aliás, com o devido respeito, julgamos mesmo que a Recorrente admite tal facto, desde logo ao referir - como já citado - que “entendeu, no entanto o Tribunal a quo, em suma, que não se afigura que possa subsistir algum caráter distintivo na expressão, por forma ao público consumidor conotar a marca com uma determinada origem empresarial”, ou seja, reconhece que aquela se pronunciou sobre a temática que se coloca nos autos; discorda, porém, do resultado a que a sentença chegou, nomeadamente, por entender que o sinal apresenta caráter distintivo.
Dito de outra forma, a Recorrente discorda - legitimamente - da conclusão que a sentença em crise retirou das normas legais aplicáveis, nomeadamente face aos registos internacionais que invocou; circunstância que, manifestamente, não integra a figura da pugnada nulidade, pois que, como a própria reconhece, o Tribunal respondeu à questão do pretenso caráter distintivo do sinal, apesar de não ter rebatido, expressamente, diríamos nós, o argumento avançado pela Recorrente. 
Pelo exposto, julgamos improcedente a alegada nulidade.
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Da impugnação da decisão de facto.
Estabelece o artigo 640.º do CPC, sob a epígrafe “Ónus a cargo do recorrente que impugna a decisão relativa à matéria de facto”, que:
“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
…”.
Quer isto dizer que recai sobre a parte Recorrente um triplo ónus:
Primeiro: circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando claramente os segmentos da decisão que considera viciados por erro de julgamento;
Segundo: fundamentar, em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa;
Terceiro: enunciar qual a decisão que, em seu entender, deve ter lugar relativamente às questões de facto impugnadas. 
Ónus tripartido que encontra nos princípios estruturantes da cooperação, da lealdade e boa fé processuais a sua ratio e que visa garantir, em última análise, a seriedade do próprio recurso instaurado, arredando eventuais manobras dilatórias de protelamento do trânsito em julgado da decisão.” (cfr. Cadernos Temáticos De Jurisprudência Cível Da Relação, Impugnação da decisão sobre a matéria de facto, consultável no site do Tribunal da Relação do Porto, Jurisprudência).
Dito isto, vejamos se a Apelante cumpriu o referido ónus.
A Apelante claramente deu cumprimento ao primeiro e terceiro ónus.
Tal decorre da alínea III) das respetivas conclusões de recurso e do corpo do recurso (“12.”).
Efetivamente, identifica a matéria de facto que no seu entender deve ser adicionada “à especificação da matéria de facto dada como assente” e enuncia a respetiva redação.
Porém, salvo o devido respeito, não cumpre o segundo ónus.
Na verdade, em momento algum a Recorrente indicou o(s) meio(s) de prova donde se retira tal conclusão, limitando-se, no referido artigo 12), a justificar a sua “atenta à prova documental junta”.
Ora, o cumprimento do referido ónus, não só não se mostra cumprido nas conclusões do recurso, como se impunha; assim como no respetivo corpo do recurso se limita a justificar a sua pretensão na prova documental, sem, porém, a identificar.
Julgamos, pois, que se impunha identificar o documento donde se retiram os referidos factos e não, como efetuado, a remeter para a prova documental.
Aliás, sendo nos presentes autos fácil encontrar/ identificar os documentos, noutros processos tal não ocorre, motivo pelo qual cumpre ao recorrente o referido ónus que, no caso, como vimos, não se mostra satisfeito.
Não obstante, em abono da verdade, cumpre referir que para tais factos serem levados à “matéria de facto”, era necessário que os mesmos fossem relevantes para a decisão.
Efetivamente, como vem sendo sucessivamente reiterado pela jurisprudência, a impugnação da decisão de facto não constitui um fim em si mesmo, antes se mostra admitida enquanto meio ou instrumento que visa permitir à parte que impugna a decisão de facto, a revogação/alteração da decisão final, ou seja, como meio que visa a demonstração de um determinado direito que a sentença não concedeu.
No caso, a circunstância de existirem registos concedidos por outros países – Itália, China, Turquia e EUA – para sinais “semelhantes” ao sinal que a Recorrente pretende registar, salvo o devido respeito, em nada releva para o caso que nos ocupa.
Na verdade, não só estamos perante ordenamentos jurídicos diversos, como também os sinais registados não são iguais.
Aliás, como é do conhecimento da Recorrente, nomeadamente ao despoletar junto do INPI o pedido de registo/ concessão da marca em análise, as regras que se aplicam à concessão de marca nacional são as previstas no DL n.º 110/2018, de 10 de dezembro (CPI) e, por isso, é com base nas regras ínsitas neste diploma legal que nos temos de reger para a sua concessão e não noutros ordenamentos jurídicos ou, por maioria de razão, em decisões tomadas noutros ordenamentos jurídicos.
Acresce referir que, mesmo que estivéssemos perante decisões nacionais, que, como vimos, não estamos, a circunstância de se ter concedido indevidamente um direito não desencadeia a concessão de outro direito equivalente a um terceiro, desde logo por não existir igualdade na ilegalidade.
Dito isto, não tendo cumprido o ónus supra referido, mas, fundamentalmente, porque os factos que a Recorrente pretende levar à matéria de facto provada não permitem a demonstração do direito que a sentença não concedeu, julgamos improcedente a impugnação da decisão de facto.
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Da concessão do registo da marca nacional n.º 707434.
O presente recurso vem interposto da sentença que confirmou o despacho do INPI que indeferiu o pedido de registo da marca nacional n.º 707434 “CREAMCRUNCHY”.
A sentença proferida pelo tribunal a quo identifica convenientemente a questão sub judice.
Também, em resumo, qualifica a marca como nominativa; atesta os produtos/ serviços incluídos (classe 30.ª de Nice); salienta o facto do sinal ser composto (apenas) por expressões caracterizadoras do produto; salienta ainda o público consumidor a que se reporta; e conclui que lhe falta caráter distintivo.
A Recorrente, por reporte ao caráter distintivo, refere que “Estamos perante uma marca nominativa a qual é composto pela designação de fantasia associado a doces e pastelaria”.
Mais refere que a “expressão CREAMCRUNCHY é uma junção de duas palavras inglesas, “cream” e “crunchy”, sendo uma expressão de mera fantasia” e que “embora dirigida ao mercado nacional não é portuguesa, tem um significado meramente elucidativo e metafórico”.
Refere ainda que “Não se vê no vocábulo “creamcrunchy”, quando referido ao concreto produto em causa nos autos, quaisquer sinais comuns com objectos idênticos, apenas diferenciados pela sua origem.”
Finalmente, refere que “nos encontramos em face de uma marca expressiva ou significativa, cuja composição dá a ideia do produto a que se reporta, dotada por si, considerada na globalidade dos seus elementos, de eficácia distintiva”, que “a marca que se pretende registar não é suscetível de poder ser confundida tendo a mesma um caracter distinto”, que “é conceptualmente diversa, inexistindo risco de confusão e inexistindo risco de confusão com outras marcas” e que “não se encontra preenchido o previsto no artigo 209º/1 e 231º/1 b) do CPI.
Vejamos.
Dispõe o artigo 1º do Código da Propriedade Industrial, sob a epígrafe “Função da propriedade industrial”, que:
“A propriedade industrial desempenha a função de garantir a lealdade da concorrência, pela atribuição de direitos privativos sobre os diversos processos técnicos de produção e desenvolvimento da riqueza.” (o destaque é nosso).
Por sua vez, estabelece o artigo 208.º do CPI, aprovado pelo DL n.º 110/2018, de 10 de dezembro, sob a epígrafe “Constituição de marca”, que:
“A marca pode ser constituída por um sinal ou conjunto de sinais suscetíveis de representação gráfica, nomeadamente palavras, incluindo nomes de pessoas, desenhos, letras, números, sons, cor, a forma do produto ou da respetiva embalagem, ou por um sinal ou conjunto de sinais que possam ser representados de forma que permita determinar, de modo claro e preciso, o objeto da proteção conferida ao seu titular, desde que sejam adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas.” (o destaque é nosso).
Estabelece o artigo 209.º do CPI, sob a epígrafe “Exceções”, que:
1. Não satisfazem as condições do artigo anterior:
a) As marcas desprovidas de qualquer caráter distintivo;

c) Os sinais constituídos, exclusivamente, por indicações que possam servir no comércio para designar a espécie, a qualidade, a quantidade, o destino, o valor, a proveniência geográfica, a época ou meio de produção do produto ou da prestação do serviço, ou outras características dos mesmos;

2. Os elementos genéricos referidos nas alíneas a), c) e d) do número anterior que entrem na composição de uma marca não serão considerados de uso exclusivo do requerente, exceto quando, na prática comercial, os sinais tiverem adquirido eficácia distintiva.
…”. (o destaque é nosso).
Dispõe o artigo 231.º do CPI, sob a epígrafe “Fundamentos de recusa do registo”, que:
“1. Para além do que se dispõe no artigo 23.º, o registo de uma marca é recusado quando esta:

b) Seja constituída por sinais desprovidos de qualquer carácter distintivo;
c) Seja constituída, exclusivamente, por sinais ou indicações referidos nas alíneas b) a d) do n.º 1 do artigo 209.º;
d) Contrarie o disposto nos artigos 208.º, 211.º e 224.º. 
2. Não é recusado o registo de uma marca constituída, exclusivamente, por sinais ou indicações referidos nas alíneas a), c) e d) do artigo 209.º se, antes da data do pedido de registo e na sequência do uso que dela for feito, esta tiver adquirido carácter distintivo.  
…”. (o destaque é nosso).
Resulta, assim, da conjugação dos preceitos legais em análise que:
- não são suscetíveis de constituir uma marca os sinais que não sejam adequados a distinguir os produtos ou serviços de uma empresa de outras empresas e os constituídos - exclusivamente - por indicações que possam servir no comércio para designar a espécie do produto ou da prestação do serviço;
- que os elementos genéricos que entrem na composição de uma marca não serão considerados de uso exclusivo do requerente, exceto quando, na prática comercial, os sinais tiverem adquirido eficácia distintiva;
- que o registo de uma marca é recusado quando esta seja constituída por sinais desprovidos de qualquer caráter distintivo ou, exclusivamente, por sinais ou indicações referidos nas alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 209.º, ou seja, para o que aqui releva, para designar a espécie do produto.
Vejamos então.
Importa ter presente que, como refere o STJ, “a marca é o primeiro e mais importante dos sinais distintivos do comércio, funcionando, de um lado, como identificação de um produto ou serviço proposto ao consumidor e permitindo, por outro, distingui-lo e diferenciá-lo de outros idênticos ou afins.” (Ac. de 12 de julho de 2018, proc. N.º 346/15.3YHLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt). (o destaque é nosso).  
Por sua vez, a respeito das marcas nominativas, o mesmo STJ entendeu “que é pelos sons das palavras e das expressões que estas se fixam na memória (repare-se como as crianças aprendem a falar tentando imitar aquilo que dizem os adultos, sem sequer entender o seu sentido) - deve prestar-se primordial atenção aos fonemas que as compõem (assim, entre outros, o Ac. do STJ de 02-10-2003 ( Ferreira Girão), na revista nº03B2236 . A apresentação varia. O som fica ….”.(Ac. de 9 de junho de 2016, proc. n.º 124/14.7YHLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt).
Mais importa ter presente que a capacidade distintiva deve ser aferida em concreto, ou seja, relativamente aos produtos ou serviços que visa assinalar, sendo que este juízo, como refere Luís Couto Gonçalves, “deve ser feito tendo por base uma análise duplamente concreta: deve atender-se à marca (às suas características, natureza, significado, etc), relacionando-a com os produtos ou serviços para os quais é solicitado o registo, de acordo com a “(…) percepção que dela (marca) tem o público relevante, que é constituído pelo consumidor médio desses produtos ou serviços”. O TJUE acrescenta que, além da marca tal como consta do pedido de registo, devem ainda ser tidos em consideração “todos os outros factos e circunstâncias pertinentes”, como, p.e., os resultados de um estudo apresentado pelo requerente no sentido de demonstrar que a marca não é destituída de caracter distintivo, incluindo todos os modos de uso prováveis da marca pedida, que, na falta de outros indícios, correspondem “aos modos de uso que, à luz dos hábitos do setor económico em causa, são suscetíveis de ser significativos na prática.”(cfr. CPI Anotado, Almedina, pág. 826).
Importa ainda ter presente que “a doutrina aponta, tradicionalmente, como sinais insuscetíveis de constituírem uma marca por não terem caráter distintivo os chamados “sinais fracos”: as letras e algarismos isolados, os simples sinais de pontuação e linhas geométricas, sem qualquer particularidade que os torne aptos a cumprirem a função distintiva da marca.”(cfr., mesma obra, pág. 826).
Finalmente, que “os sinais genéricos são sinais (nominativos ou figurativos) que se referem, exclusivamente, ao nome ou ao género do produto ou serviço visado pelo registo (p.e., telemóvel para distinguir telemóveis)… a estes devem ser equiparados… as denominações genéricas que o sejam face a uma língua estrangeira falada em algum país da União Europeia.” (cfr., mesma obra, pág. 827 e 828). 
Como referido supra, temos por assente que o sinal objeto dos autos se destina a assinalar produtos indicados na classe 30 da Classificação Internacional de Nice (açucares, adoçantes naturais, revestimentos e coberturas doces e etc.).      
Importa, como bem refere a decisão em crise, referir que estamos perante sinal nominativo composto pela junção de duas palavras na língua inglesa, sendo que, ao contrário do defendido pela Recorrente, a sua leitura permite, com facilidade e de forma natural, manter a autonomia daquelas.
Dito de outra forma, as duas palavras, apesar de ligadas, pois que não existe espaço entre as mesmas, perante o leitor medianamente atento, mantêm a sua individualidade, permitindo, assim, assumir o significado que, transposto para a língua nacional, mais não quer dizer que «creme crocante».
Por isso, concordamos com a apreciação efetuada na sentença em crise, quando, a esse respeito, consigna que “Os Vocábulos Cream e Crunchy, apesar de escritos em língua inglesa, já entraram no vocabulário comum do público consumidor em Portugal, habituado à exposição de expressões em língua inglesa (sendo, de resto, aquelas expressões muito utilizadas em spots publicitários, designadamente, de bolachas e cereais).
Recorde-se, como disso se dá conta no aresto deste TRL, de 14 de abril de 2020, proferido no âmbito do p. n.º 121/19,6YHLSB.L1, que a capacidade distintiva de uma marca nominativa deve ser aferida em confronto com os produtos/serviços a que essa marca se destina assinalar e não em abstrato.
Mais se recorde que a circunstância de o sinal corresponder a (duas) palavras na língua inglesa, em nada altera o que se acabou de referir, pois, como disso dá conta Luís Couto Gonçalves, a respeito da falta de capacidade distintiva dos sinais descritivos, “o que está proibido é o registo de sinais, incluindo em língua estrangeira, compostos exclusivamente por estas indicações, o que significa que se estas integrarem marca com outros elementos (marca complexa) e o conjunto tiver capacidade distintiva, o problema da descritividade já não se coloca”. (cfr. Código da Propriedade Industrial Anotado, Almedina, pág. 829)
O mesmo autor, agora a respeito dos sinais usuais na linguagem corrente, refere que “relativamente à extensão desta proibição aos sinais em língua estrangeira, …, à perspetiva tradicional de análise do problema, traduzida na ideia de que só deviam ser proibidas as expressões estrangeiras conhecidas e usadas na linguagem corrente através do seu significado idiomático próprio, (sirvam de exemplo (…) hamburger (…)), devemos adotar uma perspetiva mais atual, abrangente e consentânea com a realidade económica dos nossos dias, pela qual a natureza (ou descritiva) de um sinal segundo o idioma de origem deve, em princípio, ser respeitada em qualquer outro país da EU independentemente da referência ao “consumidor médio”. Só, assim, na verdade, se consegue garantir, de modo mais eficaz, a livre circulação de produtos e serviços e alcançar uma relativa uniformidade de regras de constituição de marcas no seio do mercado interno.” (cfr. Obra citada, pág. 830).  
Assim sendo, como aliás a própria Recorrente admite, o referido sinal quando associado a doces e pastelaria, “dá a ideia do produto a que se reporte”.
Aliás, mais que dar a ideia do mesmo, descreve-o.
Efetivamente, como também a Recorrente salienta, “estamos perante uma marca que se encontra associado a um produto que se destina à utilização de creme crocante … a gama de produtos é referente a cremes crocantes utilizados na confeção de bolos”.
Nessa medida, porque o sinal corresponde à identificação do produto que a Recorrente comercializa, naturalmente que, não estando acompanhado de outros elementos que o permitam diferenciar, não vemos de que forma seja possível que o mesmo seja adequado a distinguir os produtos que comercializa dos de outras empresas que também comercializem produtos iguais ou semelhantes.
A proibição de registo de sinais exclusivamente descritivos, a que fazem referência os citados artigos, encontra a sua justificação no facto de não possuírem capacidade distintiva, na medida em que se referem às propriedades e caraterísticas de produtos ou serviços daquele tipo, como na necessidade de manter livremente disponível os sinais descritivos para que todos os empresários que operam no setor correspondente do mercado os possam utilizar, justificações que nos reportam para o sistema concorrencial.
Face ao exposto, porque, manifestamente, a função essencial da marca é garantir ao consumidor lato sensu a identidade da origem do produto e ou serviço designado pela mesma, permitindo-lhe distingui-los, sem confusão possível, dos outros com proveniência empresarial diversa, não se mostra alcançada.
Vejamos agora, face à posição da Recorrente, se o sinal registando adquiriu capacidade distintiva.
Resulta da conjugação dos artigos 209.º e 231.º, n.º 2, ambos do CPI, não ser recusado “o registo de uma marca constituída, exclusivamente, por sinais ou indicações referidas nas alíneas a), c) e d) do n.º 1 do artigo 209.º se, na sequência do uso que dela for feito, esta tiver entretanto adquirido carácter distintivo …. É, assim, admitida a relevância do secondary meaning, “um fenómeno que implica mutações semânticas ou simbólicas, em virtude do qual um sinal originariamente desprovido de capacidade distintiva, por consequência fundamentalmente do uso, aos olhos dos consumidores converte-se em identificador dos produtos ou serviços de um determinado empresário”. (cfr. Obra citada, pág. 836).
Dito isto, vejamos se o sinal reúne essa condição?
Considerando a factualidade apurada que, reportada a essa condição, não se mostra impugnada, manifestamente não se mostra demonstrada.
Aliás, em abono da verdade, julgamos mesmo que as conclusões do recurso a esse respeito se afiguram conclusivas ou, dito de outra forma, desprovidas de factualidade suscetível de o demonstrar.
Ora, dúvidas não existem que incumbia à Recorrente o ónus de alegação e prova dos elementos de facto necessários à apreciação judicial da secondary meaning (artigo 342.º, n.º 2, do Código Civil).
Porém, como referimos, dos factos considerados provados pelo Tribunal a quo nada se diz sobre o uso dado pela Recorrente à marca em questão e, de qualquer forma, não seria qualquer uso que permitiria a referida aquisição de caráter distintivo.
Na verdade, seria necessária alegação de suporte factual pela Recorrente, cuja demonstração lhe incumbiria, sobre aquisição da capacidade distintiva, nomeadamente  “a quota de mercado detida pela marca, a intensidade, área geográfica e duração do uso da marca, a importância dos investimentos feitos pela empresa para a promover, os resultados de sondagens, inquéritos e estudos de mercado” (cfr. Direito Europeu das Patentes e Marcas, Remédio Marques, pág. 445 e segs.).
Finalmente, importa assinalar que não estamos, nem foi esse o foco das decisões em crise, a comparar marcas, de forma a aquilatar sobre (possível) imitação ou confusão, mas antes, como decorre dos citados artigos, a aferir da capacidade do sinal registando identificar e distinguir os produtos ou serviços de uma empresa dos de outras empresas.  
Assim sendo, por o sinal registando ser constituído, exclusivamente, por sinais desprovidos de caráter distintivo, deve ser recusado o registo da marca nacional n.º 707434 com o sinal CREAMCRUNCHY, mantendo-se a decisão do Tribunal a quo.
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IV - Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso e, mantendo-se a decisão recorrida, recusar o registo da marca nacional n.º 707434 com o sinal “CREAMCRUNCHY” requerido por Bakery Ingredientes, Lda.
Custas pela Recorrente (artigo 527.º do CPC).
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Lisboa, 11 de setembro de 2024
Bernardino Tavares
Alexandre Au-Yong Oliveira (com o voto de vencido que segue infra)
Paulo Abrantes Registo

Voto vencido pelas razões que sinteticamente passo a expor:
1. Nesta sede de registo, é irrelevante o que o Recorrente diz a respeito da intenção de usar a marca ("a Recorrente salienta, “estamos perante uma marca que se encontra associado a um produto que se destina à utilização de creme crocante … a gama de produtos é referente a cremes crocantes utilizados na confeção de bolos”). Estamos em sede de registo de uma marca e, por isso, a ser concedido o registo, a marca poderá ser validamente utilizada para qualquer um dos produtos que visa assinalar.
2. Nesta esteira, sendo certo que a marca em causa pretende assinalar uma gama muito grande de produtos, entre os quais, por exemplo, açúcares, adoçantes naturais, produtos apícolas; café, chás, trufas. Não me parece que este tipo de produtos esteja associado às propriedades "cremoso" e/ou "crocantes". Assim sendo, a considerar-se que a marca é meramente descritiva e, por isso, destituída de caráter distintivo, sempre poderia ser concedido o registo para os produtos que não estão associados às qualidades de cremoso e crocante.
3. Mais importantemente, conforme já decidiu o Tribunal Geral: "‘crunch’ has no meaning for the Spanish and French public and possesses an intrinsic distinctive character. It recalls that understanding a foreign language may not generally be presumed." (v. https://www.euipo.europa.eu/en/law/recent-case-law/the-understanding-of-crunch-in-spain-or-france-is-not-a-well-known-fact). Creio que o raciocínio exposto é também aplicável ao consumidor português. O consumidor médio engloba quer o português urbano típico, quer o português rural típico. Nestes termos, não consideraria a marca desprovida de caráter distintivo. Cremos que a marca em questão é, em relação a alguns produtos que visa assinalar, quanto muito, alusiva de algumas das respetivas qualidades.