IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ARRENDAMENTO
CUSTAS PROCESSUAIS
Sumário

(elaborado nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, CPC):

I – Nos termos do artigo 527º, nº 1, CPC, o principal critério de responsabilização pelas custas processuais assenta no princípio da causalidade, só subsidiariamente operando o critério do proveito, nos casos em que possa concluir-se que não houve vencimento na ação.
II – Em caso de procedência parcial da ação na qual foram deduzidos pedidos sem uma expressão pecuniária certa, a responsabilidade por custas deve ser repartida por ambas as partes, em proporção que reflita o valor das pretensões em que obtiveram vencimento e daquelas em que decaíram.

Texto Integral

Acordam os juízes da 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Lisboa que compõem este coletivo:

I - RELATÓRIO
1.1. A Administração do Condomínio do prédio sito na Praça …, em Lisboa, com sede na Praça … Lisboa, NIPC …, em representação do Condomínio do Prédio sito na Praça …, A e B, identificados nos autos, instauraram, em 23-01-2019 a presente ação declarativa comum contra a ré C., igualmente identificada nos autos, tendo deduzido os seguintes pedidos:
a) declaração de nulidade, por falta de forma, do contrato de arrendamento celebrado verbalmente entre a ré e a Administração do Condomínio do Prédio sito na Praça … em Lisboa;
b) Reconhecimento do direito das 2.ª e 3.ª autoras enquanto proprietárias das frações L e J, respetivamente, e comproprietárias das partes comuns do prédio em que aquelas se inserem (prédio sito na Praça … em Lisboa);
c) Condenação da ré a restituir às 2.ª e 3.ª autoras o apartamento sito na cave do prédio sito na Praça … em Lisboa;
d) Condenação da ré a pagar à 1.ª autora e ao condomínio por esta representado a quantia de 10.927,44€ a título de consumos de água, eletricidade e gás vencidos e não pagos, acrescida de juros desde a data de citação até efetivo e integral pagamento;
e) Condenação da ré no pagamento à 1.ª autora da quantia de 374,10€ até efetiva desocupação e entrega do imóvel às 2.ª e 3.ª autoras;
f) Condenação da ré no pagamento à 1.ª autora das quantias que se vencerem de consumos de água, eletricidade e gás do imóvel, na proporção de 100% dos consumos de água e gás medidos pelos contratos exclusivos do apartamento, e de 30% dos consumos gerais do prédio, até efetiva desocupação e entrega do imóvel às 2.ª e 3.ª Autoras;
g)  Condenação da ré a pagar à 1.ª autora a quantia de 750,00€ para remoção da divisória entre a parte de cozinha e a parte de sala e para reparação dos tetos, paredes e chão onde a mesma está instalada;
Subsidiariamente, para o caso de se concluir pela existência de contrato de arrendamento, peticionaram os autores:
h) Declaração de resolução de tal contrato de arrendamento, nos termos do artigo 1084.º do CC, por utilização indevida do apartamento com violação das regras de higiene, sossego e boa vizinhança e utilização do imóvel para um fim diverso do que se destina;
i) Declaração de resolução de tal contrato, nos termos do artigo 1084.º do CC, em virtude da realização de obras não autorizadas com a colocação de um separador entre a cozinha e a sala que criou um novo quarto de dormir e que constitui uma alteração relevante na estrutura do imóvel.
Para tanto, alegaram os autores:
- Em outubro de 2002, a ré celebrou com o condomínio um contrato de arrendamento verbal da casa da porteira do edifício supra-identificado, pelo valor de 75.000$00, que nunca foi reduzido a escrito por a tal a ré sempre se ter escusado;
- Tal contrato visou a habitação exclusiva da filha da ré, já que a própria ré habitava noutro andar do mesmo prédio, onde cuidava de uma condómina;
- Ficou acordado que o contrato teria uma duração de cinco anos, sem prejuízo da filha sair antes, e que os consumos de água, luz e gás seriam pagos autonomamente;
- Porém, em 2010, na sequência do internamento em lar da condómina de quem a ré cuidava, esta mudou-se para o locado e passou a assumir-se como a verdadeira titular do contrato de arrendamento, tendo exigido a realização de obras que vieram a ser efetuadas em finais de 2006 e 2007, originando assim um acerto de contas em 2008, do qual resultou um saldo a favor do condomínio no valor de €2.203,30;
- Embora tenha sido acordado que 30% dos consumos de eletricidade e água do prédio ficariam a cargo da ré, dado que não havia contador individual senão para o gás e apenas no ano de 2016 foi instalado um contador de água na casa da porteira, a ré deixou de pagar os consumos de água, eletricidade e gás, os quais ascendem em 2018 a €10.927,44;
- A ré sempre recusou reduzir o contrato a escrito;
- A ré tem feito um uso indevido do locado na medida em que têm frequentado o imóvel diversos cavalheiros que entram no locado e saem com banho acabado de tomar, o que tem aumentado a conta de água;
- A ré efetuou uma obra não autorizada, colocando na fração que ocupa uma divisória com portas de correr, transformando a sala num quarto de dormir ocupado pela sua mãe, colocação essa que nunca foi autorizada pelo condomínio e cuja remoção e reparação orça em valor não inferior a €750.

1.2 – Pessoal e regularmente citada, a ré deduziu contestação, em 07-03-2019, pugnando pela improcedência da ação, considerando que a propositura da presente ação constitui abuso de direito, na modalidade de “venire contra factum próprio”, e alegando, no essencial, que:
- O arrendamento foi verbalmente acordado entre si e o condomínio para sua habitação e da sua família, e não sujeito a qualquer prazo específico;
- Nunca foi equacionada a celebração de tal contrato com a filha da ré, além de que o facto de a contestante pernoitar na casa da condómina onde trabalhava não altera a necessidade de uma casa para si e para a sua filha;
-  Só em 2016 é que lhe foi pedido o pagamento autónomo dos consumos de água, luz e gás, nunca antes tal tendo sucedido, nem mesmo no acerto de contas que alegou ter sido efetuado de forma incorreta pelos autores, considerando que inexiste qualquer valor em dívida a esse título;
- Nunca cedeu o imóvel a terceiros, tendo apenas sucedido que, durante determinado período de tempo, o seu irmão e o seu sobrinho iam ao locado para prestarem cuidados de saúde à sua mãe;
- No que se reporta a obras, apenas colocou no locado uma estrutura apoiada em dois parafusos e silicone para conter os cheiros das fossas.

1.3 – Convidados para o efeito, vieram os autores exercer contraditório relativamente à exceção perentória de abuso de direito, considerando que a mesma não opera, reiterando que a ré recusou a celebração de contrato escrito (articulado com a referência 33744811 – de 18-10-2019).

2 – Foi proferido despacho que alterou o valor que havia sido indicado à causa e, em face do valor fixado, determinou a incompetência do tribunal em que a ação havia sido instaurada (Juízos Locais Cíveis de Lisboa) e a sua remessa ao Juízo Central Cível de Lisboa (decisão de 20-12-2022 – referência 412758174).

3 - Foi realizada audiência prévia, no decurso da qual foi proferido despacho saneador, em que foi afirmada a regularidade da instância, e foram enunciados o objeto do litígio e os temas de prova (ata de 24-03-2023).

4 – Em 25-10-2023, invocando o regime decorrente do artigo 265º, nº 2, CPC, os autores apresentaram requerimento solicitando, para o caso de não procederem os pedidos de nulidade do contrato de arrendamento por falta de forma ou da sua resolução, que se considere:
“A) (…) verificada e válida a denúncia do contrato de arrendamento celebrado com a Ré por parte dos Autores e com produção de efeitos a partir de 31/01/2024, cumprindo-se a antecedência de 5 anos, prazo que teve o seu início com citação da Ré para os presentes autos.
B) Consequentemente, ordenar a entrega do imóvel pela Ré aos Autores, na mesma data.”
Para tanto, alegaram que “(…) o primitivo e principal pedido deduzido pelos Autores tem como desiderato a cessação do contrato de arrendamento e a restituição do imóvel locado aos Autores, independentemente da qualificação jurídica que está subjacente a essa cessação” – cfr. requerimento com a referência 46920480.

5 – Tal requerimento mereceu a oposição da ré, que considerou não corresponder o mesmo à ampliação ou consequência dos pedidos iniciais, revelando-se mesmo incompatível quer com tais pedidos, quer com a causa de pedir invocada.
Mais considerou que o prazo de denúncia pretendido pelos autores constitui um “atropelo” às suas garantias e direitos, enquanto arrendatária (requerimento de 27-10-2023/referência 46943973.

6 - Realizada audiência de julgamento, foi proferida sentença, em 24-11-2023, que, indeferindo a alteração do pedido e da causa de pedir, julgou a ação procedente, constando do seu dispositivo:
Por todo o exposto o tribunal julga a presente ação parcialmente procedente e condena a R. a pagar à A. a quantia de €10.505,68 relativa aos consumos de água, luz e gás dos anos de 2011 a 2018 que a A, suportou e que são a cargo da R., acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento, e condena ainda a R. a pagar os demais consumos de água e gás e 30% do valor da conta do condomínios de eletricidade já vencidos e vincendos até desocupação do locado.
Custas a cargo da A. e da R. na proporção de 30% para a primeira e 70% para a segunda, e sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia a A.

7 - Não se conformando com a decisão proferida, a ré dela interpôs recurso, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões, que se transcrevem:
I. Os pontos 6, 8 e 9, devem ser alterados por forma a dos mesmos constar:
6. Em 29 de Outubro de 2002, a Administração do Condomínio do prédio sito na Praça … em Lisboa, então exercida pelo condómino D. e também pelo então procurador das condóminas dos quinto andar esquerdo e direito, E., celebrou com a Ré um contrato de arrendamento verbal do apartamento “casa da porteira” sito na cave tardoz do prédio para habitação da Ré e sua filha, mediante a retribuição de 75.000$00 – 374,10€.
8. A. e R. acordaram que os valores dos consumos de gás, água e eletricidade estavam incluídos nos 75.000$00, que acordaram pagar pelo arrendamento da casa da porteira;
9. Em 2008 foi feito um acerto de contas entre os valores de rendas em dívida da R. à A., e o condomínio solicitou a realização de obras que foram suportadas pela R., com vista ao desconto nos valores em dívida;
II. Os pontos os pontos 11, 12, 13, e 14, basearam-se em documentos inexistentes, desconhecimento dos valores consumidos e atenderam aos valores indicados por atacado em nada condizentes com os valores que decorrem de alguns documentos juntos, sendo que, em alguns, por não pagos no tempo devido, surgem verbas / valores repetidos;
III. Os valores corretos são os constantes dos quadros supra, designados por: Gás, Eletricidade, Água e Água contador independente;
11. Os consumos de gás entre 2011 a 2018, representam €1.501,50;
12. O valor de 30% do consumo de eletricidade do prédio entre 2011 e 2018 orça em €1.465,64;
13. O valor de 30% do consumo de água do prédio entre 2011 a 2016 orça em €519,50;
14. O consumo de água do contador autónomo instalado no local em 2016 até 2018 orça em €682,84 e foi suportado pela A.;
IV Tendo a Ação o valor de 78.997,44€, e a Ré sido condenada em 10.505,68€, a condenação da Ré representa 13,29% do valor da Ação, não podendo, com o devido respeito, que é muito, ser condenada em 70% do valor de custas.
V Ainda que se possa tratar de «erro material», a percentagem considerada afigura-se nos que está fora da equidade, da proporcionalidade e não atendem à percentagem de decaimento.
VI O Tribunal a quo fez errada interpretação e aplicação do disposto, além de outros, dos arts. 607º nº 5 e 6 do CPC.
VII O ponto 3, dos factos dados como não provados deve ser dado como provado.
Termos em que, nos mais e melhor de direito que Vª. Exas. suprirão, deve a douta sentença recorrida ser revogada por Acórdão que declare:
a) que o arrendamento, decorrente de contrato verbal, incluía os consumos de eletricidade, água e gás.
b) No caso de assim não se entender os consumos são os que decorrem das faturas, conforme quadros e não os valores apresentados sem base e sustentação documental.

5- Contra-alegaram os autores pugnando pela manutenção da sentença recorrida, tendo apresentado as seguintes conclusões, que se transcrevem:
1. A versão da Recorrente para sustentar a impugnação da matéria de facto dada como provada, é absolutamente desprovida de razoabilidade e de fundamento e não está suportada quer na prova documental, quer na prova testemunhal, pelo menos aquela que foi considerada credível para o Tribunal a quo.
2. A Recorrente defende nas suas alegações que a renda mensal paga pela Recorrida, incluía também as despesas de água, eletricidade e gás - ónus da prova que lhe incumbia e cujo entendimento não foi seguido pela Sentença colocada em crise.
3. A Recorrida tudo fez para ser reembolsada das despesas dos consumos da habitação, no entanto a Recorrente sempre adotou uma conduta esquiva e inviabilizando sempre qualquer tentativa de resolução extrajudicial da questão.
4. Insurgiu-se também a Recorrente com os próprios valores desses consumos e sua percentagem fixados em Sentença, pugnando que tais quantias não encontram suporte nos documentos juntos aos autos. Todavia, s.m.o., também aqui não assiste razão à Recorrente, por um lado, parece-nos totalmente justa a proporção de 30% nas despesas de eletricidade e água, por outro, a Recorrente não contabilizou sequer todo o período em causa, nomeadamente, os anos de 2011 e 2012. O valor fixado em sentença está por isso correto, assim como também está a repartição de custas a juízo!
5. A prova enunciada pela Recorrente não impõe uma decisão diversa da proferida, não existindo qualquer contradição entre a prova produzida e a factualidade considerada como provada.
6. O Tribunal a quo analisou criticamente todos os depoimentos produzidos em audiência de julgamento (foram decisivas as versões dos ex-administradores do condomínio), conjugado com o vertido nos articulados das partes e suporte documental junto aos autos e alicerçou neles a sua convicção para prova dos factos 6, 8 e 9 e para não considerar provada a matéria constante do ponto 3 dos factos considerados não provados.
7. Em suma, a Mm. Juiz apreciou livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto e na fundamentação da sentença, analisou-as criticamente, indicou as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificou os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção. Tomou ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.
8. A douta sentença recorrida não violou qualquer disposição legal, encontra-se bem fundamentado e fez criteriosa, correta e adequada aplicação da lei aos factos.

8. Foi admitido o recurso, como apelação, com subida imediata e nos próprios autos, e efeito meramente devolutivo.

9. Remetidos os autos a este Tribunal em 07-06-2024, inscrito o recurso em tabela, foram colhidos os vistos legais, cumprindo apreciar e decidir.

II – QUESTÕES A DECIDIR
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação, ressalvadas as matérias de conhecimento oficioso pelo tribunal, bem como as questões suscitadas em ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido, nos termos do disposto nos artigos 608, nº 2, parte final, ex vi artigo 663º, nº 2, 635º, nº 4, 636º e 639º, nº 1, CPC.

Consequentemente, nos presentes autos, constituem questões a decidir:
- Impugnação da matéria de facto (defendendo a recorrente a alteração da redação conferida aos factos provados sob os números 6, 8, 9, 11, 12, 13, 14, e ainda que deve ser considerado como provado o facto enunciado como não provado na sentença recorrida sob o nº 3);
- Condenação em custas (considerando a recorrente excessiva, em face da decisão proferida, a sua condenação na proporção de 70%).

III – FUNDAMENTAÇÃO
A – Impugnação da matéria de facto
Sob a epígrafe “Modificabilidade da decisão de facto” estabelece o nº 1 do artigo 662º do Código de Processo Civil:
“1 - A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.”
Já do nº 2 daquela norma resulta que:
“2- A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente:
a) Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento;
b) Ordenar em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova;
c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta;
d) Determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados”.
Por outro lado, a reapreciação da matéria de facto pelo tribunal de recurso implica que o recorrente, nas alegações em que impugna a decisão relativa à matéria de facto, cumpra os ónus que o legislador estabeleceu a seu cargo, enunciados no artigo 640º CPC, com a seguinte redação:
“1- Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2- No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º”.
Por forma a cumprir os ónus legalmente estabelecidos a seu cargo para a impugnação da matéria de facto incumbe ao recorrente, no essencial, identificar os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados (640º, nº 1, alínea a), CPC), os concretos meios probatórios que impunham, na sua perspetiva, decisão diversa (640º, nº 1, alínea b), CPC) indicando a decisão que deve ser proferida quanto aos factos impugnados (640º, nº 1, alínea c), CPC).
A este propósito, tem vindo a salientar-se que os ónus a cargo do recorrente que impugne a matéria de facto se inscrevem num patamar muito exigente relativamente aos que estão previstos no nº 1 do artigo 640º CPC (indicação dos concretos factos impugnados, indicação dos meios de prova que impunham diversa decisão, e qual a decisão a proferir), mas mais atenuado quanto aos previstos no nº 2 daquela norma. Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29/10/2015[1]: “Face aos regimes processuais que têm vigorado quanto aos pressupostos do exercício do duplo grau de jurisdição sobre a matéria de facto, é possível distinguir um ónus primário ou fundamental de delimitação do objeto e de fundamentação concludente de impugnação – que tem subsistido sem alterações relevantes e consta atualmente do nº 1 do artigo 640º; e um ónus secundário – tendente, não propriamente a fundamentar e delimitar o recurso, mas a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado pela Relação aos meios de prova gravados relevantes (…) e em conformidade com o princípio da proporcionalidade, não sendo justificada a imediata e liminar rejeição do recurso quando – apesar de a indicação do recorrente não ser, porventura, totalmente exata e precisa, não exista dificuldade relevante na localização pelo tribunal dos enxertos da gravação em que a parte se haja fundado para demonstrar o invocado erro de julgamento (…)”.
Ora, os ónus estabelecidos a cargo do recorrente que impugne a matéria de facto constituem “(…) uma decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo” - António Abrantes Geraldes[2]. Mostrando-se incumprido, nos termos expostos, um “ónus primário de delimitação do objeto do recurso e de fundamentação concludente da impugnação” da matéria de facto, impõe-se, nesta parte, a rejeição do recurso – Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21-03-2019[3].
Expostas que estão as coordenadas relativas à impugnação da matéria de facto, procede-se, de seguida, à apreciação da que foi deduzida pela ré/recorrente, por se afigurar que cumpriu os ónus legalmente estabelecidos para o efeito.

- Considerou a recorrente que deveria ser alterada a redação conferida aos artigos 6, 8 e 9 dos factos provados e, consequentemente, que o facto não provado sob o nº 3 deve transitar para a factualidade apurada.

A tais artigos o tribunal recorrido conferiu a seguinte redação:
6. Em 29 de Outubro de 2002, a Administração do Condomínio do prédio sito na Praça … em Lisboa, então exercida pelo condómino D. e também pelo então procurador das condóminas dos quinto andar esquerdo e direito, E., celebrou com a Ré um contrato de arrendamento verbal do apartamento “casa da porteira” sito na cave tardoz do prédio para habitação exclusiva da filha da Ré, mediante a retribuição de 75.000$00 – 374,10€.
8. A. e R. acordaram que os pagamentos de gás seriam integralmente suportados pela R., e que os pagamentos de água e luz seriam suportados na proporção de 30% do total da fatura do prédio, a cargo da R., sendo um cálculo por estimativa do gasto possível já que não foi possível colocar contador autónomo no locado, senão o de água em 2016;
9. Em 2008 foi feito um acerto de contas entre os valores de rendas e consumos em dívida da R. à A., e o condomínio solicitou a realização de obras que foram suportadas pela R., com vista ao desconto nos valores em dívida”.
A redação proposta pela recorrente para aqueles artigos é a seguinte:
“6. Em 29 de Outubro de 2002, a Administração do Condomínio do prédio sito na Praça … em Lisboa, então exercida pelo condómino D. e também pelo então procurador das condóminas dos quinto andar esquerdo e direito, E., celebrou com a Ré um contrato de arrendamento verbal do apartamento “casa da porteira” sito na cave tardoz do prédio para habitação da Ré e sua filha, mediante a retribuição de 75.000$00 – 374,10€.
8. A. e R. acordaram que os valores dos consumos de gás, água e eletricidade estavam incluídos nos 75.000$00, que acordaram pagar pelo arrendamento da casa da porteira;
9. Em 2008 foi feito um acerto de contas entre os valores de rendas em dívida da R. à A., e o condomínio solicitou a realização de obras que foram suportadas pela R., com vista ao desconto nos valores em dívida;”
Já o facto não provado sob o nº 3 (que a recorrente pretende que transite para os factos provados) possui a seguinte redação:
3. A. e R. acordaram que o valor da renda acordado incluía os consumos de água, luz e gás;”
Fundamentou a recorrente as alterações propostas aos factos provados sob os números 6, 8 e 9 nos depoimentos das testemunhas D., F., G. e H.
Ora, dos depoimentos de D. e esposa, F., a cuja audição integral se procedeu, resultou que os depoentes já habitavam no edifício, sendo proprietários de uma fração (adquirida no ano de 1997), quando foi celebrado o contrato de arrendamento em discussão nos autos. O depoente, desde a data da aquisição da sua fração, tornou-se administrador do condomínio, situação que persistia quando em 2002 foi celebrado, por forma oral, o contrato de arrendamento relativo à cedência à ré da casa da porteira. Ora, segundo referiu, foi o próprio depoente e o Dr. E. que acederam em arrendar a dita casa de porteira, ditando as condições de tal cedência, designadamente fixando o valor da renda mensal (minutos 4.20 a 6.00 do respetivo depoimento). Referiu ainda, de forma segura, que o valor das despesas não se encontrava incluído no montante da renda mensal, tendo, então ficado estipulado o pagamento pela arrendatária da percentagem de 30% das despesas de água e luz, sendo que as despesas de gás seriam por ela suportadas a 100% (minutos 5.50 a 6.30, e 9.20 a 9.40). Tal percentagem foi fixada no pressuposto de que a cedência da casa da porteira seria temporária, manifestando a ré a intenção de ali instalar provisoriamente a sua filha, que estava grávida e era menor (minuto 19.00 a 19.30). Não era viável a instalação de contador relativo à eletricidade porque a fração objeto do contrato de arrendamento em causa nos autos não se encontrava autonomizada, mas existia contador de gás pelo que a respetiva despesa teria que ser integralmente suportada pela ré (minutos 10.30 a 11.15). Porém, a arrendatária não pagou o valor de tais despesas que, consequentemente, se foram acumulando razão pela qual foi efetuado um acerto de contas por forma a englobar o seu valor no montante das obras realizadas na fração (minutos 6.30 a 7.50). Tal acerto de contas ocorreu no ano de 2008 tendo a ré liquidado o valor das obras na sua fração, de cerca de €2.000,00, valor que foi imputado às despesas já vencidas, na percentagem inicialmente acordada (minutos 6.15 a 6.30).
De tais depoimentos resultou, de forma inequívoca, que foi a ré quem diligenciou pela celebração do contrato de arrendamento, abordando, inicialmente, a depoente F., solicitando-lhe que intercedesse junto do marido (administrador do condomínio) pela viabilização do contrato relativamente à casa da porteira, onde pretendia instalar a sua filha, sendo que, naquela época, a ré pernoitava no R/C do prédio, na fração de uma condómina de quem cuidava (minutos 4.20 a 4.50). Reitera-se que de tais depoimentos resultou ainda que nunca foi perspetivado que as despesas de água, luz e gás da fração ficassem incluídas no valor da renda mensal acordada (minutos 5.50 a 6.30).
Do depoimento da testemunha G., filha da ré, resultou ter habitado a fração em questão desde 2002 até 2015, confirmando que o contrato foi celebrado pela mãe dado que a depoente, à data com 19 anos de idade, não dispunha de autonomia financeira, encontrando-se a terminar o 12º ano de escolaridade (minutos 7.40 a 8.20). É certo que a depoente referiu que no valor acordado da renda (cerca de € 375) estavam incluídas as despesas de água, luz e gás, razão pela qual a renda foi fixada nesse “valor considerável” (minutos 3.20 a 4.10). Porém, nessa parte, o seu testemunho não mereceu credibilidade, tanto mais que também referiu que tal montante de renda foi fixado pelo então administrador D. (minutos 8.50 a 10.40), o que se revela pouco crível, dado que não era o único administrador e que tal decisão deveria resultar de deliberação do condomínio. Relatou ainda que a mãe trabalhava no “andar de cima” (por referência à casa da porteira), onde habitava a condómina de quem cuidava, sendo ali que a depoente e a mãe tomavam as refeições (minutos 6.20 a 6.40). Ora, tal depoimento, por si, não se revela suscetível de demonstrar que as despesas estivessem efetivamente incluídas no valor da renda. Efetivamente, tal realidade, desmentida pelas testemunhas D. e esposa, F., também não recebe sustentação nas regras de experiência comum. De facto, a inclusão das despesas de água, luz e gás no montante da renda tornava incerto o efetivo proveito económico para o condomínio decorrente do arrendamento da casa da porteira, não se descortinando qualquer motivo para ser efetuada tal atribuição patrimonial à arrendatária. Consequentemente, não merece qualquer censura a decisão do tribunal, no que se reporta à não inclusão no valor da renda das despesas inerentes à água, luz e gás, afigurando-se que, nessa parte, o depoimento da testemunha G. não merece credibilidade, mostrando-se influenciado pelo laço de parentesco com a ré (sua mãe) e, consequentemente, comprometido com os seus interesses.
De todo o modo, a conjugação dos depoimentos supra referidos evidencia que o arrendamento não se destinava à habitação exclusiva da filha da ré, pois, independentemente de ser ou não menor, não possuía independência económica ou financeira dependendo a sua subsistência, à data, de sua mãe, integrando o seu agregado familiar. O facto de a ré cuidar de uma condómina que habitava uma fração sita no R/C do edifício e de ali pernoitar, não se revela suscetível de dispensar a necessidade de uma habitação onde pudesse usufruir de momentos de convívio familiar e de descanso, fora do contexto laboral, ou, pelo menos, de ali instalar o seu agregado familiar.
Assim, os depoimentos supra analisados evidenciam que o contrato de arrendamento celebrado não visava a habitação exclusiva da filha da ré como, manifestamente por lapso se deixou exarado na decisão recorrida, no facto provado nº 6. Aliás, a motivação da decisão mostra-se contraditória com tal realidade, pois ali se refere:
Não se provou que o contrato de arrendamento fosse apenas para habitação da filha da R., até porque a mesma estava grávida mas era jovem e vivia apenas com a mãe. G., filha da R. confirma isso mesmo, tinha cerca de 19 anos e não trabalhava, nem rendimentos tinha para se sustentar. Viveu no locado com a mãe até 2015. D. e F., o primeiro, à data, administrador do condomínio, nunca refere que o imóvel fosse só para a filha da R., embora esse tivesse sido o “pretexto” do arrendamento, mas referem que não era suposto prolongar-se no tempo, era só porque esta estava grávida. Assim se deu por não provada essa versão em 1, não se apurando porém o prazo que quiseram fixar (facto não provado em 2).”
Aliás, de forma concordante com tal raciocínio exarado na motivação da matéria de facto, exarou-se no facto não provado nº 1:
“1. O imóvel em apreço destinava-se a habitação exclusiva da filha da R.”
Interessa, pois retificar o artigo 6º dos factos provados, suprimindo a menção de que o prédio se destinava à habitação exclusiva da filha da ré.
Prosseguindo na análise dos depoimentos que, na perspetiva da recorrente, implicam a alteração da redação conferida aos factos provados 6, 8 e 9, dir-se-á que a audição integral do que referiu a testemunha H. evidencia que trabalha na construção civil e que executou várias obras no prédio em questão, quer na “casa da porteira”, quer noutras frações daquele edifício. Descrevendo as obras que executou na “casa da porteira” referiu que as mesmas incidiram no teto da cozinha e no quarto (minutos 3.00 a 4.00). As obras foram-lhe solicitadas por pessoa cuja identidade não logrou precisar, e o seu valor foi liquidado pela ré (minutos 1.45 a 2.29). A propósito de tal pagamento, o depoente referiu ter ouvido que a D. C. o efetuava por causa de rendas que tinha em atraso (minutos 4.20 a 4.40). Certo é que a audição integral do seu depoimento, de forma conjugada com os depoimentos já analisados, evidenciou que o depoente, alheio à relação contratual estabelecida entre a administração do condomínio e a ré, terá usado a expressão rendas de forma imprópria, sendo apenas possível interpretar o que referiu como elemento corroborante da existência de uma dívida da ré ao condomínio aqui autor.
Afigura-se que também corrobora o facto de ter sido convencionado o pagamento das despesas “à parte” a colocação de um contador de água em 2016. Efetivamente, só faz sentido autonomizar o consumo de água da casa da porteira no caso de o mesmo ser objeto de pagamento autónomo.
Por fim, corroborando ainda a fixação da renda sem inclusão no seu montante  das despesas de água, luz e gás, o facto de os recibos juntos aos autos (no suporte físico do processo encontram-se a fls 266 e ss e foram juntos, os originais, por requerimento da ré de 03-05-2019, correspondendo aos documentos numerados de 22 a 28) mencionarem apenas o pagamento de renda e só a partir do ano de 2015 aludirem a tais despesas (água, gás e eletricidade). O teor de tais recibos dependeu de declarações da própria ré, que ali exarou e fez constar o que considerou relevante. Ora, apenas a partir do ano de 2015, a ré passou a declarar, no momento do depósito bancário das rendas, que o montante depositado também se reportava a água, luz e gás, o que não deixa de evidenciar que a inclusão dessas despesas na renda não esteve no horizonte dos intervenientes no contrato de arrendamento (dado não terem sido mencionadas em todos os recibos, desde 2002 a 2015).
Em face do exposto, afigura-se que, com exclusão do segmento em que se afirma que o arrendamento se destinava à habitação exclusiva da filha da ré, a decisão da matéria de facto expressa nos factos provados nºs 6, 8 e 9, (bem como no não provado sob o nº 3) não merece qualquer censura, subscrevendo-se a respetiva motivação:
Nestas versões conjugadas dos ex-administradores do condomínio, que tudo acordaram com a R., e da própria filha da R. que disse ter assistido a essa conversa (o que se estranha posto que a mesma era muito jovem e nem rendimentos tinha para pagar a renda) resultou que se afigurou mais credível o depoimento destes, em que afirmam que os consumos eram pagos à parte. Na verdade, basta atentar no facto de o contador de água ter sido instalado no locado em 2016. Que sentido faria colocar um contador autónomo e ser a A. a suportar o seu pagamento? Ora, se na versão da R. o valor da renda incluía já os consumos porque motivo a mesma permite a colocação do contador sem nunca reclamar?! Causa estranheza. Como causa estranheza o que o então administrador do prédio (de uma empresa autónoma, de 2011 a 2020) descreve. I. não esteve presente no momento do acordo de arrendamento feito, nem era sequer administrador, mas sabe que a renda era sempre paga com o descritivo único de renda, e posteriormente fazem questão de separar renda, água, luz e gás, mas sempre com o mesmo valor. E isso mesmo se analisa dos comprovativos de pagamento de fls. 267 a 283. Inicialmente a R. procedia ao pagamento e referia ser relativo apenas à renda da casa e volvidos uns anos passa a descrever como incluindo a água, luz e gás. Por outro lado, fácil é pensar que o prédio não precisava de gás. Porque motivo haveria o condomínio pagar algo que não faz uso?! De facto a versão de D. e F. faz mais sentido, é o consentâneo com os documentos, e só o depoimento tendencioso da filha da R. infirma tal versão. Em suma o tribunal convenceu-se efetivamente que a renda acordada foi a que ambas as partes aceitam ter sido mas que tal não incluía o valor da água nem eletricidade e gás, o que se deu por provado em 8 dos factos assentes.
Procede pois, parcialmente, a impugnação da matéria de facto relativamente ao facto provado nº 6, por forma a do mesmo suprimir que o locado se destinasse à habitação exclusiva da filha da ré, atribuindo-se ao mesmo a seguinte redação (proposta pela recorrente):
“6. Em 29 de Outubro de 2002, a Administração do Condomínio do prédio sito na Praça … em Lisboa, então exercida pelo condómino D. e também pelo então procurador das condóminas dos quinto andar esquerdo e direito, E., celebrou com a Ré um contrato de arrendamento verbal do apartamento “casa da porteira” sito na cave tardoz do prédio para habitação da Ré e sua filha, mediante a retribuição de 75.000$00 – 374,10€.”
Já relativamente aos factos provados sob os números 8 e 9, e ao não provado sob o nº 3, nos termos dos fundamentos expostos, improcede a impugnação da matéria de facto.

- Reagiu a recorrente aos factos provados nºs 11, 12, 13 e 14 (relativos aos valores de consumos de gás, eletricidade e água efetuados pela ré), considerando que “basearam-se em documentos inexistentes, desconhecimento dos valores consumidos e atenderam aos valores indicados por atacado em nada condizentes com os valores que decorrem de alguns documentos juntos, sendo que, em alguns, por não pagos no tempo devido, surgem verbas / valores repetidos”;
Aos factos impugnados conferiu o tribunal recorrido a seguinte redação:
11. O valor do consumo de gás do prédio, usado apenas pelo locado, de 2011 a 2018 orça em €1.968,97 e foi suportado pela A.;
12. O valor de 30% do consumo de eletricidade do prédio, e 2011 a 2018 orça em €6.410,04 e foi suportado pela A.;
13. O valor de 30% do consumo de água do prédio, e 2011 a 2015 orça em €1.432,09 e foi suportado pela A.;
14. O consumo de água do contador autónomo instalado no local em 2016 até 2018 orça em €694,58 e foi suportado pela A.”
Tal decisão foi motivada nos seguintes termos pelo tribunal recorrido:
Nenhuma dúvida existe que a R. não procedeu ao pagamento dos consumos, já que a própria sustenta não ter de o fazer, o que se deu por provado em 10 dos factos assentes. O valor dos consumos consta das faturas, porém cremos que a A. duplica a sua pretensão relativamente a 2016. Da análise da fatura de fls. 164 vemos que desde janeiro de 2016 que é faturada autonomamente a água no locado, pelo que peticionar 30% do valor de 2016 do condomínio e ainda o valor do contador autónomo é cobrar duas vezes o mesmo serviço. E assim se deu tal matéria por provada com essa retificação de 11 a 14”.
Na perspetiva da recorrente, os documentos juntos evidenciam serem diversos os montantes das despesas, considerando que aos referidos factos deveria ser conferida a seguinte redação:
11. Os consumos de gás entre 2011 a 2018, representam €1.501,50;
12. O valor de 30% do consumo de eletricidade do prédio entre 2011 e 2018 orça em €1.465,64;
13. O valor de 30% do consumo de água do prédio entre 2011 a 2016 orça em €519,50€;
14. O consumo de água do contador autónomo instalado no local em 2016 até 2018 orça em €682,84”.

Analisando a impugnação da matéria de facto relativa ao artigo 11º dos factos provados, constata-se que às despesas de gás referem-se os documentos nº 19 (referência 31322380), nº 20 (referência 31322525), nº 21 (referência 2131322752), nº 22 (referência 2231322835), nº 23 (referência 31322957) nº 24 (referência 31323073), nº 25 (referência 31323248), nº 26 (referência 31323494), nº 27 (referência 31323614) e o documentos nº 28 e 29 (referência 31323668), juntos em 24-01-2024.
Tais documentos são constituídos por faturas emitidas pelos fornecedores de gás, constituindo elementos objetivos e seguros para o apuramento dos valores de consumo no período em causa na fração arrendada à ré, tanto mais que não foram infirmados por qualquer outro meio de prova produzido.
Tais faturas evidenciam os seguintes consumos de gás:

Gás
AnoPeríodo faturaValor (€)



2011
13-12-2010 a 04-02-2011
15,39
04-02-2011 a 07-04-2011
37,87
07-04-2011 a 08-06-2011
30,58
08-06-2011 a 05-08-2011
22,77
05-08-2011 a 12-10-2011
37,32
12-10-2011 a 20-12-2011
21,23
201220-12-2011 a 07-02-2012
69,13
07-02-2012 a 09-04-2012
34,67
09-04-2012 a 06-06-2012
55,51
06-06-2012 a 06-08-2012
35,35
06-08-2012 a 04-10-2012
21,29
04-10-2012 a 10-12-2012
42,93
201310-12-2012 a 08-02-2013
49,63
08-02-2013 a 08-04-2013
38,30
08-04-2013 a 11-06-2013
41,57
11-06-2013 a 07-08-2013
26,47
07-08-2013 a 08-10-2013
38,40
08-10-2013 a 06-12-2013
45,44
201406-12-2013 a 18-02-2014
73,74
18-02-2014 a 15-04-2014
46,16
15-04-2014 a 17-06-2014
51,97
17-06-2014 a 14-08-2014
62,88
14-08-2014 a 07-10-2014
68,93
07-10-2014 a 30-10-2014
18,49
30-10-2014 a 04-12-2014
37,80
201504-12-2014 a 16-02-2015
98,72
16-02-2015 a 13-03-2015
34,33
14-03-2015 a 12-04-2015
31,91
13-04-2015 a 12-05-2015
32,60
13-05-2015 a 12-06-2015
33,42
13-06-2015 a 12-07-2015
31,60
13-07-2015 a 12-08-2015
31,27
13-08-2015 a 12-09-2015
31,08
13-06-2015 a 12-09-2015
22,55
13-09-2015 a 12-10-2015
Crédito 20,29
13-10-2015 a 12-11-2015
27,34
13-11-2015 a 12-12-2015
9,95
201613-12-2015 a 12-01-2016
25,74
13-01-2016 a 12-02-2016
21,92
13-02-2016 a 12-03-2016
23,90
13-03-2016 a 12-04-2016
25,27
13-04-2016 a 12-05-2016
24,22
13-05-2016 a 12-06-2016
24,74
13-07-2016 a 12-08-2016
23,21
13-08-2016 a 12-09-2016
22,97
13-09-2016 a 12-10-2016
Crédito 30,67
13-10-2016 a 12-11-2016
17,18
13-11-2016 a 12-12-2016
18,33
201713-12-2016 a 12-01-2017
17,51
13-01-2017 a 12-02-2017
30,19
13-02-2017 a 12-03-2017
14,36
13-03-2017 a 12-04-2017
17,62
13-04-2017 a 12-05-2017
17,33
13-05-2017 a 12-06-2017
12,35
13-06-2017 a 12-07-2017
17,15
13-07-2017 a 12-08-2017
17,43
13-08-2017 a 12-09-2017
17,57
13-09-2017 a 12-10-2017
Crédito 6,61
13-10-2017 a 12-11-2017
14,88
13-11-2017 a 12-12-2017
15,39
201813-12-2017 a 12-01-2018
15,63
13-01-2018 a 12-02-2018
22,49
13-02-2018 a 12-03-2018
16,45
13-03-2018 a 12-04-2018
18,50
13-04-2018 a 12-05-2018
17,22
13-05-2018 a 12-06-2018
13,29
13-07-2018 a 12-08-2018
12,16
13-08-2018 a 12-09-2018
12,49
13-09-2018 a 12-10-2018
12,23


Os valores de gás dos anos de 2011 a 2018, conforme faturas juntas, correspondem aos seguintes totais por ano:

AnoValor total (em €)
2011
165,16
2012
258,88
2013
239,81
2014
359,97
2015
364,48
2016
196,81
2017
185,17
2018
140,46
1.910,74

Concluindo, importa reformular a redação do artigo 11º da factualidade provada nos seguintes termos:
11º) – “O valor do consumo de gás do prédio, usado apenas pelo locado, de 2011 a 2018 orça em € 1.910,74, e foi suportado pela autora”;

No que se reporta à impugnação da matéria de facto relativa ao artigo 12º dos factos provados, constata-se que às despesas de eletricidade se referem os documentos nº 19 (referência 31322380), nº 20 (referência 31322525), nº 21 (referência 2131322752), nº 22 (referência 2231322835), nº 23 (referência 31322957), nº 24 (referência 31323073), nº 25 (referência 31323248), nº 26 (referência 31323494), e o nº 27 (referência 31323614), juntos em 24-01-2024.
Já os documentos nº 28 e 29 (referência 31323668), embora contenham faturas de eletricidade do Condomínio autor, reportam-se a período (anterior ao ano de 2011) cujas despesas não foram peticionadas nestes autos.
Reitera-se que tais faturas, emitidas pela entidade fornecedora de eletricidade ao edifício do condomínio autor, constituem meios de prova objetivos e seguros para o apuramento dos valores de energia elétrica fornecida no período que documentam, tanto mais que o seu valor probatório não foi abalado por qualquer outra prova.
Ora, as mencionadas faturas de eletricidade juntas ao processo evidenciam os seguintes consumos:


Eletricidade
AnoPeríodo faturaValor (€)
201103-12-2010 a 01-02-2011109,08
02-02-2011 a 01-04-2011101,20
02-04-2011 a 01-06-2011122,81
02-06-2011 a 01-08-201199,47
02-08-2011 a 03-10-2011101,81
04-10-2011 a 02-12-2011110,59
201203-12-2011 a 01-02-2012136,94
02-02-2012 a 02-04-2012134,58
03-04-2012 a 01-06-2012123,01
02-06-2012 a 01-08-2012117,05
02-08-2012 a 01-10-2012118,69
02-10-2012 a 03-12-2012121,34
201304-12-2012 a 01-02-2013143,05
02-02-2013 a 01-04-2013148,17
02-04-2013 a 03-06-2013148,94
04-06-2013 a 01-08-2013120,56
02-08-2013 a 01-10-2013120,81
02-10-2013 a 02-12-2013149,19
201403-12-2013 a 03-02-2014165,25
04-02-2014 a 01-04-2014142,40
02-04-2014 a 21-05-2014104,72
22-05-2014 a 20-07-2014246,16
21-07-2014 a 20-09-20143,40 - crédito
21-09-2014 a 20-11-2014126,37
201521-11-2014 a 20-01-2015188,32
13-04-2015 a 12-05-201576,54
21-01-2015 a 12-04-2015262,50 (acerto)
13-05-2015 a 12-06-201568,48
13-06-2015 a 12-07-201570,51
13-07-2015 a 12-08-201573,57
13-08-2015 a 12-09-201573,57
13-09-2015 a 12-10-201571,28
13-10-2015 a 12-11-201573,95
13-11-2015 a 12-12-201543,88
201613-12-2015 a 12-01-201685,06
13-01-2016 a 12-02-201688,43
13-02-2016 a 12-03-201681,78
13-03-2016 a 12-04-201684,23
13-04-2016 a 12-05-201679,27
13-05-2016 a 12-06-201680,01
13-02-2016 a 12-07-201635,16 (acerto)
13-07-2016 a 12-08-201673,73
13-08-2016 a 12-09-201671,58
13-09-2016 a 12-10-201666,02
13-09-2016 a 12-10-20160,25 - crédito
13-10-2016 a 12-11-201671,58
13-11-2016 a 12-12-201686,39
201713-12-2016 a 12-01-201786,14
13-01-2017 a 12-02-201787,94
13-02-2017 a 12-03-201758,18 - crédito
13-03-2017 a 12-04-201760,91
13-04-2017 a 12-05-201757,51
13-05-2017 a 12-07-20170,42 (acerto)
13-05-2017 a 12-06-201758,06
13-06-2017 a 12-07-201755,45
13-07-2017 a 12-08-201759,88
13-08-2017 a 12-09-201759,91
13-09-2017 a 12-10-201755,15
13-10-2017 a 12-11-201760,11
13-11-2017 a 12-12-201759,33




2018
13-12-2017 a 12-01-201862,10
13-01-2018 a 12-02-201865,38
13-02-2018 a 12-03-201860,48
13-03-2018 a 12-04-201866,36
13-04-2018 a 12-05-201864,80
13-05-2018 a 12-06-201865,58
13-07-2018 a 12-08-201872,97
13-08-2018 a 12-09-201872,92
13-09-2018 a 12-10-201870,79
13-10-2017 a 12-07-2018233,71 (acerto)


Assim, os valores de eletricidade dos anos de 2011 a 2018, conforme faturas juntas, correspondem aos seguintes totais por ano:


Ano
Responsabilidade (%)
Valor (€)
2011

30
193,49
2012
225,48
2013
249,22
2014
234,45
2015
300,78
2016
244,98
2017
192,79
2018
250,23
Total
1.891,42


Concluindo, importa reformular a redação do artigo 12º da factualidade provada nos seguintes termos:
12º) – “O valor de 30% do consumo de eletricidade do prédio entre 2011 e 2018 orça em €1.891,42, e foi suportado pela autora”.

Analisando a impugnação da matéria de facto relativa aos artigos 13º e 14º dos factos provados, constata-se que às despesas de água referem-se os documentos nº 19 (referência 31322380), nº 21 (referência 2131322752), o nº 22 (referência 2231322835), nº 23 (referência 31322957) nº 24 (referência 31323073), nº 25 (referência 31323248), o nº 26 (referência 31323494), nº 27 (referência 31323614) e nºs 28 e 29 (referência 31323668), juntos em 24-01-2024.
Tais documentos constituem meios de prova objetivos e seguros dos valores da água fornecida, tendo sido emitidos pela entidade fornecedora, alheia à controvérsia em análise nos autos e que não foram infirmados por qualquer outro meio de prova.
A este propósito, salienta-se que a documentação junta, designadamente os números dos contadores que constam das faturas, e suas datas de instalação, evidencia que até ao final de 2016 existia apenas um contador, cujo consumo era partilhado entre o autor e a ré, sendo esta responsável, segundo o acordado, pela fração de 30%. Neste aspeto, não podemos subscrever a decisão recorrida, importando alterar a redação dos referidos artigos, porquanto o contador autónomo da ré apenas deverá ser considerado a partir do final do ano de 2016, conforme quadro infra.
Por outro lado, embora a recorrente não aceite o pagamento de despesas de água relativas aos anos de 2011 e 2012, apontando falta de prova documental que sustente a respetiva factualidade, o certo é que os documentos nº 26 e 27 (faturas de água – EPAL) comprovam tais despesas, verificando-se que não constam do suporte físico do processo (mas integrando o processo, que é, como se sabe, eletrónico). Nesta sede de recurso, foram naturalmente considerados esses documentos, suportando os consumos em questão.
Ora, as faturas de água (EPAL) juntas ao processo evidenciam os seguintes consumos de água:


Água
Ano
Data fatura
Valor (€)
2011
21-1-2011
 96,64
22-03-2011
 18,06
20-05-2011
 17,86
20-07-2011
 18,05
20-09-2011
 18,18
29-11-2011
 19,24
2012
23-1-2012
 76,85
22-03-2012
 17,96
22-05-2012
 18,35
30-07-2012
 18,65
24-09-2012
 18,86
26-11-2012
 65,65
2013
23-01-2013
 26,88
25-03-2013
 26,82
24-05-2013
 36,31
22-07-2013
 31,30
24-09-2013
 32,87
25-11-2013
 31,80

2014
22-01-2014
 31,80
24-03-2014
 31,60
26-05-2014
 37,16
23-07-2014
 31,80
23-09-2014
 33,68
24-11-2014
 44,97
2015
22-01-2015
 42,67
23-03-2015
 54,36
22-05-2015
 65,00
22-07-2015
 59,82
22-09-2015
 59,96
20-11-2015
 339,97
2016
20-01-2016
 153,45
22-03-2016
 153,75
24-05-2016
 145,53
20-07-2016
 53,48
27-09-2016
177,89
21-10-2016
257,53
13-11-2016
28,72
2017
24-01-2017
 41,31
22-03-2017
 41,57
23-05-2017
 41,65
20-07-2017
 42,07
20-09-2017
 44,08
23-11-2017
 5,87 (crédito)

2018
22-01-2018
 32,72
22-03-2018
 32,90
24-05-2018
 46,52
25-07-2018
 36,59
26-09-2018
 36,85


            Esses consumos totalizam os seguintes montantes:


Ano
Responsabilidade (%)
Valor (€)
2011
30
56,41
2012
64,90
2013
55,79
2014
63,30
2015
186,53
2016 (exceto outubro)
213,85
Outubro 2016
100
257,53
2017
204,81
2018
185,58
Total
1288,70


Concluindo, em face da prova documental junta aos autos, importa reformular a redação dos artigos 13º e 14º da factualidade provada nos seguintes termos:
13º) – “O valor de 30% do consumo de água do prédio, desde 2011 a final de 2016, orça em € 640,78, e foi suportado pela autora”;
14º) – “O consumo de água do contador autónomo instalado no local em finais de 2016 até 2018 orça em € 647,92, e foi suportado pela autora”.

B – FACTOS PROVADOS

Em face das alterações que decorreram da impugnação da matéria de facto, são os seguintes os factos provados a considerar:
1.A 2.ª Autora é proprietária, da fração autónoma designada pela letra L, correspondente ao quinto andar esquerdo do prédio urbano sito na Praça …, concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º …8 da freguesia de …, inscrito na matriz sob o artigo U-…41 da freguesia de …;
2. A 3.ª Autora é proprietária, da fração autónoma designada pela letra J, correspondente ao quarto andar esquerdo do prédio urbano sito na Praça … da freguesia de …, concelho de Lisboa, descrito na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º …48 da freguesia de …, inscrito na matriz sob o artigo U-7…41 da freguesia de …;
3. Na Assembleia Ordinária de Condóminos do Prédio constituído em propriedade horizontal sito na Praça … realizada em 16/02/2018 foram as aqui 2.ª e 3.ª Autoras eleitas como Condóminas Delegadas, incumbidas de acompanhar a gestão do condomínio (ponto 2 da ordem de trabalhos);
4. No supra referido prédio existe, na cave a tardoz, um apartamento inicialmente destinado a ser a “casa da porteira” e que é parte comum do edifício;
5. Esse apartamento “casa da porteira” que é parte comum do prédio é administrado pelo condomínio que gere os respetivos contratos de arrendamento;
6. Em 29 de Outubro de 2002, a Administração do Condomínio do prédio sito na Praça … em Lisboa, então exercida pelo condómino D. e também pelo então procurador das condóminas dos quinto andar esquerdo e direito, E., celebrou com a Ré um contrato de arrendamento verbal do apartamento “casa da porteira” sito na cave tardoz do prédio para habitação da ré e da sua filha, mediante a retribuição de 75.000$00 – 374,10€.
7. Em 2016 foi colocado um contador de água na casa em apreço;
8. A. e R. acordaram que os pagamentos de gás seriam integralmente suportados pela R., e que os pagamentos de água e luz seriam suportados na proporção de 30% do total da fatura do prédio, a cargo da R., sendo um cálculo por estimativa do gasto possível já que não foi possível colocar contador autónomo no locado, senão o de água em 2016;
9. Em 2008 foi feito um acerto de contas entre os valores de rendas e consumos em dívida da R. à A., e o condomínio solicitou a realização de obras que foram suportadas pela R., com vista ao desconto nos valores em dívida.
10. A R. nunca procedeu aos pagamentos de qualquer consumo de água, luz e gás;
11. O valor do consumo de gás do prédio, usado apenas pelo locado, de 2011 a 2018 orça em €1.910,74 e foi suportado pela A.;
12. O valor de 30% do consumo de eletricidade do prédio, e 2011 a 2018 orça em €1.891,42 e foi suportado pela A.;
13º) – O valor de 30% do consumo de água do prédio, desde 2011 a final de 2016, orça em € 640,78, e foi suportado pela autora;
14º) – O consumo de água do contador autónomo instalado no local em finais de 2016 até 2018 orça em € 647,92, e foi suportado pela autora.
15. No locado viveu a R., a sua filha e durante um período temporal a mãe da R.;
16. Deslocavam-se ao imóvel os irmãos da R. para visitar a mãe desta até ao falecimento da mesma;
17. Durante um período temporal concretamente não apurado, e de modo pontual foi visto a entrar no locado uma pessoa do sexo masculino que saiu do imóvel com banho acabado de tomar;
18. A 27/4/2018 a A. visitou o locado para acompanhar a vistoria da camara municipal de Lisboa no âmbito de uma queixa de insalubridade apresentada pela R.;
19. Foi constatado que na cozinha foi colocada uma divisória de alumino de correr, desmontável e suportada com parafusos;
20. A A. não autorizou a colocação de tal divisória;
21. A R. recusou assinar o contrato de arrendamento escrito que a A. propôs em 2017 com os fundamentos que comunicou ao condomínio na carta de fls. 35 dos autos e cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

C – Tendo improcedido a impugnação da matéria de facto, mantêm-se os factos não provados constantes da sentença recorrida, que são os seguintes:
1. O imóvel em apreço destinava-se a habitação exclusiva da filha da R.;
2. Foi acordado que o arrendamento seria por cinco anos.
3. A. e R. acordaram que o valor da renda acordado incluía os consumos de água, luz e gás;
4. Após a realização das obras em 2008, foi feito um acerto de contas entre as rendas em dívida e as obras realizadas e resultou um saldo a favor do condomínio no montante de €2.203,3;
5. No apartamento em apreço habitavam mais pessoas que aquelas que foi destinado; 6. É comum serem vistos no apartamento cavalheiros a entrar no imóvel diariamente e a sair do mesmo passado algum tempo com banho acabado de tomar;
7. Pessoas essas que entram e saem com sacos de roupa na mão;
8. A remoção da divisória referida em 19 dos factos assentes importa um custo não inferior a €750;
9. Aquando do arrendamento verbal, em 2002, a R. sempre se furtou à assinatura do contrato escrito de arrendamento não fornecendo os elementos para o efeito.

D - Reapreciação da decisão de mérito
A recorrente alicerçou o seu recurso na impugnação da matéria de facto, considerando que:
- A prova produzida evidenciou que as despesas de água, luz e gás se encontram incluídas no montante da renda mensal acordada, pelo que não lhe é exigível o montante peticionado;
- Caso assim não se entenda, tais despesas não se mostram contabilizadas de forma rigorosa pelo tribunal recorrido dado que a documentação junta evidencia que a sua responsabilidade, nessa matéria (a existir) se cifra em montante inferior. Mais concretamente, considera a recorrente que tais despesas se cifram no valor global de €4.169,48 e não no montante de €10.505,68, em cujo pagamento foi condenada.
Ora, a improcedência da impugnação da matéria de facto no que se reporta à inclusão das despesas de água, luz e gás do locado no valor da renda, dita a improcedência do recurso relativamente a tal questão. Efetivamente, apurou-se não estarem incluídas no valor da renda as despesas de água, luz e gás relativas à fração da autora. Por outro lado, também ficou demonstrado que os pagamentos de gás seriam integralmente suportados pela ré, e que os pagamentos de água e luz seriam suportados pela ré na proporção de 30% do total das faturas do prédio, correspondente a um cálculo por estimativa, já que não foi possível colocar contador autónomo no locado, senão o de água em 2016. Porém, deverá extrair-se dos factos provados que, desde a instalação de tal contador, à ré incumbia o pagamento integral dos consumos respetivos.
Consequentemente, devendo os contratos ser pontualmente cumpridos, nos termos do disposto no artigo 406º, nº 1, CC, improcede o primeiro fundamento do recurso, devendo a ré ser condenada no pagamento das despesas de água, luz e gás da sua fração, na proporção acordada.
Porém, tendo procedido parcialmente a impugnação da matéria de facto, como se alcança dos factos apurados sob os números 11, 12, 13 e 14 o valor em dívida é o de €5.090,86 (orçando o gás, no período em questão em €1.910,74, a eletricidade em €1.891,42 e a água nos montantes de €640,78 e €647,92).
Assim, em decorrência da procedência parcial do recurso no que se reporta à impugnação da matéria de facto importa, pois, alterar a decisão recorrida, por forma a contabilizar os consumos de água, luz e gás nos anos de 2011 a 2018 da responsabilidade da ré, mas suportados pela autora em €5.090,86.

E - Das custas da ação

Reagiu a ré à proporção da sua condenação em custas considerando excessiva a percentagem da responsabilidade que lhe foi atribuída (70%).
Efetivamente, na decisão recorrida, a responsabilidade pelo pagamento das custas foi repartida nos seguintes termos:
“Custas a cargo da A. e da R. na proporção de 30% para a primeira e 70% para a segunda, e sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia a A”
No que se reporta à responsabilização por custas, haverá que ponderar a regra geral consagrada no artigo 527º, CPC. Dispõe o nº 1 daquela norma que: “A decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito”.
O principal critério da responsabilidade pelas custas assenta, nos termos da norma enunciada, no princípio da causalidade, apenas subsidiariamente devendo intervir o critério do proveito processual.
Assim, como referem Lebre de Freitas e Isabel Alexandre[4]:
O critério para determinar quem dá causa à ação, incidente ou recurso, prescinde, em princípio, de qualquer indagação autónoma:  dá-lhe causa quem perde. (…) Quanto aos incidentes, paralelamente, é parte vencida aquela contra a qual a decisão é proferida: se o incidente for julgado procedente, paga as custas o requerido; se for rejeitado ou julgado improcedente, paga-as o requerente. No caso dos recursos, as custas ficam por conta do recorrido ou do recorrente, conforme o recurso obtenha ou não provimento; mas, se o recorrido não tiver contra-alegado e a decisão do recurso, favorável ao recorrente, não se refletir negativamente na esfera jurídica do recorrido, será responsável pelas custas do recurso quem for condenado nas custas da ação final (ac. TRL de 111.11, Luís Lameiras, www.dgsi.pt proc 222/08. Se o êxito (procedência ou provimento) for apenas parcial, o encargo das custas é repartido entre ambas as partes, na proporção em que cada uma tenha ficado vencida”.
Na norma citada encontram-se, pois, estabelecidos dois princípios quanto à responsabilidade de pagamento das custas, que são de aplicação sucessiva. O primeiro dos quais, sendo o da causalidade, implica a condenação em custas da parte que deu causa ao processo, ou seja, a parte vencida. Apenas nas hipóteses em que não há vencimento, opera o segundo princípio consagrado na norma em análise, determinando a condenação em custas do litigante que tirou proveito da ação (ou do incidente ou do recurso).
Analisando o campo de intervenção de ambos os princípios supra enunciados, refere o acórdão da Relação de Lisboa de 22-02-2019[5]: “existindo um vencedor, por princípio e natureza, não lhe pode ser imputada a responsabilidade pela obrigação do pagamento das custas por ser de afastar, naturalmente, a causalidade. Ou seja, por regra, o vencedor é o que obtenha ganho de causa. Ainda que este ganho de causa implique necessariamente um proveito, não é este proveito que releva quando se recorre ao respetivo princípio subsidiário, pois que, tal como resulta no nº 1 do art.º 527º, apenas não havendo vencimento é que funciona o critério subsidiário do proveito. Mas havendo um vencedor e não se encontrando uma parte vencida, esta não pode ser condenada no pagamento de custas porque não se verifica a causalidade (não deu causa à ação ou ao recurso), mas também aquele não o pode ser precisamente por ter havido vencimento (o que afasta o critério do proveito). Nestas situações impõe-se encontrar uma outra solução. Será apenas quando perante uma resolução do litígio não se descortine nem um vencido, nem um vencedor, que a responsabilidade tributária terá de assentar então no critério do proveito, isto é, em função das vantagens obtida”
Por outro lado, do artigo 1º, do RCP resulta que:
1. Todos os processos estão sujeitos a custas, nos termos fixados pelo presente Regulamento.
2.Para efeitos do presente Regulamento, considera-se como processo autónomo cada ação, execução, incidente, procedimento cautelar ou recurso, corram ou não por apenso, desde que o mesmo possa dar origem a uma tributação própria”.
Ora, aplicando as considerações que antecedem ao caso presente, temos como certo que, julgada parcialmente procedente a ação, a responsabilização de ambas as partes nas custas da ação, deverá ter por critério o do respetivo decaimento (vencimento).
A este propósito, refere-se no sumário do acórdão da Relação de Lisboa de 07-02-2019[6]:
“(…) 2. O princípio da causalidade, em matéria de responsabilidade pelo pagamento das custas, está relacionado com o decaimento: dá causa à ação quem a perde, total ou parcialmente.
3– O vencimento ou decaimento, total ou parcial, é aferido face à parte dispositiva da decisão e não aos seus fundamentos: o autor e o réu são vencidos quanto à parte do pedido em que decaíram e são vencedores na restante parte.
4– O critério para aferição desse decaimento, determinativo da medida ou proporção da responsabilidade pelo pagamento das custas judiciais, encontra-se através da equação: pedido que a parte formulou e a rejeição que encontrou na decisão do tribunal”.
Enunciando os critérios que devem reger a condenação em custas, refere-se no Acórdão da Relação do Porto de 14-07-2020[7]:
Entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for. A condenação em custas rege-se pelos aludidos princípios da causalidade e da sucumbência, temperados pelo princípio da proporcionalidade, na vertente da proibição de excesso e da justa medida.”
Na definição da responsabilidade por custas de cada um dos litigantes in casu (dado que a ação não foi julgada nem totalmente procedente, nem totalmente improcedente), importa ter presente que os pedidos formulados foram os seguintes:
a) - declaração de nulidade, por falta de forma, do contrato de arrendamento celebrado verbalmente entre a ré e a Administração do Condomínio do Prédio sito na Praça … em Lisboa;
b) - reconhecimento do direito das 2.ª e 3.ª autoras enquanto proprietárias das frações L e J, respetivamente, e comproprietárias das partes comuns do prédio em que aquelas se inserem (prédio sito na Praça …em Lisboa);
c) - condenação da ré a restituir às 2.ª e 3.ª autoras o apartamento sito na cave do prédio sito na Praça …em Lisboa;
d) - condenação da ré a pagar à 1.ª autora e ao condomínio por esta representado a quantia de 10.927,44 € a título de consumos de água, eletricidade e gás vencidos e não pagos, acrescida de juros desde a data de citação até efetivo e integral pagamento;
e) - condenação da ré no pagamento à 1.ª autora da quantia de 374,10 € até efetiva desocupação e entrega do imóvel às 2.ª e 3.ª autoras;
f) - condenação da ré no pagamento à 1.ª autora das quantias que se vencerem de consumos de água, eletricidade e gás do imóvel, na proporção de 100% dos consumos de água e gás medidos pelos contratos exclusivos do apartamento e de 30% dos consumos gerais do prédio, até efetiva desocupação e entrega do imóvel às 2.ª e 3.ª Autoras;
g) - condenação da ré a pagar à 1.ª autora a quantia de 750,00 € para remoção da divisória entre a parte de cozinha e a parte de sala e para reparação dos tetos, paredes e chão onde a mesma está instalada;
Subsidiariamente, foram formulados os seguintes pedidos:
h) - declaração de resolução de tal contrato de arrendamento, nos termos do artigo 1084.º do CC, por utilização indevida do apartamento com violação das regras de higiene, sossego e boa vizinhança e utilização do imóvel para um fim diverso do que se destina;
i) - declaração de resolução de tal contrato, nos termos do artigo 1084.º do CC, em virtude da realização de obras não autorizadas com a colocação de um separador entre a cozinha e a sala que criou um novo quarto de dormir e constitui uma alteração relevante na estrutura do imóvel.
Do dispositivo proferido pelo tribunal de primeira instância consta:
Por todo o exposto o tribunal julga a presente ação parcialmente procedente e condena a R. a pagar à A. a quantia de €10.505,68 relativa aos consumos de água, luz e gás dos anos de 2011 a 2018 que a A, suportou e que são a cargo da R., acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento, e condena ainda a R. a pagar os demais consumos de água e gás e 30% do valor da conta do condomínios de eletricidade já vencidos e vincendos até desocupação do locado.”
Assim, importa concluir que apenas os pedidos enunciados sob as alíneas d) e f) obtiveram procedência, embora parcial, no que se reporta ao pedido líquido de condenação (formulado no valor global de €10.927,44 e que originou a condenação da ré, na primeira instância, no pagamento de €10.505,68).
De todo o modo, embora tendo presente as dificuldades inerentes à divisão da responsabilidade de ambas as partes pelas custas processuais, dado que a maior parte dos pedidos formulados não assume uma expressão pecuniária certa, não pode merecer concordância a repartição das custas operada pelo tribunal recorrido.
Desde logo, analisados todos os pedidos formulados, é manifesto que o efeito útil primacialmente visado pelos autores com a instauração da presente ação identificava-se com a cessação da utilização do locado pela ré (pela via da declaração de nulidade do contrato de arrendamento ou pela sua resolução) e pela sua restituição ao condomínio autor. Efetivamente, tal realidade é mesmo afirmada pelos autores no requerimento de ampliação do pedido que formulam em 25-10-2023, solicitando, para o caso de improcedência dos pedidos anteriormente formulados, que se considere válida a denúncia do contrato, referindo, além do mais: “Pelos factos articulados, não restam dúvidas que o primitivo e principal pedido deduzido pelos Autores tem como desiderato a cessação do contrato de arrendamento e a restituição do imóvel locado aos Autores, independentemente da qualificação jurídica que está subjacente a essa cessação.”- cfr artigo 3º de tal requerimento (referência 469204480).
Consequentemente, considerando que na primeira instância apenas procedeu o pedido de condenação em quantia certa (em montante quase equivalente ao peticionado) relativa às despesas de água, luz e gás já vencidas, assim como procedeu o pedido de condenação nas despesas similares que se vencerem até desocupação do locado, o decaimento dos autores não pode ser fixado apenas em 30% porque, na realidade, soçobraram nas principais pretensões que deduziram. Reiterando-se que a apreciação de tal matéria não se apresenta isenta de dúvidas, dado que os pedidos que improcederam não assumem uma expressão pecuniária certa, julga-se proporcional fixar o montante do decaimento dos autores em 70% e o da ré em 30%.

F – Das custas do recurso
Apurando-se a responsabilidade da ré pelo pagamento autónomo (não incluído no valor da renda mensal) das despesas de água, luz e eletricidade, contrariamente ao por si defendido nas respetivas alegações, não pode deixar de ser condenada no valor das custas do recurso.
Porém, a responsabilidade da ré concorre com a dos autores que pugnaram pela manutenção da decisão recorrida ali se tendo determinado, no essencial uma condenação em €10.505,68, substituída por este tribunal de recurso por uma condenação em €5.090,86.
Assim, relativamente às custas deste recurso, fixa-se a responsabilidade dos autores e da ré em 50% para cada parte - cfr. artigo 527º CPC.

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III – DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes desta 2ª secção cível:
- Julgar parcialmente procedente o recurso de apelação interposto pela ré, condenando-a a pagar à autora a quantia de €5.090,96 (cinco mil e noventa euros e noventa e seis cêntimos), relativa aos consumos de água, luz e gás dos anos de 2011 a 2018 que a A, suportou e que são a cargo da R., acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento, bem como os demais consumos de água e gás e 30% do valor da conta do Condomínio de eletricidade já vencidos e vincendos até desocupação do locado.
- Condenar autores e ré nas custas da ação, na proporção do respetivo decaimento, que se fixa em 70% para os primeiros e em 30% para a segunda, sem prejuízo do apoio judiciário com que esta litiga.

Custas do recurso pela ré/recorrente e pelos autores, na proporção do seu decaimento, que se fixa em 50 % para cada, e sem prejuízo do apoio judiciário com que litiga a primeira – cfr. artigos 527º, CPC.
           
D.N.

Lisboa, 12 de setembro de 2024
Rute Sobral
Arlindo Crua
Pedro Martins
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[1] Proferido no processo 233/09, disponível em www.dgsi.pt
[2] Recursos em Processo Civil, 7ª edição, pág, 201 e 202
[3] Proferido no processo nº 3683/16.6T8CBR.C1.S2. disponível em www.dgsi.pt
[4] CPC anotado, 3ª edição, Vol. 2º, pág. 419.
[5] Proferido no processo 45824/18.8YIPRT-A.L1, disponível em www.dgsi.pt
[6] Proferido no processo nº 365/11.9TJLSB-A.L1-6, disponível em www.dgsi.pt
[7] Proferido no processo 4567/19.1T8PRT-A.P2, disponível em www.dgsi.pt