CONCURSO DE INFRAÇÕES
CONHECIMENTO SUPERVENIENTE
CÚMULO JURÍDICO
PENA ÚNICA
ANTECEDENTES CRIMINAIS
VALORAÇÃO
FUNDAMENTAÇÃO
NULIDADE
EXCESSO DE PRONÚNCIA
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Sumário


I. Na economia da decisão de elaboração do cúmulo jurídico, o método utilizado pelo tribunal a quo para melhor fundamentar a sua decisão, foi analisar o CRC do arguido/recorrente, transcrevendo todas as condenações que dele constavam e explicando os motivos pelos quais cada uma das penas extintas não entravam nos cúmulos jurídicos sucessivos efetuados, o que não lhe era vedado, pois, não deixou de observar o disposto nos arts. 77.º, n.º 1 e 78.º, n.º 1, do CP.
II. Essa forma de analisar o CRC não constituiu um excesso de pronúncia, nem sequer quando o tribunal a quo atende aos antecedentes criminais registados, ponderando-os na determinação da medida da pena única de cada um dos cúmulos jurídicos sucessivos que efetuou, enquanto reveladores do comportamento anterior do arguido/recorrente.
III. Com efeito, nenhuma dessas condenações anteriores estava cancelada, para não poder ser atendida, sendo certo que se fosse o caso (de estar cancelada), o que existia era erro de direito e não nulidade do acórdão por excesso de pronúncia.
IV. Neste caso concreto, as condenações extintas e já cumpridas, mais antigas, registadas no CRC do arguido não foram canceladas, de acordo com o que resulta do regime legal que lhe é aplicável (Lei n.º 37/2015, de 5 de Maio, v.g. art. 11.º), pelo que não há qualquer proibição de prova e podiam ser valoradas (como o foram) a propósito da determinação da medida da pena única de cada um dos cúmulos jurídicos sucessivos efetuados, sendo reveladoras do comportamento anterior do arguido/recorrente.
V. O facto do recorrente discordar da avaliação que foi feita, nomeadamente do quantitativo das penas únicas sucessivas em que foi condenado e até da forma como foi apresentada a respetiva justificação/fundamentação para as penas únicas impostas, como aqui sucede, não significa que haja nulidade do acórdão, por falta/ausência (ou mesmo insuficiência equivalente a ausência) de fundamentação.
VI. A decisão impugnada pelo recorrente foi fundamentada de modo suficiente, satisfazendo as exigências que decorrem do art. 205.º da CRP, não evidenciando a existência da nulidade a que se refere o art. 379.º, n.º 1, al. a), do CPP.
VII. Para além disso, ao contrário do que alega o recorrente, o tribunal a quo não tinha que indicar qualquer percentagem de agravação das medidas parcelares (v.g. 1/3, 1/5) nos cúmulos jurídicos efetuados, isto é, não tinha de indicar em termos quantitativos o contributo ou critério de agravação seguido em cada um dos cúmulos jurídicos efetuados para a determinação da respetiva pena única. Isto significa que não há qualquer omissão de pronuncia por não ter indicado, em termos quantitativos o contributo de agravação de cada uma das penas parcelares na escolha e determinação da respetiva da medida da pena única, estando, por isso, afastada a arguida nulidade do acórdão.

Texto Integral

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça

Relatório

I. No processo comum (tribunal coletivo) nº 12550/23.6... do Juízo Central Criminal de ..., Juiz 3, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, após realização da audiência a que alude o artigo 472.º do CPP, por acórdão proferido em 08.03.2024, conheceu-se supervenientemente do concurso de crimes e, face às penas aplicadas aos crimes naquela decisão melhor indicados praticados pelo arguido AA, nascido em ........1985, decidiu-se fixar as penas únicas a seguir indicadas, sendo assim o mesmo condenado:

1.º cúmulo: em 6 anos e 9 meses de prisão, abrangendo os seguintes processos: i. Proc. 43/19.0... do J6 do Juízo Central Criminal de ..., do Tribunal da Comarca de Lisboa Norte; ii. Proc. 789/17.8..., do J2 do Juízo Central Criminal de ..., do Tribunal da Comarca de Lisboa Norte.

2.º cúmulo: em 8 anos de prisão, abrangendo os seguintes processos: i. Proc. 454/21.1... do J5 do Juízo Central Criminal de ..., do Tribunal da Comarca de Lisboa; ii. Proc. 919/20.2..., do J1 do Juízo Local Criminal de ..., do Tribunal da Comarca de Lisboa Norte.

II. Inconformado com essa decisão, o arguido interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões (transcrição sem negritos, nem sublinhados):

1º-Foi mencionado e transcrito do certificado de registo criminal do arguido,

2º Dos crimes praticados

II.1 - Vejamos as condenações sofridas pelo arguido averbadas no seu registo criminal:

Em que foram referência: 16017829 fls 1, fls 2 e fl3 incluindo processos extintos e outros cumpridos.

3º-Constitui excesso de pronúncia conforme decorre do preceituado no artigo 379.º n. º1 alínea c) do código de processo penal,

c) Quando o tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.”

4ºUma vez que faz indicação a penas antigas sofridas pelo arguido, em que as mesmas em alguns processos já se encontram declaradas extintas ou cumpridas.

5.º Viola o disposto no n. º1 do artigo 77.º do CP e no n. º2 do artigo 374.º do CPP nulidade prevista no artigo. 379.º alínea nº 1 a) e c) do CPP (Ac. STJ de 02/03/27, proc. N.º 4408/02-5)

6-ºO recorrente foi condenado em primeiro cúmulo jurídico

Por decisão transitada em julgado em 04-11-2022, no âmbito do processo n.º: 43/19.0..., na pena única de 6 anos de prisão Por decisão transitada em 14-03-2019, no âmbito do processo n.º: 789/17.8..., na pena única de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução (revogada).

7-2º cúmulo jurídico

Por decisão transitada em 04-11-2022, no âmbito do processo 454/21.1..., foi o arguido condenado nas seguintes penas: quatro anos e seis meses de prisão, pela prática, em 24-06-2021, de factos consubstanciadores de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo art. 21º do DL 15/93, de 22-01.quatro anos de prisão, pela prática, em 06-05-2021, de factos consubstanciadores de um crime de roubo qualificado, previsto e punido pelo art. 210º, nº 1 e nº 2, al. b), com referência à alínea a) do nº 1 e al. e) do nº 2, do art. 203º do Código Penal.

três anos e seis prisão, pela prática, em 06-05-2021, de factos consubstanciadores de um crime de roubo agravado, previsto e punido pelo art. 210º, nº 1 e nº 2, al. b), com referência à alínea a) do nº 1 e al. e) do nº 2, do art. 203º do Código Penal.

Em cúmulo jurídico das sobreditas ditas foi o arguido condenado na pena única de 6 anos de prisão

Por decisão transitada em 02-05-2023, no âmbito do processo 919/20.2..., foi o arguido condenado na seguinte pena dois anos e seis meses de prisão, pela prática, em 03-11-2020, de factos consubstanciadores de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, previsto e punido pelos arts. 21º e 25º do DL 15/93, de 22-01

8-Conforme preceituado no Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal

Na fixação da pena unitária há-de ponderar o binómio factos personalidade do respetivo agente.

A consideração da personalidade do agente há-de avaliar-se unitariamente Ac. STJ, de 89/11/22, AJ3, proc. n.º 40272

9-I. 3 Condições pessoais do arguido

No passado : Dos artigos 20º ao 28º das presentes Motivações São relativos à personalidade do arguido

9ºEsta avaliação do 20ºa 28ºda personalidade do Agente não passa de uma reavaliação formal, pois nos mesmos termos já tinha sido avaliado nos mesmos termos em cada um dos processos levadas a cúmulo

10º Não podem os mesmos factos derem reavaliado duas vezes sob pena de princípio non bis in idem ou ne bis in idem significa que ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime. Trata-se de um princípio de Direito Constitucional Penal que configura um direito subjetivo fundamental, enunciado no n.º 5 do art.º 29.º da Constituição da República Portuguesa (CRP)

11-Esta interpretação normativa viola princípio non bis in idem ou ne bis in idem significa que ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime. Trata-se de um princípio de Direito Constitucional Penal que configura um direito subjetivo fundamental, enunciado no n.º 5 do art.º 29.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) e acarreta a proibição de prova art. 122.º, n.º 1, do CPP

Determinação concreta da pena do concurso,

12- Existe critério especial na determinação concreta da pena do concurso, segundo o qual serão considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, o que obriga a que do teor da sentença conste uma especial fundamentação da medida da pena do concurso.

13-º Salvo melhor opinião deveria em concreto e não em abstrato enunciar aquele princípio com factos , conexão e demais situações O Tribunal A quo nesta sede fez a seguinte enunciação

Critério escolhido pelo Tribunal A quo para a medida da pena

Falta de fundamentação e omissão de pronúncia

14 - Em face do exposto e ponderadas ainda as demais condenações sofridas pelo arguido que se encontram consignadas no quadro supra, as quais configuram antecedentes criminais por crimes de idêntica natureza aos ora sob apreciação roubo e tráfico - o Tribunal decide aplicar as seguintes penas únicas, porém :

15 - Não indicou nem fundamentou a percentagem 1/3, 1/5 ou outra pois a lei não é taxativa, das medidas parcelares do Cúmulo Jurídico o que acarreta o excesso de pronúncia conforme decorre do preceituado no artigo 379.º n. º1 alínea c) do código de processo penal, “

16 -º Porem segundo entendimento do Venerando Supremo Tribunal de Justiça2, que com a devida vênia, ora se acompanha: “Frequentemente, no escopo de obstar a disparidades injustificadas da medida da pena, essa “agravação” da pena mais grave é obtida pela dição de uma proporção do remanescente das penas parcelares que oscila, conforme as circunstâncias de facto e a personalidade do agente e por via de regra, entre 1/3 e 1/5.” 08P3856 Nº Convencional: JSTJ000 Relator: SIMAS SANTOS Descritores: CONCURSO DE INFRACÇÕES CÚMULO JURÍDICO TRÂNSITO EM JULGADO PENA ÚNICA MOLDURA PENAL MEDIDA DA PENA Nº do Documento: SJ200901140038565 Data do Acordão: 14-01-2009 Votação: UNANIMIDADE Texto Integral: S Privacidade: 1

17.º-Face ao exposto, e como vem entendendo o Supremo Tribunal de Justiça, a pena a aplicar em cúmulo deve ser encontrada na agravação da pena mais grave numa fração de 1/3 e 1/5 do remanescente das restantes penas.

18 -º Nesta parte atendendo à culpa é de aplicar o mínimo nas penas parcelares seria ou seja 1/5 , não tendo o Tribunal A quo justificado nem em concreto porque aplicou -

19 -º A omissão de pronuncia por não ter fundamentado o critério que aplicou na escolha da medida da pena artigo 410 nº3 do CPP. Nulidade nos termos excesso de pronúncia conforme decorre do preceituado no artigo 379.º n. º1 alínea c) do código de processo penal que se arguiu

20º Falta da prognose favorável

Face ao relatório Social de o Tribunal A Quo formular uma prognose favorável aplicando tao só o mínimo jurisprudencial 1/5 prognose favorável ao agente, baseada num risco prudencial e a não ser assim violaria o princípio da razoabilidade e da proporcionalidade

21º Na ótica do recorrente

Ora, no caso em concreto, no que respeita ao 1.º cúmulo, abrangendo os processos: Proc. 43/19.0... do J6 do Juízo Central Criminal de ..., do Tribunal da Comarca de Lisboa Norte; Proc. 789/17.8..., do J2 do Juízo Central Criminal de ..., do Tribunal da Comarca de Lisboa Norte.

Processo n.º43/19.0..., correspondente ao crime de tráfico com a pena de 6 anos de prisão; Processo n.º789/17.8..., referente ao crime de tráfico (previsto no artigo 25.º), com pena de 2 anos de prisão Será 6 anos acrescido de (1/5 de 2 anos de prisão) 4 meses 8 dias acarreta = 6 anos , 4 meses e oito dias

22º.º No caso do 2.º cúmulo, abrangendo os processos: Processo n.º 454/21.1..., correspondente ao crime de tráfico (artigo 21.º) e de roubo qualificado, com a pena única de 6 anos de prisão. Processo n.º: 919/20.2..., correspondente ao crime de tráfico, com a pena única de 2 anos e 6 meses. Pena Única 6 anos e 6 meses (1/5 de 2 anos e seis meses)

23º Esta é a correcta interpretação do artigo 77 e 78 do CP e não a conferida pelo Tribunal A Quo

III. Na 1ª instância o Ministério Público respondeu ao recurso, apresentando as seguintes conclusões:

1) O arguido AA inconformado com o douto acórdão de cúmulo jurídico de penas proferido a fls. 104 a 112, que decidiu aplicar, em cumprimento sucessivo, as penas únicas de 6 (seis) anos e 9 (nove) meses de prisão e 8 (oito) anos de prisão, veio dele interpor recurso.

2) Para tanto sustenta que as medidas concretas de cada uma das penas de prisão que lhe foram aplicadas, considera-as exageradas face às circunstâncias pessoais, invocando a violação do princípio ne bis in idem, a falta de fundamentação e omissão de pronúncia.

3) A nova redacção do art. 78.º, n.º 1, do CP, introduzida em 2007, com a supressão do trecho «mas antes de a respectiva pena estar cumprida, prescrita ou extinta», diversamente do que ocorria na redacção anterior, veio prescrever que o cúmulo jurídico sequente a conhecimento superveniente de novo crime, que se integre no concurso, não exclui, antes passa a abranger, as penas já cumpridas (ou extintas pelo cumprimento), procedendo-se, após essa inclusão, no cumprimento da pena única que venha a ser fixada, ao desconto da pena já cumprida.

4) Impõe-se concluir que bem andou o Tribunal a quo ao efectuar o concurso de crimes e cúmulo jurídico das penas nos moldes em que o fez, não excluindo, antes abrangendo, as penas já cumpridas (ou extintas pelo cumprimento), procedendo-se, após essa inclusão, no cumprimento da pena única que venha a ser fixada, ao desconto da pena já cumprida.

5) No que concerne às medidas concretas de cada uma das penas únicas de prisão encontradas e aplicadas ao Recorrente, não podemos deixar de manifestar profunda discordância com a argumentação expendida, afigurando-se-nos que as penas encontradas se mostram justas e adequadas, atenta a gravidade dos factos pelos quais o arguido foi condenado e as molduras abstractas aplicáveis, tendo sido ponderadas todas as circunstâncias que pesam a seu favor, nos termos do disposto no artº 71º do Código Penal, entre elas a imaturidade e o percurso de vida.

6) No caso concreto o douto acórdão recorrido, depois de identificar os processos e os factos que determinaram a condenação do arguido em cada um deles, em que circunstâncias foram os crimes praticados, os contornos de cada um, a ilicitude dos factos e a postura do arguido quanto a eles, ponderou, ainda, a natureza dos crimes em causa (de roubo e de tráfico de estupefacientes) e, para efeitos de situação pessoal do arguido, o teor do relatório social elaborado pela Direcção-Geral de Reinserção Social e Serviços Prisionais, junto aos autos – cfr. fls. 88 a 90, bem como as declarações do arguido.

7) Ponderou, ainda, a circunstância de o arguido, apesar de se encontrar em reclusão desde ... de ... de 2021, estar a trabalhar na área da pintura e, desde há cerca de 3 meses, a frequentar um curso de pintor da construção civil.

8) In casu, o Tribunal a quo conheceu todas as questões que tinha de conhecer e, designadamente, o percurso de vida e condições pessoais do arguido conforme se alcança da matéria de facto provada.

9) Donde, não ocorre qualquer omissão e, nessa medida, sem necessidade de mais considerandos impõe-se concluir que não se verifica a invocada nulidade do acórdão recorrido, nos termos do disposto no artº 379º, nº 1, al. a) e c) e nº 2 do Código de Processo Penal.

10) No mais, também não merece qualquer censura a opção efectuada pelo Tribunal a quo quanto à fixação das penas únicas.

11) Conforme se pode ler na matéria de facto assente o arguido sofreu as condenações, elencadas nos factos constantes de II.1 de fls. 104 a 109 (versos incluídos), que se encontram em relação de concurso, por três crimes de tráfico de estupefacientes e de dois crimes de roubo, iniciando o seu percurso criminógeno quando contava apenas com 19 anos de idade, mantendo uma conduta desconforme com o direito ao longo dos anos.

12) A que acrescem as suas condições pessoais, que não são particularmente favoráveis, evidenciando um percurso cheio de vicissitudes e caracterizado por uma imaturidade e um modo de vida desregulado.

13) Na determinação da medida de cada uma das penas únicas de prisão a aplicar ao arguido, feita a ponderação das penas concretas de prisão aplicadas – que se encontram numa relação de concurso, o Tribunal a quo fixou a moldura abstracta aplicável, para cada uma das operações, ao abrigo do disposto nº 2 do artº 77º do Código Penal, nos seguintes termos: - o primeiro cúmulo terá como limite mínimo a pena de 6 anos e como limite máximo 8 anos de prisão; - o segundo cúmulo terá como limite mínimo a pena de 4 anos e 6 meses de prisão e como limite máximo a pena de 14 anos e 6 meses de prisão.

14) Ora, salvo o devido respeito por opinião contrária, a apreciação global do comportamento do arguido, espelhado nas condenações que integram os referidos cúmulos e nas suas condições pessoais, permitem concluir que as penas únicas se mostram proporcionais, adequadas e justas, tendo sido fixadas muito próximo do limite médio das molduras abstractas aplicadas.

15) In casu, os factos que integram as condenações sofridas pelo arguido, revestindo natureza diversa, evidenciando-se, pela frequência, os factos integradores dos crimes de roubo e de tráfico de estupefacientes, o que revela o desprezo que o arguido sente pela integridade física e património de terceiros e, bem assim, pela saúde pública.

16) Acresce que, estamos na presença de crimes de roubo e de tráfico de estupefacientes, que associados ao passado criminal do arguido e aos consumos de produtos estupefacientes, revelam uma personalidade com tendência para delinquir.

17) Ora, tudo visto e ponderado, o Tribunal a quo optou por fixar as penas únicas muito próximo dos limites médios da moldura abstracta aplicável, o que, reflecte, ao invés do propugnado pelo Recorrente, foi devidamente ponderada as suas actuais condições de vida, afigurando-se-nos o respectivo quantum correcto.

Destarte, em nosso entendimento, não se mostra violado qualquer preceito legal, mormente os artigos 71.º, 77º e 78º todos do Código Penal, artigo 379.º, n.º 1, alíneas a) e c) do Código de Processo Penal e os artigos 29.º, n.º 5 da Constituição da República Portuguesa.

Termina pedindo que o recurso seja julgado improcedente e seja mantida a decisão recorrida.

IV. Subiram os autos a este Tribunal e, o Sr. PGA emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso do arguido, assinalando, por um lado, que não foi cometida a invocada nulidade prevista no art. 379.º, n.º 1, al. c), 2ª parte, do CPP, por haver referência aos antecedentes criminais do arguido, uma vez que tal sucedeu na “lógica da organização de uma sinopse preparatória da efetivação do cúmulo jurídico superveniente e, depois, no âmbito da determinação das penas únicas, como expressão relevante do seu comportamento anterior, sendo que constam do registo” do CRC, “dada a sucessiva prática de crimes”, pelo que não houve qualquer valoração indevida e, mesmo que houvesse, nunca constituiria um excesso de pronúncia (uma vez que não houve um conhecimento indevido de qualquer questão), mas tão só poderia discutir-se se integraria um erro de direito e, por outro lado, quanto à medida das penas únicas de prisão sucessivas que lhe foram impostas, considerou-as justas e criteriosas, mostrando-se devidamente fundamentadas e, por isso, entendeu não assistir razão ao recorrente quando concluiu que são excessivas e desproporcionadas.

V. Não houve resposta ao parecer do Sr. PGA.

VI. No exame preliminar a Relatora ordenou que fossem colhidos os vistos legais, tendo-se realizado depois a conferência e, dos respetivos trabalhos, resultou o presente acórdão.

Fundamentação

VII. Com interesse/pertinência para a decisão deste recurso consta do acórdão impugnado o seguinte:

II – Dos crimes praticados

II.1 - Vejamos as condenações sofridas pelo arguido averbadas no seu registo criminal:

ProcessoFactosDecisãoTrânsitoCrimePena
330/04.2...

2º J Lx

05-06-200409-11-2005. Tráfico. 1 a, 3 m pris, suspensa p/3 a (extinta- 57)
395/02.1...

4º J ...

09-07-200218-12-200830-01-2009. Roubo. 2 a pris, suspensa p/3 a, sob cond pag

(extinta- 57)

260/06.3...

5º J Lx

25-02-200516-11-200909-02-2010. Roubo. 1 anos, 6 meses prisão
O mesmo. Roubo. 1 anos, 6 meses prisão
. PU: 2 a, 3 m, susp

(extinta-57 CP)

611/11.9...21-04-201103-11-201123-11-2011. Consumo. 100 d multa

Substit p/trab

(cumprida)

3922/11.0...

PIC ...

15-01-200812-11-201221-12-2012. Consumo. 90 h trabalho

(cumprida)

643/15.8...

PIC ...

18-06-201530-06-201515-09-2015. Consumo120 d multa

(cumprida p subsidiária)

43/19.0...

J6 JCC ...

(fls. 40 e segs)

10-01-201909-07-202106-01-2022. Tráfico6 a prisão
77/15.4...

J1 JCC ...

23-01-201507-02-201709-03-2017. Tráfico3 a, 1 m, susp c/ regime prova

Revogada

76/17.1...

J2, JLPC, ...

05-12-201714-12-201726-01-2018. Consumo2 m prisão, susp 1 a

Extinta – 57CP)

789/17.8PHLRS06-08-2017 a 27-01-201812-02-201914-03-2019. Tráfico

(art. 25º)

2 a prisão, susp

(revogada)

454/21.1...

JCC, J5, LX

(fls. 15 e segs.)

24-06-202110-05-202204-11-2022. Tráfico

(art. 21º)

. 4 anos, 6 meses prisão
(o mesmo)06-05-2021.Roubo Qualif4 a prisão
(o mesmo).Roubo Qualif3 a, 6 m prisão
PU:

6 a prisão

919/20.2...

(fls. 2 e segs.)

03-11-202021-03-202302-05-2023Tráfico2 a, 6 m prisão

*

II.2 - Dos crimes em concurso.

Ocorre concurso de crimes determinativo de cúmulo de penas quando as diversas infrações que lhes dão origem foram cometidas antes do trânsito em julgado da primeira condenação por qualquer delas, conforme decorre do disposto nos artigos 77º e 78º do Código Penal.

Assim, como resulta dos preceitos citados, para que se verifique uma situação de concurso de crimes, a punir por uma única pena, é necessário que as várias infrações tenham sido cometidas antes de ter transitado em julgado a condenação imposta por qualquer uma delas. Isto é, o trânsito em julgado da condenação imposta por uma dada infração obsta a que, com essa infração ou com outras cometidas até esse trânsito, se cumulem infrações que venham a ser praticadas em momento posterior a esse mesmo trânsito.

O trânsito em julgado de uma condenação penal é, pois, o limite temporal a atender na determinação do concurso de crimes relevante para efeito de cúmulo jurídico das penas, sendo excluídos deste os crimes cometidos depois1.

As regras para a punição de concurso de crimes, estabelecidas nos artigos 77º, nº 1, e 78º, nº 1, do C. Penal, têm como finalidade permitir que, num certo momento, se possa conhecer um conjunto de factos do passado, tendo em conta que, em termos processuais, todos os factos poderiam ter sido avaliados em conjunto se tivesse ocorrido contemporaneidade processual.

«Há, assim, para a determinação da pena única, como que uma ficção de contemporaneidade. A decisão proferida na sequência do conhecimento superveniente do concurso, deve sê-lo nos mesmos termos e com os mesmos pressupostos que existiriam se o conhecimento do concurso tivesse sido contemporâneo da decisão que teria necessariamente tomado em conta, para a formação da pena única, os crimes anteriormente praticados; a decisão posterior projeta-se no passado, como se fosse tomada a esse tempo, relativamente a um crime que poderia ser trazido à colação no primeiro processo para a determinação da pena única, se o tribunal tivesse tido, nesse momento, conhecimento da prática desse crime2

Aplicando as regras legalmente previstas e já supra mencionadas, temos que dos crimes pelos quais o arguido foi julgado no âmbito dos processos mencionados se identificam duas relações de concurso, uma primeira a abranger os Procs. 43/19.0... e 789/17.8... e uma segunda a abranger os crimes julgados no âmbito dos Procs. 454/21.1... e 919/20.2...

Com efeito, não integram qualquer cúmulo jurídico a realizar as penas de prisão suspensas na sua execução, extintas nos termos previstos no art. 57º do Código penal (Proc. 330/04.2..., Proc. 395/02.1..., Proc. 260/06.3...).

Também não há que realizar operações de cúmulo jurídico com as penas de multa aplicadas ao arguido, uma vez que se encontram todas já declaradas extintas (Proc. 611/11.9..., Proc. 3922/11.0..., Proc. 643/15.8...).

O crime julgado no âmbito do Proc. 76/17.1... foi objeto de descriminalização, pelo que não integra qualquer relação de concurso – cfr. Lei 55/2023, de 8 de setembro.

No que se refere à condenação sofrida pelo arguido no âmbito do Proc. 77/15.4..., transitada em julgado em 09-03-2017, inexistem condenações a ponderar cujos factos sejam de data anterior à do mencionado trânsito. Fica, pois, esta condenação isolada, a cumprir de forma sucessiva


*

II.1 – Das penas a cumular

Vejamos, agora, os factos subjacentes às condenações sofridas pelo arguido que importa considerar:

1º cúmulo jurídico a realizar

1 - Por decisão transitada em 04-11-2022, no âmbito do processo 43/19.0..., foi o arguido condenado nas seguintes penas:

. seis anos de prisão, pela prática, em 10-01-2019, de factos consubstanciadores de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo art. 21º do DL 15/93, de 22-01

São essencialmente os seguintes os factos em causa:

“1. Em data não concretamente apurada mas situada entre o início do mês de Janeiro de 2019 e 27 de Março de 2019, o arguido adquiriu produto estupefaciente, mormente cannabis resina, com o propósito, concretizado, de o ceder, a troco de dinheiro, a terceiros de modo a obter proventos económicos.

2. Assim, na execução de tal propósito e no dia 10 de Janeiro de 2019, pelas 15h30m, na Rua ..., ..., concelho de ..., o arguido trazia consigo cannabis resina (duas bolotas), com o peso líquido de 19,539 gramas e o grau de pureza de 31,2%THC e que permitia obter 121 doses diárias para consumo.

3. Trazia ainda €155,50 (cento e cinquenta e cinco euros e cinquenta cêntimos) provenientes da atividade de cedência de estupefaciente/psicotrópicos a terceiros, onerosamente, bem como um telemóvel de marca Alcatel, melhor identificado a fls. 140. que o arguido utilizava na prossecução dessa atividade.

4. E, no dia 27 de Março de 2019, pelas 16h00, na Rua ..., ..., ..., concelho de ... o arguido trazia consigo cannabis resina, dividida em duas placas, com o peso líquido global de 939,123 gramas e o grau de pureza de 6,7%THC e que permitia obter 1258 doses diárias para consumo.

5. O arguido conhecia as características estupefacientes/psicotrópicas e os efeitos nefastos na saúde humana dos produtos acima descritos que, nas datas e locais acima descritos, guardava, detinha e transportava nas condições acima descritas e que destinava a entregar a terceiros, mediante contrapartida económica, bem como daqueles que cedeu a terceiros.

6. O arguido sabia que lhe era penalmente proibido guardar, adquirir, transportar, vender, ceder ou entregar a terceiros como fez ou por qualquer modo deter como detinha, nas circunstâncias referidas e para o efeito a que os destinava, produtos da natureza e com as características dos supra descritos, por não ser titular de autorização legal para tanto e, não obstante, não se eximiu de atuar do modo descrito de modo a obter vantagens económicas que sabia não lhes serem devidas.

7. O arguido agiu, sempre livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei criminal.”


*

2 - Por decisão transitada em 14-03-2019, no âmbito do processo 789/17.8..., foi o arguido condenado na seguinte pena:

. dois anos de prisão, suspensa na sua execução, objeto de revogação por despacho posterior, pela prática, em 08-08-2017 a 27-01-2018, de factos consubstanciadores de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, previsto e punido pelos arts. 21º e 25º do DL 15/93, de 22-01.

São os seguintes os factos em causa:

“1 – No dia 28 de Julho de 2017, pelas 00h42m, na Praceta ..., junto ao n.º 1, sita na ..., o arguido AA encontrava-se na posse de vários pedaços de canabis (resina), comummente referida como haxixe, com o peso líquido de 4,180 gramas, com um grau de pureza de 12,4% (THC), que lhe permitia obter dez doses individuais para consumo do referido produto, e de canabis, na variante de folhas e sumidades, comummente referida como liamba, concretamente no interior da sua roupa, com o peso líquido de 0,293 gramas, destinando ao seu consumo a canabis que detinha.

2 – No dia 06 de Agosto de 2017, pelas 00h20m, na Praceta ..., junto ao número 1, sita na ..., o arguido detinha uma embalagem de plástico que continha vários pedaços de canabis (resina), vulgo haxixe, com o peso líquido de 9,549 gramas, com um grau de pureza de 15,8% (THC) que lhe permitia obter 30 (trinta) doses individuais para consumo do referido produto.

3 – Na sequência do referido em 2 o arguido foi detido, constituído arguido e presente a Tribunal para julgamento em processo sumário, tendo tido conhecimento dos factos supra descritos e tendo-lhe sido imputada a prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, previsto e punido pelos arts. 21º, n.º 1 e 25º, al. a), ambos do DL n.º 15/93, de 22-01, por referência à Tabela I-C, tendo o processo sido remetido para inquérito, dando origem aos presentes autos.

4 – No dia 27 de Janeiro de 2018, pelas 00h15m, no Jardim ..., sito na ..., o arguido escondeu diversas saquetas contendo canabis (folhas e sumidades), vulgo liamba, numas ervas aí existentes, que destinava parte ao consumo e parte à venda naquele local, aguardando que potenciais compradores de canabis se deslocassem até si, solicitando a venda de uma saqueta em troca de quantia monetária.

5 – Nesse momento, surgiu BB, o qual solicitou ao arguido a venda de um pedaço de haxixe para seu consumo, em troca de € 10,00 (dez euros), pelo que o arguido entregou-lhe um pedaço de canabis (resina), com o peso líquido de 2,650 gramas, com o grau de pureza de 15,8% (THC), quantidade que permitiria obter 8 (oito) doses individuais para consumo do referido produto estupefaciente; e, em troca, BB entregou ao arguido uma nota de € 10,00 (dez euros), que o arguido guardou no bolso direito das calças.

6 – Após o que, o arguido foi abordado no local por Agentes da P.S.P., sendo que o arguido guardava em lugar próximo de si, no meio das ervas supra mencionadas, 6 (seis) saquetas contendo canabis em folhas e sumidades, com o peso líquido de 10,405 gramas, com o grau de pureza de 15,2% (THC), quantidade que permitiria obter 31 (trinta e uma) doses individuais para consumo do referido produto, tendo-lhe sido apreendida a nota de € 10,00 (dez euros) que lhe havia sido entregue por BB.

7 – Nesse mesmo dia, pelas 00h40m, no quarto do arguido, sito na Rua ..., Bairro de ..., o arguido guardava um rolo de película aderente e uma balança de precisão destinadas à utilização na preparação e divisão do produto estupefaciente para posterior revenda do mesmo a terceiros que o quisessem adquirir em troca da correspondente quantia monetária.

8 – O arguido pretendia entregar parte do produto estupefaciente referido em 2 e 4 e 6 a terceiros e outra parte pretendia consumir.

9 – Agiu o arguido de modo voluntário, livre e consciente, com intenção de, com a sua conduta, deter, ceder e consumir o produto estupefaciente da forma descrita, o que logrou, tendo perfeito conhecimento da natureza e das características das substâncias estupefacientes que comprava, detinha, cedia e consumia, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.”

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2º cúmulo jurídico a realizar

1 - Por decisão transitada em 04-11-2022, no âmbito do processo 454/21.1..., foi o arguido condenado nas seguintes penas:

. quatro anos e seis meses de prisão, pela prática, em 24-06-2021, de factos consubstanciadores de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo art. 21º do DL 15/93, de 22-01.

. quatro anos de prisão, pela prática, em 06-05-2021, de factos consubstanciadores de um crime de roubo qualificado, previsto e punido pelo art. 210º, nº 1 e nº 2, al. b), com referência à alínea a) do nº 1 e al. e) do nº 2, do art. 203º do Código Penal.

. três anos e seis prisão, pela prática, em 06-05-2021, de factos consubstanciadores de um crime de roubo agravado, previsto e punido pelo art. 210º, nº 1 e nº 2, al. b), com referência à alínea a) do nº 1 e al. e) do nº 2, do art. 203º do Código Penal.

Em cúmulo jurídico das sobreditas ditas foi o arguido condenado na pena única de 6 anos de prisão.

São essencialmente os seguintes os factos em causa:

1. No dia 6 de maio de 2021, cerca das 20H00, os arguidos AA, CC, DD, juntamente com EE munidos de um objeto em tudo semelhantes a uma pistola de marca “Glock19”, dirigiram-se ao imóvel sito na rua..., ..., em ..., com o propósito de se apoderarem de dinheiro que o ofendido FF guardava no seu quarto.

2. Os arguidos AA, CC fizeram-se transportar até ao local no veículo automóvel de marca Kia, propriedade do segundo arguido, enquanto o arguido DD e EE utilizaram o veículo automóvel de marca Nissan, propriedade deste último.

3. Uma vez no local, bateram à porta e como esta não lhes foi de imediato aberta, o CC anunciou-se como inspetor da Polícia Judiciária.

4. Nessa ocasião, GG, também ali residente, espreitou pelo óculo da porta e, apercebendo-se pelas roupas e pela linguagem utilizada que a qualidade policial arrogada não correspondia à verdade, não lhes abriu a porta e correu para o seu quarto, onde, por telemóvel, deu a conhecer ao senhorio o que se estava a passar.

5. Imediatamente a seguir, o arguido CC, que então calçava um par de ténis da marca “Vans”, modelo “Authentic”, desferiu um pontapé na porta, que uma vez aberta, lhes deu acesso ao interior, com a exceção feita a EE, que por razões não concretamente apuradas, desceu as escadas e regressou ao seu veículo.

6. Já no interior, o arguido CC dirigiu-se ao quarto do ofendido GG e aproveitando-se da incapacidade deste em fechar a respetiva porta à chave, acedeu ao interior do mesmo e com este ao seu alcance desferiu-lhe um soco na face, que o fez cair por terra inanimado.

7. Subsequentemente, um dos arguidos recolher o telemóvel da marca “Apple”, modelo Iphone 7, que operava com o n.o .......50, com o IMEI ..........50, no valor de €819,97, que o ofendido deixara cair por força do murro que o atingiu e guardou-o consigo.

8. De seguida, os arguidos CC e AA dirigiram-se ao quarto do ofendido FF e ali, este último encostou o objeto semelhante à arma de fogo à cabeça do ofendido e obrigou-o a revelar o local onde guardava o dinheiro.

9. Temendo pela possibilidade de ser atingido pelo disparo da arma, até porque convenceu-se da sua autenticidade, o ofendido FF apontou para uma caixa de óculos, de onde o arguido CC retirou cerca de €4.500,00 em numerário.

10. Ato contínuo, o mesmo arguido percorreu o quarto e dali retirou artigos de vestuário e calçado, pertencentes ao ofendido FF, de valor não apurado.

11. Já na posse destes objetos o arguido CC dirigiu-se à sala e entregou-os ao arguido DD que os guardou numa mochila.

12. Na posse de tais bens e valores que fizeram seus e integraram no seu património, os arguidos abandonaram o local, dirigiram-se aos veículos que para ali os transportaram, onde se encontrava EE e daí, para parte incerta.

13. O ofendido GG foi conduzido ao Hospital de... onde lhe foi diagnosticado fratura do maxilar e, em função de tal lesão, foi intervencionado cirurgicamente.

14. Em consequência direta e necessária da conduta do arguido CC, GG sofreu para além da alteração da sua sensibilidade (dor) fratura da porção posterior do corpo e ângulo da mandíbula à esquerda, envolvendo o alvéolo da última peça dentária inferior esquerda.

15. Em consequência dos pontapés que desferiram na porta do imóvel, os arguidos e os suspeitos destruíram a respetiva fechadura, de valor não apurado.

16. Os arguidos agiram de forma conjunta, em articulação de esforços e de vontades, no deliberado e concretizado propósito de se apoderarem dos bens e valores que existiam na residência dos ofendidos, bem sabendo que não lhes pertenciam e que o faziam contra a vontade de seus donos.

17. Como meio para a plena concretização dos seus intentos apropriativos, os arguidos, acederam ao interior do imóvel dos ofendidos contra a vontade e sem o consentimento destes, tendo para o feito aberto a porta a pontapé, desferiram um soco no ofendido GG, impedindo-o dessa forma de lhes opor uma resistência eficaz e que contrariasse os seus propósitos e usaram da ameaça de um objeto em tudo semelhante a uma arma de fogo, o que fizeram como forma de levar o ofendido FF a indicar-lhes o local onde guardava o seu dinheiro, mas também, de modo a obstar qualquer resistência por parte deste que não esboçou sequer, uma vez que ficou tolhido pela possibilidade de ser atingido pelo disparo da arma que considerou verdadeira.

18. No dia 24 de junho de 2021, cerca das 07H45, o arguido AA guardava na sua residência, sita na rua ......, ..., o seguinte:

- No interior de uma embalagem de gelado da marca DIA, sabor baunilha caramelo, 2 (duas) placas resina de Cannabis “resina”, uma com o peso liquido de 96.425 gramas (a que corresponde 433 doses individuais) e outra com o peso liquido de 89.610 gramas (a que corresponde 451 doses individuais) e ainda 43 bolotas de Cannabis “resina”, com o peso bruto de 143.847 gramas (a que corresponde 704 doses individuais);

- Um telemóvel da marca Ulefone, modelo Armor X5, com o IMEI ... ... ... ... .47;

19. O arguido AA conhecia a natureza e as características do estupefaciente que lhes foi apreendido, que era o remanescente de quantidade não apurada que obteve e comercializava;

20. No dia 24 de junho de 2021, cerca das 07H00, o arguido CC guardava na sua residência, sita na rua ..., em ..., 980€ (novecentos e oitenta euros em numerário), e um par de ténis da marca Vans, modelo “Authentic”;

21. Em todas as condutas os arguidos agiram de forma livre deliberada e conscientemente, bem sabendo da sua reprovabilidade em termos penais.”


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2 - Por decisão transitada em 02-05-2023, no âmbito do processo 919/20.2..., foi o arguido condenado na seguinte pena:

. dois anos e seis meses de prisão, pela prática, em 03-11-2020, de factos consubstanciadores de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, previsto e punido pelos arts. 21º e 25º do DL 15/93, de 22-01.

São os seguintes os factos em causa:

“No dia 3 de novembro de 2020, cerca das 22h00, quando se encontrava na Avenida dos ..., ..., em ..., o arguido detinha no bolso direito das calças que vestia:

1.1.uma saqueta contendo 6, 942 g de cannabis (resina), com o grau de pureza de 27,7% do seu princípio ativo, que corresponde a 38 doses diárias.

1.2uma saqueta contendo 0,73g de cocaína (cloridrato), com o grau de pureza de 96,6% do seu princípio ativo, que corresponde a 3 doses diárias.

Os produtos estupefacientes que o arguido detinha eram por si destinados ao seu próprio consumo e à sua cedência a terceiros, a título oneroso ou gratuito.

O arguido quis ter em seu poder os produtos estupefacientes acima descritos, que destinava ao seu consumo e à entrega/cedência a terceiros, bem conhecendo as caraterísticas estupefacientes das substâncias que detinha e dos efeitos nefastos que provocam na saúde humana.

Sabia ainda o arguido ser penalmente proibido guardar, comprar, vender ou por qualquer modo ceder a terceiros ou deter com o fim a que destinava, produtos estupefacientes da natureza dos acima descritos e, não obstante, quis e agiu do modo descrito, bem sabendo que tal conduta lhe estava vedada, o que fez de modo a obter vantagens económicas que sabia não lhe serem devidas.

Agiu em tudo de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.”


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II. 3 – Condições pessoais do arguido

AA pertence a uma família de nacionalidade ..., nascido em Portugal, constituída pelos pais e três filhos, a qual vivia numa casa abarracada na ..., bairro conotado com problemas de exclusão social e marginalidade.

O agregado subsistia com base no trabalho desenvolvido pelos pais, não sendo referenciadas, na altura, dificuldades económicas significativas.

O percurso escolar do arguido foi caracterizado pela desadaptação e baixo aproveitamento, registando reprovações. Concluiu um curso de dupla certificação de pintura automóvel aos 20 anos de idade, que lhe deu a equivalência ao 9.º ano de escolaridade.

Após a conclusão do curso de formação, AA permaneceu sem trabalhar durante 2 anos.

Nesta fase mantinha um estilo de vida ocioso, privilegiando o convívio com pares conotados com comportamentos delinquentes e aditivos. Situa nesta altura o início dos consumos de estupefacientes, nomeadamente de haxixe, situação que evoluiu para uma problemática de toxicodependência, associada posteriormente o consumo de cocaína.

O arguido começou a trabalhar aos 22 anos de idade na área da restauração, contudo, sem vínculos contratuais, padrão que manteve ao longo do seu percurso existencial, vivenciando períodos de inatividade.

A disrupção comportamental/social apresentada implicou o contacto com o Sistema da Justiça aos 19 anos de idade.

Antes da presente reclusão, AA vivia com a mãe e uma irmã, esta com problemas de saúde (epilepsia).

Não desenvolvia atividade laboral de modo regular, subsistindo economicamente do salário da mãe e do que usufruía dos trabalhos esporádicos que ia desenvolvendo na área da restauração.

O arguido era acompanhado pelo Centro de Respostas Integradas de ..., aparentemente sem sucesso, uma vez que recaía regularmente nos consumos de haxixe e de cocaína.

Quando em liberdade, o arguido continua a pretender voltar a residir com a sua mãe (reformada), que ao longo da execução da pena, juntamente com os outros dois filhos, tem-lhe prestado suporte afetivo e financeiro, com visitas regulares e depósitos de dinheiro (50,00 € mensalmente) na sua conta corrente do ....

No presente, o arguido dispõe de 14,20 € no fundo disponível e 26,73 € no fundo de apoio à reinserção, o que nos remete para a necessidade de apoio familiar ao nível económico, podendo requerer também a atribuição do Rendimento Social de Inserção, aquando a libertação. Não dispõe de perspetiva de empregabilidade, subsistindo esta como necessidade de reinserção social.

O arguido mostra-se ansioso quanto à definição da sua situação jurídico-penitenciária e verbaliza expectativas positivas quanto ao desfecho do presente cúmulo jurídico, numa lógica de poder resultar numa redução da amplitude da pena de prisão em execução.

Relativamente à problemática aditiva, afirma estar abstinente, pelo que não equaciona submeter-se a tratamento.

Da avaliação efetuada pelos técnicos de Reinserção Social, o arguido surge como um indivíduo imaturo, com um pensamento pouco favorável às convenções sociais e permeável a influências negativas externas, revelando dificuldades para assumir responsabilidades, exercer autocontrolo, com tendência a agir em função da satisfação das suas necessidades e interesses imediatos, sem ponderar as consequências das suas decisões, quer para si quer para terceiros. Contudo, pelo seu discurso, denota capacidade de reconhecimento acerca do seu estilo de vida desajustado, contextualizando as condutas transgressivas nas suas fragilidades pessoais advindas da sua imaturidade, associação/envolvimento com pares marginais e conduta aditiva.

Em termos disciplinares tem mantido conduta isenta de reparos, desenvolve atividade laboral e formativa, está em regime comum, sem o usufruto de medidas de flexibilização da pena.

Em reclusão desde ... de ... de 2021, encontra-se a trabalhar no na área da ... e, desde há cerca de 3 meses, a frequentar um curso de pintor da construção civil.

Atribui o seu comportamento delitual a uma má fase da vida, associada ao consumo de estupefacientes, os quais logrou interromper, sem qualquer apoio. 3


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VIII. O Direito

No recurso as questões colocadas pelo recorrente relacionam-se com:

1ª- nulidade do acórdão impugnado, por excesso de pronúncia (por se referir a processos e penas declaradas extintas e cumpridas, já antigas, que constavam do seu CRC, em vez de se referir somente às penas que se encontravam em situação de concurso);

2ª- medida das penas únicas sucessivas que lhe foram aplicadas, por considerar,

i)- haver violação do princípio ne bis in idem por ter sido feita uma reavaliação formal, nos mesmos termos que já tinham sido avaliados em cada um dos processos levados a cúmulo, os factos e a personalidade do arguido (o que significou ser julgado mais do que uma vez pelos mesmos factos, o que é proibido);

ii)- haver falta de fundamentação e omissão de pronúncia quanto à indicação da percentagem das medidas parcelares no cúmulo jurídico efetuado, desconhecendo o contributo para a agravação na determinação da pena única (o que significa omissão de pronuncia por não ter indicado/fundamentado o critério que aplicou na escolha da medida da pena única, o que integra nulidade)

iii)- terem sido violados os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade nas penas únicas aplicadas, as quais deverão ser reduzidas nos moldes por si indicados (no juízo de prognose favorável a efetuar, dever-se-ia aplicar um critério de agravação de 1/5, o que significava que, no primeiro cúmulo, a pena única a aplicar seria de 6 anos 4 meses e 8 dias de prisão e, no segundo cúmulo, a pena única seria de 6 anos e 6 meses de prisão).

Vejamos então.

1ª Questão

Coloca o recorrente a questão do acórdão impugnado ser nulo, por excesso de pronúncia (art. 379.º, n.º 1, al. c), 2ª parte, do CPP), uma vez que, na sua perspetiva, nele não se podia fazer referência a processos e penas declaradas extintas e cumpridas, já antigas, que constavam do seu CRC, mas tão só mencionar as penas que se encontravam em situação de concurso e, também não podiam aquelas penas antigas que não entraram nos cúmulos efetuados ser atendidas na ponderação da medida da pena.

Pois bem.

Como acima se viu, no acórdão sob recurso foi analisado o CRC do arguido/recorrente, sendo transcritas as condenações que dele constavam e explicado os motivos pelos quais cada uma das penas extintas não entravam nos cúmulos jurídicos sucessivos efetuados.

Na economia da decisão esse foi o método utilizado pelo tribunal a quo para melhor fundamentar a sua decisão, o que não lhe era vedado, pois, não deixou de observar o disposto nos arts. 77.º, n.º 1 e 78.º, n.º 1, do CP.

Essa forma de analisar o CRC não constituiu um excesso de pronúncia, nem sequer quando o tribunal a quo atende aos antecedentes criminais registados, ponderando-os na determinação da medida da pena única de cada um dos cúmulos jurídicos sucessivos que efetuou, enquanto reveladoras do comportamento anterior do arguido/recorrente.

Com efeito, nenhuma dessas condenações anteriores estava cancelada, para não poder ser atendida, como adiante se verá, sendo certo que se fosse o caso (de estar cancelada), o que existia era erro de direito e não nulidade do acórdão por excesso de pronúncia, como bem refere o Sr. PGA junto deste STJ.

Como escreve António Manuel Almeida Costa4(…) O cancelamento dos cadastros parece, desde logo, implicar uma proibição de prova quanto aos factos por ele abrangidos. A ser de outro modo, não se compreenderia o fundamento da sua consagração. Ao incidir sobre o mecanismo em que, por definição, assenta a informação dos tribunais, o legislador só pode ter querido significar que, doravante, as sentenças canceladas se consideram extintas no plano jurídico, não se lhes ligando quaisquer efeitos de tal natureza (v.g. quanto à medida da pena). Por outras palavras, a admitir-se neste contexto uma proibição de prova, ela importará, para além da interdição da sua produção em juízo (Beweiserhebungsverbot), a impossibilidade da correspondente tomada em consideração, na hipótese de ser indevidamente levada ao conhecimento do tribunal (Beweisverwertungsverbot).”

Ora, neste caso concreto, as condenações extintas e já cumpridas, mais antigas, registadas no CRC do arguido não foram canceladas, de acordo com o que resulta do regime legal que lhe é aplicável, pelo que não há qualquer proibição de prova e podiam ser valoradas (como o foram) a propósito da determinação da medida da pena única de cada um dos cúmulos jurídicos sucessivos efetuados, sendo reveladoras do comportamento anterior do arguido/recorrente.

Considerando a data do acórdão sob recurso (8.03.2024) e a própria data da emissão do CRC em causa (27.02.2024), é aplicável o regime previsto na Lei n.º 37/2015, de 5 de Maio (que estabelece os princípios gerais que regem a organização e o funcionamento da identificação criminal, transpondo para a ordem jurídica interna a Decisão-Quadro 2009/315/JAI, do Conselho, de 26 de fevereiro de 2009, relativa à organização e ao conteúdo do intercâmbio de informações extraídas do registo criminal entre os Estados membros, e revoga a Lei n.º 57/98, de 18 de agosto) então em vigor, o qual foi regulamentado pelo DL n.º 171/2015, de 25.085.

Ora, tendo em atenção o art. 11.º (cancelamento definitivo) da Lei n.º 37/2015 e analisando todas as condenações que não foram englobadas nos cúmulos jurídicos efetuados, relativos a penas extintas ou cumpridas, o prazo de cancelamento definitivo dos respetivos registos é de 5 anos “sobre a extinção da pena”,desde que, entretanto, não tenha ocorrido nova condenação por crime de qualquer natureza”.

Mas, verifica-se que no decurso dos 5 anos a contar da data de extinção de cada uma das referidas penas aplicadas ao arguido, este foi sendo condenado, por sentença transitada em julgado, por novo crime (sendo indiferente a sua natureza); está, pois, justificada a manutenção do registo das diversas condenações extintas no CRC do arguido, independentemente de haver algumas “mais antigas” como refere (de qualquer modo são condenações todas transitadas depois de 9.11.2005).

Assim, todas as condenações constantes do registo do arguido, mesmo as extintas e cumpridas, são passíveis de valoração, não havendo qualquer excesso de pronúncia, ou nulidade da sentença, nem erro de direito, por haver referência às mesmas nos termos em que o foram na decisão sob recurso, razão pela qual improcede esta questão suscitada pelo recorrente.

2ª Questão

Sobre o tema geral da medida das penas únicas sucessivas que lhe foram aplicadas, suscita várias questões a saber, em resumo: a violação do princípio ne bis in idem; a falta de fundamentação e omissão de pronúncia quanto à indicação da percentagem das medidas parcelares no cúmulo jurídico efetuado; e a violação do princípio da razoabilidade e da proporcionalidade nas penas únicas impostas.

Para uma melhor abordagem das questões colocadas iremos ainda transcrever o seguinte que também consta da decisão sob recurso:

Na determinação da medida da pena cabe tomar em consideração a gravidade do conjunto dos factos praticados pelo arguido, daí se extraindo a gravidade global do conjunto de ilícitos perpetrados pelo mesmo integradores do cúmulo jurídico a realizar.

Não tendo o legislador nacional optado pelo sistema de acumulação material é forçoso concluir que com a fixação da pena conjunta pretende-se sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também e especialmente pelo respetivo conjunto, não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente, visto que a lei manda se considere e pondere, em conjunto, (e não unitariamente) os factos e a personalidade do agente.

Importante na determinação concreta da pena conjunta será, pois, a averiguação sobre se ocorre ou não ligação ou conexão entre os factos em concurso, a existência ou não de qualquer relação entre uns e outros, bem como a indagação da natureza ou tipo de relação entre os factos, sem esquecer o número, a natureza e gravidade dos crimes praticados e das penas aplicadas, tudo ponderando em conjunto com a personalidade do agente referenciada aos factos, tendo em vista a obtenção de uma visão unitária do conjunto dos factos, que permita aferir se o ilícito global é ou não produto de tendência criminosa do agente, bem como fixar a medida concreta da pena dentro da moldura penal do concurso.

As molduras abstratas das penas de prisão a aplicar são as seguintes:

Primeiro cúmulo:

De 6 anos de prisão (a mais elevada das penas parcelares aplicadas) a 8 anos (soma das penas de prisão a cumular).

Estão em causa dois crimes de tráfico de estupefacientes, um com factos reportados a 10-01-2019 e o outro com factos reportados ao período de 06-08-2017 a 27-01-2018, distando, pois, cerca de um ano entre os factos julgados no âmbito de um e de outro processo.

Segundo cúmulo:

De 4 anos e 6 meses de prisão (a mais elevada das penas parcelares aplicadas) a 14 anos e 6 meses (soma das penas de prisão a cumular).

Desta feita está em causa um crime de tráfico, uma vez mais, com factos ocorridos em 24-06-2021 e dois crimes de roubo qualificado, praticados em 06-05-2021, estando em causa a lesão de bens jurídicos de diversa natureza, em que se incluem bem jurídicos pessoais, num processo e outro crime de tráfico de estupefacientes no outro processo, praticado em 03-11-2020.

O arguido nasceu em 27 de julho de 1985, pelo que tinha idade entre os 32 e os 35 anos de idade à data da prática dos factos que integram as decisões de cúmulo jurídico. Assim, não se poderá considerar um indivíduo numa fase ainda de desenvolvimento da personalidade, tratando-se, na verdade, de um adulto.

Resulta dos autos que o arguido lidava com uma problemática aditiva, que terá ligação estreita com os factos ilícitos apurados, a qual o mesmo refere ter ultrapassado durante o período de reclusão.

Da avaliação efetuada pelos técnicos de Reinserção Social, o arguido surge como um indivíduo imaturo, com um pensamento pouco favorável às convenções sociais e permeável a influências negativas externas, revelando dificuldades para assumir responsabilidades, exercer autocontrolo, com tendência a agir em função da satisfação das suas necessidades e interesses imediatos, sem ponderar as consequências das suas decisões, quer para si quer para terceiros. Não obstante, denota capacidade de reconhecimento acerca do seu estilo de vida desajustado, contextualizando as condutas transgressivas nas suas fragilidades pessoais advindas da sua imaturidade, associação/envolvimento com pares marginais e conduta aditiva.

O arguido começou a trabalhar aos 22 anos de idade na área da restauração, contudo, sem vínculos contratuais, padrão que manteve ao longo do seu percurso existencial, vivenciando períodos de inatividade.

Antes da presente reclusão, AA vivia com a mãe e uma irmã, esta com problemas de saúde (epilepsia) e não desenvolvia atividade laboral de modo regular, subsistindo economicamente do salário da mãe e do que usufruía dos trabalhos esporádicos que ia desenvolvendo na área da restauração.

Atualmente encontra-se a trabalhar no estabelecimento na área da pintura e a frequentar um curso de formação nessa mesma área.

Em face do exposto e ponderadas ainda as demais condenações sofridas pelo arguido que se encontram consignadas no quadro supra, as quais configuram antecedentes criminais por crimes de idêntica natureza aos ora sob apreciação – roubo e tráfico - o Tribunal decide aplicar as seguintes penas únicas:

1º cúmulo

. 6 anos e 9 meses de prisão.

2º cúmulo

. 8 anos de prisão.”

Vejamos então.

Impondo-se a realização de cúmulo jurídico das penas aplicadas, importa observar o disposto no art. 77.º do CP revisto.

O art. 77.º, n.º 1, do CP, sobre as regras de punição do concurso, estabelece um regime especial de punição, que consiste na condenação final numa única pena, considerando-se, “na medida da pena, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”.

A justificação para este regime especial de punição radica nas finalidades da pena, exigindo uma ponderação da culpa e das razões de prevenção (prevenção geral positiva e prevenção especial), no conjunto dos factos incluídos no concurso, tendo presente a personalidade do agente6.

Na determinação da pena única a aplicar, há que fazer uma nova reflexão sobre os factos em conjunto com a personalidade do arguido, pois só dessa forma se abandonará um caminho puramente aritmético da medida da pena para se procurar antes adequá-la à personalidade unitária que nos factos se revelou (a pena única é o resultado da aplicação dos “critérios especiais” estabelecidos no mesmo art. 77.º, n.º 2, não esquecendo, ainda, os “critérios gerais” do art. 71.º do CP7).

Aliás, como ensina Jorge de Figueiredo Dias8 “tudo se deve passar como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade - unitária - do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão só, a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização).”

Isto significa que, também no caso do concurso superveniente de crimes, depois de calculada e indicada a moldura penal abstrata do concurso, é dentro dessa moldura, que vai ser determinada a medida concreta da pena única que vai ser aplicada e, sendo caso disso, o tribunal irá escolher a espécie da pena única que efetivamente deve ser cumprida.

Pois bem.

Como se verifica da decisão sob recurso foram efetuados dois cúmulos jurídicos sucessivos, por se verificarem os pressupostos para o efeito.

Isso mesmo foi explicado e justificado no acórdão impugnado, indicando-se quais os processos e condenações que entravam num e noutro dos cúmulos jurídicos sucessivos efetuados, tendo sido previamente descritos, como se impunha, os factos provados que estiveram na origem dessas condenações em concurso, para além, dos factos apurados relativos às condições pessoais do arguido, a que se seguiu a motivação, ou seja, a indicação das provas em que o Tribunal se baseou para dar todos aqueles factos como provados.

Como é claro apenas podem ser atendidos os factos dados como provados e o que deles se pode deduzir em termos objetivos.

As considerações feitas pela 1ª instância foram adequadas e valorizaram devidamente tudo o que era favorável ao arguido, reportado aos factos no conjunto considerado cada um dos cúmulos sucessivos em análise.

Ao contrário do que alega o recorrente, não há qualquer reavaliação formal feita na decisão recorrida, sendo errada a sua conclusão de que, por ter sido efetuado o cúmulo jurídico e observados os critérios para a determinação da medida da pena única - considerando o que se apurou em relação às suas condições de vida, mas reportado aos factos no conjunto em cada um dos cúmulos jurídicos sucessivos efetuados - isso significa que foi julgado mais do que uma vez pelos mesmos factos.

Com efeito, nada disso resulta da decisão sob recurso e, muito menos dela decorre que tivesse sido violado o princípio ne bis in idem ou que tivesse havido recurso a qualquer proibição de prova.

Portanto, essa argumentação do recorrente esquece o que consta da decisão sob recurso sobre os factos no conjunto e a sua personalidade em cada um dos cúmulos jurídicos sucessivos efetuados, como adiante melhor se verá, quando se analisar também a invocada violação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

E, também o recorrente não atende à fundamentação que existe e consta da decisão que impugna, relativa à determinação da medida das penas únicas sucessivas que lhe foram impostas.

O facto do recorrente discordar da avaliação que foi feita, nomeadamente do quantitativo das penas únicas sucessivas em que foi condenado e até da forma como foi apresentada a respetiva justificação/fundamentação para as penas únicas impostas, como aqui sucede, não significa que haja nulidade do acórdão, por falta/ausência (ou mesmo insuficiência equivalente a ausência) de fundamentação.

De notar que, no momento da determinação da medida da pena única, o Tribunal procede à apreciação/avaliação dos factos provados, tendo em atenção, relativamente às penas individuais os critérios gerais apontados no artigo 71.º do CP e, quanto à pena única, que a mesma é o resultado da aplicação dos “critérios especiais” estabelecidos no art. 77.º, n.º 2, do CP não esquecendo, ainda, os “critérios gerais” do art. 71.º do CP, por referência ao conjunto dos factos.

Conclui-se, assim, que a decisão impugnada pelo recorrente foi fundamentada de modo suficiente, satisfazendo as exigências que decorrem do art. 205.º da CRP, não se evidenciando a existência da nulidade a que se refere o art. 379.º do CPP.

Improcede, pois, essa questão colocada, que foi apreciada em concreto pelo tribunal a quo.

Para além disso, ao contrário do que alega o recorrente, o tribunal a quo não tinha que indicar qualquer percentagem de agravação das medidas parcelares (v.g. 1/3, 1/5) nos cúmulos jurídicos efetuados, isto é, não tinha que indicar em termos quantitativos o contributo ou critério de agravação seguido em cada um dos cúmulos jurídicos efetuados para a determinação da respetiva pena única.

Isto significa que não há qualquer omissão de pronuncia por não ter indicado, em termos quantitativos o contributo de agravação de cada uma das penas parcelares na escolha e determinação da respetiva da medida da pena única, estando, por isso, afastada a apontada nulidade do acórdão.

O que se verifica da motivação de recurso é que o recorrente pretende impor a sua perspetiva e substituir-se ao tribunal, o que não pode ser.

Ao contrário do que refere, entendemos que as operações efetuadas pelo tribunal a quo não merecem qualquer correção e, por isso, podemos adiantar, que igualmente não existe a invocada violação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade nas penas únicas sucessivas que lhe foram aplicadas.

A moldura do concurso na primeira situação é de 6 anos de prisão a 8 anos de prisão e a da segunda situação é de 4 anos e 6 meses de prisão a 14 anos e 6 meses de prisão, como referido pela 1ª instância.

De esclarecer que nada de novo reporta o recorrente, que não tivesse sido valorado no acórdão sob recurso.

Ao contrário do que refere o recorrente, não se pode desconsiderar, em cada situação de concurso, os factos no conjunto (respetivos crimes e período de tempo em que foram praticados, sendo certo que já tinha antecedentes criminais, inclusivamente da mesma natureza, por tráfico de estupefacientes e por roubo), crimes cometidos, sua conexão, diferente grau de gravidade (olhando para a sua natureza e dos bens jurídicos violados - na 1ª situação de cúmulo um crime de tráfico de estupefacientes previsto no art. 21.º do DL 15/93 e um crime de tráfico de menor gravidade p. no art. 25.º do mesmo diploma legal e, na 2ª situação, um crime de tráfico de estupefacientes previsto no art. 21.º do DL 15/93 e dois crimes de roubo qualificados -, período de tempo durante o qual foram cometidos, o que para uma pessoa da idade do recorrente, acentua essa gravidade e realça a sua indiferença para levar uma vida conforme ao direito, bem como desprezo pelas regras e valores subjacentes ao ordenamento jurídico), a sua idade (nascido em ........1985) e à sua personalidade (avessa ao direito, atento o circunstancialismo fáctico global apurado em cada situação e antecedentes criminais que já tinha), que se mostra adequada aos factos cometidos, revelando nos respetivos períodos de tempo tendência para a prática dos tipos de ilícitos criminais cometidos, evidenciando mesmo uma certa propensão para os crimes cometidos (como sucedeu nas duas situações de concurso), manifestando maior perigo de reincidência nessa área, sendo muito mais grave o seu comportamento no período em que cometeu os crimes englobados no segundo cúmulo, o que tudo também vai tornando mais elevada as exigências de prevenção geral e especial relativamente ao ilícito global.

Para avaliar da capacidade de reinserção social do arguido/recorrente, tendo por referência os factos no conjunto em avaliação, em cada uma das duas situação, importa considerar as condições de vida do arguido apuradas, o seu comportamento no período em que cometeu os respetivos crimes em questão e, ainda, o seu comportamento anterior e posterior aos factos (desde que está preso), notando-se, apesar de tudo, alguma evolução positiva (no EP tem mantido comportamento normativo, recebendo visitas dos familiares, e tem-se preocupado em adquirir competências profissionais, o que no futuro lhe permitirá melhor integrar-se não só a nível profissional, como social e, por certo, também pessoal).

Terá o arguido de melhor refletir sobre o seu percurso de vida, para adquirir consciência crítica, assumir os seus erros, esforçando-se por interiorizar os valores comunitários, assim se preparando/adaptando para levar uma vida conforme ao direito.

Considerando as suas carências de socialização é de atender ao efeito previsível da pena única a aplicar em cada uma das duas referidas situações de concurso sobre o seu comportamento futuro, a qual não deve ser impeditiva da sua ressocialização, quando chegar o momento próprio, sendo conveniente e útil que no EP vá interiorizando o desvalor das condutas que praticou, apure o sentido crítico, reflita sobre as consequências dos seus atos sobre as outras pessoas e continue a preparar-se para adotar uma postura socialmente aceite, mantendo o cumprimento das regras da instituição (o que, por certo, se tal se justificar, poderá a seu tempo igualmente contribuir para beneficiar de medidas flexibilização que o vão preparar para a liberdade, medidas essas a determinar pelo tribunal competente para o efeito).

Na perspetiva do direito penal preventivo, julgam-se na medida justa, sendo adequadas e proporcionadas, as penas únicas impostas pela 1ª instância nas situações indicadas, isto é:

- no primeiro caso de 6 anos e 9 meses de prisão,

-no segundo caso de 8 anos de prisão,

penas únicas essas que não ultrapassam a medida da sua culpa - que é elevada considerando os respetivos factos no conjunto e a sua personalidade em cada uma dessas situações, à luz das considerações que acima fizemos - assim contribuindo para a sua futura reintegração social e satisfazendo as finalidades das penas.

A redução das penas únicas pretendida pelo recorrente mostra-se desajustada e comprometia irremediavelmente a crença da comunidade na validade das normas incriminadoras violadas, não sendo comunitariamente suportável aplicar penas únicas inferiores às que lhe foram impostas.

Em conclusão: improcede a argumentação do recorrente, sendo certo que não foram violados os princípios e as disposições legais respetivas por ele invocadas.


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Dispositivo

Pelo exposto, acordam nesta Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA.

Custas pelo recorrente/arguido, fixando-se a taxa de justiça em 6 UC`s.


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Processado em computador e elaborado e revisto integralmente pela Relatora (art. 94.º, n.º 2, do CPP), sendo assinado pela própria e pelos Senhores Juízes Conselheiros Adjuntos.

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Supremo Tribunal de Justiça, 11.09.2024

Maria do Carmo Silva Dias (Relatora)

Antero Luís (Adjunto)

Horácio Correia Pinto (Adjunto)

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1. Cfr. Acórdão do STJ, de 29/4/2003, em que foi relator o Cons. Costa Mortágua, processo nº 03P358, www.dgsi.pt .

2. Cfr. Acórdão do STJ, de 17/3/2004, da pena do Cons. Henriques Gaspar, processo 03P4431 www.dgsi.pt .

3. Quanto à motivação, consta o seguinte:

  O Tribunal decidiu quanto à matéria de facto supra consignada tendo por base:

  . o teor das certidões juntas aos autos;

  . o CRC e o Relatório Social junto aos autos;↩︎

4. António Manuel de Almeida Costa, O Registo Criminal. História. Direito comparado. Análise político-criminal do instituto, Coimbra, separata do volume XXVII do Suplemento do BFDUC, 1985, p. 378.

5. A citada Lei n.º 37/2015 revogou a anterior Lei n.º 57/98, de 18.08 e, por sua vez, o referido DL n.º 171/2015 revogou o DL n.º 381/98, de 27.11.

6. Neste sentido, Germano Marques da Silva, Direito Penal Português, Parte Geral, III, Teoria das Penas e das Medidas de Segurança, Editorial Verbo, 1999, p. 167 e Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, Parte Geral, II, As consequências jurídicas do crime, Editorial Notícias, 1993, p. 291. Acrescenta este último Autor que “tudo se deve passar como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão só, a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização).

7. Ver Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, Parte Geral, II, As consequências jurídicas do crime, Editorial Notícias, 1993, p. 291.

8. Jorge de Figueiredo Dias, ob. cit., p. 291.