ACESSÃO INDUSTRIAL IMOBILIÁRIA
ACTUALIZAÇÃO
JUSTA INDEMNIZAÇÃO
Sumário


I - Na acessão industrial imobiliária, o montante que o autor da incorporação tem de pagar ao dono do solo visa conferir a este um valor correspondente àquele de que ficou privado por efeito da incorporação de obras de maior valor do que o solo no qual se processou essa incorporação.
II - Só com a actualização daquele valor à data do efectivo pagamento se alcança o valor da justa indemnização a que o proprietário dos prédios incorporados tem direito.
(Sumário elaborado pelo relator)

Texto Integral


Recurso de Apelação n.º 324/18.0T8TVR.E1

Acórdão da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora

I – Relatório
1. AA intentou contra BB e I...- Sociedade Agrícola, Lda., acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, pedindo, com fundamento no artigo 1340º do Código Civil, que seja reconhecido como o dono e legítimo possuidor de um conjunto de prédios que identifica, dado que as obras e plantações que neles efectuou trouxeram a esses terrenos, onde foram implantadas, um valor muito superior ao que eles tinham.

2. Não foi apresentada contestação.

3. Foi efectuado convite à intervenção nos autos dos demais proprietários dos prédios, a qual foi requerida pelo autor, e admitida a intervenção de CC, DD e EE, na qualidade de comproprietárias de alguns dos prédios em discussão, as quais não apresentaram articulado.

4. A tutora nomeada foi citada, em representação da interdita CC, bem como a Sra. Administradora da Insolvência, em representação da insolvente DD.
Não tendo sido apresentada contestação, foi citado o Ministério Público em representação da incapaz, o qual também não contestou.

5. O autor veio desistir parcialmente do pedido (quanto ao prédio rústico descrito sob o n.º ...55, inscrito na matriz sob o art.º ...71), desistência que foi homologada.
6. Foi dispensada a realização da audiência prévia, proferido despacho saneador, com dispensa da identificação do objecto do litígio e enunciação dos temas da prova.
Em face do encerramento do processo de insolvência da interveniente foi declarada cessada a intervenção da Sra. Administradora da Insolvência.

7. Realizou-se a audiência final, com observância do legal formalismo, na qual o autor veio desistir parcialmente do pedido (prédios urbanos descritos sob os n.º ...45..., ...56, ...57, ...67, e inscritos na matriz sob os artigos ...99..., ...68 e ...10 e ...28), desistência que foi homologada.

8. Após, veio a ser proferida sentença, na qual se decidiu julgar a acção parcialmente procedente, por provada, e, em consequência:
a) Reconheço a aquisição pelo autor, por acessão industrial imobiliária, dos prédios rústicos e misto descritos na Conservatória do Registo Predial ... com os n.ºs ...48, ...47, ...45, ...47, ...65, ...40 e ...41, inscritos na matriz predial sob os artºs ...68, ...45, ...15, ...47, ...48, ...42 e ...38 e ...14, todos da freguesia ...;
b) ... o reconhecimento do direito identificado na al. a) ao pagamento ao réu e intervenientes, no prazo de 30 dias após o trânsito em julgado da sentença/acórdão, das quantias de €74.000,00, €1.000,00, €17.000,00, respectivamente, e ao pagamento à ré, no prazo de 30 dias após o trânsito da sentença/acórdão, do valor de €15.000,00, €19.000,00, €40.000,00 e de €10.000,00, respectivamente, devidamente actualizados, em função da inflação (índice de Preços do Consumidor publicado pelo Instituto Nacional de Estatística) verificados e contados a partir do ano de 2018 inclusive, até ao momento do efectivo pagamento;
c) Absolvo os réus e as intervenientes do demais peticionado.
(…)

9. Inconformado com a sentença, na parte em que se determinou a actualização dos valores a pagar, veio o A. interpor o presente recurso, que motivou, concluindo nos seguintes termos:
1.ª Por sentença datada 04-06-2023 o tribunal “a quo” julgou a acção parcialmente procedente, por provada, e, em consequência reconheceu a aquisição pelo autor, por acessão industrial imobiliária, dos prédios rústicos e misto descritos na Conservatória do Registo Predial ... com os n.ºs ...48, ...47, ...45, ...47, ...65, ...40 e ...41, inscritos na matriz predial sob os artºs ...68, ...45, ...15, ...47, ...48, ...42 e ...38, e 1514, todos da freguesia ...; condicionou o reconhecimento do direito identificado na al. a) ao pagamento ao réu e intervenientes, no prazo de 30 dias após o trânsito em julgado da sentença/acórdão, das quantias de €74.000,00, €1.000,00, €17.000,00, respectivamente, e ao pagamento à ré, no prazo de 30 dias após o trânsito da sentença/acórdão, do valor de €15.000,00, €19.000,00, €40.000,00 e de €10.000,00, respectivamente, devidamente actualizados, em função da inflação (Índice de Preços do Consumidor publicado pelo Instituto Nacional de Estatística) verificados e contados a partir do ano de 2018 inclusive, até ao momento do efectivo pagamento e absolveu os réus e as intervenientes do demais peticionado.
2.ª O ora recorrente não se conforma com o teor da sentença recorrida porquanto andou mal o tribunal “a quo” ao considerar que o valor a considerar é o do terreno à data da incorporação com actualização.
3.ª E que a actualização terá de ser efectuada de acordo com os índices de preço do consumidor publicados pelo INE desde o ano de 2018- atenta a última data apurada da plantação.
4.ª O ora Recorrente peticiona a aquisição do direito de propriedade por acessão industrial imobiliária.
5.ª E na esteira do artigo 1340.º, n.º 1 do Código Civil somos do entendimento que o valor a considerar é o do terreno à data da incorporação sem qualquer actualização.
6.ª Veja-se neste sentido a posição tradicionalmente defendida por P. Lima e Antunes Varela que consideram que o valor a considerar é o do terreno à data da incorporação sem qualquer actualização (Cfr. Ac. do STJ de 17.03.1998, in CJSTJ, ano 1998, TI p. 134 e segs. e Ac. do TRL de 21.01.2003, in CJ, ano 2003, T.I p. 64 e segs.).
7.ª A sentença recorrida ao julgar que o valor a considerar é o do terreno à data da incorporação com actualização viola a nossa doutrina tradicional, o disposto artigo 1340.º do Código Civil e a nossa jurisprudência, nomeadamente o Ac. do STJ de 17.03.1998, in CJSTJ, ano 1998, TI p. 134 e segs. e o Ac. do TRL de 21.01.2003, in CJ, ano 2003, T.I p. 64 e segs.
8.ª O tribunal “a quo” deveria ter interpretado o artigo 1340.º do Código Civil no sentido de que o valor da coisa a que faz referência o artigo 302.º, n.º 1 do Código Processo Civil quando se trata de aquisição do direito de propriedade por acessão imobiliária industrial é o valor dos prédios à data do valor da incorporação sem qualquer actualização.
9.ª Termos em que deverá a sentença recorrida ser revogada e consequentemente deverá o reconhecimento da aquisição pelo autor por acessão industrial imobiliária dos prédios rústicos e misto descritos na Conservatória do Registo Predial ... com os n.ºs ...48, ...47, ...45, ...47, ...65, ...40 e ...41, inscritos na matriz predial sob os artºs ...68, ...45, ...15, ...47, ...48, ...42 e ...38 e ...14, todos da freguesia ... ser condicionado ao pagamento do valor dos prédios à data do valor da incorporação sem qualquer actualização.

10. Contra-alegou o Ministério Público, em representação da interveniente CC, maior acompanhada, pugnando pela improcedência do recurso e consequente confirmação da decisão recorrida, com os fundamentos que condensou nas seguintes conclusões:
1.ª Por sentença proferida nos autos à margem supra referenciados, foi decidido pela Mma. Juiz a quo julgar a acção parcialmente procedente, por provada, e, por conseguinte:
- reconhecer a aquisição pelo autor, por acessão industrial imobiliária, dos prédios rústicos e mistos descritos na Conservatória do Registo Predial ... com os n.ºs ...48, ...47, ...45, ...47, ...65, ...40 e ...41, inscritos na matriz predial sob os artigos ...68, ...45, ...15, ...47, ...48, ...42, ...38 e ...14, todos da freguesia ...;
- condicionar o reconhecimento de tal direito ao pagamento ao réu e intervenientes, no prazo de 30 dias após o trânsito em julgado da sentença, das quantias de € 74.000,00, € 1.000,00, € 17.000,00, respectivamente, e ao pagamento à ré, no prazo de 30 dias após o trânsito em julgado da sentença, do valor de € 15.000,00, € 19.000,00, € 40.000,00 e os € 10.000,00, respectivamente, devidamente actualizados, em função da inflação (índice de Preços do Consumidor publicado pelo INE) verificados e contados a partir do ano de 2018 inclusive, até ao momento do efectivo pagamento.
2.ª O Tribunal a quo agiu com acerto ao considerar na sentença ora recorrida que o valor de cada prédio a considerar para efeitos do pagamento da correspondente indemnização (pelo direito reconhecido ao acedente de aquisição dos mesmos por acessão industrial imobiliária) é o do terreno à data da incorporação com actualização.
3.ª Com efeito, só assim se garante a obediência ao princípio da indemnização justa.
4.ª Além de que apenas com a actualização do mesmo valor é possível reconstituir a situação que existia antes da incorporação.
5.ª Por outro lado, tal actualização terá de ser necessariamente reportada ao momento do pagamento, já que só assim se poderá garantir uma justa indemnização.
6.ª Sendo que o critério utilizado na sentença ora sob recurso - actualização de acordo com os índices de preços do consumidor publicados pelo INE desde o ano de 2018 (que é a última data apurada de plantação) e sobre o valor dos terrenos anterior às obras e plantações nelas realizadas - se afigura justo e criterioso.
7.ª Motivo pelo qual a douta Sentença objecto do presente recurso não merece qualquer censura quando considerou que a transmissão da propriedade está condicionada ao pagamento, por parte do acedente, do valor dos terrenos à data da incorporação, com uma actualização calculada de acordo com os índices de preços do consumidor publicados pelo INE desde o ano de 2018.

11. O recurso foi admitido como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II – Objecto do recurso
O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608º, nº 2, 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil.
Considerando o teor das conclusões apresentadas, a única questão a decidir consiste em saber se o valor a pagar pelo adquirente na acessão industrial imobiliária é o do terreno à data incorporação, sem actualização, ou com actualização de acordo com os índices de preços ao consumidor publicados pelo INE, como se decidiu.
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III – Fundamentação
A) - Os Factos
Na 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos:
1. O autor é filho do réu BB, o qual é casado no regime da comunhão de adquiridos com EE e filho de CC e de FF (cf. doc. de fls. 66/67, cujo teor se dá por reproduzido).
2. A ré é uma sociedade por quotas, da qual são sócios BB e DD (cf. doc. de fls.67v./69, cujo teor se dá por reproduzido).
3. O réu BB, casado com DD, DD e CC, têm inscrita a seu favor a aquisição, por partilha por morte, do prédio rústico, com a área de 2250m2, sito em ..., freguesia ..., descrito na CRP ... sob o n.º ...54, inscrito na matriz sob o art.º ...82 (cf. doc. de fls.14/15, cujo teor se dá por reproduzido).
4. E do prédio rústico, com a área de 6670m2, sito em ..., freguesia ..., descrito na CRP ... sob o n.º ...50, e inscrito na matriz sob o art.º ...68 (cf. doc. de fls.17/18, cujo teor se dá por reproduzido).
5. E do prédio rústico, com a área de 660m2, sito em ..., freguesia ..., descrito na CRP ... sob o n.º ...49, e inscrito na matriz sob o art.º ...08 (cf. doc. de fls.20/21, cujo teor se dá por reproduzido).
6. E do prédio rústico, com a área de 37080m2, sito em ..., freguesia ..., descrito na CRP ... sob o n.º ...48, e inscrito na matriz sob o art.º ...68 (cf. doc. de fls.23/24, cujo teor se dá por reproduzido).
7. E do prédio rústico, com a área de 490m2, sito em ..., freguesia ..., descrito na CRP ... sob o nº? ...47, e inscrito na matriz sob o art.º ...45 (cf. doc. de fls.26/27, cujo teor se dá por reproduzido ).
8. E do prédio rústico, com a área de 8470m2, sito em ..., freguesia ..., descrito na CRP ... sob o n.º ...45, e inscrito na matriz sob o art.º ...15 (cf. doc. de fls.29/30, cujo teor se dá por reproduzido).
9. A ré I...- Sociedade Agrícola, Lda. tem inscrita a seu favor a aquisição, por compra, do prédio rústico, com a área de 7505m2, sito em ..., freguesia ..., descrito na CRP ... sob o n.º ...47, inscrito na matriz sob o art.º ...47 (cf. doc. de fls.71 v./72, cujo teor se dá por reproduzido).
10. E do prédio rústico, com a área de 9280m2, sito em ..., freguesia ..., descrito na CRP ... sob o n.º ...65, inscrito na matriz sob o art.º ...48 (cf. doc. de fls.73/74vo, cujo teor se dá por reproduzido).
11. E do prédio misto, com a área de 19990m2, sito em ..., freguesia ..., descrito na CRP ... sob o n.º ...40, inscrito na matriz sob o art.º ...42 rústico e ...38 urbano (cf. doc. de fls.75/77, cujo teor se dá por reproduzido).
12. E do prédio rústico, com a área de 11315,55m2, sito em ..., freguesia ..., descrito na CRP ... sob o n.º ...79, inscrito na matriz sob o art.º ...40 (cf. doc. de fls.49/50, cujo teor se dá por reproduzido).
13. E do prédio rústico, com a área de 4750m2, sito em ..., freguesia ..., descrito na CRP ... sob o n.º ...41, inscrito na matriz sob o art.º ...14 (cf. doc. de fls.51/52, cujo teor se dá por reproduzido).
14. Os prédios rústicos descritos na CRP ... sob os n.ºs ...54, ...50, ...49 e ...79 são compostos por terra de pastagem e mato, com diverso arvoredo.
15. O autor, desde data não concretamente apurada, plantou ..., instalou sistema de rega, limpou as ervas, GG e apanhou as laranjas das árvores nos prédios rústicos e misto descritos na CRP ... sob os n.ºs ...48, ...47, ...45, ...47, ...65, ...40 e ...41.
16. Nos prédios rústicos descritos sob os n.ºs ...48 e ...40 o autor construiu furos artesianos para captação de água, com casa da bomba/regas e depósitos de água, com 85m2 e 105m2.
17. Os custos com os materiais e a mão-de-obra das obras e plantações realizadas foram suportados pelo autor, com fundos próprios e disponibilizados por apoios estatais, num investimento superior a €200.000,00.
18. Os prédios rústicos e misto descritos na CRP ... sob os n.ºs ...48, ...47, ...45, ...47, ...65, ...40 e ...41 possuíam um valor de €74.000,00, €1.000,00, €17.000,00, €15.000,00, €19.000,00, €40.000,00 e €10.000,00 e após as obras e plantações realizadas pelo autor passaram a ter um valor de €150.000,00, €2.000,00, €30.000,00, €27.000,00, €33.000,00, €112.000,00 e €17.000,00.
19. Os réus e as intervenientes tinham conhecimento das obras e plantações realizadas pelo autor nos referidos prédios e a separação dessas obras e plantações não é possível sem a desvalorização dos prédios.
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B) – O Direito
1. Com a presente acção pretende o A. que lhe seja reconhecido o direito de adquirir determinados prédios rústicos e misto propriedade dos RR. e das intervenientes, com fundamento no instituto da acessão industrial imobiliária (cfr. artigo 1340º do Código Civil), que é uma das formas de aquisição do direito de propriedade (cfr. artigos 1316º e 1317º, alínea d), do mesmo código).
No que releva para os autos prevê-se no artigo 1340º do Código Civil:
“1- Se alguém, de boa fé, construir obra em terreno alheio, ou nele fizer sementeira ou plantação, e o valor que as obras, sementeiras ou plantações tiverem trazido à totalidade do prédio for maior do que o valor que este tinha antes, o autor da incorporação adquire a propriedade dele, pagando o valor que o prédio tinha antes das obras, sementeiras ou plantações.
2- Se o valor acrescentado for igual, haverá licitação entre o antigo dono e o autor da incorporação, pela forma estabelecida no n.º 2 do artº 1333.º.
3- Se o valor acrescentado for menor, as obras, sementeiras ou plantações pertencem ao dono do terreno, com obrigação de indemnizar o autor delas do valor que tinham ao tempo da incorporação.
4. Entende-se que houve boa fé, se o autor da obra, sementeira ou plantação desconhecia que o terreno era alheio, ou se foi autorizada a incorporação pelo dono do terreno".
Como resulta do citado normativo, «[a] acessão ocorre quando com uma coisa, que é propriedade de alguém, se une e incorpora outra coisa que não lhe pertence e dessa ligação resulta a impossibilidade de separação das duas coisas sem alteração substancial do todo. Na acessão industrial imobiliária, o conjunto formado pelas obras e respectivo terreno pertencerá ao dono da obra, quando o valor acrescido pela obra ao conjunto seja superior ao valor do terreno, pagando o autor da incorporação a quantia correspondente a este valor” (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, 10 de Janeiro de 2019 (proc. n.º 4982/15.0T8GMR.G1.S1), disponível, como os demais citados, em www.dgsi.pt).
Assim, como se diz no citado aresto, a acessão industrial imobiliária a que se reporta o referido preceito, depende da verificação dos seguintes requisitos cumulativos: a) a incorporação, consistente no acto voluntário de realização de uma obra (sementeira ou plantação) em terreno alheio; b) a pertinência inicial dos materiais ao autor da incorporação; c) a formação de um todo único do terreno e da obra; d) o maior valor desse todo único em relação ao anterior valor do prédio; e e) a boa fé do autor da obra, considerando-se como tal o facto de o dono da obra desconhecer que o terreno era alheio ou se foi autorizado pelo dono do terreno, autorização essa que tanto pode ser atribuída através de uma declaração de vontade expressa, como pode revestir a forma tácita.
É inequívoco que, em face do disposto no n.º 1 do artigo 1340º do Código Civil, a aquisição pelo interventor ou incorporante, verificados que estejam os requisitos que lhe atribuem o direito potestativo, está dependente do pagamento do valor que o prédio tinha antes das obras, sementeiras ou plantações.
No caso em apreço, considerando-se verificados os referidos requisitos previstos no artigo 1340º do Código Civil, em relação aos prédios especificados na sentença, reconheceu-se o direito do A. à aquisição dos mesmos, por via do dito instituo, condicionando-se o direito de aquisição ao pagamento do valor que os prédios tinham antes das obras e plantações neles realizadas, actualizados de acordo com os índices de preços no consumidor publicados pelo INE desde o ano de 2018, atenta a última data de plantação.

2. No recurso, o A./Recorrente, apenas discorda da sentença, na parte em que se considerou que o valor a pagar pelos prédios, fixado à data da incorporação, seja actualizado de acordo com os índices de preços no consumidor publicados pelo INE, pugnando pelo pagamento daquele valor sem actualização, invocando em prol da sua pretensão a posição tradicionalmente defendida por Pires de Lima e Antunes Varela, e o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 17/03/1998, CJSTJ, ano 19998, T1, pág. 134 e segs, e o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 21/01/2013, CJ, ano 2003, T1, pág. 64 e segs..
Vejamos:

3. Em causa está, pois, a interpretação do n.º 1 do artigo 1340º do Código Civil, onde, como se referiu, se prescreve que “…, o autor da incorporação adquire a propriedade dele, pagando o valor que o prédio tinha antes das obras, sementeiras ou plantações(sublinhado nosso),
Na sentença, conclui-se pela actualização do valor a pagar com os fundamentos seguintes:
«… a interpretação do art.º 1340.º do Código Civil tem levado tanto a doutrina como a jurisprudência a assumir primordialmente 2 posições (ambas elencadas no Ac. do TRC de 08.02.2011, acessível in www.dgsi.pt.. com referência doutrinal e jurisprudencial vasta:
1- o valor a considerar é o do terreno à data da incorporação sem qualquer actualização (posição tradicionalmente defendida por P. Lima e Antunes Varela, de forma coerente dizemos nós com o seu entendimento de que a acessão tem carácter automático e Ac. do STJ de 17.03.1998, in CJSTJ, ano 1998, TI p. 134 e segs. e Ac. do TRL de 21.01.2003, in CJ, ano 2003, T.I p. 64 e segs.;
2- o valor a considerar é o do terreno à data da incorporação com actualização (neste sentido, vide Rui Pinto Duarte, in "A Jurisprudência Portuguesa Sobre Acessão Industrial Imobiliária - Algumas Observações" in Themis, Ano III, n.? 5, 2002, p. 255 a 264 e Quirino Soares in "Acessão e Benfeitorias" in ACST J I CJ Ano IV, T.I - 1996, p. 11 e segs., bem como o Ac. do TRC de 08.02.2011, in www.dgsi.pt. e jurisprudência ali referida.
Neste último caso sendo ainda divergentes os entendimentos quanto ao momento a que se deverá reportar a actualização: se ao momento em que é manifestada a intenção de aquisição (vide o Ac. do STJ de 05.03.1996, in CJST J ano IV, T.I p. 129 e segs. e o Ac. do TRC de 22.11.2005 in www.dgsi.pt; se o momento em que é proferida sentença (cf. o Ac. do TRP de 15.05.2014 in www.dgsi.pt.) ou finalmente o momento do pagamento e por referência aos índices de inflação (vide o Ac. do TRP de 27.11.2008 e o Ac. do STJ de 06.07.2006, in www.dgsi.pt.).
A 1.ª posição tem como grave inconveniente desde logo não garantir a obediência ao critério da indemnização justa assinalado no Ac. do T. Constitucional n.º 205/2000 e que a 2.ª posição garante. Ou como diz Rui Pinto “só por ela se pode alcançar que o valor monetário a pagar corresponda ao valor substancial do terreno da data relevante”. Assim se reconstituindo a situação que existia antes da incorporação [Quirino Soares].
A adesão à 2a posição que assim temos como correcta, implica por último definir o momento a atender para a actualização.
Seguindo o entendimento de que a transmissão da propriedade está condicionada ao pagamento por parte do acedente, afigura-se-nos consentâneo com aquele que a actualização deva ser reportada ao momento do pagamento.
Actualização esta a efectuar de acordo com os índices de preços do consumidor publicados pelo INE desde o ano de 2018 - atenta a última data apurada de plantação - e sobre o valor dos terrenos anterior às obras e plantações neles realizadas, conforme factos provados em 18 …»

4. No sentido da actualização seguido na sentença recorrida concluiu-se no acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 09/10/2023 (proc. nº 4811/21.5T8MTS.P1), que:
« I - Na acessão, o aumento do valor resultante da incorporação de obras afere-se com referência a este momento e o valor do solo corresponde ao que tinha antes das obras.
II - O montante que o autor da incorporação tem de pagar ao dono do solo visa conferir a este um valor correspondente àquele de que ficou privado por efeito da invocação da acessão pelo autor da incorporação de obras de maior valor do que o solo no qual se processou essa incorporação, sendo por isso uma dívida de valor.
III - Porque a contrapartida devida ao dono do solo preterido pelo autor da incorporação é uma dívida de valor, o valor que o solo tinha à data da incorporação deve ser actualizado como se dispõe no artigo 551º do Código Civil de modo a que se mantenha o poder aquisitivo da indemnização a que tem direito o proprietário do solo, actualização que se processa aplicando os índices de preços ao consumidor sucessivamente verificados entre o momento imediatamente anterior ao da incorporação e o momento em que se venha a verificar o efectivo pagamento do montante devido.»
Como se diz neste aresto, cujo entendimento aqui seguimos:
«O montante que o autor da incorporação tem de pagar ao dono do solo visa conferir a este um valor correspondente àquele de que ficou privado por efeito da invocação da acessão por parte do autor da incorporação de obras de maior valor do que o solo no qual se processou essa incorporação.
Trata-se assim de uma dívida de valor que, nas palavras do Sr. Professor Antunes Varela, são “dívidas que não têm directamente por objecto o dinheiro, mas a prestação correspondente ao valor de certa coisa ou ao custo de determinado objectivo, sendo o dinheiro apenas um ponto de referência ou um meio necessário de liquidação da prestação” [citação extraída da obra intitulada “Das Obrigações em Geral”, Vol. I, 6ª edição, Almedina 1989, primeiro parágrafo da página 829].
O valor em causa é o do solo no momento imediatamente anterior ao da incorporação.
Porém, porque “invito no datur beneficium”, a acessão depende da sua invocação por parte daquele a quem aproveita [a este propósito, por todos veja-se Tratado de Direito Civil, XIV, (2ª parte), Almedina 2023, António Menezes Cordeiro, páginas 358 a 363, nº 127], o que, pelas mais diversas razões, pode envolver um desfasamento temporal maior ou menor entre o momento em que ocorre a incorporação e aquele em que se manifesta a vontade tendente a fazer valer a nova situação jurídica dela decorrente.
Nestes casos, porque a contrapartida devida ao dono do solo preterido pelo autor da incorporação é uma dívida de valor, o valor que o solo tinha à data da incorporação deve ser actualizado como se dispõe no artigo 551º do Código Civil de modo a que se mantenha o poder aquisitivo da indemnização a que tem direito o proprietário do solo.
Essa actualização processa-se aplicando os índices de preços ao consumidor sucessivamente verificados entre o momento imediatamente anterior ao da incorporação e o momento em que se venha a verificar o efectivo pagamento da indemnização devida [veja-se a este propósito, na doutrina o Tratado de Direito Civil, XIV, (2ª parte), Almedina 2023, António Menezes Cordeiro, páginas 374 e 375, ponto VIII. Na jurisprudência, por todos, veja-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de Maio de 2018, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Salazar Casanova, no processo nº 194/05.9TCFUN.L1.S2, acessível na base de dados da DGSI].
Uma vez que a aquisição do direito de propriedade do solo assume os contornos de uma expropriação por utilidade particular, justifica-se a aplicação analógica do artigo 24º do Código das Expropriações, seja no que respeita à aplicação dos índices de preços ao consumidor com exclusão da habitação, seja na actualização da indemnização até ao momento do efectivo pagamento da indemnização, como se determinou na sentença recorrida.» (fim de citação)
Em sentido idêntico, entre outros, pronunciou-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 24/05/2018 (proc. n.º 194/05.9TCFUN.L1.S2), onde se concluiu que:
« I - A aquisição por acessão industrial imobiliária, no caso fundada no disposto no artigo 1340.º do Código Civil, resulta de um poder potestativo conferido ao autor da acessão.
II - Por isso, ao contrário do que sucederia se a aquisição fosse automática, o dono do prédio não pode exigir ao autor da acessão o pagamento do valor que o prédio tinha antes das obras, verificados os pressupostos da aquisição pelo autor da acessão. Assim sendo justifica-se que na fixação do valor a pagar se considere o valor do prédio actualizado com base na evolução do índice dos preços ao consumidor, critério idêntico ao que a lei utiliza no cálculo da indemnização no caso de expropriação (ver artigo 24.º/2 do Código das Expropriações de 1999).»
Afigura-se-nos ser este o melhor entendimento interpretativo da norma em causa, sendo determinante para esta conclusão o facto de a aquisição, por acessão industrial imobiliária, não ser automática e estar condicionada ao pagamento do valor que os prédios tinham à data da incorporação, mas o pagamento desse valor só ter lugar após a decisão judicial que reconheça o direito, que pode ocorrer muito tempo depois ao da incorporação e do exercício do direito, com a consequente desvalorização monetária a que está adstrito, pelo que só com a actualização se alcança o valor da justa indemnização a que o proprietário dos prédios incorporados tem direito.

5. Em face do exposto, improcede a apelação, com a consequente confirmação da sentença recorrida.
Custas pelo apelante (cf. artigo 527º n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil).
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IV – Decisão
Nestes termos e com tais fundamentos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.
Custas a cargo do Apelante.
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Évora, 11 de Julho de 2024
Francisco Xavier
Albertina Pedroso
Maria João Sousa e Faro
(documento com assinatura electrónica)