CONTRATO DE ARRENDAMENTO
DEPÓSITO DE RENDAS
RESOLUÇÃO DO CONTRATO DE ARRENDAMENTO
CADUCIDADE
Sumário


I - Tendo o réu junto com a contestação comprovativo do depósito das rendas pedidas na petição inicial, acrescidas da indemnização moratória devida, o facto de apenas ter feito junção posterior do comprovativo do depósito da renda entretanto vencida à data da contestação, mas que se verifica ter sido depositado até à contestação, sendo diminuto o seu valor em face dos montantes em dívida, não pode relevar para afastar a natureza liberatória dos depósitos.
II - Tal situação não acarreta nenhum prejuízo para o senhorio, pois tudo o que é devido foi depositado em tempo, enquanto para o arrendatário, a ter-se tal facto como impeditivo da caducidade, teria como consequência o despejo, sanção que, nas circunstâncias do caso concreto redundaria na imposição de uma sanção desproporcionada.
III - Acresce que, essa falta, pela sua escassa importância na economia da ponderação devida quanto à parcela da obrigação não cumprida, nunca configuraria o incumprimento grave, fundador do direito à resolução por verificação da inexigibilidade da sua manutenção. Por outras palavras, não se verificaria in casu a justa causa exigida pela cláusula geral consagrada pelo legislador no n.º 2 do artigo 1083.º do Código Civil, válvula de segurança assente no princípio geral respeitante ao cumprimento das obrigações expresso no artigo 762.º do Código Civil, cuja aplicação obsta à resolução do contrato.
IV - Assim, o facto dos depósitos não terem sido efectuados com o cumprimento do disposto no artigo 18º do NRAU, não suprime o direito dos réus de fazer caducar o direito dos autores à resolução do contrato de arrendamento, quando se verifica que os mesmos foram efectuados tendo como finalidade afastar o fundamento da resolução contratual invocado, tendo sido efectuados em tempo e abrangendo todas as quantias devidas, a título de rendas e indemnização moratória.
(Sumário elaborado pelo relator)

Texto Integral


Recurso de Apelação n.º 121/22.9T8STC.E1

Acórdão da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora

I – Relatório
1. Cruz & Cabrita, Lda., intentou acção comum contra AA, pedindo que:
I. Seja declarada a resolução do contrato de arrendamento urbano celebrado entre a Autora e o Réu;
II. Seja o Réu condenado a proceder à desocupação do imóvel locado, devendo o mesmo ser entregue à Autora, livre de pessoas e bens.
III. Seja o Réu condenado ao pagamento das rendas vencidas e vincendas até à efectiva desocupação do locado, acrescidas de juros de mora até ao cumprimento efectivo.

2. Para tanto, invocou, em síntese, ter celebrado com BB um contrato de arrendamento, com uma parte destinada a comércio e outra habitação; que após a morte da primitiva inquilina, a Autora consentiu que permanecesse no locado o seu neto, ora Réu, com uma renda actual de € 50,00 mensais; mas que o Réu não usa o locado, sendo a parte comercial pelo menos há 7 anos e a habitação, pelo menos há 4 anos; e que não paga as rendas devidas desde Abril de 2018.

3. Citado, contestou o Réu, alegando que a Autora não alegou factos que justifiquem que o não uso do locado constitui circunstância grave que justifique a inexigibilidade do arrendamento; que o direito a resolver o contrato com fundamento no não uso do locado está caducado; que ocorreu a caducidade do direito a resolver o contrato com fundamento na mora do pagamento da renda, uma vez que nesta altura procede ao pagamento das rendas acrescidas da indemnização devida; que o Réu nunca foi interpelado de molde a converter a mora em incumprimento definitivo; e impugnou a factualidade alegada.
Juntou documento referente ao depósito da quantia de € 2.820,00.

4. A Autora respondeu às excepções deduzidas (cfr. ref.ª 6458904), referindo, no que ao depósito das rendas se reporta, que o Réu não procedeu ao depósito da totalidade das rendas em dívida e respectiva indemnização, pois o valor das rendas e indemnização, respeitante ao período com início em Abril de 2018 até 28 de Março de 2022, é de € 2.880,00, e não o depositado de € 2.820,00.
O Réu respondeu, referindo que depositou o valor das rendas peticionado, acrescido da indemnização, no total de € 2.820,00, e que, “para além do valor peticionado pela Autora na Petição Inicial, liquidado pelo Réu, entretanto, durante o processo, venceram-se as rendas referentes aos meses de Março e Abril de 2022”, juntando comprovativos do depósito.

5. Realizada audiência prévia, foi proferido despacho saneador e procedeu-se à identificação do objecto do litígio e enunciação dos temas da prova.
Procedeu-se à realização da audiência de julgamento, após o que veio a ser proferida sentença, na qual se decidiu:
«… julgo a presente acção procedente por provada e, em consequência:
A) Declaro resolvido o contrato de arrendamento urbano celebrado entre a Autora e o Réu;
B) Condeno o Réu a proceder à desocupação do imóvel locado, devendo o mesmo ser entregue à Autora, livre de pessoas e bens.
C) Condeno o Réu a pagar à Autora as rendas vencidas e vincendas até à efectiva desocupação do locado, acrescidas de juros de mora até ao cumprimento efectivo.»

6. Inconformado recorreu o R., pedindo a revogação da sentença, nos termos e com os fundamentos seguintes [segue transcrição das conclusões do recurso]:
1.ª O Réu recorre e não concorda apenas de parte da sentença que julgou procedente o fundamento de resolução do contrato invocado pelo Autor de falta de pagamento das rendas pelo Réu.
2.ª Ora, o pagamento da quantia em dívida e respectiva indemnização, efectuado pelo Réu, aquando da apresentação da Contestação, nos termos do n.º 1 do artigo 1048.º Código Civil, tem natureza liberatória, uma vez que foi efectuado ao abrigo do processo e efectuado nos termos legais.
3.ª Assim, sendo, caducou o direito da Autora a resolver o contrato, com fundamento na falta de pagamento das rendas.
4.ª Porquanto, é procedente a excepção de caducidade invocada pelo Réu, nos termos do artigo 1048.º Código Civil.
5.ª As rendas devidas desde Abril de 2018 até à data de apresentação da Contestação consideram-se liquidadas. O que inclui a renda de Março de 2022.
6.ª Diz-nos o n.º 1 do artigo 1048.º CC que “o direito à resolução do contrato por falta de pagamento da renda ou aluguer, quando for exercido judicialmente, caduca logo que o locatário, até ao termo do prazo para a contestação da acção declarativa, pague, deposite ou consigne em depósito as somas devidas e a indemnização referida no n.º 1 do artigo 1041.º”
7.ª A lei estabelece três vias pelas quais é possível ao locatário efectuar o pagamento da dívida e, consequentemente, fazer operar a caducidade do direito à resolução: pagar, depositar ou consignar em depósito.
8.ª A lei não impõe como única possibilidade a consignação em depósito.
9.ª Além da consignação em depósito, também um simples pagamento ou depósito são vias legalmente permitidas para que o locatário possa liquidar os valores em dívida, pelo quefazer a subsunção do caso concreto única e exclusivamente ao regime da consignação em depósito não se mostra adequado, sendo que se está a dar prevalência à forma em detrimento da substância. como fez o Tribunal a quo.
10.ª Os requisitos e o procedimento, próprios de tal regime, enunciados nos artigos 841.º CC e 17.º e seguintes NRAU, apenas serão de aplicar se se verificar efectivamente uma consignação em depósito. Acontece que não estamos perante uma consignação em depósito, mas sim perante um mero pagamento/depósito, tal como é permitido através de uma correcta interpretação do n.º 1 do artigo 1048.º CC.
11.ª Sem prescindir o pagamento de DUC-depósito autónomo, cuja referência fica adstrita única e exclusivamente a este processo e sendo esse pagamento notificado à Autora através da notificação apresentada pelo Réu deverá ser entendido como uma consignação em depósito por interpretação extensiva.
12.ª Não há norma processual que obste a que o arrendatário possa depositar rendas por depósito autónomo mediante DUC.
13.ª Relativamente ao pagamento das rendas de Março e Abril, o Tribunal a quo admitiu os documentos comprovativos do pagamento das rendas mas não o requerimento junto com os mesmos, que foi a resposta à Autora, que tinha respondido à contestação da Ré, mas não os julgou como pagamentos que obstassem à resolução do contrato de arrendamento.
14.ª À data da entrada da Petição Inicial encontravam-se 47 (quarenta e sete) rendas em atraso, sendo o valor de cada renda 50,00 € (cinquenta euros). Estavam em falta os mencionados e peticionados 2.350,00 € (dois mil trezentos e cinquenta euros).
15.ª Foi esse o valor pedido pela Autora em sede de Petição Inicial e que o Réu teve em consideração. Daí o Réu ter liquidado esse valor, bem como o correspondente à renda de Março e Abril, mas apenas ter comprovado o primeiro com a apresentação da Contestação.
16.ª As rendas de Março e de Abril de 2022 foram prontamente liquidadas pelo Réu, conforme comprovativos de pagamento que se juntaram aos autos. Tais pagamentos foram realizados por depósito junto da Caixa Geral de Depósitos, face ao facto de a Autora não ter emitido recibos comprovativos do pagamento ao Réu.
17.ª Os respectivos comprovativos foram juntos aos autos por requerimento do Réu, datado de 5 de Maio de 2022.
18.ª A renda de Março de 2022 foi paga em 28 de Março do mesmo ano, precisamente a data de apresentação da Contestação. Por outro lado, a renda de Abril de 2022, foi liquidada em 6 de Abril, cujo comprovativo também foi junto aos autos.
19.ª O Réu pagou a renda de Março de 2022 precisamente no mesmo dia em que apresentou a sua Contestação. Portanto, dentro do prazo legalmente estabelecido para fazer operar a caducidade do direito à resolução do contrato, nos termos e para os efeitos do n.º 1 do artigo 1048.º Código Civil.
20.ª O entendimento do Tribunal a quo, segundo o qual não aceitou o pagamento efectuado pelo Réu na Contestação, correspondente a Abril de 2018 a Fevereiro de 2022, apenas pelo facto de não ter sido demonstrado o pagamento da renda de Março de 2022, demonstra-se contrário ao regime legal, aos interesses das partes, ao princípio da economia processual e ao da justa composição do litígio, à supremacia da forma à substância.
21.ª Impõe-se sobre os julgadores um dever de boa gestão processual, nos termos do artigo 6.º Código de Processo Civil, o que implica que devem ser adoptados mecanismos de simplificação e agilização processual que garantam a justa composição do litígio em prazo razoável.
22.ª Ao não aceitar o pagamento da renda de Março, comunicado aos autos pelo Réu em requerimento datado de 5 de Maio de 2022 (mas pago a 28 de Março de 2022, data de apresentação da Contestação), não contribuiu Tribunal a quo para a justa composição do litígio em prazo razoável.
23.ª Pelo contrário, demonstrou-se inflexível, não tendo adoptado um mecanismo de simplificação e agilização processual.
24.ª O Tribunal a quo não adoptou mecanismos de simplificação e agilização processual.
25.ª Na decisão recorrida, também não foi levada em linha de conta o princípio da cooperação, estabelecido no artigo 7.º Código Processo Civil, nos termos do qual se dispõe que, na condução e intervenção no processo, devem os magistrados, os mandatários judiciais e as próprias partes cooperar entre si, concorrendo para se obter, com brevidade e eficácia, a justa composição do litígio.
26.ª A decisão recorrida em nada contribui para, com brevidade e eficácia, obter-se uma justa composição do litígio, atendendo aos interesses das partes.
27.ª A decisão recorrida não teve em consideração os princípios da economia processual e da justa composição do litígio, decidindo o Tribunal a quo com base em mera rigidez interpretativa e inflexibilidade na condução do processo, prevalecendo a forma sobre o mérito da causa.
28.ª Os pagamentos efectuados pelo Réu devem ser julgados válidos e eficazes, subsumiu o Tribunal a quo mal os factos ao direito, incorrendo em erro de julgamento.
29.ª Também não nos parece merecer acolhimento, referir na sentença a falta de fundamentação para mora que se verificou por parte do Réu, verificando-se que se estava perante uma situação pandémica, tendo sido publicada inúmera legislação excepcional aplicável à data dos factos, Lei 4-C/2020, de 6 de Abril, Decreto-Lei 56-B/2021, sendo que o Réu desconhecia a quem pagar a renda, era uma sociedade comercial, pessoa colectiva, a senhoria.
30.ª Nos termos do artigo 805.º Código Civil, o devedor só fica constituído em mora depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir.
31.ª O Réu não recebeu qualquer carta da Autora em que fosse comunicada a resolução do contrato por incumprimento definitivo.
32.ª A lei impõe à senhoria a interpelação do inquilino, por carta registada com aviso de recepção, quando estejamos perante o n.º 4 do artigo 1083.º Código Civil, por via do n.º 6 do artigo 1083.º Código Civil.
33.ª Tal excepção peremptória da falta de interpelação foi invocada pelo Réu na sua contestação, artigos 37º a 42º e deveria ter sido julgada procedente, porquanto o direito à resolução do contrato previsto no artigo 432.º Código Civil, direito potestativo com eficácia extintiva, depende do incumprimento definitivo e não da simples mora.
34.ª A mora só se transforma em incumprimento definitivo se o devedor não cumpre no prazo suplementar e peremptório que o credor razoavelmente lhe concede, através da interpelação admonitória, consagrada no n.º 1 do artigo 808.º Código Civil.
35.ª Deverá ser julgada procedente a excepção peremptória de caducidade do direito à resolução do contrato por falta de pagamento das rendas, por falta de interpelação, invocada pelo Réu, nos termos e para os efeitos do n.º 1 do artigo 1048.º Código Civil e n.º 6 do artigo 1083.º Código Civil.
36.ª Não ocorre inexigibilidade de manutenção do contrato de arrendamento, nos termos invocados pela Autora, segundo o disposto no n.º 3 do artigo 1083.º Código Civil, ou seja, devido a mora igual ou superior a três meses no pagamento da renda.
37.ª O Réu, na sua Contestação fez uso da faculdade conferida pelo artigo 1048.º Código Civil: ao pagar, como fez, caducou o direito à resolução do contrato, por falta de pagamento das rendas.
38.ª O Réu pôs fim à mora quando pagou o valor das rendas em dívida e a indemnização fixada no n.º 1 do artigo 1041.º Código Civil, tal como disposto no n.º 1 do artigo 1042.º Código civil.
39.ª Pondo o Réu fim à mora e caducando o direito da Autora à resolução do contrato por falta de pagamento das rendas, não há fundamentos para considerar que se verifica a inexigibilidade de manutenção do contrato de arrendamento, tal como pretende a Autora ao invocar o n.º 3 do artigo 1083.º CC.
Nestes termos e nos melhores de Direito aplicáveis, que V. Exas. doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente por fundamentado e provado, consequentemente devem ser julgadas procedentes as excepções deduzidas pelo Réu na sua contestação, quer a caducidade direito à resolução por via doartigo1048.º do Código Civil, quer a caducidade do direito por falta de interpelação da Autora ao Réu para pagamento.

7. Contra-alegou a A., pugnando pela confirmação da sentença recorrida.

8. O recurso foi admitido como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito suspensivo.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II – Objecto do recurso
O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608º, nº 2, 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil.
Considerando o teor das conclusões apresentadas, importa decidir se o depósito efectuado das rendas pode ser considerado como “depósito liberatório”, para os efeitos do n.º 1 do artigo 1048º do Código Civil, e da necessidade de prévia interpelação, como previsto no nº 6 do artigo 1083º, do mesmo código.
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III – Fundamentação
A) - Os Factos
Na 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos:
A. A autora é dona e legítima proprietária do prédio misto sito em ..., ..., Concelho ..., com o artigo matricial ...52, descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...06.
B. Por contrato de arrendamento de Agosto de 1968, o imóvel em referência, propriedade da autora, e identificado no artigo anterior foi arrendado a BB.
C. O contrato de arrendamento teve a duração inicial de seis meses, prorrogável automaticamente.
D. A renda fixada foi de ESC. 150,00 (cento e cinquenta escudos) sendo 100,00 (cem escudos) para a parte destinada a comércio e ESC. 50,00 (cinquenta escudos) para a parte destinada a habitação.
E. Sendo na presente data, o valor mensal total da renda de € 50,00.
F. Desde o início do contrato, em 1968, a senhora BB passou a habitar o imóvel locado em referência, e aquando do nascimento do seu neto, ora réu, ambos passaram a habitar a fracção, em convivência.
G. A senhora BB faleceu em ../../2011.
H. Tendo o réu continuado a habitar a fracção.
I. A autora aceitou o réu como arrendatário, assumindo este todos os deveres contratuais decorrentes do arrendamento em referência.
J. O Réu não paga as rendas referente ao imóvel locado, desde Abril de 2018 até à presente data, o que perfaz a quantia global de 2.350,00.
K. O Réu procedeu ao depósito do valor das rendas peticionadas nos autos, acrescida da indemnização prevista no n.º 1 do artigo 1041º, ou seja, 20%, mediante depósito autónomo cujo DUC juntou aos autos no valor de € 2.820,00.
L. Em 05-05-2022, o Réu juntou comprovativo de ter procedido ao depósito do valor de € 60,00 em 28-03-2022 relativo à renda de Março, e o valor de € 50,00 relativo à renda de Abril em 6-04-2022, tendo feito constar no termo de depósito em ambos, “recibos não passados”.
M. A Autora intentou, em 3/12/2019, acção de reivindicação que correu termos no Juízo Local Cível ... do Cacém sob o n.º 782/19...., peticionando, além do mais, a desocupação do prédio que constitui o locado, bem como a restituição livre e devoluto de pessoas e bens.
N. Tal acção terminou mediante sentença homologatória de desistência da instância.
O. A parte do locado destinado a café não é utilizado enquanto tal há mais de 10 anos.
P. A Autora tinha conhecimento desde o decesso de BB que a parte comercial se encontrava encerrada.
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B) – O Direito
1. Com a presente acção pretendia a A. obter a cessação do(s) contrato(s) de arrendamento que celebrou, inicialmente, em 1968, com BB, falecida em 2011, cuja posição contratual aceitou que fosse assumida pelo Réu, invocando como fundamentos o “não uso do locado” e a “falta de pagamento da renda”.
Não obstante a data da celebração de tal(s) contrato(s), para efeitos de apreciação da resolução peticionada pela A., é aplicável à cessação do mesmo o regime que resultou aprovado pela Lei n.º 6/2006 (NRAU), de 27 de Fevereiro, atento o estatuído no n.º 1 do artigo 59º do NRAU: “O NRAU aplica-se aos contratos celebrados após a sua entrada em vigor, bem como às relações contratuais constituídas que subsistam nessa data, sem prejuízo do previsto nas normas transitórias”.
Os fundamentos invocados para o despejo – não uso do locado e falta de pagamento de rendas – estão previstos no artigo 1083º, nº 2, alínea d) e nº 3, do Código Civil.
Na sentença entendeu-se não ocorrer o fundamento para o despejo previsto na referida alínea d) do nº 1 do artigo 1083º do Código Civil, em síntese e com relevo, por não se ter provado o não uso do locado pelo A., como “fundamento de resolução contratual”, o que não foi impugnado.
Porém, julgou-se verificado o fundamento de resolução previsto no nº 3 do artigo 1083º do Código Civil, onde se prevê que “[é] inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento em caso de mora igual ou superior a três meses no pagamento da renda, encargos ou despesas que corram por conta do arrendatário (…)”, porquanto provou-se que o R., na qualidade de inquilino, não procedeu ao pagamento das rendas vencidas desde Abril de 2018 até à data da propositura da presente acção, que ocorreu a 15 de Fevereiro de 2022, estando assim provado o incumprimento do R. por um período superior a 3 anos, e, concluindo-se não ter operado a caducidade deste fundamento de resolução, posto que se entendeu que os depósitos de renda efectuados pelo R. não constituem depósitos liberatórios, decretou-se o despejo e condenou-se o R. no pagamento de todas as ditas rendas.
Para tanto, entendeu-se na sentença o seguinte:
«… o artigo 1048º, n.º 1 do Código Civil prevê a caducidade do direito de resolução se o arrendatário, até à contestação da acção de despejo, pagar ou depositar as somas devidas e a indemnização referida no n.º 1 do artigo 1041º do referido diploma legal – cf. Luís Menezes Leitão, op. cit., pág. 151.
Significa isto que a faculdade de impedir o exercício do direito de resolução, neste caso, estava dependente do pagamento das quantias em falta, acrescido de indemnização de 20% prevista no artigo 1041º, n.º 1 do Código Civil, até ao fim do prazo da contestação.
No caso vertente, o Réu veio invocar a caducidade do direito à resolução do contrato com fundamento na falta de pagamento da renda, invocando para o efeito o artigo 1048º do Código Civil e o pagamento que efectuou.
Reconheceu assim que não pagou rendas desde Abril de 2018, mas que procedeu ao depósito do valor das rendas peticionadas, acrescida da indemnização prevista no n.º 1 do artigo 1041º, ou seja, 20% do que era devido, mediante depósito autónomo cujo DUC juntou aos autos.
Com relevo, respondeu o Autor alegando que o Réu não procedeu ao depósito das rendas devidas à data da apresentação da contestação, uma vez que a renda de Março, já vencida em tal data, o Réu não pagou.
O Réu respondeu em 05-05-2022, juntando aos comprovativo de ter procedido ao depósito do valor da renda de Março em 28-03-2022, acrescida da penalidade a que alude o n.º 1, do artigo 1041º do Código Civil e a renda de Abril em 6-04-2022, tendo feito constar nos recibos “recibos não passados”.
O Autor, notificado nada consignou.
Sucede que, como bem evidencia o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21-11-2006 (disponível em www.dgsi.pt), “Saber se o depósito é ou não liberatório é questão de direito e, consequentemente, em relação a essa qualificação jurídica não pode falar-se de confissão.”.
Pois bem: estabelece o n.º 1, do artigo 1048º do Código Civil que “O direito à resolução do contrato por falta de pagamento da renda ou aluguer, quando for exercido judicialmente, caduca logo que o locatário, até ao termo do prazo para a contestação da acção declarativa, pague, deposite ou consigne em depósito as somas devidas e a indemnização referida no n.º 1 do artigo 1041.º”
Sobre o valor do depósito, ter-se-á que entender que o pagamento ou depósito deve abranger não apenas as rendas vencidas até à propositura da acção e respectiva indemnização, mas todas as rendas que se tenham vencido até à data do pagamento ou depósito e a respectiva indemnização, tal como já o decidiu o Supremo Tribunal de Justiça em Acórdão de 10-01-2002 e 10-10-2002, 13-05-2003 e 24-06-2004 (todos disponíveis em www.dgsi.pt e citados em Arrendamento Urbano, Laurinda Gemas, Albertina Pedroso e João Caldeira Jorge, Quid Iuris, 2ª edição, em anotação ao artigo 1048º).
Com efeito, admitir situação diversa – ou seja, admitir que as rendas não sejam integralmente depositadas até ao momento do pagamento – consubstanciaria falha grave no pensamento do legislador, que exigiria o pagamento das rendas vencidas à data da propositura da acção e permitisse que o Réu continuasse relapso, nas vencidas após tal momento (aliás, como sucedeu in casu).
O pagamento pontual da renda é a obrigação principal do arrendatário.
Por sua vez e sobre o pagamento das rendas, estatui o n.º 1, do artigo 1039º do Código Civil que “O pagamento da renda ou aluguer deve ser efectuado no último dia de vigência do contrato ou do período a que respeita, e no domicílio do locatário à data do vencimento, se as partes ou os usos não fixarem outro regime”.
Nos termos do n.º 2, do artigo 1075º do Código Civil, “Na falta de convenção em contrário, se as rendas estiverem em correspondência com os meses do calendário gregoriano, a primeira vencer-se-á no momento da celebração do contrato e cada uma das restantes no 1.º dia útil do mês imediatamente anterior àquele a que diga respeito.”
A renda é assim devida no domicílio do locatário à data do vencimento ou onde as partes convencionarem, sendo hoje bastante usual o pagamento mediante transferência bancária.
Vejamos então o que resulta dos autos:
- a acção foi intentada em 15-02-2022, peticionando a Autora as rendas vencidas desde Abril de 2018, até à data da mesma, no total de € 2.350,00;
- o Réu contestou em 28-03-2022, juntando depósito autónomo no valor das rendas vencidas à data da propositura da acção, acrescida da indemnização a que alude o n.º 1, do artigo 1041º do Código Civil;
- Apenas a 5-05-2022 (através de articulado de resposta inadmissível e mandado desentranhar) veio juntar aos autos comprovativo de na mesma data – 28-03-2022 – ter liquidado a renda de Março, acrescida igualmente da indemnização devida, tendo feito constar no termo de depósito “recibos não passados”.
Ora, estabelece o artigo 17º da Lei n.º 6/2006 (doravante NRAU) que “1 - O arrendatário pode proceder ao depósito da renda quando ocorram os pressupostos da consignação em depósito, quando lhe seja permitido fazer cessar a mora e ainda quando esteja pendente acção de despejo.”
Contínua o artigo 18º ao estabelecer que “1 - O depósito é feito em qualquer agência de instituição de crédito, perante um documento em dois exemplares, assinado pelo arrendatário, ou por outrem em seu nome, e do qual constem:
a) A identidade do senhorio e do arrendatário;
b) A identificação do locado;
c) O quantitativo da renda, encargo ou despesa;
d) O período de tempo a que ela respeita;
e) O motivo por que se pede o depósito.
2 - Um dos exemplares do documento referido no número anterior fica em poder da instituição de crédito, cabendo o outro ao depositante, com o lançamento de ter sido efectuado o depósito.
3 - O depósito fica à ordem do tribunal da situação do prédio ou, quando efectuado na pendência de processo judicial, do respectivo tribunal.”
Por sua vez, estabelece o artigo 19º do NRAU que “1 - O arrendatário deve comunicar ao senhorio o depósito da renda.
2 - A junção do duplicado ou duplicados das guias de depósito à contestação, ou figura processual a ela equivalente, de acção baseada na falta de pagamento produz os efeitos da comunicação.”
Da conjugação das normas citadas e confrontadas com os factos, pode-se concluir que:
- não há norma processual que autorize o arrendatário a depositar rendas por depósito autónomo mediante DUC;
- o Réu não comprovou – tempestivamente - nos autos o pagamento da renda de Março já devida à data da apresentação da contestação;
- o Réu não procedeu ao depósito da renda em instituição bancária ao abrigo da presente acção de despejo;
- o Réu não comunicou o depósito da renda de Março à Autora (e ao processo), senão em 5-05-2022;
- o Réu não invocou factos que justifiquem a consignação em depósito, até porque justificou a falta de pagamento das rendas desde 2018 devido a dificuldades económicas agravadas pela pandemia Covid-19.
Aqui chegados, podemos afirmar que o depósito do qual o Réu deu nota por requerimento de 5-05-2022 não detém eficácia liberatória, por um lado, porque não foi efectuado ao abrigo do processo, o que impede o tribunal de lhe atribuir tal eficácia ou mesmo vir-se a pronunciar sobre o mesmo e, por outro lado, porque não foi junto com a contestação, sendo que isso se impunha nos termos do n.º 1, do artigo 1048º do Código Civil.
É que, tal como exara o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça em aresto já citado de 21-11-2006 (disponível em www.dgsi.pt) ainda que ao abrigo de legislação pretérita, “Não obedecendo o depósito em causa aos requisitos de forma previstos no artigo 23.º do RAU, pois não identifica o senhorio, não identifica nem localiza o prédio arrendado, não refere o quantitativo da renda (apenas se refere uma quantia global sem qualquer discriminação ou explicação), não alude ao período de tempo nem ao motivo porque se solicita o depósito, não pode valer como depósito liberatório, independentemente de ser ou não impugnado, por falta de requisitos legais”.
Não tendo natureza liberatória, não se encontra caducado o direito de resolver o contrato.
Em face do exposto, improcede a excepção invocada.» (fim de citação)
2. Em síntese, entendeu-se na sentença recorrida que os depósitos efectuados das rendas em dívida à data da propositura da acção e da que se venceu até à data da contestação (a renda de Fevereiro/2022) não constituem depósitos liberatórios, o primeiro, por não ter sido efectuado nos termos e com as menções previstas nos artigos 17º e 18º do NRAU e não englobar a renda vencida, e respectiva penalização, à data da contestação, oferecida em 28/02/2022, e por só ter sido junto aos autos a prova do depósito desta renda e penalização legal, em 05/05/2022, e não ter feito o depósito à ordem do processo.
O R./Recorrente discorda deste entendimento, concluindo pela natureza liberatória dos depósitos e pela procedência da excepção de caducidade.
E, afigura-se-nos que atendendo às concretas circunstâncias dos autos lhe assiste razão, como se passa a demonstrar.

3. Como resulta dos factos provados, o R. não pagava as rendas do imóvel locado desde Abril de 2018, no montante mensal de € 50,00, o que perfazia, à data da petição inicial, o valor total de € 2.250,00 (cfr. pontos E e J dos factos provados), o que integra o fundamento de despejo previsto no nº 3 do artigo 1083º do Código Civil [“É inexigível ao senhorio a manutenção do arrendamento em caso de mora igual ou superior a três meses no pagamento da renda, encargos ou despesas que corram por conta do arrendatário (…)”].
Efectivamente, o não pagamento da renda ou dos encargos e despesas, ou o atraso sistemático nesse pagamento, constitui uma infracção grave praticada pelo arrendatário, que põe em causa o nexo sinalagmático que caracteriza o contrato de arrendamento, pelo que se justifica que possa determinar a resolução do contrato.
Porém, em face do disposto no n.º 1, do artigo 1048º do Código Civil, o direito à resolução do contrato por falta de pagamento da renda ou aluguer, quando for exercido judicialmente, caduca logo que o locatário, até ao termo do prazo para a contestação da acção declarativa, pague, deposite ou consigne em depósito as somas devidas e a indemnização referida no n.º 1 do artigo 1041.º.
Portanto, para que opere a excepção da caducidade do direito ao despejo, que foi invocada, é necessário que, até ao prazo da contestação, o arrendatário pague, deposite ou consigne em depósito as rendas devidas, acrescidas da respectiva indemnização pela mora.
Na sentença entendeu-se que “o pagamento ou depósito deve abranger não apenas as rendas vencidas até à propositura da acção e respectiva indemnização, mas todas as rendas que se tenham vencido até à data do pagamento ou depósito e a respectiva indemnização, tal como já o decidiu o Supremo Tribunal de Justiça em Acórdão de 10/01/2002 e 10/10/2002, 13/05/2003 e 24/06/2004 (todos disponíveis em www.dgsi.pt e citados em Arrendamento Urbano, Laurinda Gemas, Albertina Pedroso e João Caldeira Jorge, Quid Iuris, 2ª edição, em anotação ao artigo 1048º)”.
No caso em apreço, está provado que a quantia depositada, mediante depósito autónomo, de € 2.820,00, corresponde ao valor das rendas em dívida à data da petição (as vencidas até 15/02/2022), acrescido da indemnização prevista no n.º 1 do artigo 1041º do Código Civil, cujo comprovativo foi junto com a contestação em 28/03/2022 (cf. ponto K. dos factos provados).
E não se questiona que, em 05/05/2022, o R. juntou comprovativo de ter procedido ao depósito do valor de € 60,00, relativo à renda de Março de 2022, de € 50,00, acrescida da penalização de 20%, que pagou em 28/03/2022, data da apresentação da contestação, o que foi dado como provado no ponto L..
Por conseguinte, está demonstrado que o R., arrendatário, procedeu ao pagamento de todas as rendas em dívida à data da petição inicial e da renda entretanto vencida, com a indemnização devida, e tais pagamentos foram todos efectuados até à data da contestação.
É certo que, de acordo com o disposto no nº 1 e 2 do artigo 19º do RAU, “[o] arrendatário deve comunicar ao senhorio o depósito das rendas”, e que “[a] junção do duplicado ou duplicados das guias de depósito à contestação, ou figura processual a ela equivalente, de acção baseada na falta de pagamento produz os efeitos da comunicação.”
Porém, não se aceita que, tendo o arrendatário feito junção do comprovativo do depósito de todas as rendas em falta à data da petição, com os acréscimos legais, no valor total de € 2.820,00, e só posteriormente, quando o senhorio, em resposta à excepção de pagamento, invocou que faltava a renda de Março, entretanto vencida, tenha feito a junção do comprovativo do pagamento atempado desta renda e do valor da sanção moratória, no valor total de € 60,00, e atendo o valor irrisório deste pagamento, tal possa configurar causa para o afastamento da referida excepção.
Desta situação, que ocorre em sede de processo judicial, não advém qualquer prejuízo para a senhorio, ao passo que para o arrendatário, a seguir-se a interpretação acolhida na decisão sob censura, acarreta graves consequências, dando origem ao despejo.
Por isso se entende que a falta da junção atempada do dito comprovativo de depósito, correspondente a uma diminuta parcela do valor devido, não pode, sem mais, afastar a dita excepção de caducidade, caso contrário, a interpretação normativa dada redundaria na imposição de uma sanção desproporcionada.

4. Quanto à questão de os depósitos efectuados não constituírem depósitos liberatórios, para feitos da dita excepção de pagamento, o primeiro, por ter sido efectuado mediante depósito autónomo, nos termos e com as menções dos artigos 17º e 18º do NRAU, e, o segundo, por não ter sido feito à ordem do tribunal, na sentença recorrida invocou-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 21/11/2006 (Proc. n.º 06A1760), proferido ao abrigo de legislação pretérita, onde se concluiu que: «Não obedecendo o depósito em causa aos requisitos de forma previstos no artigo 23.º do RAU, pois não identifica o senhorio, não identifica nem localiza o prédio arrendado, não refere o quantitativo da renda (apenas se refere uma quantia global sem qualquer discriminação ou explicação), não alude ao período de tempo nem ao motivo porque se solicita o depósito, não pode valer como depósito liberatório, independentemente de ser ou não impugnado, por falta de requisitos legais».
Não cremos que o decidido neste aresto possa, sem mais, ser convocado para o caso dos autos, não só porque ali não deixou de se ponderar que o depósito em apreciação não foi efectuado naqueles autos, mas sim à ordem doutro processo, mas também porque existe jurisprudência em sentido divergente.
Efectivamente, em sentido contrário, entendeu-se no acórdão desta Relação de Évora, de 16/03/2006 (proc. n.º 119/06-2), com referência à norma pretérita do artigo 23º do RAU, com equivalência no actual artigo 18º do NRAU, em que estava em causa também um “depósito autónomo”, que:
«I- As formalidades previstas para o depósito nos art.º 23º do RAU visam facilitar a identificação do depósito, a sua finalidade, o beneficiário e o controlo do seu levantamento.
II- O facto do depósito não ter sido efectuado em impresso próprio da CGD, não suprime o direito dos réus de fazer caducar o direito dos autores à resolução do contrato de arrendamento.»
E, com idêntico sentido se decidiu no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 23/10/2007 (proc. n.º 2389/2007-1), onde se entendeu que:
«Face ao teor da norma supra enunciada [à data o artigo 23º do RAU], há que reconhecer que é meramente instrumental em relação ao escopo final a atingir, que é o de garantir ao senhorio o pagamento das rendas em falta e da indemnização compensatória da mora / incumprimento.
Essencial é, dar conhecimento ao senhorio do depósito com a contestação, nos termos do artº 24º nº 2 do RAU, e que, os montantes são os legalmente exigidos.
Tais formalidades foram respeitadas, devendo, por isso, considerar-se caduco o direito de resolução do contrato em causa, com fundamento na falta de pagamento de rendas.»
Tendo por base estes entendimentos, e fazendo nossas as palavras do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 29/05/2008 (proc. n.º 1374/2008-2), afigura-se-nos que a solução para o caso não poderá ser entendida em termos absolutos, havendo antes que se ter em conta a especificidade das situações.
E, no caso concreto, entende-se que os depósitos efectuados cumpriram com a finalidade a que eles se destinam, que é o de garantir ao senhorio o pagamento das rendas em falta e da indemnização compensatória.
Na verdade, o R. invocou a caducidade do direito de resolução por falta de pagamento das rendas e é inquestionável que o depósito autónomo apresentado com a contestação foi efectuado e oferecido para pagamento dos valores em dívida e englobou todas as rendas em falta à data da petição inicial, pedidas pelo senhorio, bem como a indemnização moratória, o que este aceitou, apenas tendo questionado a natureza liberatória do depósito por falta da renda vencida até à contestação.
Mas, quanto a esta renda, que, como se provou, apesar de o comprovativo do pagamento, feito por depósito na CGD [com indicação que se reporta à renda do mês de Março, com identificação do arrendatário e senhorio, cujo valor engloba a indemnização moratória – cf. doc. junto aos autos] não ter ser sido junto aos autos logo com a contestação, o depósito foi efectuado na data da apresentação da contestação, portanto no tempo previsto.
Faltou apenas a tempestiva comunicação desse pagamento, efectuada por via da junção naquele momento temporal da apresentação da contestação do respectivo comprovativo. Porém, essa falta, pela sua escassa importância na economia da ponderação devida quanto à parcela da obrigação não cumprida, nunca configuraria o incumprimento grave, fundador do direito à resolução por verificação da inexigibilidade da sua manutenção. Por outras palavras, não se verificaria in casu a justa causa exigida pela cláusula geral consagrada pelo legislador no n.º 2 do artigo 1083.º do Código Civil, válvula de segurança assente no princípio geral respeitante ao cumprimento das obrigações expresso no artigo 762.º do Código Civil, cuja aplicação obsta à resolução do contrato.
Assim, tendo em conta a finalidade dos depósitos, a data em que foram efectuados e por deles resultar que englobaram todas as quantias referentes às rendas devidas até à contestação, acrescidas da respectiva indemnização moratória, conclui-se que, cumpriram com a finalidade a que se destinam, ou seja garantir o pagamento dos valores devidos ao senhorio, em cuja falta se fundou o pedido de despejo, devendo ser tidos como liberatórios, para os efeitos previstos no n.º 1 do artigo 1048º do Código Civil.

5. Deste modo, operou a caducidade do direito de resolução com fundamento na falta de pagamento das rendas, o que determina a revogação da sentença recorrida [que decretou o despejo e condenou o R. no pagamento de todas as rendas], julgando-se improcedente a acção, ficando prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas no recurso.
Em face do decidido, deverá a A. ser autorizada a levantar os depósitos efectuados, referidos nos pontos K. e L. dos factos provados, e bem assim os posteriores relativos a rendas, se os houver, devendo o tribunal recorrido diligenciar em conformidade.
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IV – Decisão
Nestes termos e com tais fundamentos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente a apelação, e, em consequência:
a) Revogar a sentença recorrida na parte impugnada, declarando-se a caducidade do direito da A. à resolução do contrato de arrendamento, com fundamento na falta de pagamento das rendas, absolvendo-se o R. do pedido, ficando prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas;
b) Autorizar a A. a levantar os depósitos efectuados, referidos nos pontos K. e L. dos factos provados, e bem assim os posteriores relativos a rendas, se os houver.
Custas a cargo da recorrida.
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Évora, 11 de Julho de 2024
Francisco Xavier
Albertina Pedroso
Maria João Sousa e Faro
(documento com assinatura electrónica)