PRINCÍPIO DO INQUISITÓRIO
PRINCÍPIO DA COOPERAÇÃO
GARANTIA BANCÁRIA AUTÓNOMA
DOCUMENTO EM LÍNGUA ESTRANGEIRA
Sumário

I - O princípio do inquisitório deve ser compatibilizado com os restantes princípios, nomeadamente o da autorresponsabilidade das partes e o da cooperação.
II - A parte que juntou um documento em língua estrangeira não pode exigir que o processado seja anulado para que o tribunal determine oficiosamente a tradução do documento, se decorreram meses desde essa junção até à audiência, essa questão foi suscitada nesta sem que nada tivesse sido requerido, e até deduziu oposição à junção de uma tradução de outros documentos pela parte contrária na mesma.
III - A prova da existência de um abuso na utilização de uma garantia bancária autónoma deve ser aferida de forma exigente por forma a obter uma comprovação efectiva e sólida.
IV - Não pode, pois basear-se, apenas, nas declarações de parte do representante da requerente, sem comprovação de qualquer documento ou (neste caso) outro meio de prova.

Texto Integral

Processo: 14392/23.0T8PRT

Sumário:

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1. Relatório

A..., LDA., veio requerer procedimento cautelar comum contra R. B..., Lda., e contra C..., S.A., com fundamento, em síntese, na celebração de um contrato de empreitada com a primeira requerida, cujo cumprimento é garantido por garantia bancária à primeira solicitação, ou on first demand como é conhecido, prestada pela segunda requerida.

No requerimento inicial descreve o contrato de empreitada, obrigações contratuais entre as partes e o seu cumprimento/incumprimento nomeadamente no que se refere a trabalhos executados ou não executados e prazos, acrescentando que a 1.ª requerida acionou a 08/08/2023 a garantia bancária mencionada, formulando os seguintes pedidos:

a) ordenar-se à 2.ª requerida que até ao trânsito em julgado da decisão a proferir na ação principal de que este procedimento cautelar é dependente não pague à 1.ª requerida nenhuma quantia por conta da garantia bancária

b) ordenar-se à 1.ª requerida que se abstenha de praticar qualquer ato com vista ao acionamento ou ao pedido de pagamento de quaisquer quantias junto da 2.ª requerida relativas à sobredita garantia bancária.

Foi proferido despacho que indeferiu liminarmente a pretensão.

Esse despacho foi objecto de recurso tendo sido revogado por decisão do TRP de 11.1.24 que determinou o prosseguimento dos autos.


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As requeridas foram citadas tendo a primeira deduzido oposição a requerida pugnando pela improcedência do procedimento cautelar.

Na oposição a 1.ª requerida alegava a incompetência deste tribunal para esta ação alegando, em síntese, que as partes acordaram que as disputas emergentes do ou relacionadas com o contrato celebrado pelas partes, seu incumprimento, cessação, validade ou interpretação, deverão ser decididas por tribunal arbitral nomeado em conformidade com as regras de arbitragem do Centro de Arbitragem Comercial da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa.

Essa excepção foi julgada improcedente.

Foi marcada data para produção de prova, esta foi produzida e após foi proferida decisão que julgou o procedimento improcedente.

Inconformada veio a requerente interpor recurso, o qual foi admitido como de apelação a subir imediatamente nos próprios autos e com efeito suspensivo (artigo 644.º, 1, a), 645.º, 1, d), e 647.º, 3, d), do CPC).


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2.1. A apelante apresentou as seguintes conclusões

1. Não se conforma a Recorrente com a sentença proferida pelo Tribunal a quo que indeferiu a providência cautelar rogada, a concretizar: uma providência cautelar inibitória que impedisse a execução da garantia bancária prestada pela 2.ª Requerida a favor da 1.ª Requerida.

2. O Tribunal a quo indeferiu a providência cautelar requerida, grosso modo, por considerar que não se fez prova que o acionamento da garantia constituiu uma atuação abusiva e de má fé.

3. Dos documentos carreados ao processo e da prova produzida em audiência de julgamento, impõe-se uma alteração à matéria de facto considerada provada na douta sentença.

4. Devem ser considerados factos provados:

I) Não é a primeira vez que a 1.ª Recorrida, que não merece a credibilidade do setor bancário em Portugal, se tenta financiar mediante o acionamento de garantias bancárias.

II) Já o fez, num passado muito recente, para esta empreitada, acionado a garantia bancária objeto da presente providência cautelar, tendo, entretanto, desistido do acionamento da garantia porque percebeu que o mesmo estaria condenado ao insucesso.

III) A garantia bancária emitida pela 2.º Recorrida em benefício da 1.º Recorrida trata-se de uma garantia bancária on first demand ou à primeira solicitação, embora, no que respeita ao seu acionamento, com pressupostos específicos, de verificação cumulativa, a mencionar:

i) prova de que quem aciona a garantia tem legitimidade para o fazer;

ii) certificação de que o valor reclamado é inequivocamente devido por incumprimento contratual;

iii) lista de trabalhos não executados ou deficitariamente executados e o respetivo valor; e

iv) cópia dos certificados de aceitação da obra, ou de faturas que expliquem e fundamentem os valores reclamados ou, na ausência destes documentos, relatório pericial.

IV) A quantidade de trabalho executado pela Recorrente e a sua expressão em relação ao contratado é abordada no relatório técnico feito em 4 de agosto de 2023.

5. O Tribunal a quo não deu estrito cumprimento ao princípio do inquisitório como se lhe impunha e não notificou as partes para juntar aos autos as respetivas traduções dos documentos redigidos em inglês (cfr. art. 134.º, n.º 1 do CPC).

6. Existindo um dever para o Tribunal, formado à luz do princípio essencial do inquisitório, que lhe impõe todas as diligências instrutórias necessárias à justa composição do litígio e subsistindo dúvidas sobre certos documentos em língua inglesa, deve concluir-se pela violação de tal dever, quando o Tribunal se abstém de notificar as partes para juntarem tradução.

7. Para efeitos de sanação do incumprimento do dever do Tribunal a quo, a justa composição do litígio permitirá ao Tribunal ad quem, caso também tenha dúvidas relativamente ao conteúdo dos documentos em língua inglesa, que ordene a renovação destes meios de prova.

8. A alteração da matéria de facto impõe uma decisão de direito diversa da recorrida e, consequentemente, o decretamento da ação cautelar instaurada pela Recorrente.

9. A garantia on first demand ou à primeira solicitação uma vez acionada pelo credor permite obter do garante uma resposta imediata, a qual não poderá ser paralisada por alegações que digam respeito ao contrato subjacente ou ao relacionamento entre o beneficiário e o dador ou entre o beneficiário e a entidade que assumiu o compromisso traduzido na garantia autónoma.

10. Assim, apenas é legítima a recusa de pagamento pelo garante em casos de manifesta má fé, em casos de fraude manifesta ou abuso evidente por parte do beneficiário, de ofensa da ordem pública ou dos bons costumes pelo contrato garantido e, por fim, na existência de prova irrefutável de que o contrato base foi cumprido.

11. A prova desses casos deve ser pronta, líquida e inequívoca, ou seja, permitir uma perceção imediata e segura do abuso, quando é óbvio.

12. Resulta das declarações de parte da Recorrente e da 1.ª Recorrida em audiência de discussão e julgamento, assim como da prova documental carreada para os autos, mais concretamente, da Garantia Bancária n.º ...79 (DOC. 2 da Petição Inicial), da Prorrogação da Garantia (DOC. 3 da Petição Inicial) e do Relatório Pericial (DOC. 7 da Oposição), de forma obvia, com o devido respeito por opinião diversa, que, in casu, houve um aproveitamento abusivo da 1.ª Recorrida da posição de beneficiária da garantia bancária on first demand ou à primeira solicitação.


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2.2. A recorrida contra-alegou, concluindo que:

A. A Recorrente pretende que sejam dados como provados os factos identificados sob os n.ºs 13 e 14 e ainda novos factos não elencados pelo Tribunal e que, no entendimento da Recorrente, resultam da alegação das partes e dos documentos por estas juntos, concluindo que, com esta alteração da decisão proferida quanto à matéria de facto, o Tribunal superior revogará a decisão de improcedência da providência cautelar requerida de suspensão da execução de uma garantia bancária autónoma à primeira solicitação.

B. A Recorrente não tem razão nem quanto à propugnada alteração da decisão proferida quanto à matéria de facto, nem quanto à conclusão de que, com esta alteração, o sentido da decisão final se alteraria a seu favor.

C. Primeiro, a Recorrente não aponta qualquer erro de julgamento, o que faria soçobrar, sem mais a sua pretensão, mas, para além disso, a prova testemunhal e documental que invoca não permitem dar como provados os factos impugnados, bem ao invés, pelo que a decisão tomada pelo Tribunal recorrido sempre será de manter.

D. Segundo, em relação aos novos factos provados a aditar, os mesmos reduzem-se a matéria conclusiva e de qualificação jurídica que não carece de estar, nem faz sentido estar no elenco de factos provados.

E. Terceiro, a pretensão da Recorrente de criar uma oportunidade processual, nesta fase, para juntar a tradução para português de documentos juntos aos autos escritos em inglês também carece de fundamento, porque, apesar de o Tribunal ter demonstrado o entendimento segundo o qual as partes deveriam ter tido o cuidado de proceder à junção de uma tal tradução, certo é que o Tribunal toma em consideração todos os documentos relevantes juntos em inglês, pelo que mais esta pretensão também deverá soçobrar.

F. Mantida a decisão de facto, mantida estará a decisão jurídica, porque indemonstrados estão os requisitos cuja verificação é necessária para o decretamento da providência cautelar concretamente requerida, já que não houve qualquer demonstração de atuação abusiva ou de má-fé da Recorrida que impusesse uma derrogação da natureza matricial das garantias bancárias à primeira solicitação.

G. Fica, ao invés, demonstrado que quem incumpriu o contrato principal foi a Recorrente, quem reteve pagamentos devidos aos fornecedores e adiantados pela Recorrida foi a Recorrente e quem está a passar por dificuldades financeiras é a Recorrente, que está a lançar mão de todo e qualquer expediente dilatório para protelar o momento de pagamento da garantia bancária, protelando assim o pedido de reembolso pela C....

H. Assim, a sentença está em conformidade com aquela que se julga ser a melhor interpretação da lei vigente aplicável e bem fundamentada, pelo que deve ser mantida, julgando-se improcedente o recurso interposto.


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3. Questões a decidir

1. Decidir se foi violado o princípio do inquisitório quanto à tradução de documentos

2. Apreciar depois se o recurso sobre a matéria de facto deve ou não proceder

3. Averiguar depois se, face a essa eventual alteração, a conclusão jurídica deve ou ser alterada.


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1. Da violação do princípio do inquisitório

Pretende a apelante que “O Tribunal a quo não deu estrito cumprimento ao princípio do inquisitório como se lhe impunha e não notificou as partes para juntar aos autos as respetivas traduções dos documentos redigidos em inglês (cfr. art. 134.º, n.º 1 do CPC)”.

Não deixa de ser curioso que, após um indeferimento liminar, a subsequente tramitação dos autos durante meses, e a produção de prova na audiência (na qual esteve presente uma tradutora e foi junto, pelo menos a tradução de um documento com a oposição da apelante), só agora se lembre esta que afinal era essencial para a sua pretensão a tradução de todos os documentos juntos por si no requerimento inicial.

Este simples relatório já demonstra bem a efectiva intenção processual da apelante com esta arguição.

E, dispõe o artº. 411º do NCPC, que “incumbe ao juiz realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer”.

Mas este não é um principio absoluto que, pelo contrário, deve ser compatibilizado com o principio da auto-responsabilidade das partes, previsto, neste caso específico, no art.134º, do CPC que dispõe: “Quando se ofereçam documentos escritos em língua estrangeira que careçam de tradução, o juiz, oficiosamente ou a requerimento de alguma das partes, ordena que o apresentante a junte”.

Sendo que o artº. 7º, n.º 4 do CPC, dispõe que “sempre que alguma das partes alegue justificadamente dificuldade séria em obter documento ou informação que condicione o eficaz exercício de faculdade ou o cumprimento de ónus ou dever processual, deve o juiz, sempre que possível, providenciar pela remoção do obstáculo”.

Ou seja, “o princípio do inquisitório, constante no Código de Processo Civil, não pode ser analisado isoladamente, devendo ser interpretado de acordo com as limitações inerentes aos princípios do dispositivo, da preclusão e da autorresponsabilização das partes, razão pela qual aquele apenas deve operar no âmbito em que estes não sejam de aplicar”[1].

Na verdade, este faz parte de “um modelo de relacionamento entre os sujeitos processuais”, que pressupõe deveres recíprocos e respeito pelos princípios, além do mais da boa fé, e da cooperação.

Destas normas e princípios gerais decorre, pois, que o dever do tribunal determinar a tradução de todo ou qualquer documento depende não apenas da necessidade e utilidade dos mesmos mas da conduta da própria parte que possui, neste caso, um duplo ónus: Em primeiro lugar, porque foi esta que juntou parte relevante desses documentos; em segundo lugar porque nunca ao longo do processo, nomeadamente em audiência quando foi junta a tradução de um desses documentos requereu algo.

Logo, existe aqui uma evidente conduta omissiva negligente da parte que lhe é exclusivamente imputável (minuto 11 da inquirição do representante legal).

E, os deveres oficiosos “não podem ser uma forma de suprimento oficioso de comportamentos groseira e indesculpavelmente negligentes das partes em violação do princípio da auto-responsabilidade das partes”.[2]

In casu, estamos perante uma dupla omissão. Desde logo os documentos em causa foram juntos pela própria requerente, sendo que teve tempo suficiente para juntar a tradução tendo em conta a data da instauração (16.8.23) e a data da produção de prova. Depois, esteve presente na audiência sendo que nada foi requerido nessa data.

Depois, materialmente teremos de notar que o tribunal leu e valorou pelo menos parte desses documentos, não tendo fundamentado o juízo provatório com essa circunstância.[3]

Acresce que alguns dos documentos foram juntos na sua versão traduzida em audiência (caso do documento nº 6) pela outra parte, sendo que aliás a requerente opôs-se a essa junção.

Logo, a concreta necessidade dessa tradução não existe no caso concreto e, mesmo que existisse sempre seria inteiramente imputável à parte.

Improcede, pois, por vários motivos a arguida nulidade.


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2. Do recurso sobre a matéria de facto

Neste processo a prova documental junta já tinha sido apreciada quando foi proferido o despacho liminar.

O acórdão proferido considerou que poderia a requerente produzir prova não documental sobre essa matéria tendo em vista a difícil (mas não impossível) prova do acionamento abusivo da garantia bancária.

Ora, basta ler a acta da diligência para se constatar que nenhuma testemunha foi apresentada e o único meio de prova apresentado foram as declarações de parte do gerente da requerente.

Com efeito no decurso do depoimento do representante da requerida resulta evidente que não ocorreu qualquer confissão dessa realidade.

É, pouco, muito pouco, para quem tantos procedimentos isolados interpôs e se queixa veemente de “abusos” da contra-parte.

Compreende por certo a requerente que não são as suas declarações parciais e subjectivas o meio adequado, em abstracto e concreto, para comprovar essa utilização.

Em concreto, porque esse depoimento foi em si mesmo confuso e contraditório, na medida em que agora afinal o abuso no acionamento da garantia diz respeito não ao seu acionamento mas “ao adiamento desse accionamento por um determinado período”.

Depois, porque afinal reconhece que existiam atrasos no cumprimento da empreitada e admite que existe um relatório técnico (o qual diz não merecer esse nome) e que afinal “não sabe precisar se efectuou os pagamentos desta obra” (minuto 14).

Nessa medida o depoimento do Sr. AA foi sem dúvida longo mas demonstrativo do seu interesse. Basta dizer que afinal o relatório técnico nem sequer “merece esse nome” (sem que se diga porquê); depois, os atrasos afinal existiam mas foram aceites e o único acto abusivo foi o da “necessidade” de prorrogar as garantias. Note-se que este abuso foi tal que “a requerida concordou e prorrogou as garantias”, que foram accionadas meses depois (diz 8 meses e mais tarde 1 mês).

Note-se aliás que quando confrontado com o atraso de 305 dias na obra limita-se a dizer “então acho que o cliente já devia ter accionado a garantia”.

Em abstracto, porque esse depoimento é o principal interessado na procedência do procedimento, do qual depende a viabilidade financeira da sua empresa.

Logo, é evidente que não pode fundamentar isoladamente qualquer alteração à matéria de facto, já que, pelo contrário, demonstra os factos nucleares necessários ao acionamento da garantia sem qualquer tipo de abuso.

Improcede, pois, o recurso sobre a matéria de facto.


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5. Motivação de facto[4]

1) A Requerente é uma sociedade comercial que tem por objeto atividades de engenharia civil e eletromecânica; a manutenção e recuperação de fundações de betão em parques eólicos; a manutenção de aerogeradores eólicos, solares e hídricos; a montagem civil e eletromecânica de projetos solares e eólica; a impermeabilizações em estruturas de betão; a construção civil e obras públicas; a importação e comercialização de produtos alimentares; a venda a retalho de produtos não alimentares.

2) A 1.ª Requerida é uma sociedade comercial que se dedica aos estudos, desenvolvimento, consultoria e promoção de projetos de energias renováveis; e à produção e comercialização de energia elétrica, encontrando-se, neste momento, a executar uma empreitada para a construção de um parque fotovoltaico sito em ..., ..., designado «PV Terena 8,4 MWp».

3) No exercício das atividades acima descritas, a Requerente e a 1.ª Requerida celebraram, em 27/04/2022, um contrato tendo por objeto todos os trabalhos necessários ao desenvolvimento, construção, instalação e funcionamento de um Parque Fotovoltaico no local mencionado conforme documento 1 junto com a petição inicial, cujo teor se dá por reproduzido.

4) No âmbito deste contrato e para garantia do bom cumprimento das obrigações dele resultantes, a pedido da Requerente foi prestada em benefício da 1.ª Requerida uma garantia bancária, emitida pela 2.ª Requerida, no valor de €93.854,72, conforme termos do documento 2 junto com a petição inicial, cujo teor se dá por reproduzido.

5) O prazo de vigência desta garantia foi prorrogado até ao dia 09.12.2023, conforme termos do documento 3 junto com a petição inicial, cujo teor se dá por reproduzido.

6) A 1.ª Requerida acionou, em 08/08/2023, a garantia bancária mencionada, conforme termos do documento 8 junto com a oposição, cujo teor se dá por reproduzido,

7) A 1.ª Requerida endereçou à Requerente, em 01/08/2023, uma comunicação pela qual veio resolver o contrato de empreitada com efeitos a 09/08/2023, conforme termos do documento 4 junto com a petição inicial, cujo teor se dá por reproduzido,


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6. Motivação Jurídica

Estamos perante uma providência que visa evitar a execução de uma garantia autónoma, automática e à primeira solicitação.

Qualificação que ambas as partes e o tribunal partilha.

Conforme já foi decidido no anterior acórdão proferido nestes autos: “A particularidade dessa garantia é que deve ser prestada à primeira solicitação. Daí decorre que são (ou devem ser) limitadas as excepções que se podem invocar para impedir esse pagamento, “que praticamente se reconduzem à extinção da garantia por cumprimento, resolução ou caducidade, e ainda à existência de fraude manifesta e abuso de direito por parte do credor”.[5]

Pois, conforme Ac. da R. P. de 11/07/2018, n.º 10935/14.8T8PRT.P1~(Judite Pires) : “Apesar da automaticidade reconhecida à denominada garantia à primeira solicitação, essa automaticidade não é absoluta, antes consentindo exceções que justificam a recusa do pagamento exigido, podendo/devendo o banco recusar-se a pagar a garantia, em caso de fraude manifesta ou de abuso evidente por parte do beneficiário”.

Mas, para a demonstração desse abuso a doutrina[6] e jurisprudência exigem uma prova líquida e evidente.[7]

Nesta matéria bastará referir o Ac da RL de de 21.2.2013, nº 863/12.7TVLSB-A.L1-2 (EZAGÜY MARTINS) que exige uma prova séria e não a utilização de um critério de probabilidade sumária”. O Ac da RL de 09.6.2016, (nº 29163-15.9T8LSB.L1-6) “Quanto à prova do alegado, deverá ser inequívoca”.

Ora, face à matéria de facto indiciada é evidente que essa prova não foi feita apesar da oportunidade concedida à requerente.

É, pois, evidente que a requerente não logrou demonstrar qualquer facto que obste à aplicação da garantia à primeira solicitação, nomeadamente qualquer fraude manifesta ou de abuso evidente por parte do beneficiário.

Improcedem, pois, as restantes questões suscitadas.

7. Deliberação

Pelo exposto este tribunal julga o presente recurso não provido e, por via disso, confirma a decisão recorrida.


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Custas a cargo da requerente porque decaiu inteiramente.

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Porto em 10.7.24

Paulo Duarte Teixeira

Maria Manuela Machado

Ana Vieira

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[1] Ac da RE de 29.9.22, nº 6613/18.7T8STB-C.E1 (Emília Costa).
[2] Entre vários Ac da RP de 11.1.21, nº 549/19.1T8PVZ-A.P1 (Damião da Cunha).
[3] Da fundamentação consta: “Dos emails trocados entre as partes e das atas das reuniões que a requerente juntou também não se consegue surpreender, aqui até pondo de lado o facto de estarem escritos em língua inglesa, de tais documentos não resultando de forma minimamente clara o que a requerente alega, envolvendo estes documentos, sobretudos os últimos, uma elevada tecnicidade que não foi sequer explicada ou concretizada”.
[4] Dá-se por integralmente reproduzida a matéria de facto não provada.
[5] Ac da RP de 11.1.24, nº 14392/23.0T8PRT.P1 (Paulo Teixeira), mesmo relator.
[6] Miguel Brito Bastos  in A recusa lícita da prestação pelo garante na garantia autónoma, Estudos em Homenagem ao prof. Doutor Sérvulo Correia, III, páginas 540 e 541.
[7] Ac da RP de 11.1.24, citado, cujo restante teor se dá por reproduzido.