TRABALHO IGUAL SALÁRIO IGUAL
MATÉRIA DE FACTO
ENFERMEIRO
Sumário


I- Na decisão sobre a matéria de facto apenas devem constar factos e não juízos valorativos ou conclusivos e questões de direito.
II- Somente em situações especiais se tem admitido que constem na decisão fáctica conceitos jurídicos: é o caso daquelas expressões ou conceitos jurídicos que passaram a ser habitualmente utilizadas na linguagem comum, e, por esse motivo, são equiparados a factos, bem como o caso de situações jurídicas já consolidadas. Contudo, existe um requisito essencial para que possam estar inseridos na fundamentação de facto da sentença: não podem estar relacionados com o objeto do processo.
III- Se numa ação judicial uma das questões submetida à apreciação do tribunal, e que, como tal, é objeto de disputa entre as partes processuais, é a de saber se, em concreto, se verifica (ou não) violação do princípio “trabalho igual, salário igual”, não devem constar do elenco dos factos conceitos normativos e juízos valorativos dos quais depende a solução, no plano jurídico, do caso concreto.
IV- Tendo ficado a constar do conjunto dos factos provados que todos os autores produzem trabalho com a mesma dificuldade, penosidade e perigosidade [elementos que consubstanciam o conceito normativo de “natureza do trabalho prestado”, contemplado no artigo 59.º, n.º 1, alínea a) da Constituição da República Portuguesa e no artigo 270.º do Código do Trabalho], a mesma responsabilização, exigência técnica conhecimento capacidade prática, experiência [elementos que consubstanciam o conceito normativo de “qualidade do trabalho prestado” inserido nos artigos anteriormente indicados] e a mesma duração e intensidade [elementos que integram o conceito normativo de “quantidade do trabalho prestado” também inserido nos artigos anteriormente indicados], que os trabalhadores enfermeiros do réu com vínculo de contrato de trabalho em funções públicas e que os enfermeiros identificados nos pontos 20 e 24 que exercem funções ao abrigo de contratos individuais de trabalho, este teor corresponde a conclusões que deveriam ser extraídas de factos materiais. Como tal, a Relação deve pronunciar-se pela deficiência da decisão da matéria de facto, por excesso, e considerar tais conclusões como não escritas, ao abrigo da alínea c) do n.º 2 do artigo 662.º do CPC.
V- O Decreto-Lei n.º 80-B/2022, de 28 de novembro, que estabeleceu os termos da contagem de pontos em sede de avaliação de desempenho dos trabalhadores enfermeiros à data da transição para as carreiras de enfermagem e especial de enfermagem e que se mostra aplicável, entre outros, aos enfermeiros com contrato de trabalho sem termo, celebrados com entidades públicas empresariais integradas no serviço Nacional de Saúde, que transitaram para a 1.ª posição remuneratória, nível remuneratório 15, da categoria de enfermeiro da carreira de enfermagem em 2015 ou em momento anterior, ao contrário do Despacho n.º 2/93, de 30 de março, não distingue, para efeitos de avaliação e atribuição de pontos, os enfermeiros consoante os mesmos tenham iniciado funções no primeiro ou no segundo semestre do ano civil.
VI- Do princípio constitucional “trabalho igual, salário igual” não decorre necessariamente que trabalhadores da mesma categoria e que trabalhem para a mesmo empregador têm de auferir um igual salário. É necessário que se prove que a diferenciação remuneratória é injustificada, em virtude do trabalho do trabalhador discriminado ser igual ao do(s) colegas(s) quanto à natureza, quantidade e qualidade
VII- O Decreto-Lei n.º 80-B/2022 não alterou as posições remuneratórias intermédias admitidas pelo Decreto-Lei n.º 71/2029, de 27 de maio.
(Sumário elaborado pela relatora)

Texto Integral


P. 3477/23.2T8PTM.E1

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora

I. Relatório
AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG, HH, II, JJ, KK, LL, MM, NN, OO, PP, QQ, RR, SS, TT, UU, VV, WW, XX, YY, ZZ, AAA, BBB, CCC, DDD, EEE, FFF, GGG, HHH, III, JJJ, KKK, LLL e MMM intentaram ação declarativa emergente de contrato de trabalho, com processo comum, contra “Centro Hospitalar Universitário do Algarve, E.P.E.” (com a atual denominação de “Unidade Local de Saúde do Algarve, E.P.E.”), pedindo que:
a) Seja declarado e reconhecido que todos os autores exercem as funções inerentes à categoria de enfermeiro especialista da carreira de enfermagem;
b) Seja o réu condenado a atribuir aos autores 2.º, 3.º, 4.º, 6.º, 7.º, 8.º, 10.º, 11.º, 13.º, 14.º, 15.º, 16.º, 18.º, 19.º, 20.º, 22.º, 23.º, 26.º, 28.º, 29.º, 30.º, 32.º, 33.º e 38.º os pontos referentes ao ano civil em que iniciaram funções, ou seja, 1,5 pontos (cfr. artigo 3.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, alínea a), do Decreto-Lei n.º 80-B/2022, de 28 de Novembro), e a acrescer aos pontos constantes da comunicação remetida em 2023, com todas as consequências daí advenientes ao nível de reposicionamento remuneratório e pagamento de acréscimos remuneratórios;
c) Seja declarado e reconhecido que todos os autores prestam para o réu trabalho de qualidade, quantidade, natureza e em horário igual aos enfermeiros da mesma categoria profissional que a sua (categoria de enfermeiro especialista da carreira de enfermagem) e contratados pelo réu no regime de contrato de trabalho em funções públicas;
d) Seja declarado e reconhecido que todos os autores prestam para o réu serviço de qualidade, quantidade, natureza e em horário igual aos enfermeiros titulares da categoria de enfermeiro da carreira de enfermagem e contratados pelo réu no regime de contrato de trabalho em funções públicas;
e) Seja o réu condenado a pagar aos autores 2.º, 3.º, 4.º, 5.º, 6.º, 7.º, 9.º, 12.º, 13.º, 14.º, 15.º, 16.º, 17.º, 18.º, 19.º, 20.º, 21.º, 22.º, 23.º, 24.º, 26.º, 27.º, 28.º, 29.º, 30.º, 31.º, 32.º, 33.º, 36.º, 37.º, 38.º e 39.º a quantia total de € 8.048,25, referente aos:
i. Acréscimos remuneratórios correspondentes à diferença entre a remuneração base correspondente à posição remuneratória em que deviam ter sido posicionados em 01-01-2018, na sequência da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2018 (2.ª posição remuneratória da categoria de enfermeiro da carreira especial de enfermagem, tendo em conta os pontos acumulados até 31-12-2017 e comunicados em 2023) e a remuneração base (incluindo subsídios de férias e de Natal) efetivamente auferida desde 01-01-2018 até 31-05-2019 (1.ª posição remuneratória da categoria de enfermeiro da carreira especial de enfermagem), nos mesmos termos em que foram pagos aos seus colegas vinculados por contrato de trabalho em funções públicas com a mesma ou até menor antiguidade e mesma categoria profissional, por força da aplicação do disposto no artigo 18.º da Lei do Orçamento do Estado para 2018, assim como os respetivos juros de mora vencidos e contados desde a data de vencimento de cada uma das prestações mensais até 31-08-2023, e vincendos desde a data da
citação até efetivo e integral pagamento;
ii. Acréscimos remuneratórios correspondentes à diferença entre a remuneração base correspondente à posição remuneratória em que deviam ter sido posicionados, na sequência da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 71/2019, de 27 de Maio (posição compreendida entre a 1.ª e a 2.ª posição remuneratória da categoria de enfermeiro especialista, intervalo compreendido entre os níveis 21 e 22 da tabela remuneratória única) e a remuneração base (incluindo subsídios de férias e de Natal) efetivamente auferida desde 01-06-2019 até 31-12-2021 (1.ª posição remuneratória da categoria de enfermeiro especialista da carreira especial de enfermagem), nos
mesmos termos em que foram pagos aos seus colegas vinculados por contrato de trabalho em funções públicas com a mesma ou até menor antiguidade e mesma categoria profissional, assim como os respetivos juros de mora vencidos e contados desde a data de vencimento de cada uma das prestações mensais até 31-08-2023, e vincendos desde a data da citação até efetivo e integral
pagamento;
f) Seja o réu condenado a pagar aos autores 1.º, 8.º, 10.º, 11.º, 25.º, 34.º e 35.º a quantia total de € 17.251,50, correspondente aos:
i. Acréscimos remuneratórios correspondentes à diferença entre a remuneração base correspondente à posição remuneratória em que deviam ter sido posicionados em 01-01-2018, na sequência da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2018 (2.ª posição da categoria de enfermeiro da carreira especial de enfermagem, tendo em conta os pontos acumulados até 31-12-2017 e comunicados em 2023) e a remuneração base (incluindo subsídios de férias e de Natal) efetivamente auferida desde 01-01-2018 até 31-12-2018 (1.ª posição remuneratória da categoria de enfermeiro da carreira especial de enfermagem), nos mesmos termos em que foram pagos aos seus colegas vinculados por contrato de trabalho em funções públicas com a mesma ou até menor antiguidade e mesma categoria profissional, por força da aplicação do disposto no artigo 18.º da Lei do Orçamento do Estado para 2018, assim como os respetivos juros de mora vencidos e contados desde a data de vencimento de cada uma das prestações mensais até 31-08-2023, e vincendos desde a data da citação até efetivo e integral pagamento;
ii. Acréscimos remuneratórios correspondentes à diferença entre a remuneração base correspondente à posição em que deviam ter sido posicionados em 01-01-2019, na sequência da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2019 (3.ª posição da categoria de enfermeiro da carreira especial de enfermagem, tendo em conta os pontos acumulados até 31-12-2018 e comunicados em 2023) e a remuneração base (incluindo subsídios de férias e de Natal) efetivamente auferida desde 01-01-2019 até 31-05-2019 (1.ª posição remuneratória da categoria de enfermeiro da carreira especial de enfermagem), nos mesmos termos em que foram pagos aos seus colegas vinculados por contrato de trabalho em funções públicas com a mesma antiguidade e categoria profissional, por força da aplicação do disposto no artigo 18.º da Lei do Orçamento do Estado para 2018 e no artigo 16.º, n.º 2 da Lei do Orçamento do Estado para 2019, assim como os respetivos juros de mora vencidos e contados desde a data de vencimento de cada uma das prestações mensais até 31-08-2023, e vincendos desde a data da citação até efetivo e integral pagamento;
iii. Acréscimos remuneratórios correspondentes à diferença entre a remuneração base correspondente à posição em que deviam ter sido posicionados na sequência da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 71/2019, de 27 de Maio, (posição compreendida entre a 2.ª e a 3.ª posições da categoria de enfermeiro especialista, intervalo compreendido entre os níveis 25 e 26 da tabela remuneratória única) e a remuneração base (incluindo subsídios de férias e de Natal) efetivamente auferida desde 01-06-2019 até 31-12-2021 (1.ª posição remuneratória da categoria de enfermeiro especialista da carreira especial de enfermagem), nos mesmos termos em que foram pagos aos seus colegas vinculados por contrato de trabalho em funções públicas com a mesma antiguidade e categoria profissional, assim como os respetivos juros de mora vencidos e contados desde a data de vencimento de cada uma das prestações mensais até 31-08-2023, e vincendos desde a data da citação até efetivo e integral pagamento;
g) Seja o réu condenado a pagar a todos os autores a quantia que se vier a apurar em sede de liquidação de sentença, a título de acréscimos remuneratórios referentes à prestação de trabalho suplementar, trabalho noturno em dias úteis, trabalho diurno aos sábados depois das 13h, trabalho diurno aos domingos, trabalho diurno aos feriados, trabalho diurno em dias de descanso semanal, trabalho noturno aos sábados depois das 20h, trabalho noturno aos domingos, trabalho noturno aos feriados, e trabalho noturno em dias de descanso semanal (calculados com referência ao valor da hora normal de trabalho referente à remuneração base mensal correspondente ao nível remuneratório da 2.ª posição remuneratória da categoria de enfermeiro da carreira especial de enfermagem, 3.ª posição remuneratória da categoria de enfermeiro da carreira especial de enfermagem, posição remuneratória compreendida entre a 1.ª e a 2.ª posição remuneratória da categoria de enfermeiro especialista e posição remuneratória compreendida entre a 2.ª e a 3.ª posição remuneratória da categoria de enfermeiro especialista,
respetivamente), com referência ao período compreendido entre 01-01-2018 e 31-12-2021, assim como os respetivos juros de mora vencidos e vincendos desde a data da citação até efetivo e integral pagamento;
h) Seja o réu condenado a reposicionar os autores 2.º, 4.º, 5.º, 6.º, 9.º, 12.º, 13.º, 14.º, 16.º, 17.º, 19.º, 21.º, 22.º, 26.º, 27.º, 28.º, 29.º, 30.º, 31.º, 32.º, 33.º, 36.º, 38.º e 39.º na posição remuneratória imediatamente seguinte à posição remuneratória intermédia em que atualmente se encontram, ou seja, na 2.ª posição remuneratória da categoria de enfermeiro especialista da carreira especial de enfermagem, e a pagar os acréscimos remuneratórios resultantes desse reposicionamento, ou seja, os acréscimos correspondentes à diferença entre a remuneração base da posição remuneratória imediatamente seguinte à posição intermédia em que atualmente se encontram (2.ª posição da categoria de enfermeiro especialista da carreira especial de enfermagem) e a remuneração base efetivamente auferida desde 01-01-2022 (remuneração base correspondente à posição compreendida entre a 1.ª e a 2.ª posição remuneratória da categoria de enfermeiro especialista da carreira especial de enfermagem) até à data do trânsito em julgado da decisão que vier a condenar o réu a posicionar os aludidos autores naquelas posições, que à presente data ascendem à quantia total de € 1.349,43;
i) Seja o réu condenado a reposicionar os autores 1.º, 25.º, 34.º e 35.º na posição imediatamente seguinte à posição remuneratória intermédia em que atualmente se encontram (3.ª posição remuneratória da categoria de enfermeiro especialista da carreira especial de enfermagem) e a pagar aos mesmos os acréscimos remuneratórios resultantes desse reposicionamento, ou seja, os acréscimos remuneratórios correspondentes à diferença entre a remuneração base correspondente à posição imediatamente seguinte à posição remuneratória intermédia em que atualmente se encontram (3.ª posição da categoria de enfermeiro especialista da carreira especial de enfermagem) e a remuneração base efetivamente auferida desde 01-01-2022 (remuneração base correspondente à posição compreendida entre a 2.ª e a 3.ª posições da categoria de enfermeiro especialista da carreira especial de enfermagem) até à data do trânsito em julgado da decisão que vier a condenar o réu a posicionar os aludidos autores naquelas posições, que à presente data ascendem à quantia total de € 1.349,52;
j) Seja o réu condenado a reposicionar os autores 3.º, 7.º, 15.º, 18.º, 20.º, 23.º, 24.º e 37.º na posição em que deviam ter sido posicionados na sequência da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 80-B/2022, de 28 de Novembro (3.ª posição remuneratória da categoria de enfermeiro especialista da carreira especial de enfermagem), com efeitos a 01-01-2022, e a pagar aos mesmos os acréscimos resultantes desse reposicionamento, ou seja, os acréscimos remuneratórios correspondentes à diferença entre a remuneração base correspondente à 3.ª posição remuneratória da categoria de enfermeiro especialista da carreira especial de enfermagem e a remuneração base efetivamente auferida desde 01-01-2022 (remuneração base correspondente à posição compreendida entre as 1.ª e a 2.ª posições da categoria de enfermeiro especialista da carreira especial de enfermagem) até à data do trânsito em julgado da decisão que vier a condenar o réu a posicionar os aludidos autores na 3.ª posição da categoria de enfermeiro especialista da carreira especial de enfermagem, que à presente data ascendem à quantia total de € 5.084,17;
k) Seja o réu condenado a reposicionar os autores 8.º, 10.º e 11.º na posição remuneratória em que deviam ter sido posicionados na sequência da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 80-B/2022, de 28 de Novembro (3.ª posição remuneratória da categoria de enfermeiro especialista da carreira especial de enfermagem), com efeitos a 01-01-2022, e a pagar aos mesmos os acréscimos remuneratórios resultantes desse reposicionamento, ou seja, os acréscimos remuneratórios correspondentes à diferença entre a remuneração base correspondente à 3.ª posição da categoria de enfermeiro especialista da carreira especial de enfermagem e a remuneração base efetivamente auferida desde 01-01-2022 (remuneração base da 2.ª posição da categoria de enfermeiro especialista da carreira especial de enfermagem) até à data do trânsito em julgado da decisão que vier a condenar o réu a posicionar os aludidos autores na 3.ª posição da categoria de enfermeiro especialista da carreira especial de enfermagem, que à presente data ascendem à quantia total de € 4.813,02;
Subsidiariamente, na eventualidade da improcedência dos pedidos constantes das alíneas c) a g):
l) Seja declarado e reconhecido que todos os autores exercem as funções inerentes à categoria de enfermeiro especialista da carreira de enfermagem;
m) Seja o réu condenado a atribuir aos autores 2.º, 3.º, 4.º, 6.º, 7.º, 8.º, 10.º, 11.º, 13.º, 14.º, 15.º, 16.º, 18.º, 19.º, 20.º, 22.º, 23.º, 26.º, 28.º, 29.º, 30.º, 32.º, 33.º e 38.º os pontos referentes ao ano civil em que iniciaram funções, ou seja, 1,5 pontos (cfr. artigo 3.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2, alínea a), do Decreto-Lei n.º 80-B/2022, de 28 de Novembro) e a acrescer tais pontos aos constantes da comunicação remetida em 2023, com todas as consequências daí advenientes ao nível de reposicionamento remuneratório e pagamento de acréscimos remuneratórios;
n) Seja declarado e reconhecido que todos os autores prestam para o réu serviço de qualidade, quantidade, natureza e em horário igual aos enfermeiros identificados no ponto 24.º da petição inicial, os quais foram, até 31-05-2019, titulares da mesma categoria profissional que a dos autores (categoria de enfermeiro da carreira de enfermagem) e se encontram igualmente vinculados por contrato individual de trabalho;
o) Seja declarado e reconhecido que todos os autores prestam para o réu serviço de qualidade, quantidade, natureza e em horário igual à enfermeira especialista identificada no ponto 28.º da petição inicial, a qual é, desde 01-06-2019 (data da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 71/2019, de 27 de Maio), titular da mesma categoria profissional que a dos autores (categoria de enfermeiro especialista da carreira de enfermagem) e se encontra igualmente vinculada ao réu por contrato individual de trabalho;
p) Seja o réu condenado a pagar aos autores 2.º, 3.º, 4.º, 5.º, 6.º, 7.º, 9.º, 12.º, 13.º, 14.º, 15.º, 16.º, 17.º, 18.º, 19.º, 20.º, 21.º, 22.º, 23.º, 24.º, 26.º, 27.º, 28.º, 29.º, 30.º, 31.º, 32.º, 33.º, 36.º, 37.º, 38.º e 39.º a quantia total de € 6.872,46, correspondente aos:
i. Acréscimos remuneratórios correspondentes à diferença entre a remuneração base correspondente à posição em que deviam ter sido posicionados na sequência da comunicação de pontos remetida em 2019 e da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2019 (2.ª posição da categoria de enfermeiro da carreira especial de enfermagem, tendo em conta os pontos acumulados até 31-12-2018 e que foram comunicados em 2019 e 2023) e a remuneração base (incluindo subsídios de férias e de Natal) efetivamente auferida desde 01-01-2019 até 31-05-2019 (1.ª posição remuneratória da categoria de enfermeiro da carreira especial de enfermagem), nos mesmos termos em que foram pagos aos seus colegas vinculados por contrato individual de trabalho identificados em 24.º e 28.º, já descritos em 26.º, 27.º, 30.º e 31.º do articulado inicial, assim como os respetivos juros de mora vencidos e contados desde a data de vencimento de cada uma das prestações mensais até 31-08-2023, e vincendos desde a data da citação até efetivo e integral pagamento;
ii. Acréscimos remuneratórios correspondentes à diferença entre a remuneração base correspondente à posição em que deviam ter sido posicionados por via da transição automática para a categoria de enfermeiro especialista operada pelo Decreto-Lei n.º 71/2019, de 27 de Maio (posição remuneratória compreendida entre as 1.ª e 2.ª posições da categoria de enfermeiro especialista, intervalo compreendido entre os níveis 21 e 22 da tabela remuneratória única, nos termos do artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 71/2019, de 27 de Maio, e tendo em conta os pontos acumulados até 31-12-2018 e comunicados em 2019 e 2023) e a remuneração base (incluindo subsídios de férias e de Natal) efetivamente auferida desde 01-06-2019 até 31-12-2021 (1.ª posição remuneratória da categoria de enfermeiro especialista da carreira especial de
enfermagem), à semelhança do que sucedeu com a enfermeira especialista identificada em 28.º, nos termos já descritos em 29.º a 31.º do articulado inicial, assim como os respetivos juros de mora vencidos e contados desde a data de vencimento de cada uma das prestações mensais até 31-08-2023, e vincendos desde a data da citação até efetivo e integral pagamento;
q) Seja o réu condenado a pagar aos autores 1.º, 8.º, 10.º, 11.º, 25.º, 34.º e 35.º a quantia total de € 16.075,71, correspondente aos:
i. Acréscimos remuneratórios correspondentes à diferença entre a remuneração base correspondente à posição em que deviam ter sido posicionados na sequência da comunicação de pontos remetida em 2019 e da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2019 (3.ª posição da categoria de enfermeiro da carreira especial de enfermagem, tendo em conta os pontos acumulados até 31-12-2018 e que foram comunicados em 2019 e 2023) e a remuneração base (incluindo subsídios de férias e de Natal) efetivamente auferida desde 01-01-2019 até 31-05-2019 (1.ª posição remuneratória da categoria de enfermeiro da carreira especial de enfermagem), à semelhança do que sucedeu com os seus colegas vinculados por contrato individual de trabalho identificados em 24.º e 28.º, nos termos já descritos em 26.º, 27.º, 30.º e 31.º, assim como os respetivos juros de mora vencidos e contados desde a data de vencimento de cada uma das prestações mensais até 31-08-2023, e vincendos desde a data da citação até efetivo e integral pagamento;
ii. Acréscimos remuneratórios correspondentes à diferença entre a remuneração base correspondente à posição em que deviam ter sido posicionados por via da transição automática para a categoria de enfermeiro especialista operada pelo Decreto-Lei n.º 71/2019, de 27 de Maio, (compreendida entre a 2.ª e a 3.ª posições da categoria de enfermeiro especialista, intervalo compreendido entre os níveis 25 e 26 da tabela remuneratória única, nos termos do artigo 9.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 71/2019, de 27 de Maio, e tendo em conta os pontos acumulados até 31-12-2018 e comunicados em 2019 e 2023) e a remuneração base (incluindo subsídios de férias e de Natal) efetivamente auferida desde 01-06-2019 até 31-12-2021 (1.ª posição remuneratória da categoria de enfermeiro especialista da carreira especial de enfermagem), à semelhança do que sucedeu com a enfermeira especialista identificada em 28.º, nos termos já descritos em 29.º a 31.º, assim como os respetivos juros de mora vencidos e contados desde a data de vencimento de cada uma das prestações mensais até 31-08-2023, e vincendos desde a data da citação até efetivo e integral pagamento;
r) Seja o réu condenado a pagar a todos os autores a quantia que se vier a apurar em sede de liquidação de sentença, a título de acréscimos remuneratórios referentes à prestação de trabalho suplementar, trabalho noturno em dias úteis, trabalho diurno aos sábados depois das 13h, trabalho diurno aos domingos, trabalho diurno aos feriados, trabalho diurno em dias de descanso semanal, trabalho noturno aos sábados depois das 20h, trabalho noturno aos domingos, trabalho noturno aos feriados, e trabalho noturno em dias de descanso semanal (calculados com referência ao valor da hora normal de trabalho referente à remuneração base mensal correspondente ao nível remuneratório da 2.ª posição da categoria de enfermeiro da carreira especial de enfermagem, 3.ª posição da categoria de enfermeiro da carreira especial de
enfermagem, posição compreendida entre a 1.ª e a 2.ª posições da categoria de enfermeiro especialista e posição compreendida entre a 2.ª e a 3.ª posições da categoria de enfermeiro especialista, respetivamente), com referência ao período compreendido entre 01-01-2019 e 31-12-2021, assim como os respetivos juros de mora vencidos e vincendos desde a data da citação até efetivo e integral pagamento;
s) Seja o réu condenado a reposicionar os autores 2.º, 4.º, 5.º, 6.º, 9.º, 12.º, 13.º, 14.º, 16.º, 17.º, 19.º, 21.º, 22.º, 26.º, 27.º, 28.º, 29.º, 30.º, 31.º, 32.º, 33.º, 36.º, 38.º e 39.º na posição remuneratória imediatamente seguinte à posição intermédia em que atualmente se encontram (2.ª posição da categoria de enfermeiro especialista da carreira especial de enfermagem), e a pagar os acréscimos remuneratórios resultantes desse reposicionamento, ou seja, os acréscimos remuneratórios correspondentes à diferença entre a remuneração base correspondente à posição imediatamente seguinte à posição intermédia em que atualmente se encontram (2.ª posição da categoria de enfermeiro especialista da carreira especial de enfermagem) e a remuneração base efetivamente auferida desde 01-01-2022 (remuneração base correspondente à posição compreendida entre a 1.ª e a 2.ª posições da categoria de enfermeiro especialista da carreira especial de enfermagem) até à data do trânsito em julgado da decisão que vier a condenar o réu a posicionar os aludidos autores naquelas posições, que à presente data ascendem à quantia total
de € 1.349,43;
t) Seja o réu condenado a reposicionar os autores 1.º, 25.º, 34.º e 35.º na posição remuneratória imediatamente seguinte à posição intermédia em que atualmente se encontram (3.ª posição remuneratória da categoria de enfermeiro especialista da carreira especial de enfermagem) e a pagar aos mesmos os acréscimos remuneratórios resultantes desse reposicionamento, ou seja, os acréscimos correspondentes à diferença entre a remuneração base correspondente à posição imediatamente seguinte à posição intermédia em que atualmente se encontram (3.ª posição remuneratória da categoria de enfermeiro especialista da carreira especial de enfermagem) e a remuneração base efetivamente auferida desde 01-01-2022 (remuneração base correspondente à posição compreendida entre a 2.ª e a 3.ª posições da categoria de enfermeiro especialista da carreira especial de enfermagem) até à data do trânsito em julgado da decisão que vier a condenar o réu a posicionar os aludidos autores naquelas posições, que à presente data ascendem à quantia total de € 1.349,52;
u) Ser o réu condenado a reposicionar os autores 3.º, 7.º, 15.º, 18.º, 20.º, 23.º, 24.º e 37.º na posição em que deviam ter sido posicionados na sequência da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 80-B/2022, de 28 de Novembro (3.ª posição remuneratória da categoria de enfermeiro especialista da carreira especial de enfermagem), com efeitos a 01-01-2022, e a pagar aos mesmos os acréscimos resultantes desse reposicionamento, ou seja, os acréscimos correspondentes à diferença entre a remuneração base correspondente à 3.ª posição da categoria de enfermeiro especialista da carreira especial de enfermagem e a remuneração base efetivamente auferida pelos autores desde 01-01-2022 (remuneração base da posição compreendida entre a 1.ª e a 2.ª posições da categoria de enfermeiro especialista da carreira especial de enfermagem) até à data do trânsito em julgado da decisão que vier a condenar o réu a posicionar os aludidos autores na 3.ª posição da categoria de enfermeiro especialista da carreira especial de enfermagem, que à presente data ascendem à quantia total de € 5.084,17;
v) Seja o réu condenado a reposicionar os autores 8.º, 10.º e 11.º na posição em que deviam ter sido posicionados na sequência da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 80-B/2022, de 28 de Novembro (3.ª posição da categoria de enfermeiro especialista da carreira especial de enfermagem), com efeitos a 01-01-2022, e a pagar aos mesmos os acréscimos resultantes desse reposicionamento, ou seja, os acréscimos remuneratórios correspondentes à diferença entre a remuneração base correspondente à 3.ª posição da categoria de enfermeiro especialista da carreira especial de enfermagem e a remuneração base efetivamente auferida pelos referidos autores desde 01-01-2022 (remuneração base da 2.ª posição da categoria de enfermeiro especialista da carreira especial de enfermagem) até à data do trânsito em julgado da decisão que vier a condenar o réu a posicionar a aludidos autores na 3.ª posição da categoria de enfermeiro especialista da carreira especial de enfermagem, que à presente data ascendem à quantia total de € 4.813,02.
Para tanto, alegaram que celebraram com o réu contratos individuais de trabalho para exercerem as funções de enfermeiros, estando ao serviço deste desde 2001.
Por força da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 71/2019, de 27 de Maio, que alterou o regime da carreira especial de enfermagem, todos os autores transitaram automaticamente e com dispensa de quaisquer formalidades para a categoria de «enfermeiro especialista», o que levou a que fossem reposicionados, com efeitos a 01-06-2019, na 1.ª posição remuneratória da categoria de enfermeiro especialista da carreira especial de enfermagem, nível 19 da tabela remuneratória única.
Na sequência da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 80-B/2022, de 28 de novembro, que estabeleceu os termos da contagem de pontos em sede de avaliação do desempenho dos trabalhadores enfermeiros à data da transição para as carreiras de enfermagem e especial de enfermagem, os autores 2.º, 3.º, 4.º, 5.º, 6.º, 7.º, 9.º, 12.º, 13.º, 14.º, 15.º, 16.º, 17.º, 18.º, 19.º, 20.º, 21.º, 22.º, 23.º, 24.º, 26.º, 27.º, 28.º, 29.º, 30.º, 31.º, 32.º, 33.º, 36.º, 37.º, 38.º e 39.º foram incorretamente reposicionados, com efeitos retroagidos a 01-01-2022 , entre a 1.ª e a 2.ª posições remuneratórias da categoria de enfermeiro especialista da carreira especial de enfermagem, intervalo compreendido entre os níveis 21 e 22 da tabela remuneratória única, os autores 1.º, 25.º, 34.º e 35.º entre a 2.ª e a 3.ª posição do intervalo compreendido entre os níveis 25 e 26 da mesma tabela remuneratório única e os autores 8.º, 10.º e 11.º na 2.ª posição remuneratória.
Acontece que, no ano de 2019, o réu remeteu a todos os autores (à exceção do 32.º autor) uma comunicação dos pontos acumulados desde a data de início de funções de enfermeiro, sob a sua autoridade e direção e até 2018, e, no ano de 2023, na sequência da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 80-B/2022, remeteu a todos uma nova comunicação dos pontos acumulados até 2020.
Contudo, não atribuiu aos autores 2.º, 3.º, 4.º, 6.º, 7.º, 8.º, 10.º, 11.º, 13.º, 14.º, 15.º, 16.º, 18.º, 20.º, 22.º, 23.º, 26.º, 28.º, 29.º, 30.º, 32.º, 33.º e 38.º os pontos referentes ao ano civil em que iniciaram as suas funções (1,5 pontos), com fundamento em que foram admitidos ao seu serviço apenas no 2.º semestre do respetivo ano civil.
À semelhança do que sucedeu com todos os autores, no ano de 2019, o réu remeteu a NNN, OOO, PPP, QQQ, RRR, SSS, TTT, UUU, VVV, WWW, XXX, YYY e ZZZ, todos eles enfermeiros ao seu serviço, admitidos mediante a celebração de contrato individual de trabalho (sem termo) e a exercer as suas funções na unidade hospitalar de ..., uma comunicação de pontos acumulados desde a data em que iniciaram as funções e até 31-12-2018 e, na sequência de tal comunicação, a partir do mês de setembro de 2019, procedeu à alteração do seu posicionamento remuneratório em conformidade com os pontos acumulados e comunicados, tendo tais enfermeiros transitado para a 2.ª posição remuneratória da categoria de enfermeiro da carreira especial de enfermagem.
Nessa conformidade, todos os enfermeiros supra identificados passaram, desde setembro de 2019 até novembro de 2019, a auferir uma remuneração base de € 1.355,95 e desde dezembro de 2019 em diante uma remuneração base de € 1.407,45.
Além disso, em outubro de 2019, receberam também os acréscimos correspondentes à diferença entre a remuneração base da 2.ª posição da categoria de enfermeiro da carreira especial de enfermagem (€ 1.407,45) e a remuneração base da 1.ª posição da categoria de enfermeiro da carreira especial de enfermagem (€ 1.201,48), com efeitos reportados a janeiro de 2019.
Ademais, à semelhança do que sucedeu com os autores, no ano de 2019, o Conselho de Administração do réu remeteu a AAAA, enfermeira especialista ao seu serviço ao abrigo de contrato de individual de trabalho (sem termo) e a exercer as suas funções na unidade hospitalar de ..., uma comunicação dos pontos acumulados desde a data em que a mesma iniciou as funções de enfermeira sob a autoridade e direção do réu até 31-12-2018.
Na sequência de tal comunicação, como já tinha acumulado até 31-12-2018 mais de 10 pontos, por força da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 71/2019, de 27 de maio, no mês de setembro de 2019, tal enfermeira transitou automaticamente para a categoria de enfermeiro especialista (à semelhança dos autores), o réu procedeu ao seu reposicionamento nos termos do artigo 9.º, n.º 1, do referido diploma.
Contudo, diversamente do procedimento seguido com os autores, a referida enfermeira especialista passou, desde setembro de 2019, a auferir a remuneração base de € 1.505,95 (somatório da remuneração base da 1.ª posição remuneratória da categoria de enfermeiro da carreira especial de enfermagem acrescida de 75% do acréscimo da diferença entre a remuneração base da 2.ª posição da categoria de enfermeiro da carreira especial de enfermagem e a remuneração base da 1.ª posição da categoria de enfermeiro da carreira especial de enfermagem e ainda o suplemento remuneratório de função de especialista de € 150,00, previsto no n.º 3 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 122/2010, de 11 de novembro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 27/2018, de 27 de abril).
Por outro lado, em outubro de 2019, tal enfermeira recebeu ainda os acréscimos em função da diferença entre a remuneração base correspondente à 2.ª posição da categoria de enfermeiro da carreira especial de enfermagem (€ 1.407,45) e a remuneração base da 1.ª posição da categoria de enfermeiro da carreira especial de enfermagem (€ 1.201,48), com efeitos reportados a Janeiro de 2019, e a diferença entre a remuneração base da posição em que foi posicionada na sequência da comunicação de pontos remetida pelo réu (posição compreendida entre a 1.ª e a 2.ª posições da categoria de enfermeiro especialista da carreira especial de enfermagem, intervalo entre os níveis 20 e 21 da tabela única) e a remuneração base da 1.ª posição da categoria de enfermeiro da carreira especial de enfermagem (€ 1.201,48), com efeitos a 01-06-2019.
O réu não reposicionou os autores, a partir de 01-01-2018, em conformidade com os pontos acumulados até 31-12-2017, tendo alargado tal reposicionamento, apenas, aos enfermeiros contratados ao abrigo do regime do contrato de trabalho em funções públicas.
Embora estejam sujeitos a regimes jurídicos distintos, os autores e os enfermeiros vinculados por contrato de trabalho em funções públicas, produzem trabalho exatamente igual quanto à sua natureza (dificuldade, penosidade e perigosidade), qualidade (responsabilização, exigência, técnica, conhecimento, capacidade, prática, experiência) e quantidade (duração e intensidade), pelo que não se verifica qualquer fundamento material para a diferença de tratamento remuneratório ocorrido, que assim configura uma violação do princípio da igualdade, que impõe igualdade de retribuição para trabalho igual em natureza, quantidade e qualidade e proíbe diferenciação destituída de fundamento material atendível.
A mesma violação do princípio da igualdade, consagrado nos artigos 13.º e 59.º da Constituição da República Portuguesa, se manifesta entre os autores e os enfermeiros com contrato individual de trabalho colocados na unidade hospitalar de ..., que viram a sua posição remuneratória alterada na sequência da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2018 e em conformidade com os pontos acumulados até 31-12-2017.
E a mesma desigualdade é patente em relação a AAAA, também enfermeira especialista, mas afeta à unidade hospitalar de ..., que foi devida e corretamente reposicionada e auferiu os acréscimos salariais que lhe eram devidos.
Na hipótese de se entender que não foi violado o princípio da igualdade, os autores invocam em seu benefício a exceção perentória de abuso de direito, na modalidade de «venire contra factum proprium», por o réu não ter procedido à alteração do seu posicionamento remuneratório, em conformidade com a comunicação de pontos que lhes remeteu em 2019, e não ter procedido ao pagamento dos acréscimos remuneratórios resultantes dessa alteração, à semelhança do que sucedeu com os enfermeiros ao seu serviço na unidade hospitalar de ..., que foram identificados, após ter criado nos seus profissionais um sentimento de confiança de qual se verificaria.
Deste modo, concluem que, ao reclassificar/promover um conjunto de trabalhadores em detrimento de outros, o réu criou fatores de injustificada discriminação a nível profissional e retributivo, proibida por lei e que deve ser reconhecida judicialmente, para os devidos efeitos, condenando-se o réu a pagar-lhes as diferenças remuneratórias intercalares que lhes são devidas e ainda os acréscimos que decorrem do seu correto reposicionamento, tudo acrescido dos juros que entretanto se venceram.

.
Realizada a audiência de partes, na mesma não foi possível obter acordo que colocasse termo ao litígio.
-
O réu contestou, defendendo a correção quer dos pontos atribuídos, quer do reposicionamento dos autores. Mais negou as apontadas desigualdades remuneratórias e a verificação do alegado abuso de direito.
Pugnou pela improcedência da ação e pela sua absolvição dos pedidos.
-
Depois de ter sido dispensada a audiência prévia e proferido saneador tabelar, a 1.ª instância fixou o valor da causa em € 30.000,01.
Atenta a considerada simplicidade da causa, foi dispensada a enunciação dos temas da prova e o objeto do litígio ficou circunscrito ao apuramento dos factos descritos pelas partes no que se refere à progressão/reposicionamento remuneratório dos autores na categoria de enfermeiro especialista e a eventuais créditos emergentes dessa progressão/reposição que sejam devidos.
-
Após a realização da audiência final, foi prolatada sentença, contendo o seguinte dispositivo:
«Em face do exposto, julga-se a presente ação declarativa de condenação em processo comum, instaurada por AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG, HH, II, JJ, KK, LL, MM, NN, OO, PP, QQ, RR, SS, TT, UU, VV, WW, XX, YY, ZZ, AAA, BBB, CCC, DDD, EEE, FFF, GGG, HHH, III, JJJ, KKK, LLL e MMM, contra o “Centro Hospitalar Universitário do Algarve, E.P.E.” (com a atual denominação de “Unidade Local de Saúde do Algarve, E.P.E.”) totalmente procedente e consequentemente:
a) Declara-se que todos os autores exercem as funções inerentes à categoria de enfermeiro especialista da carreira de enfermagem;
b) Condena-se o réu a atribuir aos autores 2.º, 3.º, 4.º, 6.º, 7.º, 8.º, 9.º, 10.º, 11.º, 13.º, 14.º, 15.º, 16.º, 18.º, 19.º, 20.º, 22.º, 23.º, 26.º, 28.º, 29.º, 30.º, 32.º, 33.º e 38.º os pontos referentes ao ano civil em que iniciaram funções, ou seja, 1,5 pontos, a acrescer aos pontos constantes da comunicação remetida em 2023, com todas as consequências daí advenientes ao nível de reposicionamento remuneratório e pagamento de acréscimos remuneratórios;
c) Declara-se que todos os autores prestam para o réu trabalho de qualidade, quantidade, natureza e em horário igual aos enfermeiros da mesma categoria profissional que a sua (categoria de enfermeiro especialista da carreira de enfermagem) e contratados por este no regime de contrato de trabalho em funções públicas;
d) Declara-se que todos os autores prestam para o réu trabalho de qualidade, quantidade, natureza e em horário igual aos enfermeiros da mesma categoria profissional que a sua (categoria de enfermeiro da carreira de enfermagem) e contratados por este no regime de contrato de trabalho em funções públicas;
e) Condena-se o réu a pagar aos autores 2.º, 3.º, 4.º, 5.º, 6.º, 7.º, 9.º, 12.º, 13.º, 14.º, 15.º, 16.º, 17.º, 18.º, 19.º, 20.º, 21.º, 22.º, 23.º, 24.º, 26.º, 27.º, 28.º, 29.º, 30.º, 31.º, 32.º, 33.º, 36.º, 37.º, 38.º e 39.º a quantia total de € 7.094,70 correspondente aos:
i. Acréscimos remuneratórios correspondentes à diferença entre a remuneração base correspondente à posição remuneratória em que deviam ter sido posicionados em 01-01-2018, na sequência da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2018 (2.ª posição da categoria de enfermeiro da carreira especial de enfermagem, tendo em conta os pontos acumulados até 31-12-2017 e comunicados em 2023) e a remuneração base (incluindo subsídios de férias e de Natal) efetivamente auferida desde 01-01-2018 até 31-05-2019 (1.ª posição da categoria de enfermeiro da carreira especial de enfermagem), nos mesmos termos em que foram pagos aos seus colegas vinculados por contrato de trabalho em funções públicas com a mesma ou até menor antiguidade e mesma categoria profissional, por força da aplicação do disposto no artigo 18.º da Lei do Orçamento do Estado para 2018;
ii. Acréscimos remuneratórios correspondentes à diferença entre a remuneração base correspondente à posição remuneratória em que deviam ter sido posicionados, na sequência da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 71/2019, de 27 de Maio (entre a 1.ª e a 2.ª posição da categoria de enfermeiro especialista, intervalo entre os níveis 21 e 22 da tabela remuneratória única) e a remuneração base (incluindo subsídios de férias e de Natal) efetivamente auferida desde 01-06-2019 até 31-12-2021 (1.ª posição remuneratória da categoria de enfermeiro especialista da carreira especial de enfermagem), nos mesmos termos em que foram pagos aos seus colegas vinculados por contrato de trabalho em funções públicas com a mesma ou até menor antiguidade e mesma categoria profissional;
f) Condena-se o réu a pagar aos autores 1.º, 8.º, 10.º, 11.º, 25.º, 34.º e 35.º a quantia total de € 15.296,91, correspondente aos:
i. Acréscimos remuneratórios correspondentes à diferença entre a remuneração base correspondente à posição remuneratória em que deviam ter sido posicionados em 01-01-2018, na sequência da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2018 (2.ª posição da categoria de enfermeiro da carreira especial de enfermagem, tendo em conta os pontos acumulados até 31-12-2017 e comunicados em 2023) e a remuneração base (incluindo subsídios de férias e de Natal) efetivamente auferida desde 01-01-2018 até 31-12-2018 (1.ª posição da categoria de enfermeiro da carreira especial de enfermagem), nos mesmos termos em que foram pagos aos seus colegas vinculados por contrato de trabalho em funções públicas com a mesma ou até menor antiguidade e mesma categoria profissional, por força da aplicação do disposto no artigo 18.º da Lei do Orçamento do Estado para 2018;
ii. Acréscimos remuneratórios correspondentes à diferença entre a remuneração base da posição em que deviam ter sido posicionados em 01-01-2019, na sequência da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2019 (3.ª posição da categoria de enfermeiro da carreira especial de enfermagem, tendo em conta os pontos acumulados até 31-12-2018 e comunicados em 2023) e a remuneração base (incluindo subsídios de férias e de Natal) efetivamente auferida desde 01-01-2019 até 31-05-2019 (1.ª posição remuneratória da categoria de enfermeiro da carreira especial de enfermagem), nos mesmos termos em que foram pagos aos seus colegas vinculados por contrato de trabalho em funções públicas com a mesma antiguidade e categoria profissional, por força da aplicação do disposto no artigo 18.º da Lei do Orçamento do Estado para 2018 e no artigo 16.º, n.º 2 da Lei do Orçamento do Estado para 2019; e
iii. Acréscimos remuneratórios correspondentes à diferença entre a remuneração base da posição em que deviam ter sido posicionados na sequência da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 71/2019, de 27 de Maio, (entre a 2.ª e a 3.ª posição da categoria de enfermeiro especialista, intervalo compreendido entre os níveis 25 e 26 da tabela remuneratória única) e a remuneração base (incluindo subsídios de férias e de Natal) efetivamente auferida desde 01-06-2019 até 31-12-2021 (1.ª posição remuneratória da categoria de enfermeiro especialista da carreira especial de enfermagem), nos mesmos termos em que foram pagos aos seus colegas vinculados por contrato de trabalho em funções públicas com a mesma antiguidade e categoria profissional;
g) Condena-se o réu a pagar aos autores os acréscimos remuneratórios referentes ao trabalho suplementar, noturno, ou prestado em dia feriado ou de descanso obrigatório ou complementar por estes, cujo apuramento se relega para incidente ulterior de liquidação;
h) Condena-se o réu a reposicionar os autores 2.º, 4.º, 5.º, 6.º, 9.º, 12.º,13.º, 14.º, 16.º, 17.º, 19.º, 21.º, 22.º, 26.º, 27.º, 28.º, 29.º, 30.º, 31.º, 32.º, 33.º, 36.º, 38.º e 39.º na posição remuneratória imediatamente seguinte à posição remuneratória intermédia em que atualmente se encontram, ou seja, na 2.ª posição da categoria de enfermeiro especialista da carreira especial de enfermagem e a pagar os acréscimos resultantes desse reposicionamento, ou seja, os acréscimos remuneratórios correspondentes à diferença entre a remuneração base da posição imediatamente seguinte à posição intermédia em que atualmente se encontram (2.ª posição da categoria de enfermeiro especialista da carreira especial de enfermagem) e a remuneração base efetivamente auferida desde 01-01-2022 (entre a 1.ª e a 2.ª posições da categoria de enfermeiro especialista da carreira especial de enfermagem) até à data do trânsito em julgado da decisão que vier a condenar o réu a posicionar os aludidos autores naquelas posições;
i) Condena-se o réu a reposicionar os autores 1.º, 25.º, 34.º e 35.º na posição remuneratória imediatamente seguinte à posição remuneratória intermédia em que atualmente se encontram, ou seja, na 3.ª posição da categoria de enfermeiro especialista da carreira especial de enfermagem, e a pagar aos mesmos os acréscimos remuneratórios resultantes desse reposicionamento, ou seja, os acréscimos remuneratórios correspondentes à diferença da remuneração base da posição imediatamente seguinte à posição intermédia em que atualmente se encontram (3.ª posição da categoria de enfermeiro especialista da carreira especial de enfermagem) e a remuneração base efetivamente auferida desde 01-01-2022 (entre a 2.ª e a 3.ª posições da categoria de enfermeiro especialista da carreira especial de enfermagem) até à data do trânsito em julgado da decisão que vier a condenar o réu a posicionar os aludidos autores naquelas posições;
j) Condena-se o réu a reposicionar os autores 3.º, 7.º, 15.º, 18.º, 20.º, 23.º, 24.º e 37.º na posição remuneratória em que deviam ter sido posicionados na sequência da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 80-B/2022, de 28 de Novembro, ou seja, 3.ª posição da categoria de enfermeiro especialista da carreira especial de enfermagem, com efeitos a 01-01-2022, e a pagar aos mesmos os acréscimos remuneratórios resultantes desse reposicionamento, ou seja, os acréscimos correspondentes à diferença entre a remuneração base da 3.ª posição da categoria de enfermeiro especialista da carreira especial de enfermagem e a remuneração base efetivamente auferida desde 01-01-2022 (entre a 1.ª e a 2.ª posições da categoria de enfermeiro especialista da carreira especial de enfermagem) até à data do trânsito em julgado da decisão que vier a condenar o réu a posicionar os aludidos autores na 3.ª posição da categoria de enfermeiro especialista da carreira especial de enfermagem;
k) Condena-se o réu a reposicionar os autores 8.º, 10.º e 11.º na posição remuneratória em que deviam ter sido posicionados na sequência da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 80-B/2022, de 28 de Novembro, ou seja, 3.ª posição da categoria de enfermeiro especialista da carreira especial de enfermagem, com efeitos a 01-01-2022, e a pagar aos mesmos os acréscimos remuneratórios resultantes desse reposicionamento, ou seja, os acréscimos correspondentes à diferença entre a remuneração base da 3.ª posição da categoria de enfermeiro especialista da carreira especial de enfermagem e a remuneração base efetivamente auferida desde 01-01-2022 (2.ª posição da categoria de enfermeiro especialista da carreira especial de enfermagem) até à data do trânsito em julgado da decisão que vier a condenar o réu a posicionar os aludidos autores na 3.ª posição da categoria de enfermeiro especialista da carreira especial de enfermagem;
l) Condena-se o réu a pagar aos autores as quantias que se vierem a apurar-se em sede de liquidação de sentença, a título de acréscimos remuneratórios, que resultem dos reposicionamentos descritos nas alíneas h), i), j) e k) deste dispositivo;
m) Condena-se o réu a pagar aos autores, sobre as quantias identificadas, juros de mora, à taxa legal, contados desde a data do respetivo vencimento e até efetivo e integral pagamento;
n) Condena-se o réu nas custas do processo (artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
Registe e notifique.
***
Após trânsito, para efeitos do disposto no artigo 25.º, n.º 8, do Código de Trabalho, com cópia, comunique a presente sentença à “ACT – Autoridade para as Condições do Trabalho”.».
-
O réu interpôs recurso da sentença, extraindo das suas alegações as conclusões que, seguidamente, se transcrevem:
«A. Perante o quadro factual e legal supra descrito, não pode a Ré acolher a sentença proferida.
B. Os factos dados como provados, não podiam, no entendimento da Ré, servir de base à decisão ínsita na sentença recorrida.
C. Considerando a Ré que houve uma incorreta aplicação do direito.
D. Desde logo, no que tange ao entendimento da atribuição de 1,5 pontos aos AA. d.d
Não tendo havido legislação posterior revogatória, nem com conteúdo antagónico, considera a Ré que o art.º 28º do Despacho nº 2/1993 de 30 de março, mantém-se no ordenamento jurídico em plena vigência, entendimento perfilhado pela ACSS, como demostrado no Doc. 3 da contestação.
E. Apelando ao supra alegado, a Ré porfia na revogação da decisão da atribuição de 1,5 pontos aos AA., cujo vínculo se efetivou no segundo semestre do ano civil, por errada aplicação do direito.
F. Atinente ao reconhecimento, por via da sentença, do direito à alteração do posicionamento remuneratório dos AA, em conformidade com os pontos acumulados até 31-12-2017 e comunicados pelo réu em 2019 e, com base nisso, as quantias devidas a título dos acréscimos remuneratórios peticionados pelos AA,
f.f) a Ré não pode conciliar-se com a sedimentação da sentença, por considerar ferida de vício violação de lei, mais concretamente, por inaplicação da lei vigente, nomeadamente, a sentença recorrida desatendeu e não teve em consideração o entendimento de inaplicabilidade dos BTES enunciados e não aplicáveis para os efeitos do preconizado pela LOE 2018, a própria LOE nos art.º 18º e 23º, a violação da distinção jurídica das carreiras vigentes para os enfermeiros CIT e enfermeiros com contratos em função pública e demais legislação aplicável, o disposto no art.º 23º nº 13 que sancionava os responsáveis pela sua aplicação, fora do rigoroso normativo imposto, com atribuição de responsabilidade financeira, civil e disciplinar.
G. Assim considerando que, o Mmo. Juiz não apreciou o mérito da questão.
A saber:
- se a LOE era ou não aplicável aos AA., todos eles com vínculo de CIT e,
- se lhes era reconhecido o “descongelamento” de carreiras e, por via deste, o reposicionamento e os acréscimos remuneratórios peticionados e reconhecidos por via da sentença.
H. Ao decidir como decidiu, em nome do Princípio da Igualdade e “para trabalho igual, salário igual”, a sentença recorrida faz “tábua rasa” dos preceitos legais que regem a matéria versada, como ao decidir como decidiu, viola o direito aplicável, Lei nº 114/2017 (LOE), artº 18º e 23º e BTES.
I. Mais considera a Ré, que a sentença recorrida, fere o Princípio da Igualdade, corolário da Lei Fundamental, relativamente aos milhares de enfermeiros com contratos individuais de trabalho, cujo vínculo não lhes reconhece os direitos que, em igualdade de situação, foram reconhecidos aos ora AA. na presente sentença recorrida.
J. Considera ainda que houve uma incorreta interpretação e aplicação do DL 71/2019, que prevê as “posições remuneratórias virtuais” (artigo 9º refere “posição automaticamente criada”, vulgo, posição remuneratória virtual), conferindo reposicionamentos e acréscimos remuneratórios contrários à lei e sem sustentação legal, nos termos constantes da sentença revidenda.
K. Assim, afigura-se à recorrente, como fundamental e em nome do respeito pela prova produzida em sede de audiência e discussão de julgamento, à boa interpretação e aplicação do direito que, detetado o vício de violação de lei, seja decretada a revogação da decisão recorrida, por outra, com vista à boa decisão da causa.
Nos termos expostos e nos melhores de Direito, requer a V. Exas, se dignem admitir e decretar o presente recurso julgado procedente por provado e, em consequência, revogada a sentença revidenda, absolvendo a Ré dos pedidos contra si deduzidos, com todas as consequências legais, assim se fazendo a habitual e costumada Justiça!».
-
Contra-alegou a autora BB, propugnando pela improcedência do recurso.
-
A 1.ª instância admitiu o recurso como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
-
O processo subiu à Relação e o Ministério Público emitiu parecer favorável à manutenção da decisão recorrida.
O recurso foi mantido e foram colhidos os vistos legais.
Cumpre, em conferência, apreciar e decidir.
*
II. Objeto do Recurso
É consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, com a ressalva da matéria de conhecimento oficioso (artigos 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do Código de Processo Civil, aplicáveis por remissão do artigo 87.º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho).
Em função destas premissas, são as seguintes as questões suscitadas no recurso
1. Incorreta atribuição da pontuação 1,5 relativa ao ano do início da relação laboral quanto aos autores cujo vínculo se efetivou no 2.º semestre do ano civil.
2. Incorreta aplicação do brocardo “trabalho igual, salário igual”.
3. Incorreto (re)posicionamento remuneratório dos autores e consequências a extrair desse erro com referência aos acréscimos remuneratórios concedidos.
*
III. Matéria de Facto
A 1.ª instância julgou provado:
1. Entre os autores e o réu foram celebrados contratos individuais de trabalho, tendo cada um dos autores passado a exercer as funções de enfermeiro, sob a autoridade e a direção do réu, nas seguintes datas:
▪ 1.º autor: .../.../2003;
▪ 2.º autor: .../.../2008;
▪ 3.º autor: .../.../2006;
▪ 4.º autor: .../.../2008;
▪ 5.º autor: .../.../2007;
▪ 6.º autor: .../.../2010;
▪ 7.º autor: .../.../2006;
▪ 8.º autor: .../.../2004;
▪ 9.º autor: .../.../2007;
▪ 10.º autor: .../.../2004;
▪ 11.º autor: .../.../2004;
▪ 12.º autor: .../.../2008;
▪ 13.º autor: .../.../2009;
▪ 14.º autor: .../.../2008;
▪ 15.º autor: .../.../2006;
▪ 16.º autor: .../.../2009;
▪ 17.º autor: .../.../2009;
▪ 18.º autor: .../.../2006;
▪ 19.º autor: .../.../2008;
▪ 20.º autor: .../.../2005;
▪ 21.º autor: .../.../2007;
▪ 22.º autor: .../.../2008;
▪ 23.º autor: .../.../2005;
▪ 24.º autor: .../.../2006;
▪ 25.º autor: .../.../2003;
▪ 26.º autor: .../.../2007;
▪ 27.º autor: .../.../2010;
▪ 28.º autor: .../.../2007;
▪ 29.º autor: .../.../2008;
▪ 30.º autor: .../.../2007;
▪ 31.º autor: .../.../2007;
▪ 32.º autor: .../.../2008;
▪ 33.º autor: .../.../2009;
▪ 34.º autor: .../.../2001;
▪ 35.º autor: .../.../2003;
▪ 36.º autor: .../.../2009;
▪ 37.º autor: .../.../2006;
▪ 38.º autor: .../.../2008; e
▪ 39.º autor: .../.../2007.
2. Funções essas inerentes à atividade de enfermeiro, com a prática dos atos materiais e atividade profissional que correspondem à categoria profissional de enfermeiro da carreira de enfermagem.
3. Por força da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 71/2019, de 27 de maio, os autores transitaram, automaticamente e com dispensa de quaisquer formalidades, para a categoria de «enfermeiro especialista».
4. Na sequência dessa transição para a categoria de enfermeiro especialista, os autores foram reposicionados, com efeitos retroagidos a 01-06-2019, na 1.ª posição remuneratória da categoria de enfermeiro especialista da carreira especial de enfermagem, nível remuneratório 19 da tabela única, a que correspondia o valor de € 1.407,45.
5. Posteriormente, na sequência da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 80-B/2022, de 28 de Novembro, que estabeleceu os termos da contagem de pontos em sede de avaliação do desempenho dos trabalhadores enfermeiros à data da transição para as carreiras de enfermagem e especial de enfermagem, os autores 2.º, 3.º, 4.º, 5.º, 6.º, 7.º, 9.º, 12.º, 13.º, 14.º, 15.º, 16.º, 17.º, 18.º, 19.º, 20.º, 21.º, 22.º, 23.º, 24.º, 26.º, 27.º, 28.º, 29.º, 30.º, 31.º, 32.º, 33.º, 36.º, 37.º, 38.º e 39.º foram reposicionados, com efeitos retroagidos a 01-01-2022, entre a 1.ª e a 2.ª posição remuneratória da categoria de enfermeiro especialista da carreira especial de enfermagem, intervalo remuneratório entre os níveis 21 e 22 da tabela única, correspondente à remuneração de € 1.574,38.
6. Os autores 1.º, 25.º, 34.º e 35.º foram reposicionados, com efeitos retroagidos a 01-01-2022, entre a 2.ª e a 3.ª posição remuneratória da categoria de enfermeiro especialista da carreira especial de enfermagem, intervalo compreendido entre os níveis 25 e 26 da tabela única, correspondente à remuneração de € 1.782,82.
7. E os autores 8.º, 10.º e 11.º foram reposicionados, com efeitos retroagidos a 01-01-2022, na 2.ª posição da categoria de enfermeiro especialista da carreira especial de enfermagem, correspondente à remuneração de € 1.632,84.
8. Atualmente, todos os autores são enfermeiros com contrato de trabalho sem termo ao serviço do réu, exercendo as funções inerentes à categoria profissional de enfermeiro especialista da carreira de enfermagem, no horário de 35 horas semanais, nos serviços clínicos do réu que constam dos respetivos talões de vencimento, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
9. (…) Com exceção do autor 26.º, que cessou as suas funções no dia 31-10-2022.
10. O réu tem por objeto a prestação de cuidados de saúde à população e o desenvolvimento de atividades de investigação e ensino e é composto por três unidades hospitalares: ..., ... e ....
11. Os autores 1.º, 3.º, 5.º, 6.º, 7.º, 11.º, 12.º, 13.º, 16.º, 17.º, 18.º, 19.º, 20.º, 21.º, 22.º, 23.º, 25.º, 30.º, 32.º, 33.º, 34.º, 35.º, 37.º e 38.º exercem as suas funções na unidade hospitalar de ....
12. Os autores 2.º, 8.º, 9.º, 10.º, 14.º, 15.º, 24.º, 27.º, 28.º, 29.º, 31.º, 36.º e 39.º exercem as suas funções na unidade hospitalar de ....
13. A autora 4.ª exerce as suas funções no Serviço de Urgência ....
14. No âmbito da organização do réu, existem enfermeiros a exercer as suas funções ao abrigo de contratos individuais de trabalho – como é o caso de todos os autores – e enfermeiros a exercer as suas funções ao abrigo de contratos de trabalho em funções públicas.
15. No ano de 2019, o Conselho de Administração do réu remeteu, à exceção do 32.º autor, uma comunicação dos pontos acumulados desde a data em que iniciaram as funções de enfermeiro sob a sua autoridade e direção até 2018, inclusive, conforme se discrimina:
o 1.º autor: 20,5 pontos;
o 2.º autor: 13 pontos;
o 3.º autor: 16 pontos;
o 4.º autor: 12,5 pontos;
o 5.º autor: 14,5 pontos;
o 6.º autor: 10 pontos;
o 7.º autor: 16 pontos;
o 8.º autor: 18,5 pontos;
o 9.º autor: 16 pontos;
o 10.º autor: 19 pontos;
o 11.º autor: 19 pontos;
o 12.º autor: 14,5 pontos;
o 13.º autor: 11 pontos;
o 14.º autor: 13 pontos;
o 15.º autor: 16 pontos;
o 16.º autor: 11,5 pontos;
o 17.º autor: 12,5 pontos;
o 18.º autor: 14,5 pontos;
o 19.º autor: 12,5 pontos;
o 20.º autor: 17,5 pontos;
o 21.º autor: 16 pontos;
o 22.º autor: 12,5 pontos;
o 23.º autor: 17,5 pontos;
o 24.º autor: 17,5 pontos;
o 25.º autor: 20,5 pontos;
o 26.º autor: 14,5 pontos;
o 27.º autor: 11,5 pontos;
o 28.º autor: 14,5 pontos;
o 29.º autor: 13 pontos;
o 30.º autor: 14,5 pontos;
o 31.º autor: 16 pontos;
o 32.º autor: (não recebeu pontos em 2019);
o 33.º autor: 11,5 pontos;
o 34.º autor: 20,5 pontos;
o 35.º autor: 20,5 pontos;
o 36.º autor: 13 pontos;
o 37.º autor: 17 pontos;
o 38.º autor: 12,5 pontos; e
o 39.º autor: 16 pontos.
16. Posteriormente, no ano de 2023, o réu remeteu a todos os autores uma nova comunicação dos pontos acumulados desde a data em que os mesmos iniciaram as funções de enfermeiro sob a sua autoridade e direção até 2020, inclusive, conforme se discrimina:
o 1.º autor: 22,5 pontos;
o 2.º autor: 15 pontos;
o 3.º autor: 18 pontos;
o 4.º autor: 15 pontos;
o 5.º autor: 18 pontos;
o 6.º autor: 12 pontos;
o 7.º autor: 18 pontos;
o 8.º autor: 21 pontos;
o 9.º autor: 18 pontos;
o 10.º autor: 21 pontos;
o 11.º autor: 21 pontos;
o 12.º autor: 16,5 pontos;
o 13.º autor: 13,5 pontos;
o 14.º autor: 15 pontos;
o 15.º autor: 18 pontos;
o 16.º autor: 13,5 pontos;
o 17.º autor: 15 pontos;
o 18.º autor: 18 pontos;
o 19.º autor: 15 pontos;
o 20.º autor: 19,5 pontos;
o 21.º autor: 18 pontos;
o 22.º autor: 15 pontos;
o 23.º autor: 19,5 pontos;
o 24.º autor: 19,5 pontos;
o 25.º autor: 22,5 pontos;
o 26.º autor: 16,5 pontos;
o 27.º autor: 13,5 pontos;
o 28.º autor: 16,5 pontos;
o 29.º autor: 15 pontos;
o 30.º autor: 16,5 pontos;
o 31.º autor: 18 pontos;
o 32.º autor: 15 pontos;
o 33.º autor: 13,5 pontos;
o 34.º autor: 22,5 pontos;
o 35.º autor: 22,5 pontos;
o 36.º autor: 15 pontos;
o 37.º autor: 19,5 pontos;
o 38.º autor: 15 pontos; e
o 39.º autor: 18 pontos.
17. O réu não atribuiu aos autores 2.º, 3.º, 4.º, 6.º, 7.º, 8.º, 10.º, 11.º, 13.º, 14.º, 15.º, 16.º, 18.º, 19.º, 20.º, 22.º, 23.º, 26.º, 28.º, 29.º, 30.º, 32.º, 33.º e 38.º os pontos referentes ao ano civil em que iniciaram as suas funções (1,5 pontos), uma vez que foram admitidos ao seu serviço já no decurso do 2.º semestre do respetivo ano civil.
18. Por não se conformarem com a não atribuição dos 1,5 pontos referentes ao ano civil em que foram admitidos ao serviço do réu, os autores suprarreferidos apresentaram reclamação.
19. Essa reclamação foi indeferida pelo réu.
20. No ano de 2019, o Conselho de Administração do réu remeteu a NNN, OOO, PPP, QQQ, RRR, SSS, TTT, UUU, VVV, WWW, XXX, YYY e ZZZ, todos eles enfermeiros ao seu serviço, admitidos ao abrigo de contrato de individual de trabalho (sem termo) e a exercer funções na unidade hospitalar de ..., uma comunicação dos pontos acumulados desde a data em que iniciaram as funções de enfermeiro sob a sua autoridade e direção e até 31-12-2018.
21. Na sequência de tal comunicação, mais precisamente no mês de setembro de 2019, e uma vez que todos estes enfermeiros já tinham acumulados, até 31-12-2018, 10 ou mais pontos, o réu procedeu à alteração do seu posicionamento remuneratório em conformidade com
os pontos acumulados e comunicados, tendo tais enfermeiros transitado para a 2.ª posição da categoria de enfermeiro da carreira especial de enfermagem.
22. Estes enfermeiros passaram, desde Setembro de 2019 até Novembro de 2019, a auferir uma remuneração base de € 1.355,95 (correspondente à 1.ª posição da categoria de enfermeiro da carreira especial de enfermagem) acrescida de 75% do acréscimo correspondente à diferença entre a remuneração base da 2.ª posição da categoria de enfermeiro da carreira especial de enfermagem e a remuneração base da 1.ª posição da categoria de enfermeiro da carreira especial de enfermagem e, posteriormente, desde Dezembro de 2019 em diante, uma remuneração base de € 1.407,45 (2.ª posição da categoria de enfermeiro da carreira especial de
enfermagem), ao invés da remuneração auferida até agosto de 2019 de € 1.201,48 (1.ª posição da categoria de enfermeiro da carreira especial de enfermagem).
23. Em outubro de 2019, tais enfermeiros receberam ainda os acréscimos correspondentes à diferença entre a remuneração base correspondente à 2.ª posição da categoria de enfermeiro da carreira especial de enfermagem (€ 1.407,45) e a remuneração base correspondente à 1.ª posição da categoria de enfermeiro da carreira especial de enfermagem (€ 1.201,48), com efeitos reportados a janeiro de 2019 e de acordo o pagamento faseado, num total de € 1.184,27.
24. À semelhança do que sucedeu com os autores, no ano de 2019, o Conselho de Administração do réu remeteu a AAAA, enfermeira especialista ao serviço do réu, ao abrigo de contrato de individual de trabalho (sem termo) e a exercer as suas funções na unidade hospitalar de ..., uma comunicação dos pontos acumulados desde a data em que iniciou as funções de enfermeira sob a autoridade e direção do réu até ../../2018.
25. Na sequência dessa comunicação, no mês de ../../2019, e uma vez que já tinha acumulado até ../../2018 mais de 10 pontos, por força da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 71/2019, de 27 de maio, tal enfermeira transitou automaticamente para a categoria de «enfermeiro especialista».
26. Por via do reposicionamento efetuado, AAAA passou, desde setembro de 2019, a auferir uma remuneração base de €1.505,95, correspondente:
– ao somatório da remuneração base da 1.ª posição da categoria de enfermeiro da carreira especial de enfermagem acrescida de 75% do acréscimo correspondente à diferença entre a remuneração base da 2.ª posição da categoria de enfermeiro da carreira especial de enfermagem e a remuneração base da 1.ª posição da categoria de enfermeiro da carreira especial de enfermagem; e
– o suplemento remuneratório de função de especialista de € 150,00, previsto no n.º 3 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 122/2010, de 11 de novembro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 27/2018, de 27 de abril.
27. Assim, AAAA foi reposicionada numa posição remuneratória compreendida entre a 1.ª e a 2.ª posições da categoria de enfermeiro especialista da carreira especial de enfermagem, intervalo compreendido entre os níveis 20 e 21 da tabela remuneratório única), ao invés da remuneração auferida até agosto de 2019 de € 1.201,48 (1.ª posição da categoria de enfermeiro da carreira especial de enfermagem).
28. Em outubro de 2019, a enfermeira AAAA recebeu ainda:
– os acréscimos remuneratórios correspondentes à diferença entre a remuneração base da 2.ª posição da categoria de enfermeiro da carreira especial de enfermagem (€ 1.407,45) e a remuneração base correspondente à 1.ª posição da categoria de enfermeiro da carreira especial de enfermagem (€ 1.201,48), com efeitos reportados a Janeiro de 2019, de acordo o pagamento faseado previsto no n.º 8 do artigo 18.º da Lei n.º 114/2017, de 29 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2018), num total de €1.184,27; e
– os acréscimos correspondentes à diferença entre a remuneração base correspondente à posição em que foi posicionada na sequência da comunicação de pontos remetida pelo réu (entre a 1.ª e a 2.ª posições da categoria de enfermeiro especialista da carreira especial de enfermagem, intervalo compreendido entre os níveis 20 e 21 da tabela única) e a remuneração base da 1.ª posição da categoria de enfermeiro da carreira especial de enfermagem (€ 1.201,48), com efeitos a 01-06-2019, num total de € 913,41.
29. O réu não reposicionou os autores, a partir de 01-01-2018, em conformidade com os pontos acumulados até 31-12-2017, tendo-o feito aos seus trabalhadores enfermeiros contratados ao abrigo do regime do contrato de trabalho em funções públicas, que viram a sua posição remuneratória e remuneração base alteradas em conformidade com os pontos acumulados até 31-12-2017;
30. (…) Como sucedeu aos enfermeiros BBBB e CCCC, ambos vinculados por contrato de trabalho em funções públicas, que tinham acumulados até 31-12-2017 mais de 10 pontos.
31. Continuando os autores a auferir a remuneração base da 1.ª posição da categoria de enfermeiro da carreira especial de enfermagem, nível remuneratório 15 da tabela única, desde 01-01-2018 até 31-05-2019 e, posteriormente, a remuneração base correspondente à 1.ª posição da categoria de enfermeiro especialista da carreira especial de enfermagem, nível remuneratório 19 da tabela única, desde 01-06-2019 até 31-12-2021.
32. Os autores, vinculados por contrato individual de trabalho, e os trabalhadores enfermeiros do réu com vínculo de contrato de trabalho em funções públicas produzem trabalho com a mesma dificuldade, penosidade e perigosidade, a mesma responsabilização, exigência, técnica, conhecimento, capacidade, prática, experiência e a mesma duração e intensidade. [eliminado pelos motivos que infra se indicam]
33. Todos têm a mesma carga horária, integram as mesmas equipas, nas mesmas escalas de serviço, praticando exatamente os mesmos atos técnicos, com a mesma formação, o mesmo propósito. [eliminado pelos motivos que infra se indicam]
34. Tanto os autores como os trabalhadores enfermeiros do réu acima identificados [NNN, OOO, PPP, QQQ, RRR, SSS, TTT, UUU, VVV, WWW, XXX, YYY e ZZZ e AAAA], que exercem as suas funções ao abrigo de contratos individuais de trabalho e estão afetos à unidade hospitalar de ..., produzem trabalho igual quanto à dificuldade, penosidade e perigosidade, quanto à responsabilização, exigência, técnica, conhecimento, capacidade, prática, experiência e quanto à duração e intensidade. [eliminado pelos motivos que infra se indicam]
35. Os autores e AAAA são titulares da mesma categoria (categoria de enfermeiro especialista da carreira de enfermagem) e, com respeito das respetivas competências específicas, desempenham as mesmas funções, têm a mesma carga horária, integram as mesmas equipas, nas mesmas escalas de serviço, praticando exatamente os mesmos atos técnicos, com a mesma formação, o mesmo propósito. [eliminado pelos motivos que infra se indicam]
36. O nível 15 da tabela remuneratória única, a que corresponde a 1.ª posição remuneratória da categoria de enfermeiro da carreira especial de enfermagem, desde janeiro de 2018 até à presente data, foi fixado nos seguintes valores:
✓ janeiro de 2018 a abril de 2020: € 1.201,48;
✓ maio de 2020 a dezembro de 2021: € 1.205,08;
✓ janeiro de 2022 a dezembro de 2022: €1.215,93; e
✓ janeiro de 2023 em diante: € 1.268,04.
37. O nível 19 da tabela remuneratória única, a que corresponde a 2.ª posição remuneratória da categoria de enfermeiro da carreira especial de enfermagem, desde janeiro de 2018 até à presente data, foi fixado nos seguintes valores:
✓ janeiro de 2018 a abril de 2020: € 1.407,45;
✓ maio de 2020 a dezembro de 2021: € 1.411,67;
✓ janeiro de 2022 a dezembro de 2022: € 1.424,38; e
✓ janeiro de 2023 em diante: € 1.476,49.
38. O nível 23 da tabela remuneratória única, a que corresponde a 3.ª posição remuneratória da categoria de enfermeiro da carreira especial de enfermagem, desde janeiro de 2018 até à presente data, foi fixado nos seguintes valores:
✓ janeiro 2018 a abril 2020: € 1.613,42;
✓ maio 2020 a dezembro 2021: € 1.618,26;
✓ janeiro 2022 a dezembro 2022: € 1.632,82; e
✓ janeiro 2023 em diante: € 1.684,93.
*
Enunciados todos os pontos da matéria de facto elencados pela 1.ª instância, impõe-se que, em relação à decisão proferida, este tribunal da Relação faça uso dos poderes (deveres) consagrados no artigo 662.º do Código de Processo Civil.
De harmonia com o disposto no n.º 4 do artigo 607.º do mesmo compêndio legal, na fundamentação da sentença, e no que respeita à matéria de facto, o juiz deve declarar quais os factos que julga provados e os factos que julga não provados.
Reiteradamente a jurisprudência dos tribunais superiores tem afirmado que na decisão sobre a matéria de facto apenas devem constar factos e não juízos valorativos ou conclusivos e questões de direito.
Apenas em situações especiais se tem admitido que constem na decisão fáctica conceitos jurídicos: é o caso daquelas expressões ou conceitos jurídicos que passaram a ser habitualmente utilizadas na linguagem comum, e, por esse motivo, são equiparados a factos, bem como o caso de situações jurídicas já consolidadas. Contudo, existe um requisito essencial para que possam estar inseridos na fundamentação de facto da sentença: não podem estar relacionados com o objeto do processo.
Sobre este tema, citam-se, por todos, os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, que podem ser consultados em www.dgsi.pt:
Acórdão de 12-04-2024 (Proc. n.º 823/20.4T8PRT.P1.S1):
«VII- Só acontecimentos ou factos concretos podem integrar a seleção da matéria de facto relevante para a decisão, sendo, embora, de equiparar aos factos os conceitos (jurídicos) geralmente conhecidos e utilizados na linguagem comum, verificado que esteja um requisito: não integrar o conceito o próprio objeto do processo ou, mais rigorosa e latamente, não constituir a sua verificação, sentido, conteúdo ou limites objeto de disputa das partes.
Acórdão de 12-01-2021 (Proc. n.º 2999/08.0TBLLE.E2.S1):
«III. Em sede de fundamentação de facto (traduzida na exposição descritivo-narrativa tanto da factualidade assente, quer por efeito legal da admissão por acordo, quer da eficácia probatória plena de confissão ou de documentos, como dos factos provados durante a instrução), a enunciação da matéria de facto deve ser expurgada de valorações jurídicas, de locuções metafóricas ou de excessos de adjetivação, mas pode conter pode conter referência quer a situações jurídicas consolidadas, desde que não hajam sido postas em causa, quer a termos jurídicos portadores de alcance semântico socialmente consensual (portadores de uma significação na linguagem corrente) desde que não sejam objeto de disputa entre as partes e não requeiram um esforço de interpretação jurídica, devendo ser tomados na sua aceção corrente ou mesmo jurídica, se for coincidente, ou estiver já consolidada como tal na linguagem comum.
IV. Quando o contexto retratado sob os enunciados de facto integra o essencial do objeto de disputa entre as partes sobre o qual recaiu o esforço de (diversa) interpretação jurídica efetuado quer na 1.ª instância, quer no Acórdão da Relação, não pode ser utilizado na enunciação dos factos, que devem ser considerados como não escritos.».
Procedemos a esta introdução, porquanto, no nosso entender, existem alguns pontos da decisão fáctica assumida pela 1.ª instância que não se podem manter.
Avançamos de imediato para a indicação e apreciação desses pontos.
Os pontos a que nos reportamos são os pontos 32 a 35.
Eis o conteúdo dos mesmos:
32. Os autores, vinculados por contrato individual de trabalho, e os trabalhadores enfermeiros do réu com vínculo de contrato de trabalho em funções públicas produzem trabalho com a mesma dificuldade, penosidade e perigosidade, a mesma responsabilização, exigência, técnica, conhecimento, capacidade, prática, experiência e a mesma duração e intensidade.
33. Todos têm a mesma carga horária, integram as mesmas equipas, nas mesmas escalas de serviço, praticando exatamente os mesmos atos técnicos, com a mesma formação, o mesmo propósito.
34. Tanto os autores como os trabalhadores enfermeiros do réu acima identificados [NNN, OOO, PPP, QQQ, RRR, SSS, TTT, UUU, VVV, WWW, XXX, YYY e ZZZ e AAAA], que exercem as suas funções ao abrigo de contratos individuais de trabalho e estão afetos à unidade hospitalar de ..., produzem trabalho igual quanto à dificuldade, penosidade e perigosidade, quanto à responsabilização, exigência, técnica, conhecimento, capacidade, prática, experiência e quanto à duração e intensidade.
35. Os autores e AAAA são titulares da mesma categoria (categoria de enfermeiro especialista da carreira de enfermagem) e, com respeito das respetivas competências específicas, desempenham as mesmas funções, têm a mesma carga horária, integram as mesmas equipas, nas mesmas escalas de serviço, praticando exatamente os mesmos atos técnicos, com a mesma formação, o mesmo propósito.
Ora, na presente ação, uma das questões submetida à apreciação do tribunal, e que, como tal, é objeto de disputa entre as partes processuais, é a de saber se, em concreto, se verifica (ou não) violação do princípio “trabalho igual, salário igual”.
Este princípio encontra-se consagrado no artigo 59.º, n.º 1, alínea a) da Constituição da República Portuguesa, nos seguintes termos:
«1.Todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm direito:
a) À retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o princípio de que para trabalho igual salário igual, de forma a garantir uma existência condigna.».
Tal princípio encontra-se igualmente enunciado no Código do Trabalho.
Dispõe o artigo 270.º do mencionado código:
«Na determinação do valor da retribuição deve ter-se em conta a quantidade, natureza e qualidade do trabalho, observando-se o princípio de que, para trabalho igual ou de valor igual, salário igual.».
Da interpretação dos artigos 24.º e 25.º do mesmo diploma legal decorre, também, que o referido princípio impõe a igualdade de retribuição para trabalho igual em natureza, quantidade e qualidade, e a proibição de diferenciação arbitrária (isto é, sem qualquer motivo objetivo), ou com base em categorias tidas como fatores de discriminação (por exemplo, sexo, idade, raça, condição social, nacionalidade, entre outras), sem fundamento material.
São, pois, pressupostos do princípio “trabalho igual, salário igual” que o trabalho submetido à comparação seja idêntico quanto à natureza, quantidade e qualidade.
Sobre tal temática o Supremo Tribunal de Justiça tem entendido, uniformemente, que para se concluir pela existência de discriminação retributiva entre trabalhadores, ofensiva dos princípios constitucionais da igualdade e de trabalho igual, salário igual, é necessário provar que os vários trabalhadores diferentemente remunerados produzem trabalho igual quanto à natureza (dificuldade, penosidade e perigosidade), qualidade (responsabilização, exigência, técnica, conhecimento, capacidade, prática, experiência, etc.) e quantidade (duração e intensidade), competindo o ónus da prova ao trabalhador que se diz discriminado.
Neste sentido, a título de exemplo, os acórdãos de 06-02-2002 (Proc. n.º 1441/2001), acessível www.stj.pt/Jurisprudência/Sumários de Acórdãos/Secção Social; e de 09-11-2005 (Proc. n.º 05S1380), de 25-06-2008 (Proc. n.º 08S0528) e de 22-04-2009 (Proc. n.º 08P3040), publicados em www.dgsi.pt.
No caso que nos ocupa, na petição inicial, para fundamentar a invocada violação do princípio “trabalho igual, salário igual”, foi alegado o que ficou demonstrado nos supracitados pontos 32 a 35.
Poderão estes pontos ser considerados conclusões fácticas ou, ao invés, está em causa matéria genérica e conclusiva, na qual se incluem juízos valorativos e expressões jurídicas que se prendem com uma das questões de direito em debate no processo?
Temos conhecimento de alguns casos semelhantes em que a Relação não se tem pronunciado pela existência de deficiência (insuficiência) da matéria de facto.
No acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27-09-2023 (Proc. n.º 13313/20.6T8LSB.L2-4), consultável em www.dgsi.pt, num caso similar ao dos autos, sobre o ponto 19 - «As AA. prestavam exatamente o mesmo tipo de cuidados diretos aos doentes que os demais enfermeiros da Ré» - da fundamentação de facto da decisão recorrida (que tinha sido dado como assente por acordo das partes, o que não sucedeu nos presentes autos[2]), foi maioritariamente decidido:
«Reconheceram, pois, ambas, que as AA. prestavam exatamente o mesmo tipo de cuidados diretos aos doentes que os demais enfermeiros da Ré.
Com tal reconhecimento consideramos ultrapassada esta insuficiência fática porquanto se mostra provada a aludida desigualdade, sendo, em face do acervo assim acordado, dispensável individualizar ou concretizar as situações funcionais e os enfermeiros em relação aos quais ocorreu. Está assumido por ambas as partes que as AA., efetuavam exatamente o mesmo tipo de cuidados que os demais, tinham a mesma categoria profissional e trabalhavam mais 5 horas por semana, ganhando menos.
De notar que não foi invocado qualquer dos fatores de discriminação consignados no Artº 24º/1 do CT, circunstância que imporia a quem os alegasse indicar o trabalhador ou trabalhadores em relação a quem se considera discriminado conforme Artº 25º/5.
Improcede, assim, a questão em apreciação, sem prejuízo de voltarmos à insuficiência, agora por força da necessidade de concretização dos pressupostos que enformam o princípio, também invocado, “a trabalho igual, salário igual”.».
No acórdão da mesma Relação, datado de 29-09-2021 (Proc. n.º 5126/20.1T8LSB.L1-4), acessível na base de dados anteriormente identificada, em relação ao ponto 8 - «A autora no exercício da sua atividade profissional de enfermeira, no regime de contrato individual de trabalho, prestava trabalho de igual qualidade, natureza e quantidade aos dos seus pares vinculados em regime de contrato de trabalho em funções públicas e ao serviço do réu» - da fundamentação de facto da sentença recorrida, não houve qualquer pronúncia sobre eventual insuficiência ou deficiência da matéria de facto, por se ter entendido que a situação não mereceu discordância das partes.
Defendendo posição diferente, no Acórdão da Relação do Porto de 24-09-2020 (Proc. n.º 3556/17.5T8PNF.P1), no âmbito da apreciação de um ponto que constava do conjunto dos factos não provados, e que tinha o seguinte teor «[e] também o trabalho do A. e os trabalhadores Dr.ª D…, Dr. E…, Dr. J…, Dr.ª F… e Dr.ª G…, é de valor igual, pois as funções desempenhadas ao serviço da R. são equivalentes, atendendo nomeadamente à qualificação ou experiência exigida, às responsabilidades atribuídas, ao esforço físico e psíquico e às condições em que o trabalho é efetuado», considerou-se que a narração em causa era genérica e conclusiva, incluindo juízos de valor relacionados com a questão jurídica suscitada pelo autor (a violação do principio “trabalho igual, salário igual”).
Também no Acórdão da mesma Relação de 08-06-2017 (Proc. n.º 1302/16.0T8OAZ.P1), o decidido foi no mesmo sentido. Escreveu-se neste aresto:
«A decisão recorrida considerou provado que “A autora, no desempenho das suas funções, produz trabalho igual quanto à sua natureza (dificuldade, penosidade e perigosidade) e qualidade (responsabilização, exigência, técnica, conhecimento, capacidade, prática, experiência, etc.), aos demais enfermeiros ao serviço da ré, quer estejam integrados na função pública, quer, tal como os autores, tenham contrato individual de trabalho mas trabalha apenas 35 horas semanais enquanto os demais enfermeiros, com vínculo de emprego público, trabalham 40 horas semanais” e que “Na prática, com a natural exceção para os enfermeiros especialistas, no que às funções de cada um concerne, não é possível distinguir os enfermeiros com contrato individual de trabalho dos enfermeiros integrados na função pública, nem dentro de qualquer destes grupos”.
Constitui questão de índole jurídica saber se determinada factualidade, alegada na petição inicial, tem, ou não, natureza conclusiva e se, tendo-a, deverá ela ter-se por não escrita, ponderando o preceituado no artigo 646.º, n.º 4, do anterior CPC; não porque este preceito contemplasse, expressamente, a situação de sancionar, como não escrito, um facto conclusivo, mas porque, por analogia, aquela disposição era de aplicar a situações em que em causa esteja um facto conclusivo, as quais se reconduzem à formulação de um juízo de valor que se deve extrair de factos concretos objeto de alegação e prova e desde que a matéria se integre no thema decidendum.
[Neste sentido, cf. os acórdãos do STJ de 23.05.2012 e de 23.09.2009, processo n.º 238/06.7TTBGR.S1, ambos disponíveis in www.igfej.pt].
Embora o atual Código de Processo Civil não contenha norma semelhante, a sua doutrina deve continuar a aplicar-se, precisamente, porque a formulação de um juízo de valor deve extrair-se de factos concretos e não de factos conclusivos.
Assim a expressão «trabalho igual quanto à sua natureza (dificuldade, penosidade e perigosidade) e qualidade (responsabilização, exigência, técnica, conhecimento, capacidade, prática, experiência, etc.), aos demais enfermeiros ao serviço da ré, quer estejam integrados na função pública, quer, tal como os autores, tenham contrato individual de trabalho», reconduz-se ao thema decidendum, pois, está ali contida a resposta à questão preponderante que constitui a causa de pedir da autora e a parte do pedido por si formulado.
Deste modo, devendo ser excluída tal expressão (…) ».
Os dois acórdãos da Relação do Porto podem ser consultados em www.dgsi.pt.
Enunciadas assim as duas posições, que conhecemos, sustentadas em situações com alguma semelhança com a que ocorre nos autos, desde já adiantamos que iremos assumir aquela que temos como a melhor solução, ainda que se admita que a questão não é isenta de dúvidas.
E, no nosso entender, o descrito nos pontos 32 a 35 reconduz-se ao uso de conceitos normativos e de juízos valorativos dos quais depende a solução, no plano jurídico, do caso concreto.
Ora, estes conceitos e conclusões deveriam extrair-se de factos materiais, concretos e precisos que deveriam ter sido alegados pelos autores para, se demonstrados, permitirem, posteriormente, na apreciação critica da matéria de facto provada, que se chegasse a tais conclusões.
Cita-se, pela relevância, o Acórdão da Relação do Porto de 18-11-2019 (Proc. n.º 1512/19.8T8MAI.P1), acessível em www.dgsi.pt:
«Conforme é entendimento pacífico da jurisprudência dos tribunais superiores, mormente do Supremo Tribunal de Justiça, as conclusões apenas podem extrair-se de factos materiais, concretos e precisos que tenham sido alegados, sobre os quais tenha recaído prova que suporte o sentido dessas alegações, sendo esse juízo conclusivo formulado a jusante, na sentença, onde cabe fazer a apreciação crítica da matéria de facto provada. Dito de outro modo, só os factos materiais são suscetíveis de prova e, como tal, podem considerar-se provados. As conclusões, envolvam elas juízos valorativos ou um juízo jurídico, devem decorrer dos factos provados, não podendo elas mesmas serem objeto de prova [cfr. Acórdão de 23.9.2009, Proc. n.º 238/06.7TTBGR.S1, Bravo Serra; e, mais recentemente, reiterando igual entendimento jurisprudencial: de 19.4.2012, Proc.º 30/08.4TTLSB.L1.S1, Pinto Hespanhol; de 23/05/2012, proc.º 240/10.4TTLMG.P1.S1, Sampaio Gomes; de 29/04/2015, Proc .º 306/12.6TTCVL.C1.S1, Fernandes da Silva; de 14/01/2015, Proc.º 488/11.4TTVFR.P1.S1, Fernandes da Silva; 14/01/2015, Proc.º 497/12.6TTVRL.P1.S1, Pinto Hespanhol; todos disponíveis em http://www.dgsi.pt/jstj].
(…)
Assim, as afirmações de natureza conclusiva devem ser excluídas do elenco factual a considerar, se integrarem o thema decidendum, entendendo-se como tal o conjunto de questões de natureza jurídica que integram o objeto do processo a decidir, no fundo, a componente jurídica que suporta a decisão. Daí que sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de factos que se insira na análise das questões jurídicas a decidir, comportando uma resposta, ou componente de resposta àquelas questões, tal ponto da matéria de facto deve ser eliminado [Ac. STJ de 28-01-2016, Proc. nº 1715/12.6TTPRT.P1.S1, Conselheiro António Leones Dantas, www.dgsi.pt.].
Significando isto, que quando tal não tenha sido observado pelo tribunal a quo e este se tenha pronunciado sobre afirmações conclusivas, que essa pronúncia deve ter-se por não escrita. E, pela mesma ordem de razões, que o tribunal de recurso não pode considerar provadas alegações conclusivas que se reconduzam ao thema decidendum.».
Retornando ao caso dos autos, há que referir que tendo os autores alegado a violação do principio do “trabalho igual, salário igual” por parte do réu, competia-lhes ter apresentado factos concretos, indicando, pelo menos, um especifico colega com quem se comparassem, referindo, nomeadamente, as funções concretas que ambos realizavam, os horários que praticavam, a unidade hospitalar em que trabalhavam, a antiguidade de cada um, a posição na hierarquia que ocupavam, as concretas responsabilidade exercidas, as habilitações de cada um, as remunerações auferidas e demais aspetos materiais concretos que se mostrassem relevantes, para que, no momento próprio, pudessem lograr provar a factualidade alegada e permitir que o tribunal, a posteriori, no momento de análise da matéria de facto, pudesse concluir que o autor X e/ou Y em relação ao colega Z e/ou W, embora diferentemente remunerados, produziam trabalho igual quanto à natureza (dificuldade, penosidade e perigosidade), qualidade (responsabilização, exigência, técnica, conhecimento, capacidade, prática, experiência, etc.) e quantidade (duração e intensidade).
O que não se justifica, no nosso entender, é que genericamente tenham alegado (concluído) que todos os autores produzem trabalho com a mesma dificuldade, penosidade e perigosidade [elementos que consubstanciam o conceito normativo de natureza do trabalho prestado, contemplado no artigo 59.º, n.º 1, alínea a) da Constituição da República Portuguesa e no artigo 270.º do Código do Trabalho], a mesma responsabilização, exigência técnica conhecimento capacidade prática, experiência [elementos que consubstanciam o conceito normativo de qualidade do trabalho prestadoinserido nos artigos anteriormente indicados] e a mesma duração e intensidade [elementos que integram o conceito normativo de quantidade do trabalho prestado também inserido nos artigos anteriormente indicados], que os trabalhadores enfermeiros do réu com vínculo de contrato de trabalho em funções públicas e que os enfermeiros identificados nos pontos 20 e 24 que exercem funções ao abrigo de contratos individuais de trabalho.
Isto não é alegar factos concretos, é concluir a partir de factos concretos não alegados.
E, por isso, os pontos 32 e 34 que reproduzem os juízos valorativos apresentados pelos autores e que se reconduzem a um thema decidendum não podem permanecer no elenco dos factos provados.
Os pontos 33 e 35 têm igualmente natureza conclusiva.
Para que se inferisse que, comparando a situação dos autores com a dos enfermeiros do réu com vínculo de contrato de trabalho em funções públicas e com a dos enfermeiros identificados nos pontos 20 e 24, que exercem funções ao abrigo de contratos individuais de trabalho, todos tinham a mesma carga horária, as mesmas escalas de serviço, integravam as mesmas equipas, realizavam os mesmos atos técnicos, tinham a mesma formação e o mesmo propósito, era preciso que se conhecesse os concretos horários e escalas de serviço, as equipas em que estavam inseridos, que funções e atos técnicos realizavam profissionalmente, qual a efetiva formação que possuíam e a finalidade das funções no âmbito da organização do réu.
Enfim, o descrito nos pontos 32 a 35 reconduz-se à formulação de juízos conclusivos e ao uso de conceitos normativos que integram o thema decidendum, e que se deveriam extrair de factos materiais.
Destarte, constatando-se existir uma deficiência na decisão da matéria de facto, por excesso, vício este que pode e deve ser suprido pela Relação, nos termos previstos na alínea c), do n.º 2, do artigo 662.º do Código de processo Civil - cf. Acórdão da Relação do Porto de 09-07-2014 (Proc. n.º 833/11.2TVPRT.P1), in www.dgsi.pt – consideram-se como não escritos os pontos 32 a 35.
*
IV. Sobre a atribuição da pontuação 1,5 relativa ao ano do início da relação laboral quanto aos autores cujo vínculo se efetivou no 2.º semestre do ano civil
Em sede de recurso, o réu veio alegar que a 1.ª instância não deveria ter atribuído a pontuação de 1,5 relativa ao ano de início da relação laboral quanto aos autores cujo vínculo contratual se efetivou no 2.º semestre do ano civil, porquanto o artigo 28.º do Despacho n.º 2/1993, de 30 de março, continua em vigor.
Analisemos a questão.
Os autores 2.º, 3.º, 4.º, 6.º, 7.º, 8.º, 10.º, 11.º, 13.º, 14.º, 15.º, 16.º, 18.º, 19.º, 20.º, 22.º,
23.º, 26.º, 28.º, 29.º, 30.º, 32.º, 33.º e 38.º peticionaram a condenação do réu a atribuir-lhes os pontos referentes ao ano civil em que iniciaram funções, ou seja, 1,5 pontos e a acrescer aos pontos constantes da comunicação remetida em 2023.
O tribunal a quo entendeu que o Despacho n.º 2/1993 já não se mostrava aplicável e reconheceu o reclamado direito.
Vejamos.
O Decreto-Lei n.º 437/91, de 8 de novembro, aprovou o regime legal da carreira de enfermagem, consagrando-se no artigo 43.º a existência de avaliação de desempenho e no artigo 53.º que o sistema de avaliação seria posteriormente regulamentado por despacho do membro do Governo competente.
Posteriormente, o Despacho n.º 2/93, de 30 de março, proferido pelo Gabinete do Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde aprovou o “Regulamento de Avaliação de Desempenho na Carreira de Enfermagem”.
Este despacho pode ser consultado no link: https://files.diariodarepublica.pt/gratuitos/2s/1993/03/2S075A0000S01.pdf
O artigo 28.º do despacho, com o título “Inicio do triénio da avaliação do desempenho”, determinava o seguinte:
«1- A avaliação do desempenho reporta-se ao exercício profissional correspondente a anos civis, independentemente da data de início de funções do enfermeiro.
2- Nas situações de início de funções durante o 1.º semestre do ano, a avaliação do desempenho inclui o ano civil correspondente, como primeiro ano do triénio.
3- Nas situações de início de funções durante o 2.º semestre do ano, este tempo acresce ao primeiro ano do triénio que se inicia no ano civil seguinte».
Sucede, porém, que, mais tarde, a Lei n.º 66-B/2007, de 28 de dezembro, veio estabelecer um sistema integrado de gestão e avaliação do desempenho na Administração Pública, designado por SIADAP – cf. artigo 1.º desta lei – que, por força da Portaria n.º 242/2011, de 21 de junho, acabou por ser aplicado, de forma adaptada, aos trabalhadores integrados na carreira especial de enfermagem com vínculo de emprego público.
Contudo, entre a data da entrada em vigor da Lei n.º 66-B/2007 e o surgimento da Portaria n.º 242/2011, foi publicado o Decreto-Lei n.º 247/2009, de 22 de setembro, que definiu o regime geral da carreira aplicável ao enfermeiros em regime de contrato individual de trabalho, nas entidades públicas empresariais e nas parcerias em saúde, em regime de gestão e financiamento privados, integrados no Serviço nacional de Saúde – cf. artigo 2.º do diploma.
Neste regime nada consta sobre avaliação de desempenho e não nos parece que a Lei n.º 66-B/2007 e a Portaria n.º 242/2011 possam ser aplicáveis, por não existir qualquer remissão legal nesse sentido e os referidos diplomas se restringirem ao universo de trabalhadores integrados na carreira especial de enfermagem com vínculo de emprego público.
Acresce que, no vertente caso, também não foi invocada a existência de qualquer instrumento de regulamentação coletiva que determinasse a aplicação do regime de avaliação de desempenho dos trabalhadores da carreira especial de enfermagem com vínculo de emprego público aos enfermeiros em regime de contrato individual de trabalho.
A mesma fundamentação se aplica com referência ao Despacho n.º 2/1993.
Avancemos, então, no tempo…
Mais tarde, surgiu o Decreto-Lei n.º 80-B/2022, de 28 de novembro, que estabeleceu os termos da contagem de pontos em sede de avaliação de desempenho dos trabalhadores enfermeiros à data da transição para as carreiras de enfermagem e especial de enfermagem e que se mostra aplicável, entre outros, aos enfermeiros com contrato de trabalho sem termo, celebrados com entidades públicas empresariais integradas no serviço Nacional de Saúde, que transitaram para a 1.ª posição remuneratória, nível remuneratório 15, da categoria de enfermeiro da carreira de enfermagem em 2015 ou em momento anterior – cf. artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do diploma.
Estatui o artigo 3.º deste decreto-lei, com o título “Relevância das avaliações do desempenho”:
1 - A avaliação do desempenho correspondente ao tempo de serviço prestado pelos trabalhadores a que se refere o n.º 1 do artigo anterior e os respetivos pontos adquiridos relevam para efeitos de reposicionamento remuneratório:
a) A contar da data de início de funções ou da última alteração da posição remuneratória, consoante o caso, desde que posterior a 31 de dezembro de 2003; e
b) Até à data da transição para a 1.ª posição remuneratória da categoria de enfermeiro, nível remuneratório 15.
2 - Na ausência da avaliação do desempenho referida no número anterior, e independentemente da natureza jurídica do vínculo, são atribuídos por cada ano de trabalho:
a) 1,5 pontos, entre 2004 e 2014; e
b) 1 ponto, nos anos subsequentes.
3 - A atribuição de pontos nos termos do número anterior impede o requerimento, em sua substituição, da avaliação por ponderação curricular.
4 - No caso dos trabalhadores referidos na alínea c) do n.º 1 do artigo anterior, as avaliações de desempenho anteriores ao reposicionamento em posições remuneratórias automaticamente criadas, nos termos do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 71/2019, de 27 de maio, na sua redação atual, contam como se tivessem sido obtidas na nova categoria.
5 - O disposto no presente decreto-lei não prejudica a aplicação, com as necessárias adaptações, do n.º 6 do artigo 18.º da Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro, no que respeita aos pontos apurados e acumulados até 31 de dezembro de 2017, que relevam nos termos e para os efeitos ali previstos.
Resulta do normativo que a avaliação de desempenho correspondente ao tempo de serviço prestado - não se trata de uma avaliação de desempenho baseada no mérito – releva desde data de início de funções ou da última alteração da posição remuneratória, consoante o caso, desde que posterior a 31 de dezembro de 2003, e os pontos previstos são atribuídos “por cada ano de trabalho”, e não em função do ano civil, como se estabelecia no Despacho n.º 2/93.
Assim sendo, não há qualquer fundamento legal para distinguir, para efeitos de avaliação e atribuição de pontos, os enfermeiros consoante os mesmos tenham iniciado funções no primeiro ou no segundo semestre do ano civil.
Não tendo a pontuação atribuída pelo tribunal a quo aos autores 2.º, 3.º, 4.º, 6.º, 7.º, 8.º, 10.º, 11.º, 13.º, 14.º, 15.º, 16.º, 18.º, 19.º, 20.º, 22.º,23.º, 26.º, 28.º, 29.º, 30.º, 32.º, 33.º e 38.º sido impugnada com outro fundamento, resta-nos concluir pela improcedência da primeira questão suscitada no recurso.
*
V. Incorreta aplicação do brocardo “trabalho igual, salário igual”
Extrai-se da sentença recorrida que a 1.ª instância entendeu que os factos demonstrados eram reveladores de um comportamento discriminatório, infundado, em matéria salarial, por parte do réu em relação aos autores, quando comparada a situação destes com a dos demais colegas enfermeiros com vínculo de trabalho em funções públicas e, também, com a dos colegas identificados nos pontos 20 e 24 dos factos provados, que exerciam as suas funções igualmente (tal como os autores) ao abrigo de contratos individuais de trabalho.
Esta decisão é impugnada em sede de recurso.
Apreciemos a questão.
A causa de pedir configurada pelos autores alicerçou-se na alegada violação do princípio constitucional “trabalho igual, salário igual” por referência aos colegas enfermeiros com vínculo de trabalho em funções públicas e, também, aos colegas identificados nos pontos 20 e 24 dos factos provados, que exerciam, tal como os autores, funções ao abrigo de contratos individuais de trabalho.
Para tanto, os autores alegaram as conclusões que, depois, integraram os pontos 32 a 35 do conjunto dos factos dados como assentes pela 1.ª instância, e que este coletivo, pelas razões apresentadas supra, considerou não escritos.
E face à restante matéria provada, adianta-se, desde já, que a decisão recorrida, nesta parte, terá de ser revogada.
Vejamos.
A Constituição da República Portuguesa consagra no seu artigo 13.º o princípio da igualdade:
«Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei».
Como corolário deste princípio consagra-se ainda na Lei Fundamental da Nação, no artigo 59.º, n.º 1, alínea a), o princípio de que para trabalho igual é devido salário igual.
De harmonia com este preceito legal todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm direito à retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o princípio de que para trabalho igual salário igual, de forma a garantir uma existência condigna.
Este princípio tem uma natureza material, ou seja, o que importa é que nas circunstâncias reais se trate de forma igual aquilo que é efetivamente igual, e de forma diferente, aquilo que é desigual.
Ao nível remuneratório, o que este princípio obriga é que no caso de existirem dois ou mais trabalhadores que exerçam o seu trabalho em idêntica quantidade, natureza e qualidade, a contrapartida monetária para a atividade exercida tem de ser igual.
Importa, então, determinar o que é o trabalho igual em quantidade, natureza e qualidade.
Como já tivemos oportunidade de anteriormente referir, o Supremo Tribunal de Justiça tem entendido, uniformemente, que para se concluir pela existência de discriminação retributiva entre trabalhadores, ofensiva dos princípios constitucionais da igualdade e de trabalho igual, salário igual, é necessário provar que os vários trabalhadores diferentemente remunerados produzem trabalho igual quanto à natureza (dificuldade, penosidade e perigosidade), qualidade (responsabilização, exigência, técnica, conhecimento, capacidade, prática, experiência, etc.) e quantidade (duração e intensidade), competindo o ónus da prova ao trabalhador que se diz discriminado.
Como regra geral, a alegação e prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado competem àquele contra quem a invocação é feita, nos termos previstos pelo n. º 2 do artigo 342.º do Código Civil.
Importa também destacar que os aludidos princípios constitucionais estão presentes nos artigos 24.º, n.ºs 1 e 2, alínea c) e 270.º do Código do Trabalho.
E o artigo 25.º, n.º 5 do mesmo compêndio legal estipula que cabe a quem alega discriminação indicar o trabalhador ou trabalhadores em relação a quem se considera discriminado, incumbindo ao empregador provar que a diferença de tratamento não assenta em qualquer fator de discriminação.
Ora, exposto o enquadramento legal a atender, é altura da nossa atenção se focar nos factos.
E, com arrimo nos factos assentes, não é possível realizar qualquer comparação entre o concreto trabalho realizado pelos autores e o trabalho realizado pelos colegas em relação aos quais os mesmos invocaram a ocorrência de discriminação.
Infere-se apenas dos factos provados que:
- Os autores exercem funções de enfermeiro, sob a autoridade e direção do réu, praticando atos materiais e atividade profissional que correspondem à categoria profissional de enfermeiro da carreira de enfermagem;
- Os autores 2.º, 3.º, 4.º, 5.º, 6.º, 7.º, 9.º, 12.º, 13.º, 14.º, 15.º, 16.º, 17.º, 18.º, 19.º, 20.º, 21.º, 22.º, 23.º, 24.º, 26.º, 27.º, 28.º, 29.º, 30.º, 31.º, 32.º, 33.º, 36.º, 37.º, 38.º e 39.º foram reposicionados, com efeitos retroagidos a 01-01-2022, entre a 1.ª e a 2.ª posição remuneratória da categoria de enfermeiro especialista da carreira especial de enfermagem, intervalo remuneratório entre os níveis 21 e 22 da tabela única, correspondente à remuneração de € 1.574,38;
- Os autores 1.º, 25.º, 34.º e 35.º foram reposicionados, com efeitos retroagidos a 01-01-2022, entre a 2.ª e a 3.ª posição remuneratória da categoria de enfermeiro especialista da carreira especial de enfermagem, intervalo compreendido entre os níveis 25 e 26 da tabela única, correspondente à remuneração de € 1.782,82;
- Os autores 8.º, 10.º e 11.º foram reposicionados, com efeitos retroagidos a 01-01-2022, na 2.ª posição da categoria de enfermeiro especialista da carreira especial de enfermagem, correspondente à remuneração de € 1.632,84;
- Atualmente, todos os autores, com exceção do autor 26.º que cessou funções em 31-10-2022, são enfermeiros com contrato de trabalho sem termo ao serviço do réu, no horário de 35 horas semanais, nos serviços clínicos do réu que constam dos respetivos talões de vencimento;
- Os autores 1.º, 3.º, 5.º, 6.º, 7.º, 11.º, 12.º, 13.º, 16.º, 17.º, 18.º, 19.º, 20.º, 21.º, 22.º, 23.º, 25.º, 30.º, 32.º, 33.º, 34.º, 35.º, 37.º e 38.º exercem as suas funções na unidade hospitalar de ...;
- Os autores 2.º, 8.º, 9.º, 10.º, 14.º, 15.º, 24.º, 27.º, 28.º, 29.º, 31.º, 36.º e 39.º exercem as suas funções na unidade hospitalar de ...;
- A autora 4.ª exerce as suas funções no Serviço de Urgência ...;
- NNN, OOO, PPP, QQQ, RRR, SSS, TTT, UUU, VVV, WWW, XXX, YYY e ZZZ, são enfermeiros ao serviço do réu, admitidos ao abrigo de contrato de individual de trabalho (sem termo) e a exercer funções na unidade hospitalar de ...;
- Desde setembro de 2019 até novembro de 2019, estes enfermeiros auferiram uma remuneração base de € 1.355,95 (correspondente à 1.ª posição da categoria de enfermeiro da carreira especial de enfermagem) acrescida de 75% do acréscimo correspondente à diferença entre a remuneração base da 2.ª posição da categoria de enfermeiro da carreira especial de enfermagem e a remuneração base da 1.ª posição da categoria de enfermeiro da carreira especial de enfermagem e, posteriormente, desde dezembro de 2019 em diante, uma remuneração base de € 1.407,45 (2.ª posição da categoria de enfermeiro da carreira especial de enfermagem), ao invés da remuneração auferida até agosto de 2019 de € 1.201,48 (1.ª posição da categoria de enfermeiro da carreira especial de enfermagem);
- Em outubro de 2019, tais enfermeiros receberam ainda os acréscimos correspondentes à diferença entre a remuneração base correspondente à 2.ª posição da categoria de enfermeiro da carreira especial de enfermagem (€ 1.407,45) e a remuneração base correspondente à 1.ª posição da categoria de enfermeiro da carreira especial de enfermagem (€ 1.201,48), com efeitos reportados a janeiro de 2019 e de acordo o pagamento faseado, num total de € 1.184,27;
- AAAA, é enfermeira especialista ao serviço do réu, ao abrigo de contrato de individual de trabalho (sem termo) e exerce as suas funções na unidade hospitalar de ...;
- Por via do reposicionamento efetuado, esta trabalhadora passou, desde setembro de 2019, a auferir uma remuneração base de €1.505,95, correspondente:
· – ao somatório da remuneração base da 1.ª posição da categoria de enfermeiro da carreira especial de enfermagem acrescida de 75% do acréscimo correspondente à diferença entre a remuneração base da 2.ª posição da categoria de enfermeiro da carreira especial de enfermagem e a remuneração base da 1.ª posição da categoria de enfermeiro da carreira especial de enfermagem; e
· – o suplemento remuneratório de função de especialista de € 150,00, previsto no n.º 3 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 122/2010, de 11 de novembro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 27/2018, de 27 de abril.
- Esta enfermeira foi reposicionada numa posição remuneratória compreendida entre a 1.ª e a 2.ª posições da categoria de enfermeiro especialista da carreira especial de enfermagem, intervalo compreendido entre os níveis 20 e 21 da tabela remuneratório única;
- Em outubro de 2019, a mesma recebeu ainda:
· – os acréscimos remuneratórios correspondentes à diferença entre a remuneração base da 2.ª posição da categoria de enfermeiro da carreira especial de enfermagem (€ 1.407,45) e a remuneração base correspondente à 1.ª posição da categoria de enfermeiro da carreira especial de enfermagem (€ 1.201,48), com efeitos reportados a Janeiro de 2019, de acordo o pagamento faseado previsto no n.º 8 do artigo 18.º da Lei n.º 114/2017, de 29 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2018), num total de €1.184,27; e
· – os acréscimos correspondentes à diferença entre a remuneração base correspondente à posição em que foi posicionada na sequência da comunicação de pontos remetida pelo réu (entre a 1.ª e a 2.ª posições da categoria de enfermeiro especialista da carreira especial de enfermagem, intervalo compreendido entre os níveis 20 e 21 da tabela única) e a remuneração base da 1.ª posição da categoria de enfermeiro da carreira especial de enfermagem (€ 1.201,48), com efeitos a 01-06-2019, num total de € 913,41.
- O réu não reposicionou os autores, a partir de 01-01-2018, em conformidade com os pontos acumulados até 31-12-2017, tendo-o feito aos seus trabalhadores enfermeiros contratados ao abrigo do regime do contrato de trabalho em funções públicas, que viram a sua posição remuneratória e remuneração base alteradas em conformidade com os pontos acumulados até 31-12-2017, como sucedeu aos enfermeiros BBBB e CCCC, ambos vinculados por contrato de trabalho em funções públicas, que tinham acumulados até 31-12-2017 mais de 10 pontos.
- Os autores auferiram a remuneração base da 1.ª posição da categoria de enfermeiro da carreira especial de enfermagem, nível remuneratório 15 da tabela única, desde 01-01-2018 até 31-05-2019 e, posteriormente, a remuneração base correspondente à 1.ª posição da categoria de enfermeiro especialista da carreira especial de enfermagem, nível remuneratório 19 da tabela única, desde 01-06-2019 até 31-12-2021.
Ora, apesar desta factualidade revelar diferenças remuneratórias entre os autores e os demais colegas enfermeiros ao serviço do réu com vínculo de trabalho em funções públicas e com os colegas identificados nos pontos 20 e 24 dos factos provados, que exerciam as suas funções ao abrigo de contratos individuais de trabalho, tal diferença remuneratória, por si só, não é reveladora de discriminação, e, designadamente, de violação do principio constitucional “trabalho igual, salário igual”.
É que, na realidade, do mencionado princípio não decorre necessariamente que trabalhadores da mesma categoria e que trabalhem para a mesmo empregador têm de auferir um igual salário. É necessário que se prove que a diferenciação remuneratória é injustificada, em virtude do trabalho do trabalhador discriminado ser igual ao do(s) colegas(s) quanto à natureza, quantidade e qualidade – cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22-09-1993, em Coletânea de jurisprudência/STJ, tomo 3.º, pág. 269.
Ora, precisamente porque os autores não lograram provar que o respetivo trabalho era igual quanto à natureza, quantidade e qualidade ao executado pelos colegas identificados inexistindo um fundamento objetivo válido para a diferenciação salarial, a sua pretensão, nesta parte, não pode proceder.
Por conseguinte, o recurso, nesta parte, procede.
Tal procedência tem como consequência a revogação da decisão recorrida na parte que declarou que os autores foram discriminados do ponto de vista salarial e na parte em que, consequentemente, lhes reconheceu o direito à alteração do seu posicionamento remuneratório em conformidade com os pontos acumulados até 31-12-2017, como sucedeu com os seus colegas vinculados por contrato em funções públicas e com os enfermeiros generalistas que exerciam as suas funções na unidade hospitalar de ... e lhes reconheceu os mesmos acréscimos remuneratórios atribuídos aos colegas, nomeadamente os que resultaram da aplicação da Lei do Orçamento do Estado para 2018.
*
VI. Incorreto reposicionamento dos autores e respetivas consequências quanto aos acréscimos remuneratórios concedidos
O recorrente manifesta, ainda, o seu inconformismo com a interpretação feita na decisão recorrida que levou à eliminação das posições (virtuais) intermédias na tabela remuneratória e ao reconhecimento de acréscimos remuneratórios que não eram devidos – cf. alínea J) das conclusões do recurso.
Apreciemos.
Primeiramente, importa referir que o reposicionamento dos autores operado pelo tribunal a quo teve dois fundamentos: a violação do princípio “trabalho igual, salário igual” e a aplicação do Decreto-Lei n.º 80-B/2022, de 22 de novembro.
Pensamos que é sobre este segundo fundamento enunciado que incide o terceiro fundamento do recurso.
Escreveu-se na sentença recorrida:
«6. Do reposicionamento dos autores e acréscimos remuneratórios reclamados:
Finalmente, pretendem os autores o seu reposicionamento, invocando incorreta interpretação pelo réu do Decreto-Lei n.º 80-B/2022, de 22 de Novembro.
O referido diploma veio estabelecer os termos da relevância das avaliações do desempenho dos trabalhadores enfermeiros à data da transição para as carreiras de enfermagem e especial de enfermagem a que se referem, respetivamente, os Decretos-Leis n.ºs 247/2009 e 248/2009, ambos de 22 de Setembro.
Aí se refere a sua aplicação «aos trabalhadores que, independentemente da natureza da relação jurídica de emprego, transitaram para a categoria de enfermeiro especialista ou enfermeiro-gestor e foram reposicionados em posições remuneratórias automaticamente criadas para o efeito, nos termos do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 71/2019, de 27 de Maio, na sua redação atual» (artigo 2.º, n.º 1, alínea c)).
E para o que aqui releva, determina-se no artigo 3.º, n.º 4, que «no caso dos trabalhadores referidos na alínea c) do n.º 1 do artigo anterior, as avaliações de desempenho anteriores ao reposicionamento em posições remuneratórias automaticamente criadas, nos termos do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 71/2019, de 27 de Maio, na sua redação atual, contam como se tivessem sido obtidas na nova categoria».
Uma interpretação conjugada destes diplomas, segundo nos parece, implica o abandono do reposicionamento dos autores em posições intermédias, devendo transitar para as posições remuneratórias imediatamente seguintes, a saber:
- 1.º autor (…)
Já quanto às consequências remuneratórias, o réu deve ser condenado a pagar aos autores 2.º, 4.º, 5.º, 6.º, 9.º, 12.º, 13.º, 14.º, 16.º, 17.º, 19.º, 21.º, 22.º, 26.º, 27.º, 28.º, 29.º, 30.º, 31.º, 32.º, 33.º, 36.º, 38.º e 39.º os acréscimos remuneratórios resultantes desse reposicionamento, ou seja, os acréscimos remuneratórios correspondentes à diferença entre a remuneração base da posição imediatamente seguinte à posição intermédia em que atualmente se encontram (2.ª posição da categoria de enfermeiro especialista da carreira especial de enfermagem) e a remuneração base efetivamente auferida desde 01-01-2022 (remuneração base da posição compreendida entre a 1.ª e a 2.ª posições da categoria de enfermeiro especialista da carreira especial de enfermagem) até à data do trânsito em julgado da decisão que vier a condenar o réu a posicionar os aludidos autores naquelas posições.
O réu também deve ser condenado a pagar aos autores 1.º, 25.º, 34.º e 35.º os acréscimos remuneratórios correspondentes à diferença entre a remuneração base da posição imediatamente seguinte à posição intermédia em que atualmente se encontram (3.ª posição da categoria de enfermeiro especialista da carreira especial de enfermagem) e a remuneração base efetivamente auferida desde 01-01-2022 (entre a 2.ª e a 3.ª posições da categoria de enfermeiro especialista da carreira especial de enfermagem) até à data do trânsito em julgado da decisão que vier a condenar o réu a posicionar os aludidos autores naquelas posições.
Por sua vez, deverá o réu ser condenado a reposicionar os autores 3.º, 7.º, 8.º, 10.º, 11.º, 15.º, 18.º, 20.º, 23.º, 24.º e 37.º na posição remuneratória em que deviam ter sido posicionados na sequência da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 80-B/2022, de 28 de Novembro, ou seja, 3.ª posição da categoria de enfermeiro especialista da carreira especial de enfermagem, com efeitos a 01-01-2022, uma vez que considerando: 1) os pontos comunicados pelo réu aos autores 8.º, 10.º e 11.º em 2023; 2) a soma entre os pontos comunicados pelo réu aos autores 20.º e 23.º em 2023 e os 1,5 pontos que o réu lhes deveria ter atribuído, referentes aos ano civil de admissão ao serviço do réu; 3) a soma entre os pontos comunicados pelo réu aos autores 24.º e 37.º em 2023 e os pontos referentes ao ano de 2021 e que ainda não lhe foram atribuídos; e 4) a soma entre os pontos comunicados pelo réu aos autores 3.º, 7.º, 15.º e 18.º em 2023, os 1,5 pontos que o réu lhes deveria ter atribuído, referentes aos ano civil de admissão ao serviço do réu, e os pontos referentes ao ano de 2021 e que ainda não lhes foram atribuídos; todos eles tinham acumulado até 31-12-2021 mais de 20 pontos.
E, consequentemente, deve o demandado ser condenado a pagar aos autores 3.º, 7.º, 15.º, 18.º, 20.º, 23.º, 24.º e 37.º os acréscimos remuneratórios resultantes desse reposicionamento, ou seja, os acréscimos correspondentes à diferença entre a remuneração base da 3.ª posição da categoria de enfermeiro especialista da carreira especial de enfermagem e a remuneração base efetivamente auferida desde 01-01-2022 (entre a 1.ª e a 2.ª posições da categoria de enfermeiro especialista da carreira especial de enfermagem) até à data do trânsito em julgado da decisão que vier a condenar o réu a posicionar os aludidos autores na 3.ª posição da categoria de enfermeiro especialista da carreira especial de enfermagem.
E, finalmente, aos autores 8.º, 10.º e 11.º os acréscimos remuneratórios correspondentes à diferença entre a remuneração base da 3.ª posição da categoria de enfermeiro especialista da carreira especial de enfermagem e a remuneração base efetivamente auferida desde 01-01-2022 (2.ª posição da categoria de enfermeiro especialista da carreira especial de enfermagem) até à data do trânsito em julgado da decisão que vier a condenar o réu a posicionar os mesmos na 3.ª posição da categoria de enfermeiro especialista da carreira especial de enfermagem.
Dada a extensão dos autores, dos vários reposicionamentos que agora são reconhecidos, que são variáveis de acordo com a situação particular de cada um dos enfermeiros demandantes, o apuramento daqueles valores, que se vencem mensalmente, justifica que nesta parte também se profira uma condenação ilíquida, relegando o quantitativo dos valores devidos aos autores a este nível para incidente de liquidação, a processar nos termos dos artigos 358.º e seguintes do Código de Processo Civil, o que se determina.».
Infere-se do exposto que o tribunal a quo entendeu que o reposicionamento resultante da aplicação do Decreto-Lei n.º 80-B/2022 abandonava o reposicionamento em posições intermédias (ao contrário do que havia sucedido com a aplicação do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 71/2019), pelo que, consequentemente, determinou que os autores transitassem para as posições remuneratórias imediatamente seguintes.
Se bem compreendemos, é este entendimento que é posto em crise em sede de recurso.
Vejamos.
O Decreto-Lei n.º 80-B/2022, conforme já anteriormente referimos, estabeleceu os termos da contagem de pontos em sede de avaliação de desempenho dos trabalhadores enfermeiros à data da transição para as carreiras de enfermagem e especial de enfermagem e mostra-se aplicável, entre outros, aos enfermeiros com contrato de trabalho sem termo, celebrados com entidades públicas empresariais integradas no serviço Nacional de Saúde que transitaram para a 1.ª posição remuneratória, nível remuneratório 15, da categoria de enfermeiro da carreira de enfermagem em 2015 ou em momento anterior, por força, respetivamente, dos instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho ou da equiparação ao regime da carreira especial de enfermagem prevista no correspondente contrato de trabalho, bem como àqueles transitaram para a categoria de enfermeiro especialista ou enfermeiro-gestor e foram reposicionados em posições remuneratórias automaticamente criadas para o efeito, nos termos do artigo 9.º do Decreto-Lei n.º 71/2019, de 27 de maio.
Ora, no vertente caso, resultou demonstrado, por acordo das partes, que por força da entrada em vigor deste último diploma mencionado (Decreto-Lei n.º 71/2019), os autores transitaram, automaticamente e com dispensa de quaisquer formalidades, para a categoria de «enfermeiro especialista» - cf. ponto 3 do acervo fáctico.
Aliás o artigo 8.º deste decreto-lei impunha essa transição.
E não obstante o artigo 9.º, n.º 1 do mesmo diploma determinasse que na transição para a carreira especial de enfermagem, os trabalhadores fossem reposicionados na tabela anexo I do diploma, de nível remuneratório não inferior ao da 1.ª posição na categoria (que era o nível remuneratório 19) , atendendo-se, para o efeito, ao somatório da retribuição base mensal a que tinham direito acrescido do suplemento remuneratório de, no caso, € 150,00 (por se tratarem de enfermeiros especialistas), o n.º 2 do mesmo artigo permitia que em caso de falta de identidade os trabalhadores fossem reposicionados em posição remuneratória automaticamente criada, cujo montante pecuniário seja igual ao montante pecuniário a considerar para efeitos de reposicionamento.
Ou seja, existia um reposicionamento mínimo – a 1.ª posição da categoria com nível remuneratório 19 – e, em sucessão crescente, de acordo com o somatório da retribuição base mensal a que tinham direito acrescido do suplemento remuneratório, poderiam transitar para posições intermédias que seriam automaticamente criadas, caso não houvesse identidade com a tabela anexo I.
Deste modo, o Decreto-Lei n.º 71/2019 era explicito quanto à possibilidade de reposicionamento em posições intermédias automaticamente criadas.
Ficou demonstrado que todos os autores, na sequência da transição, foram reposicionados, com efeitos a 01-06-2019 (data da entrada em vigor do diploma), na 1.ª posição remuneratória da categoria de enfermeiro especialista da carreira especial de enfermagem, nível remuneratório 19 da tabela única, a que correspondia o valor de € 1.407,45 – cf. ponto 4 do acervo fáctico.
Na sentença recorrida, por força da considerada violação do princípio “trabalho igual, salário igual”, foi reconhecido aos autores o direito, por força da aplicação operada pelo Decreto-Lei n.º 71/2019, a ter o reposicionamento elencado a págs. 86 a 90 desta peça processual.
Obviamente que atento o decidido supra (no ponto V) este reposicionamento ficou absolutamente sem efeito, pelo que apenas releva, para efeitos da aplicação do Decreto-Lei n.º 80-B/2022, cujos efeitos se produziram a partir de 1 de janeiro de 2022 (cf. artigo 5.º do diploma), o reposicionamento inicial (referido no ponto 4 do elenco dos factos assentes) e os pontos da avaliação de desempenho obtidos.
Acresce que o Decreto-Lei n.º 80-B/2022 apenas regula a contagem dos pontos.
Dito de outro modo, este diploma não alterou as posições remuneratórias admitidas pelo Decreto-Lei n.º 71/2029, inclusive considera como categoria as que foram criadas pelo Decreto-Lei n.º 71/2019 – cf. artigo 3.º, n.º 4 do Decreto-Lei n.º 80-B/2022 – designando-as por “nova categoria”.
Por conseguinte, o reposicionamento resultante da avaliação de desempenho prevista pelo Decreto-Lei n.º 80-B/2022, ao contrário do referido na sentença recorrida, não abandonou, na nossa perspetiva, as ditas “posições intermédias”.
Consequentemente, a argumentação que a recorrente apresentou, no nosso entender, tem enquadramento legal.
Assim sendo, a decisão recorrida terá de ser, nesta parte, também revogada.
*
Concluindo, o recurso procede parcialmente.
As custas do recurso deverão ser suportadas pelas partes, na proporção do respetivo decaimento, nos termos do artigo 527.º do Código de Processo Civil.
*
VII. Decisão
Nestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso parcialmente procedente e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida quanto às alíneas c), d), e), f), g), h), i), j), k) e l) do dispositivo constante da mesma e absolve-se o réu destes pedidos.
Esclarece-se que os juros previstos na alínea m) do dispositivo da sentença recorrida ficam reportados somente aos créditos mencionados na alínea b) do mesmo dispositivo.
No mais, mantém-se a decisão recorrida.
Custas do recurso a suportar por ambas as partes, na proporção do respetivo decaimento.
Notifique.

Évora, 11 de julho de 2024
Paula do Paço
Emília Ramos Costa
João Luís Nunes
__________________________________________________
[1] Relatora: Paula do Paço; 1.ª Adjunta: Emília Ramos Costa; 2.º Adjunto: João Luís Nunes
[2] Consulte-se a motivação da convicção constante da sentença recorrida.