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TRABALHO IGUAL SALÁRIO IGUAL
PRINCÍPIO DA FILIAÇÃO
ENFERMEIRO
Sumário
I – Fazer constar da matéria factual que o trabalho efetuado pelo trabalhador A é igual ao do trabalhador B em termos de perigosidade, de penosidade, de dificuldade, de volume, de intensidade, de duração, de responsabilização, de exigência técnica, de conhecimento, de capacidade prática, de experiência, de zelo e de eficiência, não consubstancia a descrição de qualquer facto, traduzindo-se apenas numa conclusão e numa conclusão de natureza assumidamente jurídica quando está em causa apurar se se mostram ou não violados os princípios da igualdade no trabalho e da proibição de discriminação. II - Aquilo que terá de constar na matéria fáctica é a descrição concreta das tarefas efetuadas pelo trabalhador que se sente discriminado relativamente a esses critérios (perigosidade, penosidade, dificuldade, volume, intensidade, duração, responsabilização, exigência técnica, conhecimento, capacidade prática, experiência, zelo e eficiência), bem como a descrição concreta das tarefas efetuadas pelo trabalhador (ou trabalhadores) em relação ao qual se sente discriminado. III – O princípio da dupla filiação admite várias exceções, a saber, o que consta dos arts. 496.º, nºs. 3 e 4 (aplicação a entidades empregadoras e/ou trabalhadores que não outorgaram a convenção, mas que se filiaram posteriormente nas associações outorgantes, ou aplicação a entidades empregadoras e/ou trabalhadores que se desfiliaram das associações depois de iniciado o processo negocial que levou à subscrição da convenção), 497.º (escolha da aplicação da convenção a trabalhador não filiado), 498.º (aplicação da convenção aos empregadores não filiados em situações em que houve transmissão de empresa ou estabelecimento) e 514.º (aplicação da convenção a trabalhadores não filiados em virtude da publicação de uma Portaria de Extensão), todos do Código do Trabalho. IV – Ao trabalhador que se filiou em associação sindical subscritora de determinada convenção coletiva, já no âmbito da sua vigência, apenas lhe será aplicada tal convenção coletiva a partir do momento dessa filiação. V – A repartição do ónus da prova entre trabalhador e entidade empregadora, prevista no art. 25.º, n.º 5, do Código do Trabalho, apenas ocorre quando estão em causa os fatores de discriminação enunciados no n.º 1 do art. 24.º do Código do Trabalho. (Sumário elaborado pela relatora)
Texto Integral
Proc. n.º 2414/23.9T8PTM.E1
Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1]
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Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora: I – Relatório
As Autoras 1)AA,[2] 2) BB,[3] 3) CC,[4] 4) DD,[5] 5) EE,[6] 6) FF[7] e 7) GG[8]
intentaram a presente ação declarativa de condenação emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma de processo comum, contra “Centro Hospitalar Universitário do Algarve, E.P.E.” (Réu), pedindo, a final, que a ação seja julgada procedente, por provada, e em consequência:
a) Ser declarado e reconhecido que os autores exercem as funções inerentes à categoria de enfermeiro da carreira de enfermagem;
b) Ser o réu condenado a atribuir à 4.ª e 6.ª autoras os pontos referentes ao ano civil em que as mesmas iniciaram funções, ou seja 1,5 pontos (cfr. artigo 3.º, n.º 1, al. a) e n.º 2, al. a), do Decreto-Lei n.º 80-B/2022, de 28 de novembro), e a acrescer tais pontos aos pontos constantes da comunicação de pontos remetida pelo réu autos autores em 2023, com todas as consequências daí advenientes ao nível de reposicionamento remuneratório e pagamento de acréscimos remuneratórios;
c) Ser declarado e reconhecido que os autores prestam para o réu trabalho de qualidade, quantidade, natureza e em horário igual aos enfermeiros titulares da mesma categoria profissional que a sua (categoria de enfermeiro da carreira de enfermagem) e contratados pelo réu no regime de contrato de trabalho em funções públicas;
d) Ser o réu condenado a pagar aos autores os acréscimos remuneratórios correspondentes à diferença entre a remuneração base correspondente à posição remuneratória em que os mesmos deviam ter sido posicionados em 01.01.2019, na sequência da entrada em vigor da Lei do Orçamento do Estado para 2019 (ou seja, 2.ª posição remuneratória da categoria de enfermeiro da carreira especial de enfermagem, tendo em conta os pontos acumulados pelos autores até 31.12.2018 e comunicados pelo réu em 2023) e a remuneração base (incluindo subsídios de férias e de Natal) efetivamente auferida pelos autores desde 01.01.2019 até 31.12.2021 (correspondente à 1.ª posição remuneratória da categoria de enfermeiro da carreira especial de enfermagem), nos mesmos termos em que foram pagos aos seus colegas vinculados ao réu por contrato de trabalho em funções públicas titulares da mesma categoria profissional que a sua e que foram posicionados na 2.ª posição remuneratória da categoria de enfermeiro da carreira especial de enfermagem por força da aplicação do disposto no artigo 18.º da Lei do Orçamento do Estado para 2018, por terem acumulados até 31.12.2017 10 ou mais pontos, num total de €7.790,16, assim como os respetivos juros de mora vencidos e contados desde a data de vencimento de cada uma das prestações mensais até 30.04,2023, num total de €830,78, e vincendos desde a data da citação até efetivo e integral pagamento;
e) Ser o réu condenado a pagar aos autores a quantia que se vier a apurar em sede de liquidação de sentença, a título de acréscimos remuneratórios referentes à prestação de trabalho suplementar, trabalho noturno em dias úteis, trabalho diurno aos sábados depois das 13h, trabalho diurno aos domingos, trabalho diurno aos feriados, trabalho diurno em dias de descanso semanal, trabalho noturno aos sábados depois das 20h, trabalho noturno aos domingos, trabalho noturno aos feriados, e trabalho noturno em dias de descanso semanal (calculados com referência ao valor da hora normal de trabalho referente à remuneração base mensal correspondente ao nível remuneratório da 2.ª remuneratória da categoria de enfermeiro da carreira especial de enfermagem), com referência ao período compreendido entre 01.01.2019 e 31.12.2021, assim como os respetivos juros de mora vencidos e vincendos desde a data da citação até efetivo e integral pagamento;
Ou, subsidiariamente, na eventualidade da improcedência dos pedidos constantes das alíneas c) a e):
f) Ser declarado e reconhecido que os autores exercem as funções inerentes à categoria de enfermeiro da carreira de enfermagem;
g) Ser o réu condenado a atribuir à 4.ª e 6.ª autoras os pontos referentes ao ano civil em que as mesmas iniciaram funções, ou seja 1,5 pontos (cfr. artigo 3.º, n.º 1, al. a) e n.º 2, al. a), do Decreto-Lei n.º 80-B/2022, de 28 de novembro), e a acrescer tais pontos aos pontos constantes da comunicação de pontos remetida pelo réu autos autores em 2023, com todas as consequências daí advenientes ao nível de reposicionamento remuneratório e pagamento de acréscimos remuneratórios;;
h) Ser declarado e reconhecido que os autores prestam para o réu trabalho de qualidade, quantidade, natureza e em horário igual aos enfermeiros identificados em 12., os quais são titulares da mesma categoria profissional que a dos autores (categoria de enfermeiro da carreira de enfermagem) e se encontram igualmente vinculados ao réu por contrato individual de trabalho;
i) Ser o réu condenado a pagar aos autores os acréscimos remuneratórios correspondentes à diferença entre a remuneração base correspondente à posição remuneratória em que os autores deviam ter sido posicionados na sequência da comunicação de pontos remetida pelo réu em 2019 (ou seja, 2.ª posição remuneratória da categoria de enfermeiro da carreira especial de enfermagem, tendo em conta os pontos acumulados pelos autores até 31.12.2018 e que foram comunicados pelo réu em 2023) e a remuneração base (incluindo subsídios de férias e de Natal) efetivamente auferida por tais autores desde 01.01.2019 até 31.12.2021 (correspondente à 1.ª posição remuneratória da categoria de enfermeiro da carreira especial de enfermagem), nos mesmos termos em que foram pagos aos seus colegas identificados em 12., num total de €7.790,16, assim como os respetivos juros de mora vencidos e contados desde a data de vencimento de cada uma das prestações mensais até 30.04,2023, num total de €830,78, e vincendos desde a data da citação até efetivo e integral pagamento;
j) Ser o réu condenado a pagar aos autores a quantia que se vier a apurar em sede de liquidação de sentença, a título de acréscimos remuneratórios referentes à prestação de trabalho suplementar, trabalho noturno em dias úteis, trabalho diurno aos sábados depois das 13h, trabalho diurno aos domingos, trabalho diurno aos feriados, trabalho diurno em dias de descanso semanal, trabalho noturno aos sábados depois das 20h, trabalho noturno aos domingos, trabalho noturno aos feriados, e trabalho noturno em dias de descanso semanal (calculados com referência ao valor da hora normal de trabalho referente à remuneração base mensal correspondente ao nível remuneratório da 2.ª posição remuneratória da categoria de enfermeiro da carreira especial de enfermagem), com referência ao período compreendido entre 01.01.2019 e 31.12.2021, assim como os respetivos juros de mora vencidos e vincendos desde a data da citação até efetivo e integral pagamento.
Alegaram, em síntese, que os Autores celebraram com o Réu, no ano de 2011, contratos individuais de trabalho, de forma a que cada um daqueles exercesse, sob a autoridade e direção deste, as funções de enfermeiro, situação em que se encontram há mais de dez anos, cumprindo um horário de trabalho de 35 horas semanais.
Mais alegaram que, em 2019, o Réu remeteu a todos os Autores uma comunicação dos pontos acumulados desde a data em que estes iniciaram as suas funções e, posteriormente, na sequência da entrada em vigor do DL n.º 80-B/2022, de 28-11, o Réu remeteu a todos os Autores, no ano de 2023, uma comunicação dos pontos acumulados desde a data em que estes iniciaram as suas funções, contudo o Réu não atribuiu à 4.ª e à 6.ª Autoras os pontos referentes ao ano civil em que estas iniciaram as suas funções, uma vez que foram admitidas ao serviço do Réu já no decurso do 2.º semestre desse ano, pelo que estas, não concordando com tal atribuição, efetuaram reclamação, reclamação essa que foi indeferida pelo Réu
Mais referiram que relativamente a vários enfermeiros que trabalhavam para o Réu, ao abrigo de um contrato individual de trabalho, no Hospital ..., o Réu determinou a sua transição para a 2.ª posição remuneratória da categoria de enfermeiro da carreira especial de enfermagem, o que implicou que passaram a auferir uma retribuição superior à dos Autores.
Alegaram ainda que com a publicação do DL n.º 71/2019, de 27-05, as matérias referentes ao recrutamento, remunerações e posições remuneratórias da carreira de enfermagem, no âmbito da contratação privada, passaram a ser reguladas pelos instrumentos de regulamentação coletiva, sendo que no BTE n.º 43, de 22-11-2015 foi publicado o acordo celebrado entre o Réu e o Sindicato dos Enfermeiros Portugueses, o Sindicato Independente dos Profissionais de Enfermagem e o Sindicato dos Enfermeiros, que estabeleceram nas suas cláusulas 2.ªs que “Os níveis e posições remuneratórios dos trabalhadores enfermeiros abrangidos pelo presente instrumento, são correspondentes aos aplicáveis aos trabalhadores enfermeiros integrados na carreira especial de enfermagem”.
Alegaram, igualmente, que por força de tal acordo coletivo, todos os Autores transitaram, em outubro de 2015, para a 1.ª posição remuneratória, nível 15, da categoria de enfermeiro da carreira especial de enfermagem, a que corresponde a remuneração mensal de €1.201,48, sendo que, posteriormente, foram ainda celebrados os acordos publicados no BTE n.º 11 de 22-03-2018 e no BTE n.º 24 de 29-06-2018, acordos esses que visavam harmonizar o regime aplicável aos trabalhadores enfermeiros com contrato de trabalho em funções públicas com o regime dos trabalhadores em regime de contrato de trabalho, em diversas matérias, nomeadamente quanto ao sistema de avaliação de desempenho e regras de alteração de posicionamento remuneratório, sendo que, em virtude de tais acordos, os Autores passaram, a partir de 01-01-2018, a praticar 35 horas semanais, mantendo a remuneração.
Alegaram ainda que, contrariamente ao que ocorreu com todos os enfermeiros com contrato de trabalho em funções públicas, os Autores não viram o seu tempo de serviço até 2018 ser contado e relevado para efeitos de alteração de posicionamento remuneratório, nos termos do art. 18.º da Lei do Orçamento do Estado para 2018, não tendo o Réu reposicionado os Autores, a partir de 01-01-2019, em conformidade com os pontos acumulados em 31-12-2018, tendo aplicado o disposto no art. 18.º da referida Lei apenas aos seus trabalhadores enfermeiros contratados ao abrigo do regime do contrato de trabalho em funções públicas, como foi o caso dos enfermeiros HH e II.
Alegaram, de igual modo, que apenas com o DL n.º 80-B/2022, de 28-11, foi estabelecido os termos da relevância das avaliações do desempenho dos enfermeiros por contrato individual de trabalho, à data da transição para a carreira de enfermagem, cujos efeitos, porém, apenas se iriam produzir a partir de 01-01-2022, desconsiderando o período compreendido entre 01-01-2019 e 31-12-2021.
Alegaram, também, que, em 2023, todos os Autores tinham acumulado, em 31-12-2018, os pontos suficientes para transitar para a 2.ª posição remuneratória da categoria de enfermeiro da carreira especial de enfermagem, pelo que deveriam ter sido posicionados nessa posição remuneratória com efeitos a 01-01-2019, tendo, desse modo, o Réu violado o princípio da igualdade, previsto nos arts. 13.º e 59.º, n.º 1, al. a), da Constituição da República Portuguesa, tanto mais que quer os Autores quer os enfermeiros com vínculo de emprego público produzem trabalho exatamente igual quanto à natureza, qualidade e quantidade, tendo os Autores direito a receber a mesma retribuição que os enfermeiros da função pública que viram o seu posicionamento remuneratório ser alterado, por força da entrada em vigor do Orçamento do Estado para 2018, por terem acumulado, até 31-12-2017, 10 ou mais pontos.
Referiram ainda que, mesmo que assim se não entenda, pelo menos relativamente aos enfermeiros do Réu, em regime de contrato de trabalho, que exercem funções no Hospital ... e a quem foram reconhecidos tais direitos, por comparação com os Autores, existe violação do princípio constitucional para trabalho igual, salário igual.
Por fim, concluíram que o Réu agiu em abuso de direito na modalidade de “venire contra factum proprium”, ao não ter procedido à alteração do posicionamento remuneratório dos Autores em conformidade com a comunicação de pontos que lhe remeteu em 2019.
…
Realizada a audiência de partes, não foi possível resolver por acordo o litígio.
…
O Réu apresentou contestação, solicitando, a final, a improcedência da ação, com as legais consequências.
Para o efeito alegou, em síntese, que o DL n.º 122/2010 não se aplicava aos Autores e os ACT celebrados em 2015 não previam a forma de progressão nas posições remuneratórias, pelo que apenas com a publicação dos ACT em 2018, que entraram em vigor em 01-07-2018, foram acordadas formas de progressão na carreira dos enfermeiros com CIT e foi prevista forma de alteração do posicionamento remuneratório, tendo tal forma ficado sujeita ao regime vigente para os trabalhadores em funções públicas, ou seja, sujeita à avaliação de desempenho.
Mais alegaram que os acordos dos ACT apenas se aplicam aos trabalhadores filiados nas estruturas sindicais signatárias, pelo que apenas os enfermeiros sindicalizados nos sindicatos subscritores são abrangidos por tais acordos, nos termos do art. 496.º, n.º 1, do Código do Trabalho, razão pela qual os ACT subscritos não se aplicam às Autoras AA, CC e GG.
Alegou ainda que, no final de 2018, as Autoras AA, CC, DD, FF e GG não tinham, ainda os 10 pontos, pelo que não preenchiam a condição objetiva para reposicionamento remuneratório
Mais referiram que o art. 28.º, n.º 3, do DL n.º 437/91, que vigorou até ao final do ano de 2004, estipulava que o trabalhador que iniciasse funções no 2.º semestre, esse tempo teria de acrescer ao primeiro ano do período de avaliação que iniciasse no ano civil seguinte e o encerramento da primeira menção da avaliação só tinha lugar quando terminava o período de 3 anos (art. 46.º, n.º 10, do referido DL), pelo que os trabalhadores que iniciavam as suas funções no segundo trimestre, não tinham direito à atribuição de 1,5 pontos pelo primeiro ano de trabalho.
Invocou também, quanto aos peticionados acréscimos remuneratórios desde 01-01-2018, que o ACT em que se fundam tais direitos apenas entrou em vigor em 01-07-2018, pelo que os direitos de reposição remuneratória previstos na LOE para 2018 só são aplicáveis aos trabalhadores abrangidos pelos ACT publicados nºs. 11 e 24 de 2018 e apenas a partir de 01-07-2018.
Invocou ainda que inexiste discriminação nas disposições dos ACT pois trata-se de um acordo entre as estruturas sindicais e as estruturas representativas das entidades empregadoras, sendo que, quanto à diferença de tratamento entre os trabalhadores com contrato individual de trabalho e os trabalhadores com vínculo de função pública, as mesmas fundam-se em várias diferenças, para além da natureza do vínculo, desde logo, por estarmos perante entidades patronais diversas (para aqueles é o Réu, para estes é o Estado), a que acrescem divergências relativas aos regimes de ingresso na profissão, de mobilidade geográfica, disciplinar, de férias, faltas e licenças e de incompatibilidade, pelo que não é possível entender-se que estamos perante trabalho igual.
Concluiu, por fim, que os Autores não preenchem os requisitos para a progressão na carreira e consequente aumento da posição remuneratória, quer por não terem os pontos necessários, quer por não serem sindicalizados, pelo que não se lhes aplicam os ACT’s publicados nos BTE’s nºs. 11 e 24 de 2018.
…
Proferido despacho saneador, foi dispensada a audiência prévia, efetuado o saneamento do processo, fixado o valor da causa em €30.000,01 relativa a cada um dos Autores e dispensada a enunciação dos temas da prova.
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Realizada a audiência de julgamento, foi proferida, em 21-12-2023, a respetiva sentença com o seguinte teor decisório:
Por tudo o exposto, julga-se a presente acção procedente e:
a) Declara-se que os autores exercem as funções de enfermeiro da carreira de enfermagem e que prestam para o réu trabalho de qualidade, quantidade, natureza e em horário igual aos enfermeiros titulares da mesma categoria profissional de enfermeiro da carreira de enfermagem e contratados pelo réu no regime de contrato de trabalho em funções públicas;
b) Condena-se o réu “Centro Hospitalar Universitário do Algarve, E.P.E.” a atribuir às autoras DD e FF os mesmos 12 pontos que foram atribuídos aos restantes autores em 2023;
c) Condena-se o réu “Centro Hospitalar Universitário do Algarve, E.P.E.” a posicionar os autores AA, BB, CC, DD, EE, FF e GG na 2.ª posição remuneratória a partir de 1/01/2019 e a pagar-lhes a diferença entre a remuneração base e demais acréscimos remuneratórios correspondentes à 1.ª posição remuneratória que receberam e o que deveriam ter recebido por aquela 2.ª posição remuneratória desde 1/01/2019 até 31/12/2021, cuja exacta fixação se relega para liquidação de sentença, a que acrescem juros contados desde a data de vencimento de cada uma das prestações até efectivo e integral pagamento.
Custas pelo réu.
Registe e notifique.
Após trânsito e tendo presente o disposto no artigo 24.º, n.º 5, do Código do Trabalho, remeta-se certidão à Autoridade para as Condições do Trabalho.
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Não se conformando com a sentença, veio o Réu interpor recurso de apelação, terminando as suas alegações com as conclusões que se seguem:
A). No presente recurso impugna-se a sentença, relativamente ao ponto 1.26 da matéria de facto provada e a aplicação do direito aos factos.
B). Os factos provados são omissos quanto à data de filiação na estrutura sindical da autora GG, que ocorreu em 4.10.2023, para além do tempo correspondente ao pedido de acréscimo remuneratório que é peticionado.
C). A recorrente impugna, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 640º nº1 al. a) do CPC, o ponto 1.26 dos factos provados no qual se estabeleceu:
1.26 A autora GG é filiada na associação Sindical Portuguesa dos Enfermeiros – ASPE;
D) A ora recorrente alegou a não filiação sindical da autora GG a qual, por requerimento de 9.10.2023 juntou aos autos documento comprovativo da sua filiação sindical na Associação Sindical Portuguesa dos Enfermeiros – ASPE datado de 04.10.2023, documento que exibe o número de sócio ...83/2023.
E). Tal documento prova que a autora só em outubro de 2023 se tornou filiada em organização sindical.
F). Facto importante porque revela que no período relativamente ao qual é pedida a alteração da posição remuneratória (1.01.2019 e 31.12.2021) a autora não era sindicalizada pelo que o ponto 1.26 dos factos provados deve passar a ter a seguinte redação:
1.26 A autora GG é filiada na Associação Sindical Portuguesa dos Enfermeiros – ASPE, desde 04-10-2023;
G). Não se lhe aplicando, de acordo com o disposto no art. 496º do CT, os ACT celebrados entre as estruturas sindicais dos enfermeiros e o CHUA, EPE.
H). A decisão condenatória não teve em conta o princípio da filiação previsto no art. 496º do CPC., tendo considerado que a diferente filiação sindical, ou a não existência desta, não é motivo válido para discriminar trabalhadores no acesso à valorização remuneratória da sua carreira sob pena de violar o disposto nos art. 24º nº1 d) e 25º do CT.
I). O princípio da filiação comporta os desvios previstos na lei nos nºs 3 e 4 do art. 496, do art. 498 e do art. 514, todos do CT, desvios que não ocorreram nos presentes autos.
J). O princípio da filiação nem sequer põe em causa o direito de os trabalhadores optarem por terem, ou não, filiação sindical já que os não filiados podem exercer o direito potestativo de escolha de uma convenção coletiva aplicável ao seu contrato de trabalho.
L). Pelo que os autores não filiados em organizações sindicais podiam ter determinado que a sua relação laboral com o CHUA fosse regulada por ACT desde que o CHUA fosse seu signatário por ato individual, o que os autores não sindicalizados não fizeram.
M). A existência deste direito potestativo para os trabalhadores não sindicalizados previne a discriminação dos trabalhadores não sindicalizados respeitando, assim, o disposto no art. 24º nº1 e 2º al. d).
N). Entende a recorrente que atento o princípio da filiação, não foi correta a aplicação do direito aos factos no que diz respeito à aplicação do ACT a todos os autores, e consequentemente ao reposicionamento dos autores não sindicalizados na 2ª posição remuneratória a partir de 1.01.2019 e ao pagamento da diferença remuneratória entre aquela data e 31.12.2021.
O). Pelo que, aos autores AA e CC e GG não deve ser aplicado o regime previsto nos ACT os quais, incluem cláusulas que determinam o seu âmbito de aplicação apenas a trabalhadores filiados nas organizações de trabalhadores outorgantes.
P). Os ACT de 2015 não preveem a progressão na carreira dos trabalhadores com CIT, apenas preveem o reposicionamento na transição para as novas carreiras e os de 2018 estabeleceram que a avaliação de desempenho dos trabalhadores por eles abrangidos fica sujeita, ao regime vigente para os trabalhadores com vínculo público, nomeadamente para efeitos de alteração do posicionamento remuneratório.
Q). Os autores não sindicalizados não são abrangidos pelo regime previsto nos citados ACT pelo que não têm direito à reposição na 2ª posição remuneratória desde 01.01.2019 até 31.12.2021 contrariamente ao decidido.
Termos em que, deve o presente recurso ser considerado procedente e, em consequência deve ser alterada a matéria de facto do ponto 1.26 dos factos provados e deve ser revogado o segmento decisório constante da alínea c) da decisão relativamente aos autores AA, CC e GG, com as legais consequências, para que se faça a costumada JUSTIÇA!
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A Autora GG contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso, devendo ser mantida a sentença recorrida.
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O tribunal de 1.ª instância admitiu o recurso como sendo de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito devolutivo, e, após a subida dos autos ao Tribunal da Relação, a Exma. Sra. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, pugnando pela improcedência do recurso, devendo ser mantida na íntegra a sentença recorrida.
Não houve respostas a tal parecer.
Tendo sido recebido o recurso neste tribunal nos seus exatos termos, foram os autos aos vistos legais, cumprindo agora apreciar e decidir.
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II – Objeto do Recurso
Nos termos dos arts. 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicáveis por remissão do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo de Trabalho, o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, ressalvada a matéria de conhecimento oficioso (art. 662.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).
No caso em apreço, as questões que importa decidir são: 1) Impugnação da matéria de facto; e 2) Princípio da filiação versus direito à igualdade no trabalho e proibição de discriminação.
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III – Matéria de Facto
O tribunal de 1.ª instância deu como provados os seguintes factos:
1.1 Entre os autores e o réu foram celebrados contratos individuais de trabalho, tendo cada um dos autores passado a exercer as funções de enfermeiro sob a autoridade e direção do réu nas seguintes datas:
1.1.1 AA em .../.../2011;
1.1.2 BB em .../.../2011;
1.1.3 CC em .../.../2011;
1.1.4 DD em .../.../2011;
1.1.5 EE em .../.../2011;
1.1.6 FF em .../.../2011;
1.1.7 GG em .../.../2011.
1.2 Funções essas inerentes à atividade de enfermeiro, com a prática dos actos materiais e atividade profissional correspondentes à categoria profissional de enfermeiro da carreira de enfermagem.
1.3 Actualmente prestam a actividade no horário de 35 horas semanais e nos seguintes serviços clínicos:
1.3.1 AA na urgência pediátrica de ...;
1.3.2 BB na cirurgia de ...;
1.3.3 CC na urgência geral de ...;
1.3.4 DD na medicina interna de ...;
1.3.5 EE na Unidade de Cuidados ...;
1.3.6 FF na unidade de psiquiatria de ...;
1.3.7 GG na unidade de ortopedia de ....
1.4 O réu tem por objeto a prestação de cuidados de saúde à população e o desenvolvimento de atividades de investigação e ensino e é composto por três unidades hospitalares – ..., ... e ... -, sendo que todos os autores exercem as suas funções na unidade hospitalar de ....
1.5 No âmbito da organização do réu, existem enfermeiros a exercer as suas funções ao abrigo de contratos individuais de trabalho – como é o caso de todos os autores – e enfermeiros a exercer as suas funções ao abrigo de contratos de trabalho em funções públicas.
1.6 No ano de 2019, o Conselho de Administração do réu remeteu a todos os autores uma comunicação dos pontos acumulados desde a data em que os mesmos iniciaram as funções de enfermeiro sob a autoridade e direção do réu até 2018, inclusive, conforme se discrimina:
1.6.1 AA: 9,5 pontos;
1.6.2 BB: 10 pontos;
1.6.3 CC: 9,5 pontos;
1.6.4 DD: 8,5 pontos;
1.6.5 EE: 10 pontos;
1.6.6 FF: 8,5 pontos;
1.6.7 GG: 9,5 pontos.
1.7 Posteriormente, o réu remeteu a todos os autores, no ano de 2023, uma comunicação dos pontos acumulados desde a data em que os mesmos iniciaram as funções de enfermeiro sob a autoridade e direção do réu até 2020, inclusive, conforme se discrimina:
1.7.1 AA: 12 pontos;
1.7.2 BB: 12 pontos;
1.7.3 CC: 12 pontos;
1.7.4 DD: 10,5 pontos;
1.7.5 EE: 12 pontos;
1.7.6 FF: 10,5 pontos;
1.7.7 GG: 12 pontos.
1.8 O réu não atribuiu à 4.ª (DD) e 6.ª (FF) autoras os pontos referentes ao ano civil em que iniciaram as suas funções (ou seja, 1,5 pontos), uma vez que foram admitidas ao serviço do réu já no decurso do 2.º semestre do respetivo ano civil.
1.9 Por não se conformarem com a não atribuição dos 1,5 pontos referentes ao ano civil em que foram admitidas ao serviço do réu, as autoras referidas apresentaram reclamação a qual foi indeferida pelo réu,
1.10 No ano de 2019, o Conselho de Administração do réu remeteu a JJ, KK, LL, MM, NN, OO, PP, QQ, RR, SS, TT, UU e VV, todos eles enfermeiros ao serviço do réu ao abrigo de contrato de individual de trabalho (sem termo) e a exercer as suas funções na unidade hospitalar de ..., uma comunicação dos pontos acumulados desde a data em que os mesmos iniciaram as funções de enfermeiro sob a autoridade e direção do réu até 31/12/2018.
1.11 Tais enfermeiros celebraram contratos individuais de trabalho com o réu, tendo cada um deles passado a exercer as funções de enfermeiro sob a autoridade e direção deste nas seguintes datas:
1.11.1 JJ desde ../../2004;
1.11.2 KK desde ../../2007;
1.11.3 WW desde ../../2008;
1.11.4 LL desde ../../2010;
1.11.5 MM desde ../../2008;
1.11.6 NN desde ../../2008;
1.11.7 OO desde ../../2007;
1.11.8 PP desde ../../2006;
1.11.9 QQ desde ../../2007;
1.11.10 RR desde ../../2009;
1.11.11 SS desde ../../2011;
1.11.12 TT desde ../../2009;
1.11.13 UU desde ../../2005;
1.11.14 VV desde ../../2009.
1.12 Diversamente daquilo que sucedeu com os autores, na sequência de tal comunicação, mais precisamente no mês de Setembro de 2019, o réu procedeu à alteração do posicionamento remuneratório destes enfermeiros em conformidade com os pontos acumulados e comunicados, tendo tais enfermeiros transitado para a 2.ª posição remuneratória da categoria de enfermeiro da carreira especial de enfermagem.
1.13 Esses enfermeiros supra identificados passaram, desde Setembro de 2019 até Novembro de 2019, a auferir uma remuneração base de €1.355,95 (correspondente à remuneração base da 1.ª posição remuneratória da carreira especial de enfermagem acrescida de 75% do acréscimo remuneratório correspondente à diferença entre a remuneração base da 2.ª posição remuneratória da categoria de enfermeiro da carreira especial de enfermagem e a remuneração base da 1.ª posição remuneratória da categoria de enfermeiro da carreira especial de enfermagem e, posteriormente, desde Dezembro de 2019 em diante, uma remuneração base de €1.407,45 (correspondente à 2.ª posição remuneratória da categoria de enfermeiro da carreira especial de enfermagem), ao invés da remuneração auferida até Agosto de 2019 de €1.201,48 (correspondente à 1.ª posição remuneratória da categoria de enfermeiro da carreira especial de enfermagem).
1.14 Em Outubro de 2019, tais enfermeiros receberam ainda os acréscimos remuneratórios correspondentes à diferença entre a remuneração base correspondente à 2.ª posição remuneratória da categoria de enfermeiro da carreira especial de enfermagem (€1.407,45) e a remuneração base correspondente à 1.ª posição remuneratória da categoria de enfermeiro da carreira especial de enfermagem (€1.201,48), com efeitos reportados a Janeiro de 2019 e de acordo com um pagamento faseado, num total de €1.184,27.
1.15 O réu não reposicionou a remuneração dos autores, a partir de 01/01/2019, em conformidade com os pontos acumulados até 31/12/2018, tendo-o feito aos seus trabalhadores enfermeiros contratados ao abrigo do regime do contrato de trabalho em funções públicas, que viram a sua posição remuneratória e remuneração base serem alteradas em conformidade com os pontos acumulados até 31/12/2017.
1.16 Como sucedeu aos enfermeiros HH e II, ambos vinculados por contrato de trabalho em funções públicas e que tinham acumulados até 31/12/2017 mais de 10 pontos.
1.17 Continuando os autores a auferir a remuneração base correspondente à 1.ª posição remuneratória da categoria de enfermeiro da carreira especial de enfermagem, nível remuneratório 15 da tabela remuneratória única, pelo desempenho das mesmas funções de enfermeiro, em cumprimento dos mesmos deveres, com o mesmo nível e categoria profissional e no mesmo horário e estabelecimento de prestação de cuidados de saúde que os enfermeiros contratados pelo réu ao abrigo do regime do contrato de trabalho em funções públicas ao longo dos anos de 2019, 2020 e 2021. (Alterado conforme fundamentação infra)
1.18 Os autores e os trabalhadores enfermeiros do réu com vínculo de contrato de trabalho em funções públicas produzem trabalho a mesma dificuldade, penosidade e perigosidade, mesma responsabilização, exigência, técnica, conhecimento, capacidade, prática, experiência e mesma duração e intensidade. (Alterado conforme fundamentação infra)
1.19 Todos têm a mesma carga horária, integram as mesmas equipas, nas mesmas escalas de serviço, praticando exatamente os mesmos atos técnicos, com a mesma formação, o mesmo propósito.
1.20 Tanto os autores como os trabalhadores enfermeiros do réu acima identificados (JJ, KK, LL, MM, NN, OO, PP, QQ, RR, SS, TT, UU e VV) que exercem as suas funções ao abrigo de contratos individuais de trabalho, estão sujeitos ao mesmo regime jurídico, produzem trabalho igual quanto à dificuldade, penosidade e perigosidade, quanto à responsabilização, exigência, técnica, conhecimento, capacidade, prática, experiência e quanto à duração e intensidade.(Alterado conforme fundamentação infra)
1.21 Tais enfermeiros são titulares da mesma categoria que a dos autores (categoria de enfermeiro da carreira de enfermagem) e desempenham as mesmas funções, têm a mesma carga horária, integram as mesmas equipas, nas mesmas escalas de serviço, praticando exatamente os mesmos atos técnicos, com a mesma formação, o mesmo propósito.(Alterado conforme fundamentação infra)
1.22 A autora BB é filiada no Sindicato dos Enfermeiros Portugueses.
1.23 A autora DD é filiada no Sindicato dos Enfermeiros Portugueses.
1.24 O autor EE é filiado no Sindicato dos Enfermeiros Portugueses.
1.25 A autora FF é filiada no Sindicato dos Enfermeiros Portugueses.
1.26 A autora GG é filiada na Associação Sindical Tribunal Judicial da Comarca ... Portuguesa dos Enfermeiros – ASPE. (Alterado conforme fundamentação infra)
1.27 O nível remuneratório 15 da tabela remuneratória única, a que corresponde a 1.ª posição remuneratória da categoria de enfermeiro da carreira especial de enfermagem, desde janeiro de 2018 até à presente data, foi fixado nos seguintes valores: Janeiro de 2018 a abril de 2020: € 1.201,48; Maio de 2020 a dezembro de 2021: € 1.205,08; Janeiro de 2022 a dezembro de 2022: € 1.215,93; Janeiro de 2023 em diante: € 1.268,04.
1.28 O nível remuneratório 19 da tabela remuneratória única, a que corresponde a 2.ª posição remuneratória da categoria de enfermeiro da carreira especial de enfermagem, desde janeiro de 2018 até à presente data, foi fixado nos seguintes valores: Janeiro de 2018 a abril de 2020: € 1.407,45; Maio de 2020 a dezembro de 2021: € 1.411,67; Janeiro de 2022 a dezembro de 2022: € 1.424,38; Janeiro de 2023 em diante: € 1.476,49.
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IV – Enquadramento jurídico
Conforme supra mencionámos, o que importa analisar no presente recurso são as questões supra elencadas.
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1 – Impugnação da matéria de facto
Considera o recorrente que o facto provado 1.26 deve ter uma outra redação, em face do documento junto, em 09-10-2023, pela Autora GG.
Dispõe o art. 640.º do Código de Processo Civil que:
1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.
Relativamente à interpretação das obrigações que impendem sobre o Apelante, nos termos do n.º 1 do art. 640.º do Código de Processo Civil, cita-se, entre muitos, o acórdão do STJ, proferido em 03-03-2016:[9]
I – No recurso de apelação em que seja impugnada a decisão da matéria de facto é exigido ao Recorrente que concretize os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, especifique os concretos meios probatórios que imponham uma decisão diversa, relativamente a esses factos, e enuncie a decisão alternativa que propõe.
II – Servindo as conclusões para delimitar o objecto do recurso, devem nelas ser identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação; quanto aos demais requisitos, basta que constem de forma explícita na motivação do recurso.
III – O ónus a cargo do Recorrente consagrado no art. 640º, do Novo CPC, não pode ser exponenciado a um nível tal que praticamente determine a reprodução, ainda que sintética, nas conclusões do recurso, de tudo quanto a esse respeito já tenha sido alegado.
IV – Nem o cumprimento desse ónus pode redundar na adopção de entendimentos formais do processo por parte dos Tribunais da Relação, e que, na prática, se traduzem na recusa de reapreciação da matéria de facto, máxime da audição dos depoimentos prestados em audiência, coarctando à parte Recorrente o direito de ver apreciada e, quiçá, modificada a decisão da matéria de facto, com a eventual alteração da subsunção jurídica.
No caso em apreço, o recorrente, nas suas conclusões, não só concretizou o ponto que considera incorretamente julgado, como identificou o meio de prova em que fundamenta a sua impugnação e consignou a versão que entende que tal facto deveria passar a ter.
Nesta conformidade, apenas nos resta concluir pela admissão da presente impugnação fáctica. a)Facto provado 1.26
Consta do facto provado 1.26 que:
1.26 A autora GG é filiada na Associação Sindical Tribunal Judicial da Comarca ... Portuguesa dos Enfermeiros – ASPE.
Pretende a recorrente que este facto passe a ter a seguinte redação:
1.26 A autora GG é filiada na Associação Sindical Portuguesa dos Enfermeiros – ASPE, desde 04-10-2023;
Vejamos.
Consta do documento, junto, em 09-10-2023, pela Autora GG, que a mesma é sócia da ASPE – Associação Sindical Portuguesa dos Enfermeiros, mais concretamente que a mesma é a sócia n.º ...83/2023. Resulta igualmente em tal documento que a referida Autora procedeu ao pagamento da quantia de €8,00 para tal Associação em 01-10-2023.
Assim, resulta de tal documento que a Autora em 04-10-2023 era sócia da referida Associação Sindical e que foi no ano de 2023 que se tornou associada, porém, nada consta sobre a data concreta em que no ano de 2023 se tornou sócia.
Deste modo, e porque a data em que a Autora se tornou sócia da referida Associação Sindical pode ter consequências jurídicas, sendo que tal data não consta efetivamente do facto dado como provado, importará alterar o referido facto, ainda que não exatamente nos termos impugnados, visto que também não se apurou em que data concreta do ano de 2023 a referida Autora se tornou sócia daquela Associação.
Nesta conformidade, o facto 1.26 passará a ter a seguinte redação:
1.26 A autora GG é filiada na Associação Sindical Portuguesa dos Enfermeiros – ASPE, desde data não apurada do ano de 2023, sendo que o é, seguramente, pelo menos, desde 04-10-2023;
Em conclusão, procede parcialmente a impugnação fáctica requerida pelo recorrente, alterando-se o facto provado 1.26 nos seguintes termos:
1.26 A autora GG é filiada na Associação Sindical Portuguesa dos Enfermeiros – ASPE, desde data não apurada do ano de 2023, sendo que o é, seguramente, pelo menos, desde 04-10-2023;
…
Análise oficiosa da matéria factual nos termos dos arts. 607.º, n.º 4, e 662.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil
Nos termos do art. 607.º, n.º 4, do Código de Processo Civil, na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, pelo que nessa parte da sentença apenas devem ficar consignados factos, já não factos conclusivos ou de carácter jurídico. Porém, não fazendo parte das questões a decidir, por sobre eles existir consenso, é admissível a integração na parte factual de factos jurídico-conclusivos.
Apesar de não constar da legislação processual qualquer definição sobre o que sejam os factos, há que procurar uma definição.
Conforme bem refere Alberto Augusto Vicente Ruço[10] “quando aludimos a factos, o senso comum, diz-nos que nos referimos a algo que aconteceu ou está acontecendo na realidade que nos envolve e percecionamos”.
De igual modo, referem Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora[11] que os factos “abrangem as ocorrências concretas da vida real”, tecendo ainda as seguintes considerações sobre este tema:
Dentro da vasta categoria dos factos (processualmente relevantes), cabem não apenas os acontecimentos do mundo exterior (da realidade empírico-sensível, diretamente captável pelas perceções do homem – ex propiis sensibus, visus et audictus), mas também os eventos do foro interno, da vida psíquica, sensorial ou emocional do individuo (v.g. vontade real do declarante (…); o conhecimento dessa vontade pelo declaratário; (…) o conhecimento por alguém de determinado evento concreto (…); as dores físicas ou morais provocadas por uma agressão corporal ou por uma injúria.
[…]
Anote-se, por fim, que a área dos factos (selecionáveis para o questionário) cobre, principalmente, os eventos reais, as ocorrências verificadas; mas pode abranger também as ocorrências virtuais (os factos hipotéticos), que são, em bom rigor, não factos, mas verdadeiros juízos de facto.
[…]
São realidades de uma zona empírica que se inscreve ainda na área da instrução da causa […]. Mas trata-se da zona imediatamente contígua à dos juízos de valor e à dos juízos significativo-normativos, que, integrando a esfera do direito, embora estritamente ligados ao circunstancialismo concreto pertencem já a uma outra jurisdição.
Deste modo, os factos meramente conclusivos, quando constituam “uma consequência lógica retirada de factos simples e apreensíveis”[12] podem ainda integrar o acervo factual, “apenas devendo considerar-se não escritos se integrarem matéria de direito que constitua o thema decidendum”.
Por fim, tudo o que for de excluir da matéria factual deverá ser eliminado[13] ou ter-se como não escrito,[14] fazendo-se uso do poder dever consagrado no art. 662.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.
Conforme bem se refere no acórdão do TRP proferido em 05-01-2017:[15]
III - As afirmações de natureza conclusiva devem ser excluídas do elenco factual a considerar se integrarem o thema decidendum, entendendo-se como tal o conjunto de questões de natureza jurídica que fazem parte do objeto do processo a decidir, no fundo, a componente jurídica que suporta a decisão. Daí que sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de factos que se insira na análise das questões jurídicas a decidir, comportando uma resposta, ou componente de resposta àquelas questões, tal ponto da matéria de facto deve ser eliminado.
Cita-se ainda a este propósito o acórdão do STJ proferido em 12-04-2024:[16][17]
VII- Só acontecimentos ou factos concretos podem integrar a seleção da matéria de facto relevante para a decisão, sendo, embora, de equiparar aos factos os conceitos (jurídicos) geralmente conhecidos e utilizados na linguagem comum, verificado que esteja um requisito: não integrar o conceito o próprio objeto do processo ou, mais rigorosa e latamente, não constituir a sua verificação, sentido, conteúdo ou limites objeto de disputa das partes.
Vejamos a situação concreta.
Consta dos factos provados 1.17, 1.18, 1.19, 1.20 e 1.21 o seguinte:
1.17 Continuando os autores a auferir a remuneração base correspondente à 1.ª posição remuneratória da categoria de enfermeiro da carreira especial de enfermagem, nível remuneratório 15 da tabela remuneratória única, pelo desempenho das mesmas funções de enfermeiro, em cumprimento dos mesmos deveres, com o mesmo nível e categoria profissional e no mesmo horário e estabelecimento de prestação de cuidados de saúde que os enfermeiros contratados pelo réu ao abrigo do regime do contrato de trabalho em funções públicas ao longo dos anos de 2019, 2020 e 2021.
1.18 Os autores e os trabalhadores enfermeiros do réu com vínculo de contrato de trabalho em funções públicas produzem trabalho a mesma dificuldade, penosidade e perigosidade, mesma responsabilização, exigência, técnica, conhecimento, capacidade, prática, experiência e mesma duração e intensidade.
1.19 Todos têm a mesma carga horária, integram as mesmas equipas, nas mesmas escalas de serviço, praticando exatamente os mesmos atos técnicos, com a mesma formação, o mesmo propósito.
1.20 Tanto os autores como os trabalhadores enfermeiros do réu acima identificados (JJ, KK, LL, MM, NN, OO, PP, QQ, RR, SS, TT, UU e VV) que exercem as suas funções ao abrigo de contratos individuais de trabalho, estão sujeitos ao mesmo regime jurídico, produzem trabalho igual quanto à dificuldade, penosidade e perigosidade, quanto à responsabilização, exigência, técnica, conhecimento, capacidade, prática, experiência e quanto à duração e intensidade.
1.21 Tais enfermeiros são titulares da mesma categoria que a dos autores (categoria de enfermeiro da carreira de enfermagem) e desempenham as mesmas funções, têm a mesma carga horária, integram as mesmas equipas, nas mesmas escalas de serviço, praticando exatamente os mesmos atos técnicos, com a mesma formação, o mesmo propósito.
Na situação que nos ocupa, a violação, por parte do Réu, dos princípios da igualdade no trabalho e da proibição de discriminação constitui precisamente um dos thema decidendum.
Dispõe o art. 59.º, n.º 1, al. a), da Constituição da República Portuguesa, que:
1. Todos os trabalhadores, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, têm direito:
a) À retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o princípio de que para trabalho igual salário igual, de forma a garantir uma existência condigna;
Por sua vez, estatui o art. 270.º do Código do Trabalho que:
Na determinação do valor da retribuição deve ter-se em conta a quantidade, natureza e qualidade do trabalho, observando-se o princípio de que, para trabalho igual ou de valor igual, salário igual.
Determina igualmente o art. 24.º, n.º 1, do Código do Trabalho, que:
1 - O trabalhador ou candidato a emprego tem direito a igualdade de oportunidades e de tratamento no que se refere ao acesso ao emprego, à formação e promoção ou carreira profissionais e às condições de trabalho, não podendo ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão, nomeadamente, de ascendência, idade, sexo, orientação sexual, identidade de género, estado civil, situação familiar, situação económica, instrução, origem ou condição social, património genético, capacidade de trabalho reduzida, deficiência, doença crónica, nacionalidade, origem étnica ou raça, território de origem, língua, religião, convicções políticas ou ideológicas e filiação sindical, devendo o Estado promover a igualdade de acesso a tais direitos.
Consagra, por fim, o art. 25.º, nºs. 1 e 5, do Código do Trabalho, que:
1 - O empregador não pode praticar qualquer discriminação, directa ou indirecta, em razão nomeadamente dos factores referidos no n.º 1 do artigo anterior.
[…]
5 - Cabe a quem alega discriminação indicar o trabalhador ou trabalhadores em relação a quem se considera discriminado, incumbindo ao empregador provar que a diferença de tratamento não assenta em qualquer factor de discriminação.
O princípio da igualdade laboral tem a sua consagração constitucional na al. a) do n.º 1 do art. 59.º da Constituição da República Portuguesa, sendo que, de acordo com tal dispositivo legal, para se apurar se o trabalho é igual terá de se atender à sua natureza, quantidade e qualidade, o que, aliás, se mostra igualmente consagrado no art. 270.º do Código do Trabalho.
Assim, apenas terá direito a salário igual o trabalhador que exerça trabalho igual de acordo com a natureza, a quantidade e a qualidade do trabalho, tratando-se, deste modo, apenas de igual modo as circunstâncias reais que se revelem iguais e de modo diferente aquelas que se revelem desiguais.
Este princípio, do modo como se encontra previsto, admite, por isso, que sejam atribuídas remunerações diferentes a trabalhadores da mesma categoria, desde que existam diferenças na prestação laboral em virtude quer da sua natureza, quer da sua quantidade quer da sua qualidade.
Conforme bem se refere no acórdão do TRE proferido em 16-05-2019:[18]
Este princípio tem uma natureza material, ou seja, o que importa é que nas circunstâncias reais se trate de forma igual aquilo que é efetivamente igual, e de forma diferente, aquilo que é desigual.
Ao nível remuneratório, o que este princípio obriga é que no caso de existirem dois ou mais trabalhadores que exerçam o seu trabalho em idêntica quantidade, natureza e qualidade, a contrapartida monetária para a atividade exercida tem de ser igual.
Importa, então, determinar o que é o trabalho igual em quantidade, natureza e qualidade.
É, assim, imperioso determinar o que seja trabalho igual em natureza, quantidade e qualidade.
A jurisprudência nacional tem entendido de forma uniforme que, para que se veja reconhecida a violação do princípio “para trabalho igual, salário igual”, compete ao trabalhador que a invoca alegar e provar, nos termos do art. 342.º, n.º 1, do Código Civil (uma vez que não alegou quaisquer fatores de discriminação previstos no art. 24.º do Código do Trabalho), que a diferença salarial se revela injustificada, uma vez que o trabalho por si prestado é igual ao dos demais trabalhadores quer quanto à natureza, ou seja, pela mesma perigosidade, penosidade ou dificuldade, quer quanto à quantidade, ou seja, pelo mesmo volume, intensidade e duração, quer quanto à qualidade, ou seja, pela mesma responsabilização, exigência técnica, conhecimento, capacidade prática, experiência, zelo e eficiência.[19]
Na realidade, em face do disposto no n.º 5 do art. 25.º do Código do Trabalho, apenas nas situações em que são invocados os fatores de discriminação previsto no n.º 1 do art. 24.º do mesmo Diploma Legal, é que o ónus da prova se mostra repartido entre o trabalhador e o empregador, sendo que nos demais casos rege o disposto no art. 342.º, n.º 1, do Código Civil.
Cita-se a este propósito o acórdão do STJ proferido em 01-06-2017:[20]
1. O Código do Trabalho ao estabelecer critérios de determinação da retribuição refere que na determinação do valor da mesma deve ter-se em conta a quantidade, natureza e qualidade do trabalho, observando-se o princípio de que, para trabalho igual ou de valor igual, salário igual.
2. O art.º 24.º, do mesmo diploma legal, consagra o direito à igualdade no acesso a emprego e no trabalho, elencando, de forma exemplificativa, fatores suscetíveis de causar discriminação, tais como a ascendência, idade, sexo, orientação sexual, identidade de género, estado civil, situação familiar, situação económica, instrução, origem ou condição social, património genético, capacidade de trabalho reduzida, deficiência, doença crónica, nacionalidade, origem étnica ou raça, território de origem, língua, religião, convicções políticas ou ideológicas e filiação sindical.
3. Quando as situações referidas são invocadas como fatores de discriminação, nomeadamente, no plano retributivo, o legislador, no n.º 5, do art.º 25, do diploma legal referido, estabelece um regime especial de repartição do ónus da prova, em que afastando-se da regra geral, prevista no art.º 342.º, n.º 1, do Código Civil, estipula uma inversão do ónus da prova, impondo que seja o empregador a provar que a diferença de tratamento não assenta em qualquer fator de discriminação.
4. Já quando for alegada violação do princípio do trabalho igual salário igual, sem que tenha sido invocado quaisquer factos suscetíveis de serem inseridos nas categorias do que se pode considerar fatores de discriminação, cabe a quem invocar o direito fazer a prova, nos termos do mencionado art.º 342.º, n.º 1, dos factos constitutivos do direito alegado, não beneficiando da referida presunção.
5. Para que se pudesse concluir que ocorreu violação do princípio para trabalho igual salário igual, seria necessário que o trabalhador tivesse alegado e demonstrado factos reveladores de uma prestação de trabalho ao serviço do empregador, como chefe de equipa do tratamento, nível 4, que fosse não só de igual natureza, mas também de igual qualidade e quantidade que a dos seus colegas de trabalho com a mesma categoria profissional, o que não aconteceu.
É incontornável que fazer apenas constar da matéria factual que o trabalho efetuado pelo trabalhador A é igual ao do trabalhador B em termos de perigosidade, de penosidade, de dificuldade, de volume, de intensidade, de duração, de responsabilização, de exigência técnica, de conhecimento, de capacidade prática, de experiência, de zelo e de eficiência, não consubstancia a descrição de qualquer facto, traduzindo-se apenas numa conclusão e numa conclusão de natureza assumidamente jurídica quando está em causa apurar se se mostram ou não violados os princípios da igualdade no trabalho e da proibição de discriminação. Efetivamente aquilo que terá de constar na matéria fáctica é a descrição concreta das tarefas efetuadas pelo trabalhador que se sente discriminado em razão daqueles critérios (perigosidade, penosidade, dificuldade, volume, intensidade, duração, responsabilização, exigência técnica, conhecimento, capacidade prática, experiência, zelo e eficiência), bem como a descrição concreta das tarefas efetuadas pelo trabalhador (ou trabalhadores) em relação ao qual se sente discriminado.
Conforme bem refere o acórdão do TRP proferido em 08-06-2017:[21]
A decisão recorrida considerou provado que “A autora, no desempenho das suas funções, produz trabalho igual quanto à sua natureza (dificuldade, penosidade e perigosidade) e qualidade (responsabilização, exigência, técnica, conhecimento, capacidade, prática, experiência, etc.), aos demais enfermeiros ao serviço da ré, quer estejam integrados na função pública, quer, tal como os autores, tenham contrato individual de trabalho mas trabalha apenas 35 horas semanais enquanto os demais enfermeiros, com vínculo de emprego público, trabalham 40 horas semanais” e que “Na prática, com a natural excepção para os enfermeiros especialistas, no que às funções de cada um concerne, não é possível distinguir os enfermeiros com contrato individual de trabalho dos enfermeiros integrados na função pública, nem dentro de qualquer destes grupos”.
Constitui questão de índole jurídica saber se determinada factualidade, alegada na petição inicial, tem, ou não, natureza conclusiva e se, tendo-a, deverá ela ter-se por não escrita, ponderando o preceituado no artigo 646.º, n.º 4, do anterior CPC; não porque este preceito contemplasse, expressamente, a situação de sancionar, como não escrito, um facto conclusivo, mas porque, por analogia, aquela disposição era de aplicar a situações em que em causa esteja um facto conclusivo, as quais se reconduzem à formulação de um juízo de valor que se deve extrair de factos concretos objecto de alegação e prova e desde que a matéria se integre no thema decidendum.
[Neste sentido, cf. os acórdãos do STJ de 23.05.2012 e de 23.09.2009, processo n.º 238/06.7TTBGR.S1, ambos disponíveis inwww.igfej.pt].
Embora o actual Código de Processo Civil não contenha norma semelhante, a sua doutrina deve continuar a aplicar-se, precisamente, porque a formulação de um juízo de valor deve extrair-se de factos concretos e não de factos conclusivos.
Assim a expressão «trabalho igual quanto à sua natureza (dificuldade, penosidade e perigosidade) e qualidade (responsabilização, exigência, técnica, conhecimento, capacidade, prática, experiência, etc.), aos demais enfermeiros ao serviço da ré, quer estejam integrados na função pública, quer, tal como os autores, tenham contrato individual de trabalho», reconduz-se ao thema decidendum, pois, está ali contida a resposta à questão preponderante que constitui a causa de pedir da autora e a parte do pedido por si formulado.
Deste modo, devendo ser excluída tal expressão, o ponto 5) dos factos provados passa a ter a seguinte redacção: “A autora, no desempenho das suas funções, trabalha apenas 35 horas semanais enquanto os demais enfermeiros, com vínculo de emprego público, trabalham 40 horas semanais.”.
No que se refere ao ponto 7) dos factos provados - “Na prática, com a natural excepção para os enfermeiros especialistas, no que às funções de cada um concerne, não é possível distinguir os enfermeiros com contrato individual de trabalho dos enfermeiros integrados na função pública, nem dentro de qualquer destes grupos” -, não contém qualquer evento do mundo externo em que se consubstancia a noção de facto.
Tal expressão, que não configura, em si mesma, factos materiais, reconduz-se à formulação de juízos conclusivos que antes se deveriam extrair dos factos materiais que os suportam e que se integram no thema decidendum. Assim, tal ponto deve ser excluído da matéria de facto.
Não desconhecemos a posição adotada pelos acórdãos do TRL proferidos em 27-09-2023 no âmbito do processo n.º 13313/20.6T8LSB.L2-4 e em 29-09-2021 no âmbito do processo n.º 5126/20.1T8LSB.L1-4,[22] segundo a qual, apesar de não estarmos perante factos, assim sim, juízos de valor integradores do thema decidendum, deverão os mesmos manter-se na base factual dada como assente, ou por ter sobre eles havido acordo entre as partes ou por não terem sido impugnados. Na realidade, contrariamente a esses acórdãos, defendemos que a integração na sentença, como sendo factos, de algo que notoriamente o não é, e que se revela determinante para a questão controvertida a decidir, é de conhecimento oficioso, visto que aquilo que não é facto não é suscetível de se transformar em facto por acordo ou não oposição entre as partes, pelo que não está dependente da iniciativa das partes.
Apreciemos, então.
Em primeiro lugar, importa referir que apenas estão em causa estes factos relativamente às Autoras AA, CC e GG, visto que a sentença recorrida transitou relativamente aos Autores BB, DD, EE e FF, pelo que a apreciação que iremos efetuar apenas poderá ter consequência no âmbito jurídico daquelas Autoras.
Assim:
No facto provado 1.17 consta que as Autores AA, CC e GG auferem determinada remuneração pelo desempenho das mesmas funções de enfermeiro, em cumprimento dos mesmos deveres, com o mesmo nível e categoria profissional e no mesmo horário e estabelecimento de prestação de cuidados de saúde que os enfermeiros contratados pelo réu ao abrigo do regime do contrato de trabalho em funções públicas ao longo dos anos de 2019, 2020 e 2021.
Ora, em face do que acima se referiu, para se efetuar tal comparação, comparação essa, aliás, cujo local correto é o da apreciação jurídica, é fundamental apurar, em primeiro lugar, quem sejam, em concreto, os enfermeiros contratados pelo Réu ao abrigo do regime do contrato de trabalho em funções públicas ao longo dos anos de 2019, 2020 e 2021, e, posteriormente, quais sejam, em concreto, as suas funções, deveres, nível e categoria profissional, horário e local de trabalho. Acresce que, de igual modo, para se efetuar tal comparação teria de constar da matéria factual, em concreto, quais são as funções e os deveres das Autores AA, CC e GG, o que também não consta.
Assim, quanto às Autoras AA, CC e GG, este facto terá de ser eliminado, passando, por isso, o facto 1.17 a ter a seguinte redação:
1.17 Continuando os autores BB, DD, EE e FF a auferir a remuneração base correspondente à 1.ª posição remuneratória da categoria de enfermeiro da carreira especial de enfermagem, nível remuneratório 15 da tabela remuneratória única, pelo desempenho das mesmas funções de enfermeiro, em cumprimento dos mesmos deveres, com o mesmo nível e categoria profissional e no mesmo horário e estabelecimento de prestação de cuidados de saúde que os enfermeiros contratados pelo réu ao abrigo do regime do contrato de trabalho em funções públicas ao longo dos anos de 2019, 2020 e 2021.
No facto provado 1.18 consta que as Autoras AA, CC e GG e os trabalhadores enfermeiros do Réu com vínculo de contrato de trabalho em funções públicas produzem trabalho a mesma dificuldade, penosidade e perigosidade, mesma responsabilização, exigência, técnica, conhecimento, capacidade, prática, experiência e mesma duração e intensidade.
Conforme já se referiu supra, desconhecendo-se, em concreto, não só quem sejam esses enfermeiros, como em que consiste a dificuldade, penosidade, perigosidade, responsabilização, exigência, técnica, conhecimento, capacidade, prática, experiência, duração e intensidade quer das funções das Autoras AA, CC e GG quer das funções desses enfermeiros com vínculo de contrato de trabalho em funções públicas, é impossível efetuar a conclusão pretendida (a qual também não deveria constar como facto, pois sempre se trataria de uma conclusão), pelo que este facto terá de ser eliminado quanto às Autoras AA, CC e GG, passando, por isso, o facto 1.18 a ter a seguinte redação:
1.18 Os autores BB, DD, EE e FF e os trabalhadores enfermeiros do réu com vínculo de contrato de trabalho em funções públicas produzem trabalho a mesma dificuldade, penosidade e perigosidade, mesma responsabilização, exigência, técnica, conhecimento, capacidade, prática, experiência e mesma duração e intensidade.
No facto provado 1.19 consta que quer as Autoras AA, CC e GG quer os trabalhadores enfermeiros do Réu com vínculo de contrato de trabalho em funções públicas têm a mesma carga horária, integram as mesmas equipas, nas mesmas escalas de serviço, praticando exatamente os mesmos atos técnicos, com a mesma formação, o mesmo propósito.
Uma vez mais, desconhecendo-se quer em relação às Autoras AA, CC e GG, quer em relação aos trabalhadores enfermeiros do Réu com vínculo de contrato de trabalho em funções públicas (os quais se desconhece quem sejam), quais sejam essa equipas, quais sejam as escalas de serviço, quais sejam esses atos técnicos, qual seja a formação concreta e qual seja o propósito que os anima, a que acresce desconhecer-se igualmente, relativamente aos enfermeiros com vínculo de contrato de trabalho em funções públicas, qual seja a sua carga horária, este facto terá de ser eliminado quanto às Autoras AA, CC e GG, sendo que, dada a sua redação, que se reporta ao facto provado 1.18, não se torna necessário proceder a qualquer alteração fáctica.
No facto provado 1.20 consta que tanto as Autoras AA, CC e GG como os trabalhadores enfermeiros do Réu JJ, KK, LL, MM, NN, OO, PP, QQ, RR, SS, TT, UU e VV, que exercem as suas funções ao abrigo de contratos individuais de trabalho, estão sujeitos ao mesmo regime jurídico, produzem trabalho igual quanto à dificuldade, penosidade e perigosidade, quanto à responsabilização, exigência, técnica, conhecimento, capacidade, prática, experiência e quanto à duração e intensidade.
Ora, para além de não ser em sede de matéria de facto que devem ficar a constar as conclusões, sempre se dirá que se desconhece quer quanto às Autoras AA, CC e GG quer quanto aos enfermeiros mencionados neste facto, quais sejam, em concreto, a dificuldade, penosidade, perigosidade, responsabilização, exigência, técnica, conhecimento, capacidade, prática, experiência, duração e intensidade das tarefas por ambos desempenhadas, pelo que sempre seria impossível concluir-se nos termos que nele consta.
Acresce que a menção à celebração de contratos individuais de trabalho destes enfermeiros já consta do facto provado 1.11 e o regime jurídico a aplicar é matéria de direito e não factual.
Pelo exposto, também este facto será eliminado quanto às Autoras AA, CC e GG; passando, consequentemente, a ter a seguinte redação:
1.20 Tanto os autores BB, DD, EE e FF como os trabalhadores enfermeiros do réu acima identificados (JJ, KK, LL, MM, NN, OO, PP, QQ, RR, SS, TT, UU e VV) que exercem as suas funções ao abrigo de contratos individuais de trabalho, estão sujeitos ao mesmo regime jurídico, produzem trabalho igual quanto à dificuldade, penosidade e perigosidade, quanto à responsabilização, exigência, técnica, conhecimento, capacidade, prática, experiência e quanto à duração e intensidade.
Por fim, no facto provado 1.21 consta que quer as Autoras AA, CC e GG quer os enfermeiros mencionados no facto provado 1.20 são titulares da mesma categoria (categoria de enfermeiro da carreira de enfermagem) e desempenham as mesmas funções, têm a mesma carga horária, integram as mesmas equipas, nas mesmas escalas de serviço, praticando exatamente os mesmos atos técnicos, com a mesma formação, o mesmo propósito.
Uma vez mais, não é em sede de matéria factual que devem ficar a constar as conclusões, sendo que, não só a categoria profissional se apura em face da descrição fáctica das funções efetivamente prestadas, inexistindo nos factos provados tal descrição, como não existe também qualquer facto relativo à constituição das equipas, às concretas escalas de serviço, aos concretos atos médicos praticados, à formação a que tais enfermeiros foram sujeitos e aos propósitos que norteavam a sua prestação laboral. Acresce que não consta igualmente qualquer facto relativo ao horário de trabalho praticado pelos enfermeiros mencionados no facto provado 1.20.
Assim, também este facto terá de ser eliminado do elenco dos factos provados relativamente às Autoras AA, CC e GG, passando o mesmo a ter a seguinte redação:
1.21 Tais enfermeiros são titulares da mesma categoria que a dos autores BB, DD, EE e FF (categoria de enfermeiro da carreira de enfermagem) e desempenham as mesmas funções, têm a mesma carga horária, integram as mesmas equipas, nas mesmas escalas de serviço, praticando exatamente os mesmos atos técnicos, com a mesma formação, o mesmo propósito.
Nesta conformidade, determina-se:
- A alteração dos factos provados 1.17, 1.18, 1.20 e 1.21, os quais passam a ter a seguinte redação:
1.17 Continuando os autores BB, DD, EE e FF a auferir a remuneração base correspondente à 1.ª posição remuneratória da categoria de enfermeiro da carreira especial de enfermagem, nível remuneratório 15 da tabela remuneratória única, pelo desempenho das mesmas funções de enfermeiro, em cumprimento dos mesmos deveres, com o mesmo nível e categoria profissional e no mesmo horário e estabelecimento de prestação de cuidados de saúde que os enfermeiros contratados pelo réu ao abrigo do regime do contrato de trabalho em funções públicas ao longo dos anos de 2019, 2020 e 2021.
1.18 Os autores BB, DD, EE e FF e os trabalhadores enfermeiros do réu com vínculo de contrato de trabalho em funções públicas produzem trabalho a mesma dificuldade, penosidade e perigosidade, mesma responsabilização, exigência, técnica, conhecimento, capacidade, prática, experiência e mesma duração e intensidade.
1.20 Tanto os autores BB, DD, EE e FF como os trabalhadores enfermeiros do réu acima identificados (JJ, KK, LL, MM, NN, OO, PP, QQ, RR, SS, TT, UU e VV) que exercem as suas funções ao abrigo de contratos individuais de trabalho, estão sujeitos ao mesmo regime jurídico, produzem trabalho igual quanto à dificuldade, penosidade e perigosidade, quanto à responsabilização, exigência, técnica, conhecimento, capacidade, prática, experiência e quanto à duração e intensidade.
1.21 Tais enfermeiros são titulares da mesma categoria que a dos autores BB, DD, EE e FF (categoria de enfermeiro da carreira de enfermagem) e desempenham as mesmas funções, têm a mesma carga horária, integram as mesmas equipas, nas mesmas escalas de serviço, praticando exatamente os mesmos atos técnicos, com a mesma formação, o mesmo propósito.
2 –Princípio da filiação versus direito à igualdade no trabalho e proibição de discriminação
Entende o recorrente que à Autora GG, nos termos do art. 496.º do Contrato do Trabalho, não pode ser aplicado o ACT subscrito pela ASPE, visto que aquela Autora apenas se tornou associada desta Associação Sindical no ano de 2023 e as suas pretensões se reportam a um período anterior, concretamente, ao período entre 01-01-2019 e 31-12-2021.
Referiu ainda que, quer quanto a esta Autora, quer quanto às Autoras AA e CC, também não associadas na referida Associação Sindical, a sentença recorrida violou, ao lhes aplicar o que consta dos referidos ACT’s, o princípio da filiação, o qual prevê, nos nºs. 3 e 4 do art. 496.º do Contrato do Trabalho, os desvios legalmente aceitáveis, desvios esses que não se verificam no caso concreto.
Concluiu ainda que inexiste qualquer discriminação entre os trabalhadores sindicalizados e os trabalhadores não sindicalizados, nos termos dos arts. 24.º, n.º 1, al. d), e 25.º, ambos do Código do Trabalho, já que os trabalhadores não filiados em qualquer Associação Sindical podem, em sede de negociação do contrato individual de trabalho, negociarem a aplicação de determinada ACT ao seu contrato.
Concluiu, por fim, que relativamente às Autoras AA, CC e GG não lhes pode ser aplicado o regime previsto nos ACT’s em vigor.
Apreciemos.
Dispõe a cláusula 3.ª do Acordo Coletivo entre o Centro Hospitalar do Algarve, EPE e outros e a Associação Sindical Portuguesa dos Enfermeiros – ASPE, publicado no BTE n.º 24, de 29-06-2018, que:
Cláusula 3.ª
Avaliação do desempenho
A avaliação do desempenho dos trabalhadores abrangidos pelo presente instrumento fica sujeita, para todos os efeitos legais, incluindo a alteração do correspondente posicionamento remuneratório, ao regime vigente para os trabalhadores com vínculo de emprego público, integrados na carreira especial de enfermagem.
Este ACT entrou em vigou no dia 01-01-2018 (conforme cláusula 6.ª do referido Acordo).
Por sua vez, dispõe o art. 496.º do Código do Trabalho que:
1 - A convenção colectiva obriga o empregador que a subscreve ou filiado em associação de empregadores celebrante, bem como os trabalhadores ao seu serviço que sejam membros de associação sindical celebrante.
2 - A convenção celebrada por união, federação ou confederação obriga os empregadores e os trabalhadores filiados, respectivamente, em associações de empregadores ou sindicatos representados por aquela organização quando celebre em nome próprio, nos termos dos respectivos estatutos, ou em conformidade com os mandatos a que se refere o n.º 2 do artigo 491.º
3 - A convenção abrange trabalhadores e empregadores filiados em associações celebrantes no início do processo negocial, bem como os que nelas se filiem durante a vigência da mesma.
4 - Caso o trabalhador, o empregador ou a associação em que algum deles esteja inscrito se desfilie de entidade celebrante, a convenção continua a aplicar-se até ao final do prazo de vigência que dela constar ou, não prevendo prazo de vigência, durante um ano ou, em qualquer caso, até à entrada em vigor de convenção que a reveja.
Em primeiro lugar, é manifesto que, nos termos do art. 496.º, n.º 1, do Código do Trabalho, as convenções coletivas regem-se, em geral, pelo princípio da dupla filiação, ou seja, só se aplicam, em regra, às partes (entidades empregadoras e trabalhadores) que as subscreveram, ou melhor dizendo, às entidades empregadoras e aos trabalhadores filiados nas associações subscritoras. Vejamos, porém, o que acontece (i) relativamente a quem não estivesse filiado nas associações subscritoras à data da subscrição e nunca se tenha vindo a filiar; e (ii) a quem, apesar de não estar filiado nas referidas associações à data da subscrição, se tenha vindo a filiar posteriormente.
Conforme resulta dos nºs. 3 e 4 do art. 496.º do Código do Trabalho, o princípio da dupla filiação admite várias exceções. Assim o demonstram os arts. 496.º, nºs. 3 e 4 (aplicação a entidades empregadoras e/ou trabalhadores que não outorgaram a convenção, mas que se filiaram posteriormente nas associações outorgantes, ou aplicação a entidades empregadoras e/ou trabalhadores que se desfiliaram das associações depois de iniciado o processo negocial que levou à subscrição da convenção), 497.º (escolha da aplicação da convenção a trabalhador não filiado), 498.º (aplicação da convenção aos empregadores não filiados em situações em que houve transmissão de empresa ou estabelecimento) e 514.º (aplicação da convenção a trabalhadores não filiados em virtude da publicação de uma Portaria de Extensão), todos do Código do Trabalho.
No caso em apreço, relativamente às Autoras AA e CC, não se mostrando as mesmas filiadas nem na ASPE nem nas outras associações sindicais que subscreveram convenções de idêntico teor com o Réu (SEP e Sindicato Independente Profissionais de Enfermagem e Sindicato dos Enfermeiros), nem resultando da prova realizada que se encontram em qualquer uma das situações previstas nas exceções indicadas, em face da aplicação da legislação prevista para as convenções coletivas (e sem entrarmos na apreciação de uma eventual situação de violação do princípio da igualdade e/ou do princípio da proibição de discriminação), as normas constates das convenções coletivas publicadas no BTE n.º 11, de 22-03-2018 (fls. 632 a 634 e 635/636) e no BTE n.º 24, de 29-06-2018, não serão de lhes aplicar.
Por sua vez, quanto à situação da Autora GG, resultou provado que a mesma se filiou na ASPE, a qual é subscritora da convenção coletiva citada, em data não apurada do ano de 2023, ou seja, que a Autora se filiou posteriormente à subscrição da convenção numa das associações que a subscreveu. Esta é exatamente a situação prevista na segunda parte do n.º 3 do art. 496.º do Código do Trabalho – uma trabalhadora que se filia durante a vigência da convenção.
Daqui resulta que a convenção coletiva em causa se aplica efetivamente à Autora GG. Porém, importa percecionar desde quando é que tal convenção se lhe aplica. Ora, tal convenção apenas lhe pode ser aplicada a partir da sua filiação, ou seja, a partir do ano de 2023, exatamente porque, em momento anterior, a Autora não era filiada na ASPE.
Cita-se, a este propósito, Maria do Rosário Palma Ramalho no Tratado de direito do trabalho, Parte III – Situações laborais colectivas:[23]
i) Aplicação da convenção colectiva a trabalhadores ou a empregadores que não eram filiados na associação sindical ou patronal outorgante da convenção mo momento do início do processo negocial, mas nele se filiaram já durante a vigência da convenção. Neste caso, a convenção é aplicável a estes trabalhadores e empregadores a partir do momento em que se tornarem membros das respectivas associações, ao abrigo do art. 496.º n.º 3, parte final.
Nesta conformidade, reportando-se os direitos que a Autora peticiona ao período entre 01-01-2019 a 31-12-2021, é manifesto que, nessa data, o disposto na cláusula 3.ª do Acordo Coletivo entre o Centro Hospitalar do Algarve, EPE e outros e a Associação Sindical Portuguesa dos Enfermeiros – ASPE, publicado no BTE n.º 24, de 29-06-2018, não se lhe aplicava.
Não sendo, assim, de aplicar o disposto na referida cláusula 3.ª às Autoras GG, AA e CC, relativamente ao período compreendido entre 01-01-2019 a 31-12-2021, importa apreciar se os direitos constantes dessa cláusula lhes podem ser aplicados por terem sido violados os princípios da igualdade no trabalho e da proibição de discriminação, previstos nos arts. 24.º, nºs. 1 e 2, al. d), e 25.º do Código do Trabalho, como defende a sentença recorrida.
Conforme já se referiu, para que estejamos perante uma situação de violação dos princípios da igualdade no trabalho e da proibição de discriminação, torna-se necessário, não só que seja alegado e provado pelo trabalhador que se sente discriminado que existe um outro trabalhador que é beneficiado, como também que seja alegado e provado que, apesar das diferenças salariais, entre este trabalhador e o trabalhador beneficiado não existem diferenças nas funções exercidas em razão da natureza (isto é, mesma perigosidade, penosidade ou dificuldade), da quantidade (isto é, mesmo volume, intensidade e duração) e da qualidade (isto é, mesma responsabilização, exigência técnica, conhecimento, capacidade prática, experiência, zelo e eficiência) do trabalho, o que apenas pode ser efetuado com a descrição concreta das funções exercidas quer pelo trabalhador discriminado quer pelo trabalhador beneficiado. Acresce que a inexistência de factos que permitam alcançar tal conclusão não pode ser substituída pelo acordo ou a não impugnação das partes relativamente a conclusões jurídicas que tenham ficado a constar da matéria factual, quando estamos perante o próprio thema decidendum, visto que será sempre sobre factos que se terá de aplicar o direito.
Cita-se, a este propósito, o acórdão do TRP proferido em 18-11-2019:[24]
Conforme é entendimento pacífico da jurisprudência dos tribunais superiores, mormente do Supremo Tribunal de Justiça, as conclusões apenas podem extrair-se de factos materiais, concretos e precisos que tenham sido alegados, sobre os quais tenha recaído prova que suporte o sentido dessas alegações, sendo esse juízo conclusivo formulado a jusante, na sentença, onde cabe fazer a apreciação crítica da matéria de facto provada. Dito de outro modo, só os factos materiais são suscetíveis de prova e, como tal, podem considerar-se provados. As conclusões, envolvam elas juízos valorativos ou um juízo jurídico, devem decorrer dos factos provados, não podendo elas mesmas serem objeto de prova [cfr. Acórdão de 23.9.2009, Proc. n.º 238/06.7TTBGR.S1, Bravo Serra; e, mais recentemente, reiterando igual entendimento jurisprudencial: de 19.4.2012, Proc.º 30/08.4TTLSB.L1.S1, Pinto Hespanhol; de 23/05/2012, proc.º 240/10.4TTLMG.P1.S1, Sampaio Gomes; de 29/04/2015, Proc .º 306/12.6TTCVL.C1.S1, Fernandes da Silva; de 14/01/2015, Proc.º 488/11.4TTVFR.P1.S1, Fernandes da Silva; 14/01/2015, Proc.º 497/12.6TTVRL.P1.S1, Pinto Hespanhol; todos disponíveis em http://www.dgsi.pt/jstj].
(…)
Assim, as afirmações de natureza conclusiva devem ser excluídas do elenco factual a considerar, se integrarem o thema decidendum, entendendo-se como tal o conjunto de questões de natureza jurídica que integram o objeto do processo a decidir, no fundo, a componente jurídica que suporta a decisão. Daí que sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de factos que se insira na análise das questões jurídicas a decidir, comportando uma resposta, ou componente de resposta àquelas questões, tal ponto da matéria de facto deve ser eliminado [Ac. STJ de 28-01-2016, Proc. nº 1715/12.6TTPRT.P1.S1, Conselheiro António Leones Dantas, www.dgsi.pt.].
Significando isto, que quando tal não tenha sido observado pelo tribunal a quo e este se tenha pronunciado sobre afirmações conclusivas, que essa pronúncia deve ter-se por não escrita. E, pela mesma ordem de razões, que o tribunal de recurso não pode considerar provadas alegações conclusivas que se reconduzam ao thema decidendum.
A sentença recorrida fundamentou a condenação do Réu relativamente às Autoras GG, AA e CC (bem como aos demais Autores) nos seguintes termos:
Quanto à pretensão de que o réu deve pagar acréscimos remuneratórios desde 1/01/2019, relativamente à diferença de tratamento com os trabalhadores com contrato em funções públicas (que a partir de 2019 foram reposicionados), não se provando a antiguidade dos mesmos (mas, em face da legislação a que se aludiu, será muito superior à dos ora autores), não se pode afirmar que estivessem na mesma situação que os autores de molde a considerar que, por essa via, exista violação do princípio da igualdade salarial.
No entanto, importa ter presente que o réu já procedeu à alteração do posicionamento remuneratório de outros enfermeiros com contrato individual de trabalho, incluindo uma enfermeira que igualmente iniciou funções em 2011 (ver ponto 1.11.11 dos factos provados).
Esses outros enfermeiros passaram a ganhar, desde Janeiro de 2019, a remuneração base correspondente à 2.ª posição remuneratória da categoria de enfermeiro (€1.407,45), enquanto os ora autores se mantiveram com a remuneração base correspondente à 1.ª posição remuneratória da categoria de enfermeiro da carreira especial de enfermagem (€1.201,48).
Mais uma vez, indicaram e provaram os trabalhadores autores uma diferença muito relevante de tratamento com outros trabalhadores do réu (e que têm a mesma qualidade e quantidade de trabalho), pelo incumbiria ao réu a alegação e prova de que a diferença de tratamento não assenta em qualquer factor de discriminação (cf. artigo 25.º, n.º 5, do Código do Trabalho).
Não foi, sequer, tentada qualquer explicação e muito menos foi provado qualquer facto que justificasse a diferença de tratamento.
A eventual diferente filiação sindical (ou a falta de filiação sindical) não é um motivo válido para discriminar trabalhadores no acesso à valorização remuneratória da sua carreira (ver o que agora se dispõe no artigo 24.º, n.º 1 e 2, alínea d), do Código do Trabalho).
Assim, tendo presente o disposto no artigo 270.º, 24.º e 25.º do Código do Trabalho, também o pedido dos autores relativo ao seu reposicionamento na 2.ª posição remuneratória a partir de 1/01/2019 e pagamento das diferenças salariais deve ser procedente.
Não tendo resultado provado que os autores tenham prestado trabalho suplementar, não pode o Tribunal afirmar que têm os autores direito ao seu pagamento, pelo que a condenação do réu terá de reflectir essa realidade.
Assim, como é notório, na sentença recorrida apenas se considerou haver trabalho igual em razão da natureza, quantidade e qualidade, entre as Autoras GG, AA e CC e os enfermeiros melhor mencionados no facto provado 1.11 (JJ, KK, LL, MM, NN, OO, PP, QQ, RR, SS, TT, UU e VV). Porém, quer em relação a estes enfermeiros, quer em relação aos enfermeiros do Réu com vínculo de função pública, em face da matéria dada como assente, quanto a estas Autoras, por ter sido expurgada de juízos conclusivos e de carácter jurídico referentes ao thema decidendum, constata-se que não é possível considerar que o Réu aplicou práticas salariais diferentes entre estas Autoras e os enfermeiros descritos no facto provado 1.11 ou entre os enfermeiros com vínculos de função pública, apesar de todos eles exercerem as mesmas funções em razão da natureza, quantidade e qualidade, exatamente porque essa identidade de funções não se provou.
Atente-se que para que se esteja perante uma situação de trabalho igual não basta apenas que se apure se os trabalhadores iniciaram funções no mesmo ano, ou seja, com base na antiguidade dos trabalhadores, como parece resultar da fundamentação expendida na sentença recorrida, visto que a antiguidade é apenas um dos muitos critérios a que a identidade do trabalho se mostra submetida. Deste modo, a circunstância de a enfermeira SS (facto provado 1.11.11) ter iniciado funções para o Réu no mesmo ano em que as Autoras GG, AA e CC também iniciaram funções (em 2011), não determina, só por si, que exista identidade de trabalho entre elas. Por não terem sido descritas as funções concretas das Autoras GG, AA e CC e da enfermeira SS, torna-se impossível apurar, em concreto, se estamos a falar do mesmo tipo de funções em termos de perigosidade, penosidade, dificuldade, volume, intensidade, duração, responsabilização, exigência técnica, conhecimento, capacidade prática, experiência, zelo e eficiência, ou não. Atente-se que, apesar de se ter iniciado o contrato de trabalho no mesmo ano, nada impede que alguns desses enfermeiros tenham funções com um maior grau de responsabilização do que outros, bem como que a simples circunstância de o contrato de trabalho se ter iniciado no mesmo ano não impede que o conhecimento e a experiência sejam diversas, visto que a formação específica (designadamente, se fez especializações ou não; se tem outras experiência laborais ou não) de cada um dos enfermeiros pode ser diversa.
Diga-se ainda que, diferentemente da fundamentação apresentada na sentença recorrida, a repartição do ónus da prova entre trabalhador e entidade empregadora apenas ocorre quando estão em causa os fatores de discriminação enunciados no n.º 1 do art. 24.º do Código do Trabalho, o que manifestamente não é o caso dos autos. Assim, sempre competiria às Autoras GG, AA e CC demonstrarem que tinham funções com idêntica perigosidade, penosidade, dificuldade, volume, intensidade, duração, responsabilização, exigência técnica, conhecimento, capacidade prática, experiência, zelo e eficiência às das funções exercidas pela enfermeira SS, o que não fizeram.
Por último, importa referir que a inexistência de factos relativos às funções exercidas pelas Autoras recorridas GG, AA e CC e pelos demais Autores (BB, DD, EE e FF) também não permite concluir que a única diferença entre eles apenas resulta da circunstância daquelas não serem filiadas em associações sindicais que subscreveram as convenções coletivas publicadas no BTE n.º 11, de 22-03-2018, a fls. 632 a 634 e 635/636, e no BTE n.º 24, de 29-06-2018, ou não serem filiadas nessas associações à data dos direitos que peticionam e destes o serem, pelo que, também por isso, sempre tal identidade de trabalho terá de soçobrar.
Pelo exposto, e em conclusão, não tendo sido provado pelas Autoras GG, AA e CC que houve violação do princípio de “a trabalho igual, salário igual”, sendo que tal ónus recaía sobre elas, terá de ser dado provimento ao recurso intentado pelo Réu, ainda que por fundamentação diversa, e revogada a sentença recorrida nessa parte.
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V – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso procedente, e, em consequência, revogar a sentença recorrida na parte em que se reporta às Autoras AA, CC e GG, a qual se substitui nos seguintes termos: - Absolve-se o Réu “Centro Hospitalar Universitário do Algarve, E.P.E.” dos pedidos formulados pelas Autoras AA, CC e GG:
- quer quanto ao reconhecimento de que o exercício das suas funções de enfermeiras da carreira de enfermagem, que prestam para o réu, é efetuado em idêntica qualidade, quantidade, natureza e em horário igual aos dos enfermeiros titulares da mesma categoria profissional de enfermeiro da carreira de enfermagem, e contratados pelo réu, no regime de contrato de trabalho em funções públicas; e
- quer quanto ao pagamento pelo Réu àquelas Autoras da diferença entre a remuneração base e demais acréscimos remuneratórios correspondentes à 1.ª posição remuneratória que receberam e o que deveriam ter recebido por aquela 2.ª posição remuneratória, desde 01-01-2019 até 31-12-2021, e respetivos juros moratórios.
No demais mantém-se a sentença recorrida.
Custas pelas recorridas AA, CC e GG (art. 527.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).
Notifique.
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Évora, 11 de julho de 2024 Emília Ramos Costa (relatora) João Luís Nunes Paula do Paço
__________________________________________________
[1] Relatora: Emília Ramos Costa; 1.º Adjunto: João Luís Nunes; 2.ª Adjunta: Paula do Paço.
[2] Doravante AA.
[3] Doravante BB.
[4] Doravante CC.
[5] Doravante DD.
[6] Doravante EE.
[7] Doravante FF.
[8] Doravante GG.
[9] No âmbito do processo n.º 861/13.3TTVIS.C1.S1, consultável em www.dgsi.pt.
[10] Prova e Formação da Convicção do Juiz, Coletânea de Jurisprudência, Almedina, 2016, p. 55.
[11] Manual de Processo Civil, 2.ª edição, Coimbra Editora, pp. 406-408.
[12] Acórdão do TRC, proferido em 20-06-2018, no âmbito do processo n.º 13/16.0GTCTB.C1, consultável em www.dgsi.pt.
[13] Acórdão do STJ, proferido em 29-04-2015, no âmbito do processo n.º 306/12.6TTCVL.C1.S1, consultável em www.dgsi.pt.
[14] O já citado acórdão do TRC, proferido em 20-06-2018.
[15] No âmbito do processo n.º 476/13.6TTPRT.P1, consultável em www.dgsi.pt.
[16] No âmbito do processo n.º 823/20.4T8PRT.P1.S1, consultável em www.dgsi.pt.
[17] Veja-se igualmente o acórdão do STJ proferido em 12-01-2021 no âmbito do processo n.º 2999/08.0TBLLE.E2.S1, consultável no mesmo site.
[18] Proferido no âmbito do processo n.º 732/18.7T8TMR.E1, consultável em www.dgsi.pt.
[19] Vejam-se os acórdãos do STJ proferido em 06-12-2023 no âmbito do processo n.º 19322/21.0T8LSB.L1.S1; do TRE proferido em 16-01-2020 no âmbito do processo n.º 1798/18.5T8TMR.E1, e do TRE proferido em 16-05-2019 no âmbito do processo n.º 732/18.7T8TMR.E1; todos consultáveis em www.dgsi.pt.
[20] Proferido no âmbito do processo n.º 816/14.0T8LSB.L1.S1, consultável em www.dgsi.pt.
[21] No âmbito do processo n.º 1302/16.0T8OAZ.P1, consultável em www.dgsi.pt.
[22] Ambos consultáveis em www.dgsi.pt.
[23] 3.ª edição Actualizada, 2020, Almedina, p. 304.
[24] No âmbito do processo n.º 1512/19.8T8MAI.P1, consultável em www.dgsi.pt.