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DECISÃO SURPRESA
NULIDADE
INCUMPRIMENTO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
Sumário
I - O disposto no n.º 3 do art. 41º Regime Geral do Processo Tutelar Cível permite ao juiz ordenar a notificação do requerido «para, no prazo de cinco dias, alegar o que tiver por conveniente»; II - Trata-se, é certo, de opção que o legislador reputou de excecional, mas tal qualificação apenas envolve a necessidade de fundamentação, ou seja, de indicação das razões que justificam a conclusão pela excecional adequação em concreto da estrutura processual, nunca a proscrição; III - Perante a ausência de indicação dos motivos excecionais e não se conformando, cumpre à parte que se considere prejudicada pela decisão arguir a nulidade do ato judicial, no prazo legal. IV - Não tendo o requerido tomado posição definida quanto ao incumprimento das pensões de alimentos alegado pela progenitora, é de concluir que o admitiu (artigo 574º, n.ºs 1 e 2, do CPC). (Sumário elaborado pelo relator)
Texto Integral
Proc. nº 760/10.0TBELV-E.E1
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora
I - RELATÓRIO
Através de requerimento apresentado em 09.10.2023, veio AA, na qualidade de progenitora de BB, nascido em ../../1999 e de CC, nascido em ../../2003, instaurar o presente incidente de incumprimento das responsabilidades parentais (obrigação de prestação de alimentos) contra DD, progenitor dos referidos jovens, alegando, no essencial, que:
- além de ainda se encontrar em dívida o montante de € 3.650,00 a título de alimentos vencidos até ao mês de fevereiro (inclusive) de 2017, a partir de março de 2017, nem o progenitor, nem a sua entidade empregadora (Restaurante «O...») lhe entregaram qualquer quantia para pagamento das pensões de alimentos que se foram vencendo.
- tendo o filho BB concluído o seu percurso académico e ingressado no mercado de trabalho apenas em setembro de 2021, permanecem por pagar as pensões vencidas no período compreendido entre março (inclusive) de 2017 e agosto (inclusive) de 2021 (54 meses), no montante global de € 5.400,00 (€ 100,00 x 54 meses).
- não obstante o filho CC ter atingido a maioridade, prossegue com a sua formação académica, estando matriculado no ano letivo 2023/2024, em curso do ensino superior, pelo que estão em dívidas as pensões de alimentos vencidas entre março (inclusive) de 2017 e outubro (inclusive) de 2023 (oitenta meses), as quais ascendem a um montante global de € 8.000,00 € (€ 100,00 x 80 meses).
Pede, a final, que seja ordenada a pesquisa de rendimentos ao progenitor/requerido nas bases de dados próprias para o efeito, de forma a poderem efetuar-se os pertinentes descontos pelas entidades a identificar, e, assim, poder ser cumprida coercivamente a obrigação de alimentos judicialmente decretada, nos montantes vencidos (€ 13.400,00) e vincendos (no que ao filho CC diz respeito) e, bem assim, a sua condenação na multa que se repute como adequada e proporcional ao caso concreto.
Juntou dois documentos para prova do alegado quanto à situação profissional e académica atual dos jovens BB e CC.
Por despacho proferido em 23.10.2023, o Tribunal a quo deixou consignado que o presente incidente se reportava apenas ao incumprimento das pensões de alimentos vencidas a partir do mês de março de 2017, sendo que as vencidas previamente a esse período ou já estavam abrangidas pelas decisões proferidas em incidentes anteriores ou foram, por admissão da própria requerente, pagas voluntariamente (até fevereiro de 2017).
Notificado para, no prazo de cinco dias, alegar o que tivesse por conveniente, veio o progenitor/requerido responder ao incidente deduzido, alegando, desde logo, que seus filhos BB e CC atingiram a maioridade, pelo que deixou de estar obrigado ao pagamento de qualquer pensão de alimentos a partir dessa data, mais invocando que a progenitora não tem legitimidade para instaurar o presente incidente.
Mais alegou que, para além de ter tido uma vida de trabalho difícil e incerta, estando muitas vezes em situação de desemprego e sem auferir qualquer prestação a esse título, não deve os valores que a progenitora/requerente invoca, desconhecendo quais os concretos valores que esta recebeu da sociedade «O..., Lda.», tendo, porém, a certeza de que terá recebido, pelo menos, uma quantia de € 1.600,00 entre janeiro de 2018 e maio de 2019, e que esta sociedade lhe havia descontado, até 30.03.2017, um montante de € 5.605,00 para lhe entregar, ignorando quais os valores que efetivamente terão sido pagos.
Alega também que se encontra numa situação económica de grandes dificuldades, sem recursos para acorrer à sua própria sobrevivência, pelo que não lhe é exigível a continuação da prestação de alimentos aos seus filhos, cuja situação pessoal atual desconhece e que se recusam a vê-lo e a falar-lhe desde o ano de 2010/2011.
No mais, impugna “por não corresponder à verdade ou por não ser do seu conhecimento” a matéria alegada nos artigos 8º a 21º do requerimento inicial, pedindo, a final, que o incidente seja decidido em conformidade.
Não juntou prova documental nem arrolou testemunhas.
O Ministério Público nada promoveu por considerar já não ter, em face da maioridade dos jovens, legitimidade para os representar.
Subsequentemente, depois de se considerar a requerente parte legítima, foi proferida decisão com o seguinte dispositivo:
«Pelo exposto, e ao abrigo das disposições legais supra citadas, julga-se verificado o incumprimento suscitado pela progenitora e, em consequência: a) Declara-se que o progenitor/requerido DD se encontrou em situação de incumprimento relativamente à sua obrigação de prestação de alimentos devidos ao seu filho BB nos meses de Março (inclusive) de 2017 e Agosto (inclusive) de 2021; b) Declara-se que o progenitor/requerido DD se encontrou em situação de incumprimento relativamente à sua obrigação de prestação de alimentos devidos ao seu filho CC nos meses de Março (inclusive) de 2017 e Outubro (inclusive) de 2023; c) Condena-se o progenitor/requerido DD no pagamento das quantias vencidas a título de alimentos no referido período e que ascendem ao montante global de 13.400,00 € (treze mil e quatrocentos euros), sendo 5.400,00 € (cinco mil e quatrocentos euros) devidos ao seu filho BB e 8.000,00 € (oito mil euros) devidos ao seu filho CC. d) Condena-se o progenitor/requerido DD na multa a que alude o artigo 41.º, n.º 1, do RGPTC, que se fixa em 2,5 UC. Fixa-se o valor do incidente em 13.400,00 € (treze mil e quatrocentos euros) – cf. artigo 304.º, n.º 1, segunda parte, do C.P.C.. Custas a cargo do progenitor/requerido – cf. artigo 527.º, n.º 1, do C.P.C.. Registe e notifique, sendo a progenitora para, no prazo de 5 (cinco) dias, indicar o IBAN de conta bancária de que seja titular (devendo, após, ser dado imediato conhecimento do mesmo ao progenitor/requerido) e, bem assim, para, no prazo de 5 (cinco) dias a contar do trânsito em julgado da presente decisão, informar nos autos se o progenitor/requerido procedeu ao pagamento das quantias em que agora foi condenado. D.N.»
Inconformado, o autor apelou do assim decidido, finalizando a respetiva alegação com a formulação das conclusões que a seguir se transcrevem:
«I - O incidente de incumprimento deduzido pela recorrida, nos termos do Artº 41 Nº 3 do R.G.T.C., prevê e determina que a matéria de facto nele invocada, sendo contestada, deve ser, independentemente de notificação excepcional do recorrente para se pronunciar, objecto de discussão em Conferencia de Pais (Artº 41 Nºs 2,3 e 4 do R.G.T.C.) a fim de permitir o estabelecimento de eventual consensualidade entre os progenitores dos menores;
II - No caso "sub judice" face à notificação do recorrente – excepcional - para se pronunciar (Artº 41 Nº 3 do R.G.T.C.) e tendo este contestado os factos suporte do alegado incumprimento, deveria a Meritíssima Juiz recorrida, nos termos do disposto no mesmo Artº 41 Nº 2, 3 e 4 do R.G.T.C., ter convocado as partes para comparecerem em diligencia judicial de Conferencia de Pais;
III - A sentença recorrida, em presença do disposto nos Artºs 41 Nºs 1, 2,3 e 4 do R.G.T.C. e da resposta apresentada pelo recorrente na qual contesta os factos invocados no incidente de incumprimento "sub judice", por ter sido proferida sem realização da diligencia de Conferencia de Pais não só violou a citada disposição legal do R.G.T.C. (Artº 41) com também foi proferida com fundamento em factos e circunstancias - valor dos alimentos em divida aos dois filhos enquanto menores e depois de atingirem a maioridade - que o recorrente expressamente impugna na sua resposta, violando também o disposto no Artº 574 do C. Proc. Civil, por a sentença considerar provados factos que a Recorrente impugnou.
IV - Por todas as razões expostas invocadas, nomeadamente por terem sido expressamente impugnados pelo Recorrente devem os factos feitos constar, como provados, de 9 a 12 da sentença recorrida ser considerados como Não Provados;
V - A Sentença recorrida pelas razões e fundamentos legais, mencionados nas conclusões anteriores, integra o conceito da "Sentença Surpresa", com violação notável do disposto no Artº 41, Nº 1, 2, 3 e 4 do R.G.T.C. e também do disposto no Artº 574 do C. Proc. Civil, estando, por isso a sua prolação ferida de vicio de ilegalidade manifesta, devendo, por isso, ser revogada, ordenando-se ao Tribunal recorrido que nos termos da legislação invocada, designe dia e hora para a realização de Conferencia de Pais, por forma a nela se esclarecer e/ou dirimir o eventual incumprimento do recorrente invocado pela recorrida;
Nestes termos e nos demais de direito deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e revogada a sentença recorrida de acordo com as conclusões que atrás se sumariam, assim se fazendo JUSTIÇA».
Não foram apresentadas contra-alegações.
Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
II – ÂMBITO DO RECURSO
Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso (arts. 608º, nº 2, 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC), as questões a decidir consubstanciam-se em saber:
- se a decisão recorrida violou a norma do art. 41º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível [RGPTC], constituindo uma decisão surpresa:
- se tal decisão violou igualmente o disposto no art. 574º do CPC.
III – FUNDAMENTAÇÃO OS FACTOS
Na 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos:
1. BB nasceu em ../../1999, encontra-se registado como filho de AA e de DD e atingiu a maioridade em 15-06-2017.
2. CC nasceu em ../../2003, encontra-se registado como filho de AA e de DD e atingiu a maioridade em 09-08-2021.
3. Por acordo obtido no âmbito dos autos de regulação das responsabilidades parentais que correram nos autos principais e homologado por sentença proferida em 16-06-2011, a residência de BB e CC foi fixada junto da sua progenitora, tendo o progenitor ficado obrigado, além do mais, a pagar a título de pensão de alimentos a cada um dos menores a quantia mensal de 100,00 € (cem euros) até ao dia 8 (oito) de cada mês (mediante depósito em conta bancária), a actualizar, anual e automaticamente em Junho de cada ano em 2,5%.
4. Por sentença proferida em 12-09-2013, nos autos de incidente de incumprimento das responsabilidades parentais que correu os seus termos sob apenso B, foi julgado reconhecido o incumprimento da regulação do poder paternal por parte do progenitor quanto ao regime de pensão de alimentos fixado a favor dos seus filhos BB e CC, no período compreendido entre Agosto (inclsuive) e Dezembro (inclusive) de 2011, declarando-se em dívida, a esse título, a importância global de 1.155,09 € (mil cento e cinquenta e cinco euros e nove cêntimos).
5. Por despacho proferido em 02-12-2013 no âmbito do referido apenso B, a entidade empregadora do progenitor (sociedade «O..., Lda.») foi notificada para (i) descontar do seu vencimento a quantia mensal de 200,00 € (duzentos euros), a título de obrigação pecuniária de alimentos, a que acrescerá o desconto mensal de 50,00 € (cinquenta euros) por mês, até integral pagamento da quantia de 1.155,09 € (mil cento e cinquenta e cinquenta e cinco euros e nove cêntimos), respeitante às prestações vencidas e não pagas; (ii) entregar tais quantias directamente à progenitora, por vale postal ou cheque para a
morada da mesma ou ainda transferência bancária, sem importar despesas para esta; (iii) comunicar ao Tribunal a data em que efectuar o primeiro desconto no sentido de poder ser actualizado, caso se justifique, o montante das prestações vencidas e não pagas.
6. Através de requerimento apresentado no referido apenso B em 18-12-2013, a sociedade «O..., Lda.» veio informar nos autos que iria dar início aos descontos judicialmente ordenados no mês de Dezembro de 2013.
7. Por sentença proferida em 07-05-2012, nos autos de incidente de incumprimento das responsabilidades parentais que correu os seus termos sob apenso D, foi julgado verificado o incumprimento do progenitor no que tange ao pagamento da prestação de alimentos e contribuições devidos aos seus filhos BB e CC, no período compreendido entre Janeiro (inclusive) de 2012 e Dezembro (inclusive) 2016, no montante global de 6.955,09 € (seis mil novecentos e cinquenta e cinco euros e nove cêntimos), correspondente, para além do montante reconhecido no apenso B (1.155,09 €), ao montante de 12.000,00 € (doze mil euros) relativos às pensões de alimentos vencidas nesse período e deduzidos os montantes comprovadamente pagos (pelo progenitor e pela sociedade «O...») nos anos de 2014, 2015, 2016, 2017, 2018 e 2019, no montante global de 6.200,00 € (seis mil e duzentos euros).
8. No âmbito da sentença proferida no referido apenso D, foram dados como provados os seguintes factos:
«(…)
7) Como não houve lugar a pagamento voluntário da prestação alimentícia, a requerente impulsionou execução contra o requerido, sob o n.º 760/10.0TBELV.1, pelo valor exequendo de €13.828,95, referente: a) Pensão de alimentos dos menores CC e BB referente a 12 meses de 2012 no valor de €2.400,00; b) Pensão de alimentos dos menores CC e BB referente a 12 meses de 2013 no valor de €2.400,00; c) Pensão de alimentos dos menores CC e BB referente a 6 meses de 2014 no valor de €1.200,00 (6 meses pagos pelo Executado através da sua entidade empregadora, “O... Lda.”); d) Pensão de alimentos dos menores CC e BB referente a 11 meses de 2015 no valor de €2200,00 (1 mês pago pelo Executado através da sua entidade empregadora, “O... Lda.”); e) Pensão de alimentos dos menores CC e BB referente a 2 meses de 2016 no valor de €400,00; f) Quanto ás despesas escolares e de saúde (50%) do CC consubstancia €987,15 e do BB no montante de €4.196,80.
8) Por despacho de 29-06-2016 proferido nos autos de proc. n.º 760/10.0TBELV.1, essa execução foi julgada extinta por inadmissibilidade legal e as quantias penhoradas foram devolvidas ao executado.
9) Em Dezembro de 2016, a Requerente deu conta aos autos que entre Dezembro de 2013 a Dezembro de 2016, o Requerido e a sua entidade patronal “O... Lda.”, pagaram em sete ocasiões (6 meses em 2014 e 1 mês em 2015) as prestações alimentícias devidas.
10) De Dezembro de 2013 até Dezembro de 2015, a entidade empregadora do requerido descontou-lhe do vencimento, a título de pensão de alimentos devida aos menores e em cumprimento da decisão referida em 4), o valor mensal de €250,00, sendo que a partir de Janeiro de 2016 até Fevereiro de 2017, passaram a ser efetuados descontos mensais do vencimento do progenitor a título de pensão de alimentos devida aos menores de montante mensal de €200,00.
11) Na sequência do aludido em 8), o Requerido entregou à requerente o montante de €1.800,00.
12) A entidade empregadora do requerido, “O... Lda.”, reconheceu-se devedora, em 30/03/2017, do montante descontado e não entregue, de €5.605,00.
13) Posteriormente, a mesma entidade “O... Lda.” comunicou em 27/06/2017 que o requerido deixou de ser seu trabalhador.
14) Em 26/01/2018, “O... Lda.” comprovou a entrega à Requerente do montante de €1.000,00.
15) Em 29/05/2018, “O... Lda.” comprovou a entrega à Requerente do montante de €400,00.
16) Entretanto, a requerente passou a receber, desde 28 de Maio de 2018, o valor da prestação alimentícia referente aos meses de Junho, Julho, Agosto, Setembro e Outubro desse ano, com a expressão mensal de €200,00.
17) Em 20 de Maio de 2019, “O... Lda.” comprovou a entrega à Requerente do montante de €200,00.
(…)».
9. O progenitor não entregou à progenitora qualquer quantia para pagamento das pensões de alimentos devidas a BB que se venceram nos meses de Março (inclusive) de 2017 a Agosto (inclusive) de 2021.
10. O progenitor não entregou à progenitora qualquer quantia para pagamento das pensões de alimentos devidas a CC que se venceram nos meses de Março (inclusive) de 2017 a Outubro (inclusive) de 2023.
11. BB encontra-se inscrito na Segurança Social como trabalhador por conta de outrem desde, pelo menos, Setembro de 2021.
12. CC encontra-se matriculado em curso do ensino superior no ano letivo 2023/2024.
Não foram considerados factos não provados.
O DIREITO Da não convocação da conferência de pais
Ao invés do sustentado pelo recorrente, o Tribunal a quo não realizou diligência contra legem. A intervenção assumida tem pleno cabimento à luz do disposto no nº 3 do art. 41º Regime Geral do Processo Tutelar Cível [RGPTC].
Com efeito, este preceito permite ao juiz que ordene a notificação do requerido «para, no prazo de cinco dias, alegar o que tiver por conveniente».
É certo que se trata de opção que o legislador reputou de excecional, mas tal qualificação apenas envolve a necessidade de fundamentação, ou seja, de indicação das razões que esteiem a conclusão pela excecional adequação em concreto da estrutura processual, nunca a proscrição[1].
Perante a ausência de indicação dos motivos excecionais e não se conformando, cumpria ao recorrente arguir a nulidade do ato judicial, no prazo legal, designadamente quando apresentou a respetiva alegação, o que, manifestamente, não fez. Ao assim agir, deixou cristalizar a intervenção que agora apoda de decisão surpresa e que manifestamente não é.
Não lhe assiste, já, a faculdade de intervir que pretende exercer.
É, pois, negativa a resposta à questão proposta.
Da violação do art. 574º do CPC
Sustenta o recorrente que ao considerar provados factos que impugnou, designadamente o valor dos alimentos em dívida aos dois filhos enquanto menores e depois de atingirem a maioridade, a decisão recorrida viola também o disposto no art. 574º do CPC.
Entende por isso o recorrente que «devem os factos feitos constar, como provados, de 9 a 12 da sentença recorrida ser considerados como Não Provados».
Escreveu-se na decisão recorrida:
«Amatéria descrita em 9. e 10. foi dada como provada por admissão do requerido, uma vez que este não alegou, de forma expressa, ter pago os montantes reclamados no presente incidente, limitando-se a invocar que ignora quais os concretos valores que a requerente recebeu da sociedade «O..., Lda.», mas que terá recebido 1.600,00 € (mil e seiscentos euros) entre Janeiro de 2018 e Maio de 2019 e que esta sociedade lhe descontou, até 30-03-2017, um montante de 5.605,00 € (cinco mil seiscentos e cinco euros) para lhe entregar. Ora, como deflui da matéria dada como provada em 7. e 9., todos os pagamentos efectuados pelo progenitor e pela sociedade «O..., Lda.» nos anos de 2014 a 2019 foram imputados ao pagamento dos montantes que se venceram e estavam em dívida no período compreendido entre Janeiro de 2012 e Dezembro de 2016, sendo certo que o progenitor também não alegou, nem comprovou que, após 20-05-2019 e para além de tais montantes, tenham sido entregues outros à progenitora (por si ou pela sociedade «O..., Lda.). Com efeito, os valores referidos pelo requerido já foram deduzidos e/ou considerados no valor devido a título de pensões de alimentos vencidas no período compreendido entre Janeiro de 2012 e Dezembro de 2016, pelo que não podem ser considerados como pagamento das pensões vencidas a partir de Março de 2017, as quais não estavam incluídas nas sentenças proferidas nos apensos B e D. Donde, não tendo tomado posição definida quanto ao incumprimento concretamente alegado pela progenitora, é forçoso concluir que o requerido o admitiu, em conformidade com o disposto n artigo 574.º, n.ºs 1 e 2. A isto acresce que, de acordo com o disposto no artigo 342.º, n.º 2, do C.Civ., a prova dos factos extintivos do direito invocado compete àquele contra quem a invocação é feita, pelo que, in casu e ao contrário do entendimento que parece defluir das alegações do progenitor requerido, não compete a progenitora/requerente fazer prova de que os montantes concretamente reclamados não foram pagos, mas antes ao progenitor/requerido fazer a prova de que efectuou o pagamento das quantias peticionadas, ou seja, das pensões de alimentos vencidas entre Março de 2017 e Outubro de 2023 (cf. artigo 762.º, n.º 1, do C.P.C.), o que não logrou fazer (como lhe competia). Para dar como provados os factos descritos em 11. e 12., o Tribunal valorou os documentos juntos com o requerimento inicial, que, de resto, não foram impugnados pelo requerido.»
Afigura-se inteiramente correto este entendimento, que subscrevemos por inteiro.
Ademais, como está provado[2], a entidade “O... Lda.” comunicou em 27.06.2017 que o requerido deixou de ser seu trabalhador, pelo que, pelo menos a partir daquela data, tinha o recorrente necessariamente de saber se pagou ou não as prestações em falta, comprovando nos autos o respetivo pagamento, o que não fez[3], com as consequência assinaladas na decisão recorrida.
Por conseguinte, o recurso improcede.
Vencido no recurso, suportará o requerido/recorrente as respetivas custas – art. 527º, nºs 1 e 2, do CPC.
IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente.
*
Évora, 11 de julho de 2024
Manuel Bargado (Relator)
Maria Adelaide Domingos
Maria João Sousa e Faro (vencida, nos termos da declaração que junto)
Declaração de voto
Salvo o devido respeito, daria provimento ao recurso pelos seguintes motivos:
1º- O Tribunal proferiu efectivamente uma decisão surpresa : recorrendo sem qualquer justificação a um expediente excepcional – notificação do requerido para alegar ao abrigo do disposto no nº3 do art.º 41º da Lei n.º 141/2015, de 08 de Setembro – desconsiderou por completo a sua resposta – que poderia relevar para efeitos do art.º 1880º do Cód. Civil - e, sem mais, proferiu sentença em que o condenou a pagar o montante global de 13.400,00 €, sendo 5.400,00 € a título de alimentos devidos ao seu filho BB e 8.000,00 € de alimentos devidos ao seu filho CC.
2º- Mas o certo é que outras razões desaconselhariam tal procedimento : É que relativamente ao BB, estão em causa pensões que na sua maioria se reportam a período de tempo em que este rapaz já havia atingido a maioridade ( o que sucedeu em 15.6.2017) i.e. reportam-se ao período de Março (inclusive) de 2017 a Agosto (inclusive) de 2021 e relativamente ao CC que atingiu a maioridade em 9.8.2023 estão em causa pensões de Março (inclusive) de 2017 a Outubro (inclusive) de 2023;
Ora, o acordo que foi declarado em "incumprimento" foi homologado durante a menoridade dos mesmos, em 16.6. 2011, pelo que esta “simplicidade” de procedimento, de natureza excepcional, repito, quando estão em causa alimentos a maiores - art.º 989º do CPC - não me parece correcta.
Maria João Sousa e Faro
__________________________________________________
[1] Cfr. acórdão da Relação de Lisboa de 22.03.2018, proc. 3060/16.9T8VFX-D.L1-6, in www.dgsi.pt.
[2] Ponto 8 dos factos provados, não impugnado pelo recorrente, onde se transcreve parte da factualidade dada como provada na sentença que constitui o apenso de incumprimento D.
[3] Como se disse supra, com as alegações não apresentou o requerido qualquer prova.