INQUÉRITO
PRISÃO PREVENTIVA
PROVA INDIRETA
Sumário

I. É lícito fazer juízos com base em prova indireta (id est realizar juízos de ilação a partir dos factos objetivos sobre os quais existe prova direta), sem que daí advenha mal ao mundo ou menoscabo das garantias de defesa do arguido.
II. A prova indireta (lógica, por presunção ou por indícios) consiste na ilação que o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido (artigos 349.º e 351.º do Código Civil). Isto é, em julgar provado um facto sem que sobre ele exista qualquer meio (direto) de prova, chegando-se ao factum probandum a partir da prova de outros factos que a ele se ligam com segurança, segundo as regras da lógica e da experiência comum.
III. A presunção permite que a partir de um facto preciso (ou de um conjunto e factos) conhecido(s), se adquira ou se admita a realidade de um facto não demonstrado, formando a convicção a partir das regras da experiência, de que normal e tipicamente (id quod plerumque accidit) certos factos são a consequência de outros.
IV. Mas tem necessariamente de fundar-se num facto indubitavelmente provado (e não numa inferência), devendo os indícios de que se parte ser contemporâneos do facto a provar, serem independentes, estarem interrelacionados, e não haja contraindícios (indícios em sentido contrário).

Texto Integral

I – Relatório
1. No âmbito dos presentes autos de inquérito, a correrem termos na Procuradoria da República de …, foi requerido ao Mm.o Juiz de Instrução Criminal de … o primeiro interrogatório judicial de arguidos detidos.

Realizados estes, veio a ser judicialmente imposta aos arguidos as respetivas medidas de coação e, concretamente no respeitante a AA, nascido a …/…/1986, com os demais sinais constantes dos autos, a medida de coação de prisão preventiva, por existirem fortes indícios da autoria da prática por ele de um crime de tráfico de substâncias estupefacientes, previsto nos artigos 21.º, § 1.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, e existir necessidade de acautelar os perigos de continuação da atividade criminosa e para a aquisição, conservação ou veracidade da prova.

2. Inconformado com o assim decidido traz o referido arguido o presente recurso, onde formula as seguintes conclusões:

«1. Nos termos do art.º 193.º n.º 6, al. d) do Código de Processo Penal, o despacho recorrido é nulo porquanto não alude aos factos concretos que permitem concluir pela verificação dos perigos constantes do art.º 204.º do Código de Processo Penal, designadamente o perigo de perturbação do inquérito e o perigo de continuação da atividade criminosa.

2. O despacho recorrido é manifestamente omisso quanto à referência aos factos concretos que permitem concluir pelo eventual (e distante) perigo de perturbação do inquérito, constando — aliás — do próprio despacho referências a "(...) possível influência ou interferência pelos arguidos (…)”

3. Conclui-se, portanto, que o preenchimento dos respetivos pressupostos foi alcançado com recurso a suposições, construções abstratas desgarradas da materialidade subjacente e, em suma, através de conjeturas não admissíveis pela ratio legis do preceito e pela própria natureza do direito penal.

4. No que concerne às referências que permitiram concluir pela verificação do perigo de continuação da atividade criminosa, o despacho recorrido é, salvo o devido respeito, insuficiente para fundamentar a aplicação da prisão preventiva.

5. Também aqui o despacho recorrido assenta em meras suposições e construções abstratas no sentido de que o tráfico, sendo uma atividade rapidamente lucrativa, é extraordinariamente aliciante para os seus percursores, o que favorece a reiteração.

6. Salvo o devido respeito, independentemente do mérito desta construção, a verdade é — porém — que a mesma peca por englobar numa formulação genérica todas as realidades com que nos vamos confrontado.

7. Uma vez mais, não há quaisquer referências a factos concretos que permitam concluir que o perigo de continuação da atividade criminosa é intenso e que, por esse motivo, deverá ser aplicada uma medida de coação que permita acautelar essa realidade.

8. Pelo contrário... É apenas dito que o tráfico de produto estupefaciente, em abstrato, favorece a reiteração das condutas em função dos lucros rapidamente obtidos.

9. Mas, se assim fosse, essa verdade inquestionável transportaria a quase totalidade dos nossos arguidos para um cenário de prisão preventiva, apenas porque estaria — em qualquer caso — verificado o perigo de continuação de atividade criminosa... Felizmente (permita-se-nos o desabafo), não é assim...

10. Urge, pois, compulsar o caso concreto e retirar as legais consequências dos factos indiciados e, bem assim, identificar quais os factos fortemente indiciados que permitem atestar a verificação do perigo que se pretende acautelar.

11. O despacho recorrido omite, pura e simplesmente, esse imperativo legal que consta inequivocamente da letra do art. 193.º n.º 6, al. d) do Código de Processo Penal.

(…) (1)

13. A aplicação da prisão preventiva nos presentes autos traduz a violação dos princípios da legalidade (arts 29.º n.º 1, da CRP e 191.º do CPP), excecionalidade e necessidade (arts 27.º, n.º 3 e 28.º n.º 2.º da CRP e 193.º do CPP), adequação e proporcionalidade (art. 193.º do CPP), como emanação do princípio da presunção da inocência do arguido, contido no artigo 32.º n.º 2 da Constituição, bem como, o disposto no art.º 204.º do CPP.

14. De facto, não se verifica a existência de qualquer um dos perigos constantes do art.º 204.º do Código de Processo Penal, a saber: (i) perigo de fuga; (ii) perigo de perturbação do inquérito e aquisição/conservação da prova; (iii) perigo de continuação da atividade criminosa; (iv) perigo de grave perturbação da ordem e tranquilidade pública.

15. Nenhuma medida de coação pode ser aplicada se, no caso concreto, não existirem indícios objetivos que apontem para a existência de um dos perigos, tal como consta do art. 1942 , n.º 6, al. d) do Cód. de Processo Penal.

16. Por esse motivo, mal andou o Tribunal recorrido ao determinar a aplicação da prisão preventiva.

17. Caso assim não se entenda, porém, sempre se dirá que a substituição da prisão preventiva pela medida de obrigação de permanência na habitação com recurso a meios de vigilância eletrónica é adequada e proporcional às premissas do caso concreto, tendo a virtualidade de garantir — com recurso a fiscalização eletrónica instalada pela DGRSP — o afastamento do arguido do local do cometimento dos factos e, bem assim, limitar os seus movimentos, na medida em que seria colocado em regime de obrigação de permanência na habitação. (Doc.1).

18. A prisão preventiva é a medida de coação de ultima ratio no nosso ordenamento jurídico, devendo ser substituída por uma medida menos gravosa sempre que as premissas do caso concreto o aconselhem e justifiquem.

19. Nos presentes autos, a obrigação de permanência na habitação com recurso a meios técnicos de controlo à distância permite acautelar de forma eficaz os perigos invocados no despacho recorrido, designadamente o perigo de continuação da atividade criminosa, na justa medida em que não há indícios que a atividade se tenha desenvolvido na área onde o arguido seria colocado em reclusão na sua habitação.

20. Por outro lado, a apertada fiscalização dos órgãos de polícia criminal, dos serviços prisionais e do agregado familiar do arguido permitiria, com relativa segurança, acautelar os perigos que, numa primeira análise, justificam a aplicação de uma (qualquer) medida de coação à exceção do termo de identidade e residência já prestado.»

3. Admitido o recurso, ao mesmo veio responder o Ministério Público, dizendo, no essencial, que:

- O despacho recorrido indica os factos indiciados e as normas em que se firma a decisão;

- O despacho recorrido indica os perigos que importa acautelar por inferência da situação de facto nele descrita;

- Não se verifica qualquer nulidade, mostrando-se cumpridas todas as formalidades previstas no artigo 194.º CPP;

- O recorrente evidencia só vive daquela atividade e os sinais de riqueza que patenteia (disponibilidade de habitações e de veículos), advêm daquela atividade;

- A obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica não se mostra adequada a prevenir o perigo de continuação da atividade criminosa;

- Os antecedentes criminais do arguido por factos idênticos são evidente sinal de que continua a desenvolver a mesma atividade a que já anteriormente se vinha dedicando.

4. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Ministério Público pronunciou-se no sentido de o recurso não merecer provimento.

5. Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2 do CPP, o arguido não apresentou qualquer resposta.

6. Efetuado exame preliminar e nada obstando ao prosseguimento do recurso foram os autos à conferência.

Cumpre apreciar e decidir.

II – Fundamentação

a. Delimitação do objeto do recurso O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (artigo 412.º, § 1.º CPP) (2), estando suscitadas três questões: i) Nulidade do despacho recorrido; ii. Indícios da prática pelo recorrente do crime de tráfico de substâncias estupefacientes, previsto no artigo 21.º, § 1.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro; iii) Pressupostos da medida de coação aplicada ao recorrente (prisão preventiva); iv) Suficiência da medida de coação de Obrigação de Permanência na Habitação com Vigilância Eletrónica.

b. Decisão recorrida

A decisão recorrida, na parte que concerne à atuação do recorrente, tem o seguinte teor:

«108. Também na mesma zona de …, o grupo constituído por AA, conhecido como “…”, BB, CC e DD dedicam-se à venda de produto estupefaciente, pelo menos desde novembro de 2022, concretamente heroína, cocaína e canábis, através da venda dessas substâncias a terceiros, mediante a cobrança de um preço superior ao despendido com a sua compra, como forma de obter proventos de que necessitavam para custear o seu sustento.

109. Existe uma relação de hierárquica entre os suspeitos, sendo AA (“…”,) quem planifica, controla e gere toda a atividade ilícita, auxiliado por BB, CC e DD.

110. O arguido AA desloca-se frequentemente a …, onde adquire produto estupefaciente para posterior venda na zona de …, fazendo uso nas suas deslocações do veículo de marca … modelo …, de matrícula … e no veículo de marca … de matrícula ….

111. BB utiliza nas suas deslocações, designadamente nos encontros com os fornecedores e compradores de produto estupefaciente, o veículo de marca …, modelo … de matrícula ….

112. Na sua maioria as vendas são efetuadas no estabelecimento “…” sito na Rua …, em …, explorado por CC, para onde o arguido AA e os suspeitos se deslocam diariamente para aí procederem à venda de produto estupefaciente cocaína, heroína e canábis a consumidores que ali se deslocam.

113. Os consumidores conhecedores de tal estratagema, deslocam-se ao interior do estabelecimento, onde permanecem menos de um minuto, e adquirem o produto a um dos três suspeitos, consoante o que se encontrar disponível no momento, logo que recebem o produto abandonam o local.

114. CC, exploradora do referido estabelecimento, é quem mais tempo permanece naquele local, efetuando as vendas sempre que AA e BB não estão presentes no ….

115. Quando o produto estupefaciente acaba, devido à elevada procura, CC contacta com BB a quem pede se dirija ao estabelecimento e que lhe entregue produto para vender aos consumidores que se encontravam junto do … e nas imediações a aguardar.

116. CC auxilia ainda BB e o arguido AA no armazenamento e corte de produto, recebendo instruções dos suspeitos designadamente de BB sobre o modo de preparação do produto estupefaciente.

117. Do mesmo modo agia DD que, sempre que precisava de instrumentos para proceder ao corte e pesagem do produto, como balanças e mesmo de produto contactava com BB, como ocorre designadamente nos dias dia 29/09/2023, pelas 02h00m, 30/09/2023, pelas 10h00, no dia 07/10/2023, pelas 18h45m, e no dia 08/10/2023 pelas 11h29m.

118. DD também efetuava vendas diretas a consumidores.

119. Em várias ocasiões, os compradores contactavam CC que, quando não tinha produto estupefaciente para venda ou não estava disponível, encaminhava os compradores para BB, recebendo, em algumas vezes, previamente o pagamento do produto.

120. AA, fruto da atividade ilícita levada a cabo e dos seus comportamentos agressivos com terceiros, vem a impor-se no negócio da venda de produtos estupefacientes na zona de …, quer angariando pequenos consumidores /vendedores que a esse negócio já se dedicavam, quer recorrendo a pessoas da sua confiança como é o caso de BB, CC e DD, sendo que os demais vendedores de estupefacientes precisam da sua autorização para vender na zona de …, sob pena de represálias.

121. Não obstante ser no …“…” onde o suspeito AA permanece a maioria do tempo e onde vende produto estupefaciente juntamente com CC e BB, o mesmo permite que também EE e FF efetuem vendas de produto estupefaciente nessa zona, a quem também ocasionalmente fornece produto estupefaciente.

122. Era usual os consumidores entrarem em contacto com os suspeitos através de telemóvel, acertavam o local e a quantidade de droga que pretendiam adquirir, entregando, como contrapartida, quantitativos monetários previamente estabelecidos.

123. Nos contactos telefónicos que efetuavam entre si ou com vendedores e compradores de produto estupefaciente os suspeitos usavam os números:

- O suspeito AA, (“…”) - …, …, … e IMEIS …; …; ….

- O suspeito BB - …, …, …, …, …, …, …;

- A suspeita CC – …; …

124. Quando contactavam entre si os suspeitos usavam linguagem codificada e as expressões “fumo” referindo-se a canábis e “escura”, referindo-se a heroína., “pilim” referindo-se a dinheiro.

125. O arguido AA e o suspeito BB, seguindo instruções daquele utilizavam a residência sita na Rua … nº …, em … para ali guardar, preparar e embalar o produto estupefaciente para venda, dispondo ambos chaves da porta da mesma para ali acederem quando necessário.

126. BB também efetua vendas de estupefacientes a partir da residência sita na Rua … nº …, em …, a consumidores que ali se deslocam.

Concretizando:

127. No dia 08/08/2023, pelas 16h20m, AA, no estabelecimento “…”, entregou produto estupefaciente a consumidor que ali se deslocou, recebendo em troca dinheiro.

128. No dia 24/09/2023, pelas 10h37m, DD (com o telefone …) entregou cocaína, referindo-se como “da nossa cor” a GG (com o telefone …), que previamente a contactou por telefone.

129. No dia 25/09/2023, pelas 20h59m, a consumidora HH (com o telefone número …) ligou a BB pedindo-lhe produto estupefaciente dizendo este para a mesma ir ao … “ter com as miúdas”, referindo-se a CC e DD.

130. No dia 26/09/2023, pelas 10h38m, BB (com o telefone …) entregou um grama de cocaína e um grama de heroína a II (com o telefone …), recebendo em troca dinheiro.

131. No dia 27/09/2023, pelas 19h22m, o BB (com o telefone …) ligou a JJ (com o telefone …) avisando-o que devia contactar e encontrar-se com o arguido AA.

132. Na sequência desse contacto, no dia 29/09/2023, em hora não concretamente apurada, mas antes das 02h00, AA encontrou-se com JJ e entregou-lhe 28,779 gramas de cocaína (cloridrato) com o grau de pureza de 59,7%, correspondente a 85 doses.

133. No dia 27/09/2023, pelas 08h06m, BB (com o telefone …) entregou um grama de cocaína e um grama de heroína a KK (com o telefone …), recebendo em troca dinheiro.

134. No dia 30/09/2023, pelas 07h36m, BB entregou um grama de cocaína e um grama de heroína a HH (com o telefone …), combinando encontro perto da “casa do rasta”, recebendo em troca dinheiro.

135. Nesse dia, pelas 18h18m, BB entregou produto estupefaciente, uma grama de cocaína e uma grama de heroína, a LL (com o telefone …) combinando encontro na residência do mesmo, recebendo em troca dinheiro.

136. No dia 04/10/2023, pelas 16h30m, BB (com o telefone …) entregou uma grama de cocaína e uma grama de heroína a MM (com o telefone …), combinando encontro no café daquele.

137. No dia 18/10/2023, pelas 10h50m, BB entregou produto estupefaciente a desconhecida junto do café sito no edifico ….

138. Nesse dia, pelas 12h18, BB e CC entregaram produto estupefaciente aos consumidores de nome KK (conhecido por “…”) e outro não identificado, que se deslocaram para o efeito ao … “…”.

139. No dia 19/10/2023, pelas 18h43m e pelas 18h44, no interior do … “…” CC entregou produto estupefaciente a dois consumidores desconhecidos, sendo que um se fazia deslocar no veículo de matrícula …, propriedade de NN.

140. Ness dia, pelas 17h26m, CC telefonou a BB pedindo-lhe que levasse produto estupefaciente para o …, pois já não tinha nada e estavam muitas pessoas à espera.

141. Assim, pelas 19h00, após BB chegar com o produto estupefaciente, interior do … “…”, CC e BB entregaram produto estupefaciente a dois indivíduos que ali se deslocaram (sessão 452, fls. 108 e rel vig fls. 23)

142. No dia 20/10/2023, pelas 17h06m, BB (com o telefone …) entregou produto estupefaciente a OO (com o telefone …), que o contactou previamente por telefone, recebendo em troca dinheiro.

143. Nesse mesmo dia, pelas 18h38m, junto do estabelecimento “…”, BB entregou produto estupefaciente a individuo não identificado.

144. No dia 25/10/2023, pelas 10h56m, BB (com o telefone …) entregou três gramas de cocaína a PP, que previamente contactou telefonicamente com CC e com esta acordou a quantidade e valor.

145. No dia 25/10/2023, pelas 17h00, o arguido AA entregou produto estupefaciente haxixe a um individuo que se deslocou junto ao … …, fazendo-se transportar num moto elétrica.

146. Nesse dia, pelas 17h08m, após BB e AA terem-se ausentado do referido estabelecimento, CC entregou produto estupefaciente a individuo não identificado que ali se deslocou, recebendo em troca dinheiro.

147. Ainda nesse dia, pelas 18h45m BB entregou produto estupefaciente a QQ tendo-se encontrado com o mesmo na Rua …, em ….

148. No dia 02/11/2023, pelas 17h16m, RR e outro individuo não identificado dirigiram-se ao estabelecimento “…” e contactaram com CC pedindo produto estupefaciente, que lhes disse para irem ao encontro de BB.

149. Após, CC contactou telefonicamente BB avisando que iam dois indivíduos “…” ao seu encontro para comprar produto estupefaciente.

150. Assim, nesse dia, pelas 17h45m, BB, junto do edifício …, entregou a RR 0,65 gramas de cocaína, recebendo em troca a quantia de €50,00.

151. No dia 03/11/2023 pelas 07h21m, BB (com o telefone …) entregou um grama de cocaína e um grama de heroína a II (com o telefone …), recebendo em troca dinheiro.

152. No mesmo dia, entre as 17h15 e as 17h43m, BB entregou produto estupefaciente a quatro indivíduos, conduzindo o veículo de matrícula … registado em nome de “…”) que se deslocaram à sua residência sita na Rua … nº …, em ….

153. No dia 09/11/2023, pelas 11h50, BB entregou produto estupefaciente a PP (telefone …) que previamente contactou com CC e com acordou a venda e a quem fez o pagamento.

154. No dia 10/11/2023, pelas 11h50, BB entregou cocaína e heroína a II (telefone …) que previamente contactou com CC e a quem fez o pagamento.

155. No dia 10/11/2023, pelas 13h27m, CC entregou 3 gramas de cocaína a PP (telefone …), recebendo em troca €150,00, e pelas 14h47m, entregou produto estupefaciente a SS (telefone …) que se dirigiram ao … “…”, conforme previamente combinado por telefone.

156. No dia 23/11/2023, pelas 19h05m, CC e o arguido AA entregaram cocaína a II que se deslocou ao … “…”.

157. No dia 05/12/2023, AA, junto do edifício …, entregou a TT 0,354 gramas de cocaína (cloridrato) com o grau de pureza de 41% correspondente a uma dose, recebendo em troca €20,00.

158. No dia 07/12/2023, pelas 16h00, CC, no interior do estabelecimento “…” entregou, a troco de dinheiro, produto estupefaciente a UU que ali se deslocou fazendo-se transportar a pendura no veículo de matrícula ….

159. Nesse dia, pelas 17h04m, BB entregou produto estupefaciente ao condutor do veículo de matrícula …, que se deslocou ao … “…”.

160. No dia 11/12/2023, pelas 18h20, no interior do estabelecimento “…” os suspeitos AA, BB e CC entregaram produto estupefaciente a troco de dinheiro a dois consumidores não identificados que ali se deslocaram.

161. Nesse dia, pelas 18h30m, o suspeito BB, no mesmo local, entregou a VV 0,34 gramas de heroína e 0,77 gramas de cocaína, recebendo em troca dinheiro.

162. No dia 18/12/2023, pelas 14h30, no interior do estabelecimento “…” o suspeito BB entregou produto estupefaciente haxixe a troco de dinheiro a uma consumidora que ali se deslocou.

163. No dia 25/12/2023, pelas 18h00, BB (telefone …) entregou produto estupefaciente a individuo não identificado (com o telefone …), que o contactou por telefone, e pelas 19h39m, entregou 10 gramas de cocaína ao individuo com o telefone ….

164. No dia 28/12/2023, pelas 14h46m, no interior do estabelecimento “…” o arguido AA entregou a XX, que ali se deslocou, 0,177 gramas de cocaína (cloridrato) com o grau de pureza de 64,9% correspondente a uma dose e 2,671 gramas de canábis resina com o grau de pureza de 34,2%, correspondente a 18 doses, recebendo em troca dinheiro.

165. No dia 04/01/2024, entre as 16h31m e as 17h36, o arguido AA e os suspeitos BB e CC entregaram produto estupefaciente a onze consumidores que se deslocaram ao café “…”, recebendo em troca dinheiro, entre os quais os consumidores YY, ZZ, AAA,

166. No dia 05/01/2024 pelas 15h59m, no interior do estabelecimento “…” a suspeita CC entregou produto estupefaciente a ZZ e BBB que ali se deslocaram, recebendo em troca dinheiro

(Processo nº 83/24.8GHSTC)

167. No dia 12/02/2024, pelas 02h30m, BB dirigiu-se ao baile de carnaval que decorria no “…”, sito na Estrada …, para aí proceder à venda de produto estupefaciente.

168. Nessa ocasião, BB detinha, numa bolsa que trazia pendurada ao pescoço, três embalagens contendo 7,63 gramas que sujeito a teste rápido revelou ser heroína.

169. Detinha ainda na sua posse duas embalagens de cartões SIM, um telemóvel … e duas notas do BCE com o valor facial de €10,00

170. No dia 17/02/2024 o arguido AA e a suspeita CC dirigiram-se ao “Hotel …”, sito Rua …, em …, onde reservaram um quarto, com o nº …, por uma noite, que foram renovando diariamente, até pelo menos, dia 06/03/2024.

171. Assim, no dia 06/03/2024, o arguido AA e a suspeita CC detinham no interior do referido quarto com o nº …

- Uma caixa de ténis de cor vermelha com inscrição … contendo no seu interior diversos pedaços de plástico, um maço de tabaco vazio, uma ponta de cigarro e uma fatura/recibo do hotel … em nome “…CC”;

- Quatro balanças digitais com resíduos de produto suspeito de ser estupefaciente;

- Uma embalagem de cor castanha contendo no seu interior sete placas e um pedaço de produto que sujeito a teste rápido relevou ser canábis com o peso de 776 gramas;

- Um saco de plástico com a inscrição “…” de cor castanha com riscas pretas, que no seu interior continha produto com o peso de 52,22 gramas que sujeito a teste rápido revelou ser cocaína;

- Um saco azul que continha no seu interior dois sacos transparente que continham no seu interior produto com o peso de 218,90 gramas que sujeito a teste rápido revelou ser heroína;

- Um rolo de sacos transparentes e vários pedaços de plástico transparente, duas colheres com vestígios de produto suspeito de ser estupefaciente de cor castanha e de cor branca; e duas tesouras;

- Quatro very-light de cor laranja de marca ..;

- Um carregador de pistola semiautomática com capacidade para albergar munições de calibre 7,65mm; 3 (três) cartuchos de calibre 12mm

172. No mesmo dia, pelas 17h11, m. o arguido AA conduzia o veículo de marca … de matrícula …, na Rua … em …, detendo, nessa ocasião, no interior do veículo:

- 1 (uma) pedra de produto estupefaciente que sujeito a teste rápido revelou ser heroína, com o peso bruto de 71.24 gramas, acondicionada em pelicula plástica aderente, no chão do automóvel junto ao banco do condutor, na sua lateral.

– 1 (um) telemóvel smartphone, de marca “…”, modelo …, com o n.º série desconhecido, sem cartão SIM com o IMEI n.º desconhecido, em cima do banco do condutor,

– €1425 (mil quatrocentos e vinte e cinco euros) em numerário (notas), sendo: 21 em notas de 50 euros, 18 notas de 20 euros, 1 nota de dez euros e 1 nota de 5 euros, no interior de uma bolsa de marca “…”, de cor azul, que estava localizada em cima do banco do condutor.

- Vários pedaços de produto que sujeito a teste rápido revelou ser Haxixe, com o peso bruto aproximado de 8,20 gramas, acondicionados num pequeno frasco em plástico, num saco tipo Zip e em pelicula plástica aderente, guardados na consola central do automóvel.

- 1 (um) telemóvel smartphone, de marca “…”, modelo …, com o n.º série desconhecido, com cartão SIM, da rede …, com o n.º …, com o IMEI n.º …, guardado no suporte de apoio da porta do condutor.

173. O arguido efetuou a condução de tal veículo sem ser titular de carta de condução ou qualquer outro documento que legalmente lhe permitisse conduzir o mesmo na via pública.

174. No dia 06/03/2024, pelas 17h52m, o arguido AA detinha na residência sita na Rua …, lote …, … andar, em …:

- 3 (três) facas de cozinha, com vestígios de produto estupefaciente do tipo pólen de haxixe, nas suas laminas, guardadas na última prateleira de uma estante,

- 1(um) X-ato e 1 (uma) tesoura, com vestígios de produto estupefaciente do tipo pólen de haxixe, nas suas laminas, guardados na última prateleira de uma estante;

- 35 (trinta e cinco) sacos de plástico herméticos transparentes do tipo ZIP, habitualmente utilizado pelos indivíduos que se dedicam ao tráfico de estupefacientes, com o intuito de acondicionar produto estupefaciente em pequenas porções, foram localizadas e apreendidas em cima de uma mesa, as mesmas encontravam-se em bom estado de conservação.

– 1 (uma) balança de precisão, da marca e modelo desconhecidos e cor cinzenta, guardada dentro de um saco debaixo da cama,

– 1 (um) taco de basebol em alumínio, com as inscrições “…”, de cor cinzenta, guardao num stande de parede, em estado de conservação.

– 1 (um) cofre em metal, com acesso por código e chave, com as inscrições “…”, guardado no interior de uma mala que se encontrava debaixo da cama,

- 1 (uma) arma de airsoft, do tipo pistola, de cor preta, da marca e modelo desconhecidos, com o número identificativo …, com respetivo carregador, em bom estado de conservação, guardada por baixo do colchão da cama do quarto;

- 1 (um) computador portátil, da marca …, modelo … com o número de série …, de cor cinzenta, com respetivo carregador e rato, guardado por baixo da cama dentro de um saco de plástico.

- 1 (um) computador portátil, da marca …, modelo …, com o número de série …, com respetivo carregador, de cor cinzenta, guardado por baixo da cama dentro de um saco de plástico.

175. Nesse dia, pelas 16h55m, o arguido AA e a suspeita CC detinham na residência de ambos sita na Avenida … nº …, …:

- Cofre que se encontrava no quarto utilizado pelos suspeitos

- Um documento único automóvel do veículo de matrícula … propriedade de CC;

- Um passaporte com o nº … titulado por CC guardado no interior de uma mala de viagem.

176. No dia 06/03/2024, pelas 11h00m, a suspeita CC dirigiu-se estabelecimento comercial denominado “…”, sito na Rua …, em …, abriu o mesmo e após ausentou-se para parte incerta.

177. Nesse dia, pelas 17h20m, no interior do estabelecimento comercial denominado “…”, sito na Rua …, em …, explorado por CC, o arguido AA e a suspeita detinham:

a) um casaco de cor preta, num bengaleiro junto à porta contendo no interior do forro:

- Um saco transparente com fecho hermético, contendo no seu interior diversos pacotes com produto que sujeito a teste rápido revelou ser cocaína, com o peso total de 29,8 gramas,

- Uma embalagem plástica contendo produto que sujeito a teste rápido relevou ser canábis com o peso de 49,2 gramas,

- Um saco transparente com fecho hermético contendo produto com o peso de 2,9 gramas que sujeito a teste rápido revelou ser cabanis;

- Um saco transparente com fecho hermético contendo produto com o peso de 2,7 gramas que sujeito a teste rápido revelou ser cabanis;

- Um saco transparente com fecho hermético contendo produto com o peso de 2,5 gramas que sujeito a teste rápido revelou ser cabanis;

- Um plástico transparente contendo produto com o peso de 2,6 gramas que sujeito a teste rápido revelou ser heroína;

- Um plástico transparente contendo produto com o peso de 0,7 gramas que sujeito a teste rápido revelou ser cocaína;

- Um plástico transparente contendo produto com o peso de 2,5 gramas que sujeito a teste rápido revelou ser canábis

- Um saco transparente com fecho hermético contendo produto com o peso de 2,7 gramas que sujeito a teste rápido revelou ser cabanis;

- Um saco transparente com fecho hermético contendo produto com o peso de 2,6 gramas que sujeito a teste rápido revelou ser cabanis;

b) no interior do casaco da empregada,

- €250,00 (duzentos e cinquenta euros) em numerário, no bolso direito;

- Um saco transparente com fecho hermético.

- €39,76 (trinta e nove euros e noventa e cinco cêntimos) em numerário; no bolso esquerdo do casaco

c) no interior da bolsa da empregada: €160,66 em numerário;

d) por baixo do balcão:

- Um taco de basebol e, alumínio amolgado, da marca …;

- Um taco de basebol de madeira da marca …;

e) no balcão por baixo do frigorifico: duas embalagens contendo sacos com fechos herméticos

178. O citado produto estupefaciente detido pelos arguidos destinava-se à venda a terceiros e as quantias monetárias que detinham era lucro obtido com a venda de produto estupefaciente.

179. O produto estupefaciente apreendido no interior do Café “…” destinava-se a ser vendido pelo arguido AA e pelos suspeitos CC e BB aos consumidores que ali se deslocavam para o efeito, conforme supra descrito.

180. Os arguidos destinavam o produto estupefaciente que lhe foi apreendido, a ser vendido a todos os terceiros revendedores e/ou consumidores de canábis, cocaína e heroína que os contactassem para o efeito, como acima descrito.

181. Os telemóveis apreendidos eram utilizados pelos arguidos para estabelecer contactos com terceiros - fornecedores, revendedores e consumidores, na atividade de tráfico que desenvolviam.

182. As quantias monetárias apreendidas constituem o lucro decorrente das vendas de estupefaciente efetuadas pelos arguidos.

183. Os restantes objetos apreendidos, como as balanças, sacos plásticos transparentes, colheres, facas serviram para a preparação, doseamento, acondicionamento e preservação do canábis, cocaína e heroína.

184. Aos arguidos não lhe são conhecidos hábitos de trabalho ou outras fontes de rendimento lícitas.

185. Os arguidos EE, FF e AA não tem qualquer atividade profissional declarada.

186. O arguido EE não aufere qualquer remuneração declarada desde abril de 2022.

187. AA encontra-se inscrito na Segurança Social como trabalhador de CC declarando um vencimento mensal de €612,60.

188. Por sua vez CC tem último rendimento declarado em 05/2023 como trabalhadora da empresa “…”

189. O dinheiro que sustenta os arguidos e as respetivas famílias provem em exclusivo, da atividade ilícita levada a cabo e supra descrita.

190. Os arguidos EE, FF agiram de forma deliberada, livre e consciente, em comunhão de esforços e intentos, também com e CCC com o propósito concretizado de preparar, transportar, ilicitamente deter e vender produto estupefaciente, designadamente canábis, cocaína e heroína, bem sabendo que não estavam autorizados a fazê-lo.

191. O arguido AA, agiu de forma deliberada, livre e consciente, em comunhão de esforços e intentos com BB e CC, com o propósito concretizado de preparar, transportar, ilicitamente deter e vender produto estupefaciente, designadamente canábis, cocaína e heroína, bem sabendo que não estavam autorizados a fazê-lo.

192. Todos os arguidos tinham perfeito conhecimento do tipo de estupefaciente que preparavam, transportavam, ilicitamente detinham e vendiam, bem como da natureza e características dos mesmos.

193. Os arguidos desenvolveram esta atividade, não obstante conhecer as características estupefacientes das substâncias detidas e transacionadas, e as consequências nefastas e aditivas que as mesmas provocavam nas pessoas que as consumiam.

194. A posse pelo arguido AA dos tacos de basebol e da arma airsoft com as características acima descritas, era proibida, não possuindo qualquer uso definido, por não serem utilizados nos hábitos profissionais do arguido nem no seu uso doméstico ou desportivo, sendo suscetíveis de serem utilizados como armas de agressão.

195. O arguido conhecia bem as características deste taco de basebol e arma de airsoft que possuía, nomeadamente a sua natureza contundente e que, por esse motivo e por não terem qualquer utilidade lícita conhecida nem o arguido possuir qualquer justificação para os deter, a sua detenção era proibida.

196. O arguido AA não é titular de licença de uso e porte de arma ou qualquer outra que o habilite a ter em seu poder quer o carregador de arma semiautomática quer as munições e os very lights supra referidas.

197. O arguido sabia ser proibida a detenção do carregador, das munições e very lights, cujas características bem conhecia, sabendo não estar autorizado para o efeito.

198. O arguido AA sabia que não podia conduzir o aludido veículo ligeiro de passageiros no dia 06/03/2024, na referida via, conforme supra descrito, por não estar legalmente habilitado para o efeito, e apesar disso conduziu-o da forma descrita.

199. O arguido FF detinha a arma tipo revolver supra descrita, não sendo titular de licença para detenção, seu uso e porte.

200. O arguido FF sabia ser proibida a detenção da descrita pistola, cujas características bem conhecia. Agiu consciente e voluntariamente, sabendo que a sua conduta era proibida e tinha a liberdade para se determinar de acordo com essa avaliação.

201. Sabiam os arguidos que suas condutas eram ser proibidas e punidas por lei.

Os factos resultam indiciados dos seguintes meios de prova:

Da prova:

Prova, a dos autos, nomeadamente:

Processo principal

Processo nº 11/21.2GASTC, a dos autos designadamente:

- Auto de notícia de fls. 3 a 6;

- Autos de apreensão, fotografias, autos de pesagem e testes rápidos: a fls. 15 e 16, 17 a 21, 22 e 23, 24 a 26, 35 e 36;

- Apenso III – interceções telefónicas - certidão extraída do processo nº 161/21.5T9LRS (fls. 95 e seguintes)

- Informação SIMP a fls. 50 e 51, 54 e 55;

- Talão/recibo de multibanco a fls. 27, 28;

- Relatório pericial de fls. 256 e 274

- Relatórios de diligências externas de fls. 320 a 324, 356 a 367, 375 a 383, 516;

- Relatório de vigilâncias constante do Apenso Vigilâncias;

- Relatórios de audição, constante do apenso interceções.

- Cópia de auto de notícia de fls. 577;

- Cópia de aditamento ao auto de notícia e auto de apreensão do processo nº 183/20.3GHSTC de fls. 673 a 677;

- Cópia de auto de notícia do processo nº 572/23.1GHSTC de fls. 1039 a 1043 e de fls. 1161 a 1178;

- Apenso de transcrições de interceções telefónicas;

- Informação da Câmara Municipal de … de fls. 755 a 757;

- Termo de entrega de fls. 768;

- Auto de consumo de fls. 769 e 770;

- Auto de apreensão de fls 773 a 779;

- Certidão extraída processo nº 322/23.2GGSTC de fls. 1022 a 1034; 1270 a 1282;

- Relatório de vigilância de fls. 830 a 836;

- Auto de consumo, auto de pesagem e teste rápido de fls 836 a 839;

- Relatórios de audição de fls. 843 a 850; 895 a 910; 1057;

- Auto de diligência externa de fls. 1058,

- Relatório de vigilâncias de fls. 1059 a 1062;

- Apensos de transcrições;

- Certidão extraída do processo nº 496/23.2GHSTC de fls. 988 a 1020;

- Pesquisas de fls. 920 a 927;931 a 934, 942 a 944, 953, 955;

- Cópia do auto de notícia de fls. 1039 a 1043;

- Autos de consumo de fls. 1044 a 1049;

- Auto de diligencia externa de fls. 1058;

- Relatório pericial de fls 1160;

- Print do IMT de fls. 1347 e 1348

- Declarações de rendimentos de fls. 1286 a 1308, 1325 a 1330;

- Relatório de vigilância de fls. 1312 e 1313;

- Informação sobre … da PSP de fls. 1356 e 1357;

- Relatório de vigilância de fls 1359 a 1362:

- Auto de busca e apreensão de fls. 1422 a 1429, 1454 a 1458 (arguido FF);

- Auto de pesagem e teste rápido de fls. 1430 a 1433;

- Auto de busca e apreensão de fls. 1587 a 1591, 1606 (arguido EE);

- Auto de pesagem e teste rápido de fls. 1592 e 1593;

- Autos de busca e apreensão de fls.1743, 1814 a 1819, 2006 a 2014; 2016 a 2019 (arguido AA);

- Auto de pesagem e teste rápido e reportagem fotográfica de fls 1745 a 1748; 2020 a 2022;

- Informação de fls. 2023;

- Autos de busca e apreensão e autos de peagem e teste rápido de fls. 2046 a 2051;

- CRC dos arguidos de fls. 928 a 931; 935 a 941, 944 a 952, 954

Testemunhas:

(…)

Processos apensos

a) Processo nº 2/22.6GASTC:

Prova testemunhal:

(…)

Prova documental:

1. Auto de Notícia de fls. 3-5:

2. Auto de Busca em veículo de fls. 9-11;

3. Testes rápidos e pesagem de fls. 13 e 89-90;

4. Autos de Apreensão de fls. 49-50, 58-59 e 91-92v.;

5. Aditamento de fls. 83-83v.

6. CRC de fls. 64 e 65;

7. Print da base de dados da Segurança Social de fls 99.

Prova pericial:

1. Relatório pericial de fls. 306 e 303 do processo principal;

b) Processo 41/22.7GHSTC:

- Auto de notícia de fls. 6;

- Auto de apreensão de fls. 8 e 12;

- Relatório fotográfico de fls. 16 e 17;

- Termo de entrega de fls. 3 e 4

- Relatório perícia de fls. 405 (processo principal)

c) Processo nº 83/24.8GHSTC:

- Auto de notícia de fls. 7 a 12

- Auto de apreensão de fls.13

- Teste rápido e termo de pesagem de fls. 14 e 15.

(…)

Indiciam fortemente os autos a prática pelos arguidos da factualidade elencada pelo Ministério Público no despacho fls. 2053 e seguintes – que se dá por reproduzida – suscetível de consubstanciar a prática dos ilícitos de:

(…)

- A prática, em co-autoria pelo arguido AA, com os suspeitos BB, CC de um crime de tráfico de produto estupefaciente, p. e p. pelo art.º 21º nº1 do DL nº15/93 de 22 de Janeiro, com referência às tabelas I-A, I--B e I-C, anexas ao referido Decreto-Lei.

(…)

Está ainda fortemente indiciada a prática:

- Pelo arguido AA de:

a) um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelos artigos 3º nº2 alínea g) e art.º 86.º, n.º 1, alínea d) da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro;

b) um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelos artigos 2º nº2 alínea l), art.º 3º nº2 al ad), art.º 4º e art.º 86.º, n.º 1, alínea e) da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro.;

c) um crime de condução de veículo sem habilitação legal previsto e punido pelo art.º 3º nº1 e 2 do DL 2/98 de 03/01.

(…)

No que respeita ao primeiro arguido – AA – o mesmo negou reiteradamente a prática de quaisquer factos suscetíveis de consubstanciar a prática de um crime de tráfico de estupefacientes. Fê-lo, contudo, atabalhoada e inconsistentemente: nunca explicou, de modo remotamente plausível e convincente, que atividade exercia nos estabelecimento …, em … - muito longe de a sua casa de morada de família no … –, nem as vigilâncias e interceções que o associam à venda de produto de estupefaciente, ou as apreensões de objetos associados ao trafico nos espaços que frequentava, e muito menos os mais de 1400 euros que transportava quando assume ter um salário sensivelmente correspondente ao salário mínimo.

Com efeito, a razão pela qual se dão como fortemente indiciados os factos elencados pelo Ministério Público e respeitantes aos três arguidos prende-se com a necessário e lógica conjugação dos múltiplos elementos probatórios angariados nos autos: prova testemunhal, interceções telefónicas, vigilâncias e apreensões. É normal - e até inevitável - que alguns elementos probatórios, se isoladamente considerados, possam suscitar duvidas sobre o seu concreto e efetivo significado: as vigilâncias, por exemplo, permitem, com honestidade intelectual e se individualmente consideradas, frequentemente suscitar diferentes interpretações, e é (também) natural que os órgãos de polícia criminal disponibilizem a sua interpretação porquanto, em rigor, qualquer elemento probatório dela carece e espera-se

contributo positivo dos operacionais nesse processo. Mas, in casu, não assentam os indícios numa qualquer individual vigilância, ou numa única interceção, ou num isolado depoimento ou numa bizarra apreensão: o elenco probatório constante de fls. 2068 a 2070 encerra muito mais do que isso e muito mais do que subjetivas interpretações. É, aliás, normal e comum que a prova de tráfico de estupefacientes resulte precisamente de uma conjugação de elementos de prova ao invés do que acontece com outros tipos de ilícitos que se concretizam de modo mais ou menos visível ou ostensivo num determinado momento apenas. Todos os elementos habitualmente associados ao trafico de estupefaciente encontram-se, in casu, flagrantemente presentes e, no conjunto, em abundância até.

A atividade de trafico de estupefacientes suscita ela própria uma dependência financeira daqueles que a praticam porquanto é muito difícil encontrar imediata atividade alternativa que garanta o mesmo nível de rendimentos, em particular sem habilitação ou experiência profissional robusta como é ao que se sabe o caso. O que potencia a reiteração.

Por tudo isto, se não pode deixar de concluir ser muito intenso o perigo de continuação da atividade criminosa e, num distante segundo lugar, de perturbação do inquérito através da possível influencia ou interferência pelos arguidos junto das múltiplas testemunhas, consumidores identificados nos autos. Têm-se assim, e sobretudo pelo perigo da continuação da atividade criminosa, que apenas a mais gravosa medida de coação prevista no ordenamento português pode mitigar de forma efetiva aqueles riscos pelo que se determina deverem os três arguidos aguardarem os ulteriores termos do processo em prisão preventiva e ficarem ainda absolutamente proibidos de encetarem quaisquer contactos - ainda por interposta pessoa - com qualquer das testemunhas identificadas nos autos (art.º 191.º, 193.º, 200.º, n.º1, al. d), 202.º e 204.º, n.º1 al. b) e c) todos do CPP).»

c. Das questões a conhecer

c.1 Nulidade do despacho aplicador da medida de coação

Alega o recorrente que o despacho recorrido «não alude aos factos concretos que permitem concluir pela verificação dos perigos constantes do art.º 204.º do Código de Processo Penal, designadamente o perigo de perturbação do inquérito e o perigo de continuação da atividade criminosa»!

Neste conspecto pronuncia-se o Ministério Público, referindo que não se verifica a assinalada nulidade, na medida em que se mostram cumpridas todas as formalidades previstas no artigo 194.º CPP. Designadamente por o despacho recorrido indicar os factos ilícitos que se indiciam, bem como os perigos que importa acautelar, por inferência da concreta situação de facto descrita, indicando a decisão as inferências realizadas a partir dos factos indiciados e as normas em que a mesma se firma. A nulidade em referência encontra esteio normativo no § 6.º do artigo 194.º CPP, onde se preceitua que: «a fundamentação do despacho que aplicar qualquer medida de coação ou de garantia patrimonial, à exceção do termo de identidade e residência, contém, sob pena de nulidade: a) A descrição dos factos concretamente imputados ao arguido, incluindo, sempre que forem conhecidas, as circunstâncias de tempo, lugar e modo;

b) A enunciação dos elementos do processo que indiciam os factos imputados, sempre que a sua comunicação não puser gravemente em causa a investigação, impossibilitar a descoberta da verdade ou criar perigo para a vida, a integridade física ou psíquica ou a liberdade dos participantes processuais ou das vítimas do crime;

c) A qualificação jurídica dos factos imputados;

d) A referência aos factos concretos que preenchem os pressupostos de aplicação da medida, incluindo os previstos nos artigos 193.º e 204.º»

Compreende-se, até certo ponto, a afirmação feita pelo recorrente quanto ao modo como a decisão se mostra estruturada. Na medida em que esta poderia, por razões de maior clareza afirmativa, fazer a ligação das provas aos factos indiciados de tráfico de substâncias estupefacientes (sendo apenas com referência a estes que a nulidade vem afirmada – por ser também apenas com referência a eles que os perigos inventariados implicaram a aplicação da medida de coação sob impugnação) e ao modo como os perigos inventariados emergem destes.

Mas o recorrente não tem razão.

Concede-se que a fundamentação do despacho recorrido, estruturada que se mostra em consonância com a que foi eleita pelo Ministério Público, poderia ser mais clara, sobretudo no concernente à ligação entre os factos indiciados, as provas que permitem esse juízo e o modo como se revelam os perigos inventariados.

Mas a decisão contém os factos que se julgaram indiciados; as provas em que aqueles se firmam; os ilícitos que integrarão e, bem assim, os perigos que deles emergem e a necessidade de os acautelar. Sendo isso particularmente evidente relativamente ao perigo de continuação da atividade criminosa, onde se indica suficientemente (e com preclara sageza), a razão pela qual tal perigo emerge daquela factologia. É isso particularmente claro, por exemplo, na afirmação de que «a atividade de trafico de estupefacientes suscita ela própria uma dependência financeira daqueles que a praticam, porquanto é muito difícil encontrar imediata atividade alternativa que garanta o mesmo nível de rendimentos, em particular sem habilitação ou experiência profissional robusta como é ao que se sabe o caso. O que potencia a reiteração.»

Tal afirmação tem – como se afigura óbvio - evidente conexão com o quadro circunstancial que emerge dos factos indiciados respeitantes ao recorrente, os quais revelam que ele se dedicava (e se dedicava exclusivamente) à atividade de fornecimento e venda de substâncias estupefacientes (nomeadamente heroína, cocaína e canábis) (3) a terceiros, fazendo um modo de vida «compatível» com isso mesmo. Pois não se lhe conhecendo fortuna, só desse modo se logra explicar as pernoitas em diversos lugares; e não tendo carta de condução deter e conduzir vários veículos automóveis de elevado valor (ainda que registados em nome de terceiros). Para o que igualmente contribui o facto de utilizar (nessa vida) pelo menos 5 números de telemóvel!

Tornando-se particularmente evidente a necessidade de o afastar da continuação de tal atividade ilícita.

Claro que algumas das conclusões relativas aos factos que se julgaram fortemente indiciados, decorrem de prova indireta (de juízos de ilação a partir dos factos objetivos sobre os quais existe prova direta.

Mas daí não vem nenhum mal ao mundo nem menoscabo das garantias de defesa do arguido. Sobre a prova indireta Vaz Serra (4) referia poder «o juiz utilizar a experiência da vida, da qual resulta que um facto é a consequência típica de outro; procede então mediante uma presunção ou regra da experiência (…) ou de uma prova de primeira aparência.» Isto é, como referia Francisco Augusto das Neves e Castro (5): trata-se «d’um trabalho d`intelligencia d’uma ordem mais elevada», por «carece[r] de maior somma de regras» para chegar à verdade. Com efeito, a presunção permite que a partir de um facto preciso (ou de um conjunto e factos) conhecido(s), se adquira ou se admita a realidade de um facto não demonstrado, na convicção formada a partir das regras da experiência, de que normal e tipicamente (id quod plerumque accidit) certos factos são a consequência de outros. O Tribunal Constitucional (6) vem reconhecendo que a prova por inferência constitui um modo lícito e não vulnerador dos princípios constitucionais fundamentais; o mesmo sucedendo com o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, que entende fazerem tais presunções parte do próprio sistema jurídico-penal, não vulnerando o artigo 6.º da Convenção (7); e a jurisprudência dos tribunais superiores igualmente. (8) A doutrina mais qualificada alerta, porém, que o indício, sem mais, é insuficiente para se considerar provada a autoria do facto criminoso. (9) Sendo justamente através da motivação que o julgador torna clara a razão pela qual se convenceu da verificação do factum probandum através do juízo de inferência realizado, para além de qualquer dúvida razoável, só desse modo legitimando a sua decisão (artigo 295.º da Constituição) – sucede no despacho recorrido. Daí que da conjugação dos factos afirmados no despacho recorrido e nas provas ali indicadas não se possa simplesmente concluir, como faz o recorrente, no sentido de nele se conterem, apenas, «meras suposições e construções abstratas». Não se verifica, pois, a invocada nulidade da decisão recorrida

c.2 Dos indícios da prática do crime de tráfico de substâncias estupefacientes

Preceitua o artigo 21.º, § 1.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, que: «1 - Quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no artigo 40.º, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos.»

Os factos indiciariamente considerados, firmados nas provas enunciadas no despacho recorrido, evidenciam diversos atos de venda voluntária e intencional de heroína, cocaína e de canábis (substâncias respetivamente previstas nas Tabelas I-A, I-B e I-C, anexas ao citado diploma legal) do recorrente a terceiros, durante largos meses, pelo menos desde setembro de 2023 até março de 2024. Com o que fica indiciariamente demonstrada a prática do referido ilícito.

O mesmo sucedendo relativamente aos demais ilícitos (de detenção de arma proibida, previsto nos artigos 3.º/2-g) e 86.º/1-d) da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro; de detenção de arma proibida, previsto nos artigos 2.º/2-l), artigo 3.º/2-ad), artigo 4.º e artigo 86.º/1-e) da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro; e de condução de veículo sem habilitação legal, previsto no artigo 3.º/1 e 2 do Decreto-Lei n.º 2/98 de 3 de janeiro).

c.3 Dos pressupostos da prisão preventiva

O recorrente questiona a verificação dos pressupostos legais da medida de coação aplicada – prisão preventiva – considerando que dos autos não resulta a verificação dos perigos aduzidos no despacho recorrido.

Vejamos, então.

A Constituição erigiu o direito à liberdade como direito fundamental (artigo 27.º, § 1.º), em harmonia com o princípio da dignidade da pessoa humana (artigo 1.º da Constituição), estatuindo que tal direito apenas poderá ser restringido na medida do necessário, em face de outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos (artigo 18.º, § 2.º).

A par do direito à liberdade, a Constituição afirma também, o princípio da presunção de inocência dos arguidos (artigo 32.º, § 2.º e 27.º, § 1.º) (10), sem prejuízo de admitir (de prever a existência de) as medidas de coação, as quais constituem, necessariamente, uma restrição à liberdade pessoal de quem a elas é sujeito.

As medidas coativas têm por finalidade satisfazer exigências cautelares exclusivamente processuais (i. e. garantia do bom andamento do processo e o efeito útil da decisão final). Mas justamente porque incidem sobre pessoas presumivelmente inocentes, a sua aplicação deve revestir-se das devidas cautelas, sendo essa a razão pela qual estão sujeitas a estritas prescrições de legalidade (ou tipicidade), de necessidade, de adequação e de proporcionalidade, princípios estes que orientam as decisões judiciais que lhes respeitem.

A sua aplicação pressupõe, desde logo, a verificação de um fumus comissi delicti, isto é, de um juízo de indiciação da prática de crime. E visa satisfazer exigências cautelares exclusivamente processuais, que resultem da verificação, em concreto, de algum dos perigos - pericula libertatis - previstos nas alíneas do artigo 204.º do CPP.

Com o que vale dizer ser ilegítima qualquer outra finalidade que se lhes queira assacar (às medidas de coação), de natureza substantiva, retributiva, preventiva, ou mesmo de proteção do arguido (contra reações populares, p. ex.). (11)

No que especialmente concerne à prisão preventiva, por ser a que mais fortemente restringe a liberdade das pessoas, só pode ser aplicada quando para acautelar as necessidades processuais, as outras medidas legalmente previstas se revelarem inadequadas ou insuficientes.

A aplicação desta medida mais restritiva da liberdade (prisão preventiva) só pode aplicar-se quando (artigo 202.º, § 1.º do CPP):

«a) houver fortes indícios da prática de crime doloso punível com pena de prisão com máximo superior a 5 anos;

b) houver fortes indícios de prática de crime doloso que corresponda a criminalidade violenta;

c) houver fortes indícios de prática de crime doloso de terrorismo ou que corresponda a criminalidade altamente organizada punível com pena de prisão de máximo superior a 3 anos;

d) houver fortes indícios de prática de crime doloso de ofensa à integridade física qualificada, furto qualificado, dano qualificado, burla informática e nas comunicações, recetação, falsificação ou contrafação de documento, atentado à segurança de transporte rodoviário, puníveis com pena de prisão de máximo superior a 3 anos;

e) houver fortes indícios da prática de crime doloso de detenção de arma proibida, detenção de armas e outros dispositivos, produtos ou substâncias em locais proibidos ou crime cometido com arma, nos termos do regime jurídico das armas e suas munições, puníveis com pena de prisão de máximo superior a 3 anos;

f) se tratar de pessoa que tiver penetrado ou permaneça irregularmente em território nacional, ou contra a qual estiver em curso processo de extradição ou de expulsão»;

E, se verifique algum (qualquer um) dos perigos previstos no artigo 204.º do CPP (12):

«a) Fuga ou perigo de fuga;

b) Perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova; ou

c) Perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de que este continue a atividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem e a tranquilidade públicas.»

O conceito de «fortes indícios» da prática de certo tipo de ilícitos, como requisito da prisão preventiva, aponta para um grau de medida que apenas se alcança por referência ao que a lei estatui quanto ao que sejam «indícios suficientes», verificando-se estes «sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou uma medida de segurança» (artigo 283.º, § 2.º CPP). E, como assim, os «fortes indícios» corresponderão a uma elevada probabilidade de ao sujeito, por força deles, lhe vir a ser aplicada uma pena.

Justamente nesta linha referem Jorge de Figueiredo Dias e Nuno Brandão, que o legislador terá considerado «que um juízo indiciário desta natureza implica para o juiz que as aplica um convencimento positivo de tal modo intenso sobre a existência de indícios da culpabilidade do arguido que deixa ele de poder ser visto como estando plenamente capaz de decidir a causa, em julgamento ou recurso, sem uma predisposição no sentido da condenação.» (13)

Haverá, pois, fortes indícios da prática de uma infração criminal quando se encontra sólida e inequivocamente comprovada a existência do ilícito e ocorrem suspeitas sérias, precisas e concordantes da sua imputação ao arguido (14).

Pois bem.

O relato factológico e as provas indiciárias indicadas no despacho recorrido, na sequência do pertinente requerimento do Ministério Público, está centrado nos dias, horas e pessoas, substâncias, quantidades, preços de transação, etc. em que o arguido teve intervenção direta nos factos típicos previstos no § 1.º do artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, tornando-se indiciariamente inequívoca a atividade criminosa.

O que o recorrente deveras questiona é a existência dos perigos fundantes da decisão recorrida, bem assim como a adequação e proporcionalidade da medida de coação aplicada, propondo a sua revogação ou substituição por obrigação de permanência na habitação (artigo 201.º CPP).

Pois bem.

Para fundamentar a decisão de sujeitar o recorrente à medida de coação de prisão preventiva o tribunal recorrido teve em consideração o concreto crime cuja prática fortemente se indicia, cuja moldura abstrata é de 4 a 12 anos prisão (artigo 21.º, § 1.º do Decreto-Lei n.º 15/93 de 22 de janeiro).

Entendeu-se emergirem dois tipos distintos de perigos concretos a acautelar:

- perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova (artigo 204.º, § 1.º, al. b) CPP);

- perigo de continuação da atividade criminosa (artigo 204.º, § 1.º, al. c) CPP).

Conforme a doutrina jurídica e a jurisprudência dos Tribunais vem entendendo, os perigos a que se reporta o artigo 204.º do CPP têm de ter uma dimensão concreta e razoável, sob pena de poderem ser invocados em todos os casos, não sendo isso compaginável com a conceção de um Estado de Direito Democrático, baseado no respeito e na garantia dos direitos, liberdades e garantias fundamentais (artigo 2.º da Constituição), consagrados em preceitos que são de aplicabilidade direta (artigo 18.º, § 1.º da Constituição).

No concernente ao perigo de perturbação do decurso do decurso do inquérito, na dimensão da aquisição e preservação da prova testemunhal, ele normalmente emerge da fragilidade dos coenvolvidos ou de eventuais testemunhas.

Mas neste caso nada se sabe, porque o despacho recorrido não concretiza, de modo rigorosamente nenhum, de que forma esse perigo existe e em relação a que prova! Limita-se à referência a «um distante segundo lugar»… Tão distante - diremos nós - que deveras se traduz em lugar nenhum! Pelo que não restará senão desconsiderá-lo. Diferentemente sucede com o diagnosticado perigo de continuação da atividade criminosa, o qual tem em vista a continuação da prática de crimes da mesma espécie e natureza dos que se indiciam neste processo, para o que importa valorizar a natureza e as circunstâncias relativas aos crimes que se investigam e sua conexão com a atividade futura do arguido.

Neste caso, mostram os autos - e sublinha (bem) a decisão recorrida, que o arguido/recorrente não tem nenhuma ligação a qualquer atividade lícita, designadamente que lhe assegure o sustento.

Antes se dedicando, exclusivamente, à atividade ilícita que se indicia, em razão da sua natureza altamente lucrativa.

Daí que tais circunstâncias permitam, com segurança, inferir - como inferiu o Juízo de 1.ª instância - não ser crível que agora o recorrente abandonasse este modo de «ganhar a vida».

A tudo acrescendo que a demonstrarem-se em audiência (como é previsível), todas as circunstâncias relativas à prática dos ilícitos que se indiciam - nomeadamente e no respeitante ao tráfico de substâncias estupefacientes - a qualidade e quantidade dessas (que a acusação deverá concretizar) que foram apreendidas e as transacionadas; o tempo durante o qual e o modo como se desenvolveu a atividade; bem assim como as circunstâncias pessoais do recorrente (sem para já ser conhecida qualquer circunstância atenuante); decerto isso determinará uma condenação em pena de prisão efetiva. Daí que a emergência do perigo de continuação da atividade criminosa não apenas justifique a medida de coação de prisão preventiva (artigo 204.º, § 1.º, al. b) e c) CPP), como esta se mostra claramente necessária, adequada e proporcional à gravidade do crime cuja comissão fortemente se indicia e à sanção que previsivelmente lhe poderá vir a ser aplicada.

Com isso não se vulnerando (mas como?) o princípio da presunção da inocência do arguido ou os princípios da legalidade, da excecionalidade da prisão preventiva ou da proporcionalidade (ou das suas dimensões da necessidade ou da adequação), a que se reportam os artigos 28.º, § 2.º, 29.º, § 1.º ou 32.º, § 2.º da Constituição. Pelo contrário, é do equilíbrio que tais princípios ordenadores pressupõem, que a prisão preventiva se justifica (rectior: se exige).

c.4 Da suficiência da obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica Sustenta o recorrente que o perigo a que se pretende obviar com a aplicação da prisão preventiva, ficaria suficientemente acautelado se esta fosse substituída pela medida de obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica (artigo 201.º CPP), o que poderia operar-se em residência de familiares (que para isso estariam disponíveis!), na freguesia da ….

Pronunciando-se sobre a matéria refere o Ministério Público que a obrigação de permanência na habitação, mesmo com vigilância eletrónica, não acautela suficientemente o perigo que importa prevenir (continuação da atividade criminosa de tráfico de substâncias estupefacientes, previsto no § 1.º do artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro).

De certo modo parafraseando o já referido supra, lembra-se que a aplicação de qualquer medida de coação - de acordo com o disposto no artigo 191.º, § 1.º CPP - visa dar resposta às necessidades processuais de natureza cautelar emergentes dos perigos enunciados nas alíneas do artigo 204.º daquele compêndio normativo.

E, pressupõe a observância, em concreto, dos princípios da adequação, necessidade e proporcionalidade (artigos 192.º e 193.º CPP). Daí decorrendo que só deverá recorrer-se à prisão preventiva, sempre subsidiária das demais medidas de coação, como extrema ratio, isto é, quando as restantes medidas de coação se revelarem inadequadas ou insuficientes.

Atentas as circunstâncias do presente caso, importará relembrar que o recorrente não é primário nesta área da criminalidade. E se é verdade que a obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica, em muitos casos, se revela suficiente para acautelar alguns perigos, e devendo - nesses casos - dar-se-lhe preferência face à prisão preventiva (até para evitar os efeitos criminógenos da prisão), não o é menos que a natureza e as características próprias do ilícito (que estriba esse perigo - tráfico de substâncias estupefacientes), evidenciam que qualquer outra medida – incluindo a preconizada obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica -, redundaria insuficiente. E assim porque não impediria os contactos com os demais envolvidos e outros conhecedores da atividade ilícita, nem a continuação (ainda que por modos diversos) da atividade delitiva. Em suma: nos termos que se deixaram expostos, consideramos que a decisão recorrida, fundada na prática do ilícito de tráfico de substâncias estupefacientes (artigo 21.º, § 1.º do Decreto-Lei n.º 15/93 de 22 de janeiro) e no perigo de continuação da atividade criminosa, respeitou os critérios definidos na Constituição e na lei, a que se referem nomeadamente os artigos 28.º, § 2.º, 29.º, § 1.º ou 32.º, § 2.º da Constituição e 191.º, § 1.º, 193.º, § 1.º e 2.º, 202.º, § 1.º, al. a) e 204.º, al. c) do CPP, mostrando-se a mesma conforme aos princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade, e respeitadora da natureza excecional e subsidiária da prisão preventiva.

Pelo que o recurso não é merecedor de provimento.

III - Dispositivo

Destarte e por todo o exposto, acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

a) Negar provimento ao recurso e, em consequência, manter a decisão de sujeição do arguido/recorrente em prisão preventiva.

b) Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC’s.

Évora, 11 de julho de 2024

J. F. Moreira das Neves (relator)

Laura Goulart Maurício

Artur Vargues

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1 Repetição do já afirmado.

2 Cf. acórdão do STJ n.º 7/95, de 19/10/1995 (Fixação de Jurisprudência), publicado no DR, I-A, de 28/12/1995.

3 A descrição factológica refere-se muitas vezes (vezes de mais) a «substância estupefacientes» sem indicar a quais concretamente se quer referir! Ora, só as substâncias constantes das tabelas anexas ao Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro são suscetíveis de integrar o ilícito. Se elas não forem indicadas concretamente poderão colocar-se problemas de subsunção jurídica, em razão da necessária conexão de determinadas com a prática deste ilícito: cf. § 1.º in fine do artigo 21.º do DL n.º 15/93, de 22 de janeiro.

4 Vaz Serra, BMJ n.º 110, Provas (Direito Probatório Material), pp. 180 a 198.

5 Francisco Augusto das Neves e Castro, Theoria das provas e sua aplicação aos actos civis, Livraria Internacional, de Ernesto Chardron, Porto, 1880, p. 47

6 Acórdãos n.ºs 391/2015, de 12 de agosto e 521/2018, de 17 de outubro: www.tribunalconstitucional.pt

7 Guide on Article 6 of the European Convention on Human Roghts (2018), em: www.echr.coe.int/Documents/Guide_Art_6_criminal_ENG.pdf

8 Cf. Acórdão do Tribuna da Relação de Évora, de 17/12/2020, no proc. 45/19.7peevr, Des. Gomes de Sousa, www.dgsi.pt .

9 Roxin/Schünmann, cit. por Susana Aires de Sousa, Prova Indireta e Dever Acrescido de Fundamentação da Sentença Penal, Estudos de Homenagem ao Professor Doutor Germano Marques da Silva, Universidade Católica Editora, Vol. IV, pp. 2753 ss.

10 Igualmente proclamado no artigo 11.º da DUDH e consagrado nos artigos 6.º, § 2,º da CEDH e 14.º, § 2.ºdo PIDCP e 48.º, § 1.º da Carta de Direitos Fundamentais da EU.

11 Neste exato sentido cf. Ac. TRÉvora, de 11/10/2016, no proc. 141/16.2GFELV-A.E1 (Desemb. Ana Brito).

12 A verificação de um dos perigos a que se reporta o artigo 204.º corresponde à exigência contida no artigo 5.º, § 1.º, al. c) e § 3.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, que por ter sido regulamente ratificada pelo Estado português constitui direito interno (artigo 8.º, §2.º Constituição).

13 Jorge de Figueiredo Dias e Nuno Brandão, Sujeitos Processuais Penais: o Tribunal», pp. 20, Coimbra 2015, texto de apoio ao estudo da unidade curricular de Direito e Processo Penal do Mestrado Forense da faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (2015, 2016).

14 Sendo este o entendimento geralmente sufragado pela doutrina e pela jurisprudência. Cf. por todos, Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Editora, pp. 337, Universidade Católica Editora, 2007: indícios fortes são «as razões que sustentam e revelam uma convicção indubitável de que, de acordo com os elementos conhecidos no momento de prolação de uma decisão interlocutória, um facto se verifica. Este grau de convicção é o mesmo que levaria à condenação se os elementos conhecidos no final do processo fossem os mesmos do momento da decisão interlocutória»