São finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção geral e de prevenção especial (artigos 70º e 40º, nº 1, do CP), que justificam e impõem a preferência por uma pena não privativa da liberdade (pena alternativa ou pena de substituição).
Na fixação da medida concreta da pena acessória de proibição de condução de veículos com motor, há que ter em especial consideração o grau de perigosidade demonstrado pelo agente e essa perigosidade é demonstrada, entre o mais, pelo grau de álcool no sangue detetado.
O arguido LUÍS MIGUEL REIS MARTO foi submetido a julgamento, no âmbito do qual foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
“Assim e pelo exposto, o Tribunal decide julgar a acusação procedente por provada e, consequentemente,
CONDENAR o arguido AA pela prática, em autoria material, e na forma consumada de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p.p. pelo artigo 292º, nº 1, do Código Penal, na pena de 4 ( quatro) meses de prisão.
Decide-se, contudo, substituir esta pena pela de igual número de 120 ( cento e vinte) dias de multa à taxa diária de 9 euros ( nove euros), o que perfaz o total de 1.080 euros ( mil e oitenta euros).
Condena-se ainda o arguido na pena acessória de 6 meses de proibição de conduzir.”
Inconformado com a referida decisão, dela recorreu o Ministério Público, tendo terminado a motivação de recurso com as seguintes conclusões:
“1- No âmbito destes autos foi o arguido AA condenado, pela prática em autoria material, na forma consumada, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p.p. pelo artigo 292º, nº 1, do Código Penal, na pena de 4 (quatro) meses de prisão, substituída por multa de 120 (cento e vinte) dias à taxa diária de 9€ (nove euros), perfazendo o montante global de 1080€ (mil e oitenta euros) e bem assim na pena acessória de proibição de conduzir veículos a motor pelo período de 6 meses.
2- Foram dados como provados, em sede de sentença de que se recorre os seguintes factos:
“-No dia 4 de janeiro de 2024, pelas 22 horas e 20 minutos, o arguido conduzia o veículo automóvel, ligeiro de passageiros, de matrícula …, pela Rua …, na localidade de …, na área de competência do Tribunal de …, após ter ingerido bebidas alcoólicas.
- Foi então o arguido interceptado por militares da GNR do posto de …, que ali se encontravam no exercício das suas funções de fiscalização do trânsito, que o submeteram ao teste quantitativo de pesquisa de álcool através do ar expirado.
- Nessa ocasião o arguido acusou uma taxa de álcool no sangue de 2,13 g/l, a que corresponde, de acordo com a margem de erro admissível do aparelho onde foi efectuado o teste, de pelo menos 2,024 g/l.
- Notificado deste resultado, o arguido conformou-se com o mesmo e não requereu a realização de contraprova.
- O arguido previu e quis, nas circunstâncias de tempo e lugar atrás descritas, conduzir o referido veículo automóvel pela via pública após ter ingerido bebidas alcoólicas em quantidade que lhe determinava uma taxa de álcool no sangue superior à permitida por lei, como ele sabia em que se encontrava.
-O arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente.
- Sabia que a sua conduta era proibida e punível por lei penal.
- O arguido aufere um vencimento mensal não determinado da sua actividade profissional de carpinteiro.
- O arguido declarou para efeito de IRS ter auferido no ano de 2022, o rendimento bruto anual de 12.020,09 euros.
-Do certificado do registo criminal do arguido consta
a-) Uma condenação no processo comum singular nº 127/15.4…, do Juízo Local Criminal do Tribunal Judicial de …, pela prática de um crime de violência doméstica e de um crime de ofensas à integridade física simples, ocorridos em 29-12-2014, na pena de 2 anos e 1 mês de prisão, que ficou suspensa na sua execução por 2 anos e 1 mês, e na pena de 50 dias de multa. A decisão condenatória foi proferida em 6-5-2016.
b-) Uma condenação no processo comum singular nº 353/13.0…, do Juízo Local Criminal do Tribunal Judicial de …, pela prática de um crime de violência doméstica, ocorrido em 21-12-2013, na pena de 2 anos e 5 meses de prisão, que ficou suspensa na sua execução por 2 anos e 5 meses. A decisão condenatória foi proferida em 17-2-2017.”
3- Considerou o Mm. º Juiz que face às exigências de prevenção geral (elevadas) e especial que a seu ver se fazem sentir, se impõe a aplicação de pena de prisão substituída multa, fundamentando tal decisão nos antecedentes criminais do arguido e na taxa de álcool com que conduzia.
4- Contudo, a nosso ver, as exigências de prevenção geral (elevadas), e as de prevenção especial, que a nosso ver se situam a nível mediano, ainda permitem a aplicação de pena de multa, enquanto pena principal.
5- Na verdade, o arguido encontrar-se-á inserido profissionalmente, sendo que, as condenações constantes do seu registo criminal se reportam a decisões judicias transitadas em julgado em 06.06.2016 e 30.07.2017 e, portanto, há mais de 7 e 6 anos, respectivamente, sendo que não consta averbada qualquer condenação por crime de idêntica natureza ao em causa nestes autos.
6- Deve, assim, o arguido ser condenado em pena de multa.
7- Atendendo aos critérios subjacentes à determinação da medida da pena enunciados no art.º 71º, n.º 1 e 2 do C. Penal, aos factos dados como provados em sede de sentença e bem assim à moldura penal abstractamente aplicável (entre 10 dias e 120 dias), entendemos que a pena de multa a aplicar não deverá ser superior a 90 dias, concordando com o quantitativo diário da mesma fixado pelo Mm. º Juiz.
8- De igual modo, atendendo a tais critérios e tendo presente a moldura penal abstratamente aplicável de 3 meses a 3 anos, nos termos do disposto no art.º 69º, n.º 1 al. a) do C. Penal, deverá a pena acessória ser fixada em 5 meses de proibição de condução de veículos a motor.
Nestes termos, deverá o presente recurso ser julgado procedente e em consequência:
- Ser revogada a sentença proferida nos autos e substituída por outra que condene o arguido, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p.p. pelo disposto no art.º 292º, n.º 1 e 69º, n.º 1 al. a) do C. Penal, em pena de multa não superior a 90 (noventa) dias à taxa diária de 9€ (nove euros) e bem assim na pena acessória de 5 (cinco) meses de proibição de condução de veículos a motor.
Assim se fazendo a necessária e acostumada JUSTIÇA.”
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O arguido não respondeu ao recurso.
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Neste tribunal da relação, a Exmª P.G.A. emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso e, cumprido que foi o disposto no artº 417º, nº 2, do C.P.P., não foi apresentada resposta.
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APRECIAÇÃO
Importa apreciar a natureza e medida da pena principal, e a medida da pena acessória.
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A matéria considerada provada foi a seguinte:
“1- No dia 4 de Janeiro de 2024, pelas 22 horas e 20 minutos, o arguido conduzia o veículo automóvel, ligeiro de passageiros, de matrícula …, pela Rua …, na localidade de …, na área de competência do Tribunal de …, após ter ingerido bebidas alcoólicas.
2- Foi então o arguido interceptado por militares da GNR do posto de …, que ali se encontravam no exercício das suas funções de fiscalização do trânsito, que o submeteram ao teste quantitativo de pesquisa de álcool através do ar expirado.
3- Nessa ocasião o arguido acusou uma taxa de álcool no sangue de 2,13 g/l, a que corresponde, de acordo com a margem de erro admissível do aparelho onde foi efectuado o teste, de pelo menos 2,024 g/l.
4- Notificado deste resultado, o arguido conformou-se com o mesmo e não requereu a realização de contraprova.
5- O arguido previu e quis, nas circunstâncias de tempo e lugar atrás descritas, conduzir o referido veículo automóvel pela via pública após ter ingerido bebidas alcoólicas em quantidade que lhe determinava uma taxa de álcool no sangue superior à permitida por lei, como ele sabia em que se encontrava.
6- O arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente.
7- Sabia que a sua conduta era proibida e punível por lei penal.
8- O arguido aufere um vencimento mensal não determinado da sua actividade profissional de carpinteiro.
9- O arguido declarou para efeito de IRS ter auferido no ano de 2022, o rendimento bruto anual de 12.020,09 euros.
10- Do certificado do registo criminal do arguido consta:
a-) Uma condenação no processo comum singular nº 127/15.4…, do Juízo Local Criminal do Tribunal Judicial de …, pela prática de um crime de violência doméstica e de um crime de ofensas à integridade física simples, ocorridos em 29-12-2014, na pena de 2 anos e 1 mês de prisão, que ficou suspensa na sua execução por 2 anos e 1 mês, e na pena de 50 dias de multa. A decisão condenatória foi proferida em 6-5-2016.
b-) Uma condenação no processo comum singular nº 353/13.0…, do Juízo Local Criminal do Tribunal Judicial de …, pela prática de um crime de violência doméstica, ocorrido em 21-12-2013, na pena de 2 anos e 5 meses de prisão, que ficou suspensa na sua execução por 2 anos e 5 meses. A decisão condenatória foi proferida em 17-2-2017.”
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Quanto à pena principal
A decisão recorrida aplicou a pena de 4 meses de prisão que substituiu por igual tempo de multa.
Entende o recorrente que a pena a aplicar deve ser, desde logo, a pena de multa.
A este propósito escreveu-se na sentença recorrida o seguinte:
“No presente caso, e no que se refere ao crime de condução em estado de embriaguez, que se concluiu ter sido praticado pelo arguido, as finalidades da punição não permitem que se aplique ao mesmo uma pena não detentiva.
De facto, haverá que ponderar que o arguido já foi condenado anteriormente, por duas vezes, pela prática de um crime de gravidade elevada como acontece com o de violência doméstica. Em ambas essas situações foi aplicada ao arguido uma pena de prisão, que ficou suspensa na sua execução. Para além disso, a taxa de álcool no sangue que o arguido acusou na presente situação é elevada, na medida em que se cifrava em 2,024 g/l. Tais factos provocarão certamente uma sensação de grande insegurança nas pessoas, principalmente daquelas que conduzem veículos nas vias públicas. Haverá assim uma situação de um certo alarme social. Desta forma, a finalidade da punição consistente na prevenção geral não ficará satisfeita com a aplicação de uma pena não detentiva. Na verdade, só pela aplicação de uma pena detentiva será possível acautelar a tutela do bem jurídico protegido pela norma criminal em causa e garantir a estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma jurídica violada. A outra finalidade da punição, ou seja a prevenção especial não apresenta argumentos com peso suficiente para afastar as exigências da prevenção geral.
Deste modo, no caso concreto, mostra-se adequado aplicar uma pena detentiva pelo crime de condução de veículo em estado de embriaguez, que se concluiu ter sido praticado pelo arguido, pois só tal pena configura suficiente censura relativamente ao facto cometido.”
Dispõe o artº 70º do Cód. Penal que sendo aplicáveis em alternativa pena privativa ou pena não privativa da liberdade, deve ser dada preferência à segunda, sempre que com esta pena ficarem realizadas de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
As finalidades da punição são as previstas no artº 40º do Cód. Penal.
É esta a primeira vez que o arguido é condenado pela prática de crime de condução sob o efeito do álcool, não tendo os antecedentes criminais algo que ver com condução de veículos (sob o efeito do álcool, ou não).
Não parece, assim, que a existência de tais antecedentes criminais seja suficiente para afastar a preferência pela pena de multa que claramente o legislador fez prever no referido artº 70º do Cód. Penal.
Por outro lado, se é certo que a t.a.s. detectada está já afastada do mínimo a partir do qual a condução sob o efeito do álcool se considera crime, não é menos certo que, repetindo, não deixa de ser a primeira vez que o arguido será confrontado com uma punição por este tipo de conduta.
Como refere Maria João Antunes, Penas e Medidas de Segurança, pág. 77, “São finalidades exclusivamente preventivas, de prevenção geral e de prevenção especial (artigos 70º e 40º, nº 1, do CP), que justificam e impõem a preferência por uma pena não privativa da liberdade (pena alternativa ou pena de substituição). Não é, por conseguinte, uma qualquer finalidade de compensação da culpa. Se a culpa é limite da pena (artigo 40º, nº 2, do CP), desempenha esta função estritamente ao nível da determinação da medida concreta da pena principal ou da pena de substituição que venha a ser aplicada (artigo 71º, nº 1, do CP).”
Entende-se, pois, como mais adequado que se opte pela pena de multa, sabendo-se que é bem diferente, na fundamentação e nas consequências do não cumprimento, a opção inicial pela pena de multa ou a substituição da pena de prisão por multa.
Tendo em conta o que provado se considerou (t.a.s. detectada, antecedentes criminais por crimes de natureza diversa, inserção profissional, necessidade de prevenção geral muito acentuada), entende-se adequado fixar a pena de multa em 90 dias, à mesma taxa diária fixada na sentença recorrida – € 9,00 (considerando o rendimento auferido e a não consideração como provados de qualquer tipo de encargos, familiares ou outros).
Quanto à pena acessória
Como se sabe na grande maioria das vezes é com a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor que os infractores
Como bem refere Paulo Albuquerque, Comentário do Código Penal, 3ª edição, pág. 348, “Tal como no direito germânico, a sanção de proibição de conduzir veículos com motor é, no direito nacional, uma verdadeira pena acessória. Desde logo, a sua aplicação depende da gravidade dos critérios gerais de determinação das penas, incluindo a culpa, e, por isso, a pena deve ser graduada no âmbito de uma moldura”.
E mais adiante: “… devendo a graduação da pena atender ao grau de censurabilidade da conduta do agente e, nomeadamente, ao valor apurado da taxa de álcool no sangue”.
Temos, portanto, que a medida da pena acessória em causa há-de ser fixada tendo em conta os critérios definidos nos artºs 40º, nºs 1 e 2 e 71º, nºs 1 e 2, do Cód. Penal, considerando-se que como se referiu no ainda actual acórdão do tribunal constitucional de 14/12/1994 (sumário): “A ampla margem de discricionariedade facultada ao juiz na graduação da sanção de inibição da faculdade de conduzir permite-lhe perfeitamente fixá-la, em concreto, segundo as circunstâncias do caso, desde logo as conexionadas com o grau de culpa do agente, nada na Lei Fundamental exigindo que as penas acessórias tenham de ter, no que respeita à sua duração, correspondência com as penas principais” – B.M.J., 446, suplemento, 102).
É também pertinente a este propósito, e entre outros no mesmo sentido, o que se referiu no ac. da rel. de Coimbra de 14/1/2015, assim sumariado (na parte que interessa):
“XVI - A proibição de conduzir veículos motorizados como pena acessória que é deve ser graduada, tal como a pena principal, segundo os critérios gerais de determinação das penas que decorrem dos artigos 40.º e 71.º do Código Penal.
XVII - A pena acessória tem uma função preventiva adjuvante da pena principal, cuja finalidade não se esgota na intimidação da generalidade, mas dirige-se também, ao menos em alguma medida, à perigosidade do agente, reforçando e diversificando o conteúdo penal sancionatório da condenação (Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, §§ 88 e 232).”
Assim, na fixação da medida concreta da pena acessória de proibição de condução de veículos com motor, há que ter em especial consideração o grau de perigosidade demonstrado pelo agente e essa perigosidade é demonstrada, entre o mais, pelo grau de álcool no sangue detectado.
É sabido que a condução de veículos automóveis é uma actividade extremamente perigosa e essa perigosidade constante é exponencialmente aumentada quando o condutor a leva a efeito sob a influência do álcool.
As necessidades de prevenção geral são elevadíssimas, conhecido que é o crescente número de acidentes de viação que ocorrem em Portugal e o enorme número de vítimas por eles causadas, muitas vezes por virtude de condução sob o efeito do álcool.
Na decisão recorrida entendeu-se fixar o período de 6 meses, pugnando o recorrente pela diminuição de um mês nesse período.
Não se vislumbram razões fortes para alterar o que foi decidido na 1ª instância, pois que o período fixado revela-se de acordo com as necessidades de prevenção, geral e especial, tendo em conta a t.a.s. detectada e o pouco que é conhecido acerca do arguido.
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DECISÃO
Face ao exposto, acordam os Juízes em julgar o recurso parcialmente procedente e, em consequência:
- revogar a sentença recorrida na parte em que aplicou uma pena de prisão de 4 meses, substituída por igual tempo de multa;
- condenar o arguido na pena de 90 (noventa) dias de multa, à taxa diária de € 9,00 (nove euros), o que perfaz a multa de € 810,00 (oitocentos e dez euros);
- manter a decisão recorrida em tudo o mais.
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Sem tributação.
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Évora, 11 de Julho de 2024
Nuno Garcia
Jorge Antunes
Artur Vargues