Inexistindo apensação de processos e estando em causa a apreciação de factualidades praticadas pelo recorrente em datas distintas, nunca se poderá considerar que foi violado o princípio da proibição da dupla valoração nem concluir pela nulidade da decisão recorrida.
*
2. Não se conformando com esta decisão, o arguido dela interpôs recurso, alegando, em súmula, que, à data dos factos imputados, o estabelecimento podia estar em funcionamento até às 2H da manhã.
*
3. Admitido o recurso, procedeu-se à realização de audiência de julgamento, tendo sido proferida sentença, em 12 de Abril de 2024, nos termos da qual se decidiu:
“(…) Discutida a causa, resultaram provados os seguintes factos:
1. No dia 25/09/2021, cerca das 01h30, quando se encontrava de serviço de patrulha às ocorrências junto do cabo n.° …BB, verificou que o estabelecimento melhor identificado no auto «Bar…», se encontrava-se a funcionar após o horário de fecho regulamentar.
2. O arguido aquando da data dos factos 26/09/2021 não era detentor de licença referente ao alargamento do horário até às 2h00.
3. O arguido sabia que aquela hora o estabelecimento comercial deveria estar encerrado e não o encerrou, mantendo o seu normal funcionamento.
4. Na mesma data e hora, verificou-se que a arguida mantinha o referido estabelecimento em funcionamento, com clientes no interior que consumiam bebidas, para alem do horário autorizado da Câmara Municipal de ….
5. O arguido agiu livre voluntária e conscientemente sabendo que a sua conduta era contrária às normas e regulamentos camarários que regulam o funcionamento dos estabelecimentos do município onde o mesmo se encontra.
6. Pelo oficio … de 03-08-2018 o arguido obteve autorização para o funcionamento do seu estabelecimento até às duas da manhã até ao dia 30 de Setembro de 2018.
Não provado
1. No dia a que se refere o facto 1) da factualidade considerada provada, o estabelecimento do arguido tinha licença para funcionar após as 00.00H.
Motivação
Os factos dados como provados e não provados assentam numa apreciação critica e global de toda a prova produzida no seu conjunto.
Com efeito do auto de noticia resulta provada a data e hora em que o estabelecimento estava em funcionamento, o que não foi impugnado pelo recorrente.
O recorrente em sede de defesa apenas referiu que a autorização a que se reporta o facto 6) estaria em vigo após 30-09-2028, o que não resultou provado, atento o teor do oficio de fls. 74
Fundamentação de direito
O arguido vem acusado da prática de uma contraordenação pela manutenção do estabelecimento aberto para além do horário permitido - artigos 4°, n° 1, do Regulamento dos Horários de Funcionamento dos Estabelecimentos de Venda ao Publico e Prestação de serviços do Município de … -Regulamento n.° 1040/2016.
Não se entende muito bem, qual a norma cuja violação é imputada ao arguido, porquanto sendo o estabelecimento um bar, não seria o n°1° (em qualquer uma das suas 8 alíneas), mas antes o n°3°, especifico para bares, dancings, etc.
De qualquer forma, o que se entende é que os estabelecimentos referidos no art.° 4° têm um horário de funcionamento até às 24.00H, sendo que um alargamento desse horário, até, no máximo às 4 da manhã do dia seguinte n°4° do referido art.° 4°), implica um procedimento de alargamento de horário previsto nos artigos 6° e 6°-A do referido regulamento.
Considerando a factualidade provada e não provada, facilmente se conclui que o arguido tinha o estabelecimento aberto para além das 24.00 e não tinha instruído, solicitado ou obtido deferimento de um qualquer procedimento para alargamento de horário.
Estão assim, preenchidos os elementos objectivos e subjectivos da contra ordenação imputada, pelo que quanto a este ponto improcede na totalidade o recurso apresentado.
Tal contraordenação é punível nos termos do disposto no art.° 12°, n°1°, alínea b) do regulamento já identificado com coima de 250.00€ a 3.740.00€ no caso de pessoas singulares (como é o recorrente dos autos), tendo o recorrente sido condenado no mínimo de 250,00€.
O recorrente em nenhum artigo da sua impugnação requer a substituição da coima mínima, pelo que mantemos a condenação nos seus precisos termos.
DECISÃO
Pelo exposto:
1. Mantenho a condenação do recorrente no pagamento de coima no valor de 250.00€ ( art.°1°, n°1° b) pela prática de uma contraordenação, por violação do estipulado no art.° 4°, n°3° do Regulamento 1040/2016 de 15 de Novembro de 2016 (Diário da Republica, 2a série, n° 219)
Notifique.
Registe e Deposite”.
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4. Não se conformando com tal decisão, o arguido dela interpôs recurso para este Tribunal da Relação, apresentando motivação da qual extrai as seguintes conclusões:
“A. Se o ora Recorrente vem condenado no presente processo em referência, no pagamento de uma coima no valor de 250,00 € e custas no valor de 102,00 € , pela alegada prática de uma contra-ordenação prevista e punida pelo artigo 12.° n.° 1 alínea b) do Regulamento n.° 1040/2016 do Município de… [ Regulamento dos Horários de Funcionamento dos Estabelecimento de Venda ao Público e de Prestação de Serviços do Município de …] publicado no DR 2ª Serie, n.° 219, 34046 de 15 de Novembro de 2016, por se ter considerado que o estabelecimento comercial "Bar …", explorado pelo Recorrente na área deste Município , se encontrava a funcionar fora do horário estabelecido;
B. E que para tal, se refere que de acordo com o Regulamento n.° 1040/2016 do Município de …, os estabelecimentos apenas têm horário até às 00.00 h, e que em 25 de Setembro de 2021, o referido estabelecimento "Bar …" se encontrava a funcionar às 1:30 horas ( Referência: Proc. n.° … Oficio n.° 846 - processo contra- ordenação n.° … Despacho Sr. Presidente da Câmara de … n.° 207/2023)
C. E se no processo de recurso de contraordenação n.° …/24.5… que corre seus termos pelo J… do Juízo de Competência Genérica de … ( Referência: n.° …, processo contra-ordenação n.° …/2021 também da Policia Municipal de …, decidido por Despacho Sr. Presidente da Camara de … n.° …, o ora Recorrente veio condenado no pagamento de uma coima no valor de 250,00 € e custas no valor de 102,00 €;
D. Pela mesma alegada prática de uma contra-ordenação prevista e punida pelo artigo 12.° n.° 1 alínea b) do Regulamento n.° 1040/2016 do Município de … ( Regulamento dos Horários de Funcionamento dos Estabelecimento de Venda ao Público e de Prestação de Serviços do Município de …) publicado no DR 2.a Serie, n.° 219, 34046 de 15 de Novembro de 2016, por se ter considerado que o estabelecimento comercial "Bar …”, explorado pelo Recorrente na área deste Município, se encontrava a funcionar fora do horário estabelecido;
E. Tendo sido julgado para tal, que de acordo com o Regulamento n.° 1040/2016 do Município de …, os estabelecimentos apenas têm horário até às 00.00 h, e que em 14 de Setembro de 2021, o referido estabelecimento "Bar …" se encontrava a funcionar às 1:50 horas, então verificamos que existe identidade e correspondência dos factos sub judice em ambos os processos.
F. Pelo que ao abrigo dos números 1 a 3 do artigo 19.° do Regime Geral de Contra- Ordenações , impunha-se legalmente a apensação de ambos procedimentos para que os mesmos factos fossem julgados numa apreciação conjunta dos factos e da responsabilidade social-adstritiva do agente, ao se ter omitido tal operação imposta legalmente, impôs-se uma dupla valoração das mesmas circunstâncias ( principio non bis in idem), e, consequentemente à violação do princípio da proibição da dupla valoração, o que implica a ilegalidade de ambos os procedimentos em analise a correrem de forma paralela tendo por objecto os mesmos factos, o que constitui uma nulidade da sentença recorrida, o que ora se alega para todos os efeitos legais, uma vez que a sentença recorrida violou o previsto nos números 1 a 3 do artigo 19.° do Regime Geral das Contra- Ordenações.
G. Alegou-se em sede de recurso de impugnação administrativa que conjugado com estas disposições regulamentares que aqui se transcreveram, resulta que se tenha de impugnar o juízo sobre a matéria de Direito da decisão recorrida, quando nesta se julga que os estabelecimentos em … têm como limite máximo de funcionamento as 00 h 00, uma vez que tal afirmação entra em contradição com o terceiro paragrafo da alínea c) dos factos provados, porque está expressamente previsto nos números 3 e 4 do artigo 4.° do Regulamento n.° 1040/2016 do Município de … o alargamento do período de funcionamento para além das 00 h 00, inclusive até às 04 h 00, e era o alargamento do horário de funcionamento até às 2.h 00 que está previsto no oficio n.° 3988 de 03/08/2018 .
H. Impugnou-se o juízo de Direito de considerar que o estabelecimento não tinha licença de funcionamento até às 02 h 00, para se tratar o ora Recorrente condenado na prática da contra-ordenação em causa, porque foi deferido o pedido de alargamento de horário ao anterior titular da exploração através do oficio n.° 3988 de 03/08/2018.
I. Impugnou-se o juízo de Direito determinando que essa licença de alargamento de funcionamento plasmada no oficio n.° 3988 de 03/08/2018 estivesse sujeita a prazo ou a período de validade nos termos regulamentares, ou que possa ser imposto um prazo máximo de duração da licença para além da determinação de ciclos em épocas do ano em produz efeitos, porque os artigos 4.° e 6.° do Regulamento n.° 1040/2016 do Município de … não preveem de todo tal limitação à validade da licença de alargamento.
J. Uma vez que da leitura dos artigos 4.° e 6.° do Regulamento n.° 1040/2016 do Município de … acima transcritos, resulta clara que estas disposições regulamentares não preveem prazo máximo, ou limite de duração e de eficácia do acto de concessão de alargamento do horário de funcionamento;
K. Ou seja, a factualidade dada como provada ; 6. Pelo ofício3988de03-08-2018o arguido obteve autorização para o funcionamento do seu estabelecimento até às duas da manhã até ao dia 30 de Setembro de 2018.", resulta a imposição de um limite temporal que não tem cabimento regulamentar. Desta falta de cabimento regulamentar da limitação temporal à licença administrativa que permitia o legal funcionamento do referido estabelecimento no circunstancialismo de tempo da factualidade dada como provada, a sentença recorrida nada refere na sua fundamentação.
L. A interpretação e analise do previsto no n.° 2 do artigo 6.° do Regulamento n.° 1040/2016 do Município de … impunha a absolvição do ora Recorrente, porque , como já se tinha alegado em sede de recurso de impugnação de decisão administrativa, da leitura dos artigos 4.° e 6.° do Regulamento n.° 1040/2016 do Município de … acima transcritos, constata-se que a única causa de cessação de efeitos do alargamento, é a prolação de acto de revogação, prevista no referido regulamento mediante decisão da Camara Municipal, conforme prevê o n.° 2 do artigo 6.°, do Regulamento n.° 1040/2016 do Município de ….
M. Pelo que o acto de concessão de alargamento do horário de funcionamento do estabelecimento comercial plasmado no oficio n.° 3988 de 03/08/2018, por ser distinto do acto de revogação regularmente previsto, não pode limitar a duração de uma concessão de alargamento, que regulamentarmente não tem limite de duração nem prazo máximo.
N. Compulsados os artigos 4.° e 6.° do Regulamento n.° 1040/2016 do Município de … acima transcritos, compreende-se perfeitamente que a licença de alargamento de funcionamento plasmada no oficio n.° 3988 de 03/08/2018, só cessa por acto de revogação da Camara Municipal.
O. Vislumbrando-se que da matéria de facto alegada e provada nos presentes autos não consta a menção a nenhum acto administrativo que constitua um despacho de revogação do oficio 3988 de 03-08-2018 o arguido obteve autorização para o funcionamento do seu estabelecimento até às duas da manhã , pelo que inexiste qualquer despacho de revogação que constitua causa de cessação da licença de alargamento de funcionamento plasmada no oficio n.° 3988 de 03/08/2018.
P. Como o dia e hora da autuação dada como provada nos presentes autos, correspondem às 1 h 30 do dia 25 de Setembro de 2021, verifica-se que tais circunstâncias se encontram dentro das 2 h 00 e da época determinada até 30 de Setembro, conforme o oficio n.° 3988 de 03/08/2018 que não mereceu qualquer despacho de revogação.
Q. Pelo que se impugna frontalmente a decisão de Direito que considerou que o alargamento do horário de funcionamento até às 2.h 00 que está previsto no oficio n.° 3988 de 03/08/2018 não estivesse em vigor à data dos factos em 25/09/2021, uma vez que reitera-se que da leitura dos artigos 4.° e 6.° n.° 2 do Regulamento n.° 1040/2016 do Município de … acima transcritos, não se pode considerar qualquer prazo de validade regularmente válido, por falta de cabimento regulamentar como causa de caducidade;
R. Ao mesmo tempo que da leitura dos artigos 4.° e 6.° do Regulamento n.° 1040/2016 do Município de … acima transcritos, nada resulta previsto como atribuindo à mudança da titularidade das licenças de exploração, funcionamento e alargamento do horário de funcionamento causa de cessação do dito alargamento, limitando a leitura dos artigos 4° e 6.° do Regulamento n.° 1040/2016 do Município de … acima transcritos, a que o acto de concessão do alargamento da licença só possa definir épocas determinadas / ciclos de perda de eficácia do alargamento do horário de funcionamento (n.° 1 do artigo 6.° do Regulamento n.° 1040/2016 do Município de …) e não prazos de validade;
S. Reitera-se que a decisão recorrida não cita nem identifica o acto de revogação da Camara Municipal, que à luz do previsto no n.° 2 do artigo 6.° do Regulamento n.° 1040/2016 do Município de …, constituiria causa de cessação de validade e de produção de efeitos da licença de alargamento do horário de funcionamento do estabelecimento do oficio n.° 3988 de 03/08/2018 , pelo que se verifica o erro de Direito da sentença recorrida na analise da factualidade dada como provada à luz do previsto nos artigos 4.° e 6.° números 1 e 2 e 6.° - A do Regulamento n.° 1040/2016 do Município de ….
T. O que leva a que se impugne todo o teor da Fundamentação de Direito da decisão recorrida,, porque não decorre nenhuma previsão regulamentar que determine prazo ou limite de duração ao pedido de alargamento do horário de funcionamento do referido estabelecimento, nem a mudança de titularidade da licença de funcionamento está prevista regulamentariamente como causa de caducidade da licença de alargamento de funcionamento do estabelecimento, donde decorre a inexistência de limitação de produção de efeitos do oficio n.° 3988 de 03/08/2018, que implicasse que o mesmo não estivesse em vigor à data dos factos em 25/09/2021 como fonte de responsabilização contraordenacional do ora Recorrente.
U. Prevendo-se somente em termos regulamentares, o acto de revogação como causa de cessação da produção de efeitos da licença de alargamento do horário de funcionamento do estabelecimento, não podendo ser o acto de concessão de alargamento do horário de funcionamento, ao mesmo tempo o acto de revogação da mesma concessão de alargamento do horário de funcionamento, porque estão previstos regulamentarmente como actos distinto.
V. Onde o acto de concessão de alargamento do horário de funcionamento pode prever ciclos/épocas de produção de efeitos e de não produção consoante as épocas do ano, porque está previsto nos termos regulamentares, mas nestes termos não está previsto nenhum termo certo com o decurso de determinado prazo como causa de caducidade da licença de alargamento do horário de funcionamento.
W. Visto que a mudança de titular da licença de exploração e da licença de alargamento do horário de funcionamento não constitui causa regulamentar de caducidade da licença ; Que não existe previsão regulamentar do termo de qualquer prazo como causa de caducidade da licença de alargamento do horário de funcionamento; Que o acto de concessão da licença de alargamento do horário de funcionamento pode estabelecer ciclos de produção de efeitos e de não produção de efeitos consoante épocas do ano, mas não pode constituir o próprio acto de concessão de alargamento, ele mesmo o acto de revogação regulamentarmente previsto como única causa de cessação da licença de alargamento do horário de funcionamento; E finalmente que não foi dado como provado a prolação de qualquer acto de revogação do oficio n.° 3988 de 03/08/2018 como exigido pelo n.° 2 do artigo 6.° do Regulamento n.° 1040/2016 do Município de …
X. Então concluiu-se necessariamente pela produção de efeitos da licença de alargamento do horário de funcionamento do estabelecimento do oficio n.° 3988 de 03/08/2018 até as 2 h 00 , à data dos factos, 25 de Setembro de 2021, que se inclui dentro da época delimitada até 30 de Setembro na licença de alargamento corporizada no referido oficio , concluindo-se igualmente que a sentença recorrida violou o disposto nos artigos 4.° e 6.° números 1 e 2 do Regulamento n.° 1040/2016 do Município de …, e consequentemente tem de se concluir que não se encontram preenchidos os elementos subjectivo e objectivo do tipo contraordenacional em que vem condenado o ora Recorrente , ao contrário do entendimento da sentença recorrida, impondo-se a procedência do presente recurso, com a revogação da decisão recorrida e a determinação da absolvição do ora Recorrente na coima em que vem condenado a pagar.
Y. Acresce que, como acima se transcreveu, é a própria sentença recorrida que reconhece que :' Não se entende muito bem, qual a norma cuja violação é imputada ao arguido, porquanto sendo o estabelecimento um bar, não seria o n° Io (em qualquer uma das suas 8 alíneas), mas antes o n°3°, especifico para bares, dancings, etc.., ora se é a sentença recorrida, enquanto decisão sobre recurso de impugnação de decisão administrativa , que reconhece que não entende qual a base legal para o ora Recorrente vir condenado na prática de uma contra-ordenação e em função disso na condenação de pagamento de uma coima de 250,00 €, então não se vê como pode vir o ora Recorrente confirmado como condenado pela prática de uma contra-ordenação, cuja a base legal se reconhece não se entender bem qual seja.
Z. Porquanto tal reconhecimento judicial constitui necessariamente um facto impeditivo da manutenção da condenação do ora Recorrente que havia sido impugnada, e donde decorre igualmente a consequência lógica da absolvição do ora Recorrente da prática da contra-ordenação em que vem condenado, e da sanção que constitui a condenação no pagamento de uma coima de 250,00 € constante do dispositivo da decisão administrativa e da sentença ora recorrida que se pede que seja revogado pelos fundamentos de Direito ora explanados no presente recurso.
Nestes termos concluiu-se pela procedência do presente recurso, declarando-se o reconhecimento da produção de efeitos da licença de alargamento do horário de funcionamento do estabelecimento do oficio n. ° 3988 de 03/08/2018, à data dos factos, com a consequência de se declarar que não se encontram preenchidos os elementos subjectivo e objectivo do tipo contraordenacional em que vem condenado o ora Recorrente, rogando-se a revogação da decisão recorrida e que seja decretada a absolvição do ora Recorrente na coima de250,00 € em que vem condenado pagar.”
*
5. O recurso foi admitido com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo, tendo ao mesmo respondido a Digna Magistrada do Ministério Público, junto do tribunal recorrido, pugnando pelo seu não provimento.
Apresentou as seguintes conclusões:
“1. Não foi requerida, nem ponderada a apensação do processo n.°…24.5… (o qual foi autuado, distribuído e apreciado posteriormente aos presentes autos). Contudo, tal circunstancialismo não é fundamento para concluir pela nulidade da decisão recorrida, pois em causa está a apreciação de factualidades praticadas pelo recorrente em datas distintas, pelo que nunca se poderá considerar que foi violado o princípio da proibição da dupla valoração.
2. O Tribunal a quo bem considerou que, no dia 25/09/2021, o recorrente tinha o estabelecimento aberto para além das 00h00 e não tinha instruído, solicitado ou obtido deferimento de um qualquer procedimento para alargamento de horário.
3. Através do ofício n.° 3988, de 03/08/2018, da Câmara Municipal de …, foi deferido o pedido de alargamento de horário ao anterior titular da exploração do estabelecimento comercial em causa até ao dia 30 de Setembro de 2018.
4. A única licença de alargamento de horário de funcionamento concedida para o estabelecimento em causa continha um prazo de validade.
5. Não faz qualquer sentido que a autarquia aprove o alargamento de horário de funcionamento de um estabelecimento ad eternum. As licenças são concedidas por tempo determinado, para que sejam revistos com regularidade os requisitos legais exigidos na obtenção das mesmas e estão sujeitas ao pagamento da respectiva taxa.
6. O acto de revogação previsto no n.° 2, do artigo 6.°, do Regulamento n.° 1040/2016 é uma causa de cessação de efeitos do alargamento do horário de cariz excepcional, quando se verifique a alteração de qualquer dos requisitos que o determinaram, ainda que a validade concedida à licença esteja longe de expirar.
7. No decurso do período de alargamento de horário concedido por via ofício n.° 3988, de 03/08/2018 inexistiu qualquer despacho de revogação como previsto no referido n.° 2, do artigo 6.° do Regulamento, portanto a validade dessa concessão atinge o seu termo na data prevista na mesma e que era do conhecimento do seu requerente. Querendo prorrogar tal beneficio, deveriam ter sido submetidos novos pedidos nesse sentido quantas vezes fossem necessárias.
8. Em suma, o alargamento do horário de funcionamento até às 02h00 previsto no oficio n.° 3988 de 03/08/2018 não estava em vigor à data dos factos, em 25/09/2021, uma vez que daquele constava um prazo de validade.
9. A falta de autorização verificada ao recorrente para manter o seu estabelecimento em funcionamento além das 00h00 nada tem a ver com a mudança da titularidade da licença de exploração do estabelecimento, mas tão-só com o facto do recorrente não ter renovado tal pedido junto da entidade competente e que só o próprio recorrente pode ser responsabilizado por essa omissão.
10. Bem andou o Tribunal a quo ao decidir como decidiu ao não reconhecer a produção de efeitos da licença de alargamento do horário de funcionamento do estabelecimento do oficio n.° 3988 de 03/08/2018 até às 2h00, à data dos factos, 25/09/2021, ao concluir que se encontram preenchidos os elementos subjectivo e objectivo do tipo contra- ordenacional e ao condenar o recorrente na prática da contra-ordenação, prevista e punida nos termos da al. b) do n.° 1 do artigo 12.° do Regulamento n.° 1040/2016, de 15/11/2016.
11. A decisão recorrida não violou o disposto nos artigos 4.° e 6.°, n.°s 1 e 2, do Regulamento n.° 1040/2016, de 15/11/2016, fez uma correcta apreciação da matéria de facto e acertada aplicação do direito.“
*
6. Neste Tribunal da Relação, em fundamentado Parecer o Ex.º Senhor Procurador-Geral Adjunto pugnou pela improcedência do recurso e, consequentemente, manutenção da decisão recorrida.
*
7. Foram colhidos os vistos e realizada a competente conferência.
*
8. O objecto do recurso tal como ressalta das conclusões da motivação versa a apreciação da seguinte questão:
- Da nulidade da sentença, por falta de apensação de processos, com violação do princípio da proibição da dupla valoração;
- Saber se o estabelecimento do recorrente, no dia 25.09.2021, tinha licença de funcionamento até às 02.00h
*
9. Apreciando:
- Da nulidade da sentença, por falta de apensação de processos, com violação do princípio da proibição da dupla valoração:
Começa o recorrente por sustentar que contra ele corre um outro processo de recurso de contraordenação, com o nº …24.5…, em que se verifica que existe identidade e correspondência dos factos sub judice, em ambos os processos, não tendo o tribunal efectuada a apensação de ambos os processos, ao abrigo dos nº 1 a 3 do art. 19º RGCO, para que os mesmos factos fossem julgados numa apreciação conjunta dos factos e da responsabilidade social adstritiva do agente, pelo que, ao se ter omitido tal operação, imposta legalmente, impôs-se uma dupla valoração das mesmas circunstâncias (princípio non bis in idem) e, consequentemente a violação do princípio da proibição da dupla valoração, o que implica a ilegalidade de ambos os procedimentos em analise, a correrem de forma paralela, tendo por objecto os mesmos factos, o que constitui uma nulidade da sentença recorrida, por violação dos nº 1 a 3 do art. 19º do RGCO.
Vejamos:
Não assiste qualquer razão ao recorrente.
À apensação de processos penal / contraordenacional aplica-se o disposto nos arts. 24º e ss do CPP, aplicáveis a estes últimos por força do disposto no art. 41º nº 1 do RGCO.
A apensação de processos está ligada a motivos de competência por conexão, tal como dispõe o art. 24º e ss do CPP.
O facto de não se ter ordenado a apensação de todos os processos na fase administrativa, não impede que seja ordenada essa mesma apensação na fase judicial – art 29º nº 2 do CPP - , no despacho liminar ou em qualquer momento, antes de ser designada data para o julgamento, ou antes da prolação da decisão por mero despacho.
Nestes autos, não foi requerida, nem ponderada, a apensação do processo n.° 191/24.5T80LH, o qual foi autuado, distribuído e apreciado posteriormente aos presentes autos.
Sucede, contudo, que tal circunstancialismo não é fundamento para concluir pela nulidade da decisão recorrida, pois em causa está a apreciação de factualidades praticadas pelo recorrente em datas distintas, pelo que nunca se poderá considerar que foi violado o princípio da proibição da dupla valoração.
Com efeito, e de acordo com o pelo recorrente alegado, verifica-se que:
- De acordo com o Regulamento n.° 1040/2016 do Município de …, os estabelecimentos apenas têm horário até às 00.00 h, e, em 25 de Setembro de 2021, o estabelecimento "Bar …" encontrava-se a funcionar às 1:30 horas ( Referência: Proc. n.°… Oficio n.° … - processo contra-ordenação n.° 245/2021 Despacho Sr. Presidente da Camara de … n.° 207/2023) – presente processo;
- De acordo com o Regulamento n.° 1040/2016 do Município de …, os estabelecimentos apenas têm horário até às 00.00 h, e, em 14 de Setembro de 2021, o referido estabelecimento "Bar …" encontrava-se a funcionar às 1:50 horas - processo de recurso de contraordenação n.° …24.5…, que corre seus termos pelo J… do Juízo de Competência Genérica de … (Referência: n.° …, processo contra-ordenação n.° … também da Policia Municipal de ….
Assim, o que se constata é que, contrariamente ao alegado pelo recorrente, não existe identidade ou correspondência dos factos sub judice em ambos os processos, ou seja, não estamos perante os mesmos factos, pelo que não se verifica a invocada nulidade da sentença recorrida, ou a violação do princípio da proibição da dupla valoração das mesmas circunstâncias ( principio non bis in idem),ou qualquer violação dos nº 1 a 3 do art. 19º do RGCO, que se referem ao concurso de contraordenações, o que dita a improcedência do recurso, nesta parte.
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- Saber se o estabelecimento do recorrente, no dia 25.09.2021, tinha licença de funcionamento até às 02.00h:
No caso em apreço, o tribunal a quo considerou que, no dia 25/09/2021, o recorrente tinha o estabelecimento aberto para além das 00.00h, não tendo esse mesmo licença de funcionamento até às 02h00, por não ter o recorrente instruído, solicitado ou obtido deferimento de um qualquer procedimento para alargamento do horário, pelo que manteve a condenação pela prática da infração prevista e punida como contraordenação nos termos da al. b) do n.° 1 do artigo 12.° do Regulamento dos Horários de Funcionamento dos Estabelecimentos de Venda ao Público e de Prestação de Serviços do Município de … (Regulamento n.° 1040/2016, de 15 de Novembro de 2016).
Observados os autos, resulta da prova existente que, através do ofício nº 3988, de 03.08.2018, da Câmara Municipal de …, foi deferido o pedido de alargamento, ao anterior titular da exploração do estabelecimento comercial em causa, até ao dia 30 de Setembro de 2018, ou seja, a licença em causa, única existente, continha um prazo de validade, que o recorrente insiste em não reconhecer.
O recorrente vem alegar o estatuído no artigo 6.º do Regulamento n.º 1040/2016, Regulamento dos Horários de Funcionamento dos Estabelecimentos de venda ao público e de prestação de serviços do Município de …, o qual intitulado “Alargamentos e restrições dos horários” estipula:
“1 — Com exceção do limite fixado no n.º 6 do artigo 4.º, pode a Câmara Municipal, ouvidos, os sindicatos, as forças de segurança, as associações de empregadores, as associações de consumidores e a Junta de Freguesia do local onde se situam os estabelecimentos comerciais, alargar os limites fixados no artigo 3.º e nos termos do artigo 4.º, em todas as épocas do ano ou apenas em épocas determinadas, a pedido dos interessados, desde que se verifiquem cumulativamente, os seguintes requisitos:
a) Considerar -se tal medida justificada face aos interesses dos consumidores, nomeadamente quando a mesma venha a suprir carências no abastecimento de bens ou de prestação de serviços, contribuir para a animação e revitalização do espaço urbano ou contrariar tendências de desertificação da área em questão;
b) Situarem -se os estabelecimentos em zonas da cidade onde os interesses de determinadas atividades profissionais o justifiquem, designadamente zonas com forte atração turística ou zonas de espetáculos e ou animação cultural;
c) Sejam respeitadas as características socioculturais e ambientais da zona e a densidade da população residente, bem como as características estruturais dos edifícios, condições de circulação e estacionamento;
d) Sejam rigorosamente respeitados os níveis de ruído impostos pela legislação em vigor, tendo em vista a salvaguarda dos direitos dos residentes em particular e da população em geral à tranquilidade, ao repouso e à segurança;
e) O estabelecimento que pretende o alargamento não se situe em zona predominantemente residencial;
f) Não exista oposição por parte da maioria dos condóminos/moradores, se se tratar de um estabelecimento situado num edifício em propriedade horizontal;
g) Não exista oposição da maioria dos moradores do edifício ou confrontantes, se se tratar de um estabelecimento situado num imóvel geminado ou em banda continua;
2 — O alargamento de horário previsto no n.º anterior, ocorre a requerimento do interessado, deve ser devidamente fundamentado e apresentado com a antecedência mínima de 15 dias úteis, não está sujeito a comunicação prévia no Balcão do Empreendedor e pode ser revogado pela Câmara Municipal, a todo o tempo, quando se verifique a alteração de qualquer dos requisitos que o determinaram.”[sublinhado nosso].
Ora, e como bem refere a Digna Magistrada do Ministério Público, na resposta ao recurso, “ o alargamento de revogação previsto no nº 2 do art. 6º do Regulamento º 1040/2016 é uma causa de cessação de efeitos do alargamento do horário de cariz excepcional, quando se verifique a alteração de qualquer dos requisitos que o determinaram, ainda que a validade concedida à licença esteja longe de expirar. No decurso do período de alargamento do horário concedido por via do ofício nº 3988, de 03.08.2028, inexistiu qualquer despacho de revogação como previsto no nº 2 do art. 6º do Regulamento nº 1040/2016, pelo que a validade dessa concessão atingiu o seu termo na data prevista na mesma e que era do conhecimento do seu requerente. Querendo prorrogar tal benefício, deveriam ter sido submetidos novos pedidos nesse sentido quantas vezes fossem necessárias.”
Temos, pois, que, à data dos factos – 25.09.2021 – o alargamento do horário de funcionamento até às 02.00h, previsto no oficio ofício nº 3988, de 03.08.2018, não estava em vigor, uma vez que deste constava um prazo de validade, já ultrapassado, sem que, entretanto, tivessem sido submetidos novos pedidos para prorrogar tal benefício.
A mudança da titularidade da licença de exploração do estabelecimento nada tem a ver com a falta de autorização verificada ao recorrente para manter o seu estabelecimento em funcionamento além das 00.00h, mas sim com um facto que só ao recorrente pode ser imputado e que é o de não ter renovado o pedido, junto da entidade competente.
Ao decidir não reconhecer a produção de efeitos da licença de alargamento do horário de funcionamento do estabelecimento do oficio n.° 3988, de 03/08/2018, até às 02h00, à data dos factos, 25/09/2021, bem andou o tribunal recorrido, ao condenar o recorrente na prática da contra-ordenação, prevista e punida nos termos da al. b) do n.° 1 do artigo 12.° do Regulamento n.° 1040/2016, de 15 de Novembro de 2016, já que mostram reunidos os elementos objectivos e subjectivos do tipo de contraordenação em causa e não se verificar qualquer violação do disposto nos artigos 4.° e 6.°, n.°s 1 e 2, do Regulamento n.° 1040/2016, de 15 de Novembro de 2016.
Importa, pois, concluir pela improcedência do recurso.
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10. Decisão:
Em conformidade com o exposto acordam os Juízes Desembargadores, neste Tribunal da Relação de Évora, em considerar improcedente o recurso, interposto pelo recorrente AA, confirmando-se a douta decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) UCS.
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(Texto elaborado em suporte informático e integralmente revisto)
Évora, aos 11 de Julho de 2024
Os Juízes Desembargadores
Anabela Simões Cardoso
Francisco Moreira das Neves
Nuno Garcia