Se, à apresentação do Requerimento de Abertura de Instrução remetido por correio electrónico simples, desprovido de assinatura electrónica avançada e sem validação cronológica, não se seguir o envio do seu original, no prazo de 10 dias, deve o tribunal notificar o requerente para, no prazo que lhe for fixado, apresentar o documento em falta.
Inconformado com tal decisão, dela recorreu o arguido AA, peticionando a revogação da decisão e sua substituição por outro despacho que ordene a notificação do Recorrente para juntar aos autos o original do Requerimento de Abertura de Instrução.
Extraiu da respetiva motivação do recurso as seguintes conclusões (transcrição):
“1. O recurso tem como objeto o despacho que rejeitou o requerimento de abertura de instrução apresentado pelo Arguido/Assistente por entender que este é legalmente inadmissível;
2. Conforme decorre do disposto no n.º 3 do artigo 4º do Decreto-Lei n.º 28/92, de 17 de fevereiro e na alínea b), do n.º 1, do artigo 6º, do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de dezembro, a falta de apresentação do original do requerimento para abertura da instrução, enviada por correio eletrónico simples, no prazo legal de 10 dias, não tem como consequência imediata a rejeição liminar do requerimento;
3. A rejeição do Requerimento de Abertura de instrução remetida, através de correio eletrónico, por inobservância dos legais requisitos de forma para a prática do ato, deve pressupor a prévia notificação determinada pelo juiz para o original do Requerimento de Abertura de Instrução, para que este seja incorporado no processo;
4. Apenas no caso de a parte não apresentar o original do requerimento, aquando da sua notificação para o efeito, poderá, com esse fundamento e nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 4º do Decreto-Lei n.º 28/92 de 17 de Fevereiro, rejeitar-se o requerimento de abertura de instrução;
5. Todas as intervenções das Advogadas Signatárias no processo foram enviadas por correio eletrónico simples, através das contas de e-mail da Ordem dos Advogadas, sem assinatura digital ou validação cronológica;
6. Não foram entregues, posteriormente àquele envio, o original dos requerimentos e seus respetivos documentos;
7. Todos os requerimentos foram aceites, e foram objeto de despacho sempre;
8. Em momento algum, foi imputado qualquer vício de forma a tais requerimento e respetivos envios;
9. Tem existido uma prática reiterada de aceitação, em fase de inquérito, das peças processuais enviadas por correio eletrónico simples sem necessidade de envio do original posteriormente;
10. Da situação permissiva de aceitação do envio das peças processuais através de correio eletrónico simples sem necessidade do envio do original posteriormente surge uma expetativa jurídica a favor de quem se começou a produzir um facto complexo, de formação sucessiva, de onde resulta, quando, concluído, um direito ou a sua atribuição;
11. Consequentemente o Requerimento de Abertura de Instrução foi enviado aos autos por correio eletrónico simples pois, naturalmente, existia a convicção de que tal forma de envio não padecia de qualquer vício;
12. Ainda que não se encontrem respeitados todos os pressupostos legais constantes da Portaria n.º 642/2004, de 16 de junho, a não entrega do original do Requerimento de Abertura de Instrução não pode culminar imediatamente na inadmissibilidade do ato processual como ocorreu nos presentes autos;
13. Salvo o devido respeito por entendimento diverso, a solução adotada pelo Tribunal a quo é demasiado drástica, não correspondendo de todo ao que o legislador pretendeu consagrar;
14. E entendimento do Recorrente que, não fixando a lei cominação específica para a falta de apresentação do original do Requerimento de Abertura de Instrução, deveria o Tribunal a quo, nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 4º do Decreto-Lei n.º 28/92, de 27 de Fevereiro, notificar o Recorrente para apresentar o original do Requerimento de Abertura de Instrução, deveria o tribunal a quo, nos termos do disposto no n.º 5 do art.º 4º do decreto-Lei n.º 28/92 de 27 de Fevereiro, notificar o recorrente para apresentar o original do requerimento de Abertura de Instrução sob pena, aqui sim, de não aproveitar à parte o ato praticado através de telecópia, o que não aconteceu;
15. O Requerimento de Abertura de Instrução foi enviado no dia 9/05/2022, por correio eletrónico simples, que, por não se mostrar eletronicamente assinado e por falta de validação cronológica do respetivo ato de expedição, tem o valor e telecópia;
16. A apresentação do original do Requerimento de Abertura de Instrução tem como única função a de confirmar o ato anteriormente praticado, através d telecópia, permitindo a respetiva conferência, não servindo este para completar ou corrigir quaisquer deficiências da telecópia;
17. Deve o despacho ora recorrido ser revogado e proferido outro e que o Recorrente seja notificado para apresentar o original do Requerimento de Abertura de Instrução.”
O Ministério Público respondeu ao recurso, pugnando pela manutenção do despacho recorrido, concluindo que “Nesta conformidade, uma vez que o requerimento de abertura de instrução apresentado pelo arguido AA não respeita as exigências de forma atrás citadas, bem agiu o Mer.º JIC em rejeitar tal requerimento, porque legalmente inadmissível, nos termos do art. 287 n.º 3 do CPP.”.
Neste Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto teve vista nos autos, elaborando parecer em que pugnou pela improcedência do recurso.
Foi dado cumprimento ao artigo 417.º n.º 2 do Código de Processo Penal, não tendo sido oferecida resposta ao parecer.
Colhidos os vistos e realizada a conferência, foi proferido Acórdão por este Tribunal da Relação de Évora, em 22 de novembro de 2022, no qual se decidiu negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA, confirmando-se a decisão recorrida.
O arguido AA, entretanto constituído também assistente nos autos, interpôs, em 9 de fevereiro de 2023, recurso para Fixação de jurisprudência pelo Pleno das secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça, nos termos dos artigos 437º e 438º do Código Processo Penal, invocando que o acórdão proferido nos presentes autos pelo Tribunal da Relação de Évora, datado de 22.11.2022 (transitado em julgado a 10.1.2023), se encontra em oposição ao Acórdão “Fundamento” do Tribunal da Relação de Évora, datado de 24/05/2022, proferido no Processo n.º 975/17.0T9EVR-A.E1, acessível na base de dados (http://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/bee4300b3ea0e0ff8025882 c004e617e?OpenDocument), pedindo que fosse fixada jurisprudência no sentido de que:
“No caso de falta de entrega dos originais de peças processuais apresentadas por correio eletrónico simples ou sem validação cronológica no prazo de 10 dias do envio da telecópia, tal não implica a perda do direito de praticar o ato, devendo, ao abrigo do princípio da proporcionalidade, notificar-se o Requerente a, dentro de certo prazo, entregar na secretaria os originais das peças remetidas por correio eletrónico.”.
Por Acórdão de 14 de novembro de 2023, proferido em conferência na 5ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça no âmbito do processo de Recurso de Fixação de Jurisprudência foi decidido, além do mais:
“(…) Nestes termos e com tais fundamentos, julga-se o recurso procedente, mas não determinando para já o respetivo prosseguimento (artigo 441.º/1, 2ª parte, CPP) porquanto no aludido procº 707/19.9PBFAR-F.E1-A.S1 desta 5.ª secção, se concluiu pela oposição de julgados relativamente à mesma questão.
Ficarão suspensos em conformidade com o disposto no artigo 441.º, n.º 2, do CPP até ao julgamento do recurso e resolução do conflito em que foi já declarada oposição no aludido processo Proc. n.º 204/22.5YUSTR.L1-A.S1”.
Entretanto, por Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido a 13 de março de 2024, em Plenário, no referido processo nº 707/19.9PBFAR-F.E1-A.S1, fixou-se jurisprudência no sentido pretendido pelo aqui recorrente, nestes termos:
"Quando, em face de apresentação do Requerimento de Abertura de Instrução remetido por correio electrónico simples, desprovido de assinatura electrónica avançada e sem validação cronológica, não se seguir o envio do seu original, no prazo de 10 dias, conforme o disposto nos artigos 3.°, n.° 1 a 3 e 10.°, da Portaria 642/2004, de 16 de Junho, 4.° do Decreto-Lei n.° 28/92, de 27 de Fevereiro, 6.°, n.° 1, ai. b), do Decreto-Lei n.° 329-A/95, de 12 de Fevereiro e 287,°, n.° 3, do CPP, deve o tribunal notificar o arguido para, no prazo que lhe for fixado, apresentar o documento em falta.".
Perante a aludida fixação de jurisprudência no processo nº 707/19.9PBFAR-F.E1-A.S1, foi proferido novo Acórdão na 5ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça no âmbito do processo de Recurso de Fixação de Jurisprudência nº 1481/20.1GBABF.E1-A.S1, datado de 15 de maio de 2024, no qual se decidiu:
“Pelo exposto, acordam os juízes desta Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça, por força da supra referida decisão de fixação de jurisprudência, sem prejuízo da eficácia desta no presente processo nos termos do art. 445.° n.° 1 do CPP, para o que reenviam o processo para o Tribunal da Relação de Évora, nos termos do art. 445.°, n.° 2, do CPP, a fim de se proceder ali à aplicação da jurisprudência fixada no acórdão recorrido com as processuais e legais consequências.”.
Reenviado o processo a este Relação de Évora, foram os autos redistribuídos (perante a jubilação dos primitivos Desembargador Relator e Desembargadores Adjuntos).
Colhidos os vistos, cumpre decidir, procedendo à aplicação da jurisprudência fixada.
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II – FUNDAMENTAÇÃO
Nos presentes autos de recurso penal estava em apreciação saber se o autor do requerimento de abertura de instrução enviado por correio eletrónico simples, sem aposição de assinatura eletrónica avançada e validação cronológica da expedição mediante a aposição de selo temporal por uma terceira entidade idónea, deve ser notificado para apresentar o original do requerimento antes de se proceder à sua rejeição por inadmissibilidade legal.
O Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão de 13 de março de 2024 proferido no processo nº 707/19.9PBFAR-F.E1-A.S1 fixou jurisprudência nos seguintes termos:
“Quando, em face de apresentação do Requerimento de Abertura de Instrução remetido por correio electrónico simples, desprovido de assinatura electrónica avançada e sem validação cronológica, não se seguir o envio do seu original, no prazo de 10 dias, conforme o disposto nos artigos 3.º, n.º 1 a 3 e 10.º, da Portaria 642/2004, de 16 de Junho, 4.º do Decreto-Lei n.º 28/92, de 27 de Fevereiro, 6.º, n.º 1, al. b), do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Fevereiro e 287.º, n.º 3, do CPP, deve o tribunal notificar o arguido para, no prazo que lhe for fixado, apresentar o documento em falta.”.
Essa jurisprudência é eficaz nos presentes autos.
Assim, limitando-nos a aplicar a jurisprudência fixada, cujos fundamentos foram devidamente explicitados no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de março de 2024 (https://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/d6ad9cc4c0f155c280258ae0003221b1?OpenDocument), importa julgar procedente o recurso interposto por AA, determinando a revogação da decisão proferida em 20-06-2022 pelo Senhor Juiz de Instrução Criminal do Juízo de Instrução Criminal de … (de rejeição do requerimento de abertura da fase de instrução), ordenando-se a sua substituição por outro despacho que ordene a notificação do Recorrente para, em prazo a fixar, juntar aos autos o original do Requerimento de Abertura de Instrução.
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I – DECISÃO
Pelo exposto acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente o recurso interposto pelo arguido AA e, em consequência, em revogar o despacho recorrido, que deve ser substituído por outro que notifique o arguido, na pessoa do seu Mandatário, para, em prazo a fixar, apresentar o original do requerimento para abertura da instrução.
Sem tributação.
D.N.
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O presente acórdão foi elaborado pelo Relator e por si integralmente revisto (art. 94º, n.º 2 do C.P.P.).
Évora, 11 de julho de 2024
Jorge Antunes (Relator)
Edgar Gouveia Valente (1º Adjunto)
Artur Vargues (2º Adjunto