DESOBEDIÊNCIA
TESTE DE PESQUISA DE ÁLCOOL NO SANGUE
RECUSA
ANTECEDENTES CRIMINAIS
PENA DE SUBSTITUIÇÃO
FINALIDADES DAS PENAS
Sumário

I. Contando o arguido sete condenações anteriores no âmbito da condução rodoviária, ora por condução em estado de embriaguez, ora por desobediência (recusa de realização do teste de pesquisa de álcool no sangue através do ar expirado), mostra-se evidenciada a desadequação e insuficiência da pena de multa, que já se não mostra ajustada à penalização da conduta de desobediência por recusa de realização do teste de pesquisa de álcool no sangue.
II. Importando aquilatar se a pena de prisão fixada deverá cumprir-se efetivamente, ou se pode ainda ajustar-se a aplicação de alguma pena de substituição, cuja aplicação seja ainda suportada pelas expectativas comunitárias e adequada à reinserção social do arguido, deve atentar-se que a função primordial do direito penal é a proteção de bens jurídicos, traduzindo-se a finalidade primária da pena na estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade da norma violada.
III. A pena concreta deverá impregnar um vigor que possa ser visto como um sinal para a comunidade, de reforço da sua confiança no sistema jurídico, as exigências de prevenção geral e as necessidades de prevenção especial, evidenciadas pelas circunstâncias do caso, impedem a substituição da pena de prisão, por tal contrariar as expetativas da comunidade e a confiança desta na validade da norma jurídica violada, que de modo diverso se desvaneceria.

Texto Integral

I – Relatório
a. No ….º Juízo de Competência Genérica de … – do Tribunal Judicial da comarca de … - procedeu-se a julgamento em processo sumário de AA, nascido a …/…/1985, com os demais sinais dos autos, a quem foi imputada a autoria, na forma consumada, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto nos artigos 292.º, § 1.º do Código Penal, com referência ao artigo 69.º, § 1.º al. a) do mesmo código.

Teve lugar a audiência e a final o tribunal proferiu sentença para a ata, na qual se condenou o arguido como autor de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto nos artigos 292.º, § 1.º e 69.º, § 1.º al. a) CP, na pena de 12 meses de prisão; e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 18 meses.

b. Inconformado com a não mobilização da possibilidade do cumprimento da pena de prisão na habitação, o arguido apresenta-se a recorrer, finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões (1):

«2.ª O presente recurso tem como objecto apenas a matéria de direito da sentença proferida nos presentes autos, com a qual o Recorrente não concorda, atendendo a que, por exemplo, não foi considerada por parte do Tribunal a quo, a possibilidade do cumprimento da pena de prisão em regime de permanência na habitação.

3.ª O Tribunal a quo deu, fazendo uma valoração conjunta dos factos praticados e da personalidade do agente deu, designadamente como provado que:

“a) O grau de ilicitude dos factos praticados pelo agente é médio-alto, porquanto a taxa de álcool no sangue com que o arguido foi encontrado a conduzir é relativamente alta.

b) A intensidade da culpa, no presente caso, é média-alta. O arguido, conhecendo a proibição da sua conduta, nomeadamente, pelas anteriores condenações penais, e podendo motivar-se pelo Direito, não o fez.

c) A intensidade do dolo é alta, uma vez que o arguido praticou os factos com dolo direto, porquanto sabendo que tinha ingerido bebidas alcoólicas e sabendo que não pode conduzir sob efeito do álcool, conduziu.

d) O arguido tem 10 anteriores condenações criminais, das quais 5 pela prática do mesmo tipo de crime.

e) O arguido não tem integração social, sendo visto com regularidade alcoolizado e associado à toxicodependência.

f) O arguido não revelou qualquer interiorização do mal da sua conduta, desvalorizando a prática dos factos.

A favor do arguido, o Tribunal valorou:

g) A gravidade das suas consequências é média-baixa, porquanto o arguido não foi interveniente num acidente de viação.

h) O arguido mostra integração laboral, porquanto se encontra a exercer uma atividade profissional.”

4.ª Acontece que, apesar de ter sido elaborado relatório social e o tribunal a quo entender que “se verificam os requisitos objetivos e materiais para a instalação daqueles equipamentos (veja-se factos 11, 12 e 21 e 22), isto é, foram prestados os consentimentos necessários e a casa onde o arguido reside reúne as condições necessárias para a sua instalação” (vide sentença, pg. 15), a verdade é que, o tribunal a quo considerou não existir margem para conceder uma derradeira oportunidade para que o ora Recorrente se oriente em definitivo para o Direito.

5.ª É que, neste momento, o Recorrente está integrado em família e está em franca superação, como demonstra a factualidade provada nos pontos 9.º, 10.º, 12.º, 21.º, 22.º e 23.º da douta sentença.

6.ª O Recorrente reside com a sua progenitora e uma irmã de 40 anos, exerce a profissão de pedreiro, trabalha a título efectivo na empresa “…” e tem uma remuneração fixa mensal de € 800,00.

7.ª A aplicação de uma pena de prisão efectiva ao Recorrente, para além de desnecessária, é desadequada, desproporcional e mais prejudicial do que benéfica, tendo como consequência previsível o despedimento imediato do ora Recorrente da empresa onde exerce funções, colocando-o, numa situação pessoal e económica ainda mais difícil, quando atualmente, o Recorrente está a reabilitar-se e a orientar-se para com o Direito e a sociedade civil.

8.ª O Tribunal a quo aplicou a pena máxima prevista para o crime praticado, de 12 (doze) meses de prisão efectiva, que entendeu não aplicar em regime de permanência na habitação, por considerar inadequada, não tendo valorado e ponderado os fatores positivos e de integração dados como provados do ora Recorrente.

9.ª Em abono do presente recurso, a pena aplicada ao Recorrente é excessiva e desadequada, sendo que a pena de prisão em regime de permanência na habitação, em última e derradeira oportunidade, revela-se suficiente e adequada a satisfazer as finalidades de prevenção geral e especial, tendo aliado um carácter positivo e educativo, permitindo a tutela do bem jurídico protegido pela norma incriminadora, permitindo a socialização do infractor, coisa que a prisão efetiva não fará. Mas sim, agravará…

10.ª O Recorrente confessou de forma integral e sem reservas os factos dados como provados nos presentes autos, susceptível de contribuir de algum modo para a formulação de um juízo de prognose positivo, mesmo tendo presente os antecedentes criminais constantes do C.R.C. do Recorrente, pois este nunca até hoje beneficiou da aplicação de uma qualquer medida de substituição de uma pena de prisão.

11.ª O Recorrente não pretende pôr em causa a medida da pena de prisão em que foi condenado, defendendo apenas, através do presente recurso, que esta pena seja cumprida em regime de permanência na habitação, ao abrigo do disposto no artigo 43.º, n.º 1 alínea a) do Código Penal.

12.ª Nestes termos, deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada a sentença recorrida, pela qual foi aplicada a pena de 12 (doze) meses de prisão efetiva, ordenando-se a sua substituição por pena de 12 meses de prisão em regime de permanência na habitação, para a qual, o Recorrente deu o seu consentimento.

13.ª É manifesto que o Recorrente está em “processo de ressocialização”, sendo certo que, a aplicação de uma pena de prisão efetiva seria um duro golpe na sua pessoa e família e um verdadeiro retrocesso na sua reabilitação pessoal.»

c. Admitido o recurso o Ministério Público respondeu, pugnando pela sua improcedência, sintetizando-se a sua posição deste modo:

«3. Invoca o recorrente que não foi considerada por parte do Tribunal a quo, a possibilidade do cumprimento da pena de prisão em regime de permanência na habitação.

4. Tal afirmação não procede, uma vez que a douta sentença fundamenta a razão pela não aplicação do referido regime.

5. Também sustenta o recorrente que o cumprimento da pena de prisão não deveria ocorrer em estabelecimento prisional, mas sim em regime de permanência na habitação.

6. Ora, salvo o devido respeito e melhor opinião em contrário, entendemos que não assiste qualquer razão ao recorrente.

7. No caso, o condenado reside com a progenitora e uma irmã de quarenta anos, encontrando-se dependente daquela.

8. Efetivamente, o relatório social concluiu que “(…) a habitação dispõe de condições habitacionais e concilia com as necessárias para uma eventual PPHVE, a energia elétrica encontra-se em dia, com contrato legal. (…)”.

9. Contudo, também consta no referido relatório que “(…) o arguido não revela juízo critico, nem reconhece a eventual existência de vítimas. No que concerne à família de origem, a progenitora e uma irmã, mostram-se apreensivas, com a eventual permanência na habitação, nomeadamente a progenitora, que demonstrou algum receio quanto ao cumprimento da medida (…)”.

10. O condenado apresenta, entre outras, cinco condenações por crime de condução em estado de embriaguez, o que demonstra não ter interiorizado a ilicitude do seu comportamento e que não se absteve de cometer novos crimes.

11. O receio demonstrado pela progenitora do condenado quanto ao cumprimento da pena de prisão em permanência na habitação (cumpre lembrar que o condenado reside e depende da mesma) também foi levado em conta pela decisão recorrida.

12. Como único fator positivo e de integração a considerar, a decisão recorrida referiu que o condenado exerce uma função remunerada na empresa “…”.

13. Afigura-se que, in casu, o regime de permanência na habitação não é o regime adequado e suficiente a proteger os bens jurídicos e a defender a sociedade, levando a que o arguido conduza a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes.

14. Isso ocorre porque o juízo de prognose realizado em concreto sobre o cumprimento da pena de prisão em permanência na habitação não é favorável ao condenado.

15. Face ao exposto, considera-se adequada a pena aplicada, devendo ser negado provimento ao presente recurso, mantendo-se, na íntegra, a decisão recorrida.»

d. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Ministério Público junto desta instância emitiu douto parecer, no qual essencialmente refere que: «a pena de 12 meses de prisão efetiva em estabelecimento prisional aplicada ao arguido recorrente afigura-se-nos adequada, pelo que formulamos parecer de que não obtenha o recurso provimento, tal como referido pelo Ministério Público na primeira instância.»

e. Cumprido o disposto no artigo 417.º, § 2 do CPP, o arguido nada respondeu.

f. Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, cumpre agora, em conferência, apreciar e decidir.

II – Fundamentação

1. O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (artigo 412.º, § 1.º CPP) (2).

Neste contexto constatamos estar suscitada apenas uma questão, sobre a qual importa decidir: i) Pena concreta que o arguido deverá cumprir.

2. Da sentença recorrida

Com base nas declarações confessórias do arguido em sede de audiência de julgamento, teor do auto de notícia, exame realizado ao ar expirado, relatório social e certificado de registo criminal, o tribunal recorrido considerou provados os seguintes factos:

«1. No dia 25-11-2023, pelas 17h:47, na Estrada Nacional … KM …, em …, o arguido conduzia o veículo automóvel de marca/modelo “…” com a matrícula …, com uma taxa de álcool no sangue de pelo menos 1,539g/l, correspondente à TAS 1,62 g/l registada, deduzido o valor de erro máximo admissível.

2. O arguido sabia que a qualidade e a quantidade de bebidas alcoólicas que ingeriu momentos antes de iniciar a condução lhe determinariam, necessariamente, uma T.A.S. superior a 1,20g/l, o que não o impediu de conduzir o veículo na via pública, de forma livre, voluntária e consciente.

3. Bem sabia o arguido que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.

Mais se provou que:

4. O arguido é o filho mais novo, de dez elementos. O progenitor trabalhava nas … tendo falecido há cerca de 1 ano, e a progenitora é … e cuidadora informal de uma das filhas, com várias problemáticas de saúde.

5. O arguido concluiu o 8.º de escolaridade, pela frequência de um curso de pedreiro.

6. A nível profissional, iniciou atividade na área da construção civil, que foi mantendo ao longo do seu percurso laboral de forma mais ou menos regular, embora com sucessivas mudanças de entidade patronal, com o intuito de melhorar as condições de vida.

7. O consumo de bebidas alcoólicas, foi iniciado aos 16 anos e o consumo de estupefacientes aos 18 anos de idade, consumos que mantém e não assume.

8. Constituiu família com 26 anos de idade. Este relacionamento terminou no ano de 2021, regressando este, a casa dos progenitores.

9. Trabalha como pedreiro para a empresa “…” uma imobiliária, que tem por missão fazer reparações, na área de construção civil, auferindo cerca de € 800,00 por mês.

10. Reside com a progenitora e uma irmã de 40 anos, com várias problemáticas de saúde, encontrando-se dependente da progenitora.

11. Residem em casa de habitação social, pela qual pagam de renda € 30,00 mensais.

12. A habitação dispõe de condições habitacionais e a energia elétrica encontra-se em dia, com contrato legal.

13. A progenitora do arguido aufere cerca de € 300,00 mensais, por cuidar da irmã do arguido.

14. A irmã do arguido aufere pensão de invalidez de € 600,00 por mês.

15. O arguido apresenta frágeis competências pessoais e sociais, desvalorizando a problemática aditiva.

16. É visto com regularidade alcoolizado e associado à toxicodependência.

17. Já foi acompanhado no CRI, embora tenha vindo a abandonar este acompanhamento médicopsicológico, sem que tenha tido alta médica, referindo que o fez por motivos de trabalho, que o levou a deslocar-se para o sul do país.

18. O arguido não tem qualquer atividade estrutura de tempos livres.

19. O arguido não revela juízo critico, nem reconhece a eventual existência de vítimas.

20. O arguido foi anteriormente julgado e condenado por:

i) Por sentença de 24-07-2006, transitada em julgado a 08-09-2006, pela prática, em 21-102004, de um crime de furto simples, previsto e punido pelo artigo 203.º do Código Penal, na pena de 280 dias de multa, à taxa diária de € 2,00, no o âmbito do processo n.º 104/04.0…, que correu termos no Tribunal Judicial de …, pena essa atualmente extinta pelo cumprimento (em 01-06-2012).

ii) Por sentença de 15-02-2008, transitada em julgado a 15-02-2008, pela prática, em 21-082007,de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 60 dias de multa, à taxa diária de € 5,50, num total de € 330,00 e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 4 meses, no âmbito do processo n.º 80/07.8…, que correu termos no Tribunal Judicial de …, penas essas atualmente extintas pelo cumprimento (em 31-10-2009 e 27-06-2008, respetivamente).

iii. por sentença de 07-05-2009, transitada em julgado a 08-06-2009, pela prática em 21-122008, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de € 7,50, num total de € 675,00 e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 5 meses e 15 dias, no âmbito do processo n.º 220/08.0…, que correu termos no Tribunal Judicial de …, penas essas atualmente extintas pelo cumprimento (em 13-12-2010).

iv) Por sentença de 14-06-2011, transitada em julgado a 14-07-2011, pela prática em 31-052011, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 120 dias de multa à taxa diária de € 5,00, no total de € 600,00 e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 7 meses, no âmbito do processo n.º 17/11.0…, que correu termos no Tribunal Judicial de ….

v) por sentença de 03-04-2013, transitada em julgado a 03-05-2013, pela prática em 29-122010, de um crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210.º, n.º 1 e 2, alínea b) e 204.º, n.º 2 alínea f) em concurso com um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelo artigo 143.º, n.º 1 do Código Penal, na pena única de 3 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período e 185 dias de multa à taxa diária de € 5,00 no total de € 925,00, no âmbito do processo n.º 93/10.2…, que correu termos no Tribunal Judicial de …, penas essas atualmente extintas pelo cumprimento (23-04-2017 e 03-03-2017).

a) Realizado o cúmulo jurídico entre os processos 17/11.0… e 93/10.2…, foi aplicada uma pena única de 230 dias de multa à taxa diária de € 5,00 que perfaz a quantia de € 1.150,00 e 3 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período.

vi) por sentença de 20-06-2017, transitada em julgado a 05-09-2017, pela prática em 2015, de um crime de desobediência, na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de € 6,00, num total de € 720,00, no âmbito do processo n.º 197/15.5…, que correu termos no Juízo de Competência Genérica de … do Tribunal Judicial da Comarca de …, pena essa atualmente extinta pelo cumprimento (em 22-06-2018).

vii) por sentença de 21-05-2013, transitada em julgado a 15-01-2014, pela prática em 20-07-2011, de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelo artigo 143.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 210 dias de multa, à taxa diária de € € 5,00 num total de € 1.050,00, no âmbito do processo n.º 54/11.4…, que correu termos no Juízo de Competência Genérica de … do Tribunal Judicial da Comarca de …, penas essas atualmente extintas pelo cumprimento (em 31-01-2019).

viii) por sentença de 12-02-2015, transitada em julgado a 16-03-2015, pela prática em 17-012015, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 5 meses de prisão suspensa na sua execução por 1 ano, subordinada a regime de prova e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 12 meses, no âmbito do processo n.º 1/15.4…, que correu termos no Tribunal Judicial de …, penas essas atualmente extintas pelo cumprimento (em 16-03-2017 e 27-11-2016, respetivamente).

ix) por sentença de 13-10-2020, transitada em julgado a 12-11-2020, pela prática em 03-052020, de um crime de desobediência, na pena de 10 meses de prisão suspensa na sua execução por 18 meses, subordinada a regime de prova e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 16 meses, no âmbito do processo n.º 18/20.7…, que correu termos no Tribunal Judicial de ….

x. por sentença de 09-06-2021, transitada em julgado a 09-07-2021, pela prática em 10-07-2020, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 8 meses de prisão suspensa na sua execução por 14 meses, subordinada a regime de prova e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 14 meses, no âmbito do processo n.º 296/20.1…, que correu termos no Juízo Local Criminal de … do Tribunal Judicial da Comarca de ….

a) Realizado o cúmulo jurídico entre os processos 296/20.1… e 18/20.7…, foi aplicada uma pena única de 13 meses de prisão, suspensa na sua execução por 16 meses com a obrigação de cumprir o programa taxa zero e na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 23 meses.

E que:

21. O arguido consentiu na aplicação de equipamentos de vigilância eletrónica.

22. A progenitora e irmã do arguido consentiram na aplicação de equipamentos de vigilância eletrónica.

23. O arguido confessou a prática dos factos.»

3. Apreciando

3.1 Da pena concreta a cumprir pelo arguido

O recorrente considera que o cumprimento efetivo da pena de prisão aplicada na sentença recorrida é «desnecessário, desadequado e desproporcional» para alcançar a finalidade da condenação – e por isso excessivo – uma vez que o arguido se mostra «integrado em família em franca superação»; «trabalhando a titulo efetivo na empresa (…) com uma remuneração fixa mensal de 800€»; «está reabilitar-se e a orientar-se para o direito e a sociedade civil»; deu o seu consentimento para o cumprimento da pena em regime de permanência na habitação; o mesmo sucedendo com os membros do agregado familiar em que se integra (mãe e irmã). O Ministério Público, por seu turno, afirma que a progenitora e a irmã do arguido se mostram apreensivas com a eventual permanência na habitação, nomeadamente a progenitora, que demonstrou algum receio quanto ao cumprimento da medida. Para além disso, já anteriormente foi condenado, cinco vezes, por condução em estado de embriaguez, sendo isso demonstrativo da não interiorização da ilicitude do seu comportamento, dado que se não absteve de cometer novos crimes. Considerando, por isso, desajustado o cumprimento da pena de prisão em permanência na habitação.

O tribunal a quo ainda ponderou a possibilidade de determinar o cumprimento da pena de prisão em regime de permanência na habitação, mas considerou-a desadequada, pelas seguintes razões:

«(…) é certo que o Tribunal ponderou a aplicação desta medida de OPHVE, tendo sido elaborado relatório social com vista em primeiro lugar, à determinação da sanção e, em segundo lugar, à aplicação de uma eventual obrigação de permanência na habitação, seja como pena substitutiva seja como forma de cumprimento da pena.

Também certo é que se verificam os requisitos objetivos e materiais para a instalação daqueles equipamentos (veja-se factos 11, 12 e 21 e 22), isto é, foram prestados os consentimentos necessários e a casa onde o arguido reside reúne as condições necessárias para a sua instalação.

Porém, tal não basta.

O cumprimento da pena em regime de permanência na habitação, como supra se referiu, deve servir de forma adequada e suficiente as finalidades da execução.

No caso dado, o único fator positivo e de integração a considerar é a integração laboral do arguido, que exerce uma função remunerada na empresa “…”.

Porém, todas as restantes circunstâncias de vida do arguido mostram uma não integração do mesmo na sociedade. Reside com a progenitora e uma irmã de 40 anos, com várias problemáticas de saúde, encontrando-se dependente da progenitora. Apresenta frágeis competências pessoais e sociais, desvalorizando a problemática aditiva. Abandonou a terapêutica e acompanhamento pelo CRI. Não tem qualquer atividade estrutura de tempos livres. Não revela juízo crítico, nem reconhece a eventual existência de vítimas, cfr. resulta do teor do relatório social.

Por outro lado, importa atentar ao certificado do registo criminal do arguido. Além das cinco condenações pela prática do mesmo tipo de crime (condução em estado de embriaguez), o arguido tem outras condenações pela prática de outros ilícitos, que não se podem deixar de considerar de alguma gravidade, como furto, desobediência, roubo e ofensas à integridade física, que revelam a sua desconformidade ao direito e às regras vigentes, não só na vertente dos crimes contra a sociedade em geral como crimes contra a integridade física e património de terceiros.

Por fim, e não menos importante, na ponderação pela aplicação de uma medida privativa de liberdade em regime de permanência na habitação e pese embora o consentimento prestado, o Tribunal não poderá deixar de atender ao facto de o mesmo ressalvar as preocupações expressadas pela progenitora quanto à eficácia e cumprimento dessa medida, ao que o Tribunal não é alheio, cfr. resulta do relatório social.

O Tribunal considera que não existe margem para conceder ao arguido nenhuma outra oportunidade para o mesmo se oriente para o Direito, face a todas às dez oportunidades antes conferidas e todas elas goradas.»

Pois bem.

Atentemos, em primeiro lugar, nos princípios e regras norteadores desta matéria, que são essencialmente os seguintes: - A aplicação das penas visa a proteção dos bens jurídicos e a reintegração social do agente; e, em caso algum podem ultrapassar a medida da culpa (artigo 40.º, § 1.º e 2.º CP). O programa político-criminal assumido pelo legislador penal neste preceito traduz-se, na opinião de Figueiredo Dias (3) - a qual sufragamos - no seguinte: «1) Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial. 2) A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa. 3) Dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto ótimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico. 4) Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excecionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais.»

E se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa da liberdade e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (artigo 71.º CP).

No juízo relativamente à preferência legal pela pena não privativa da liberdade (artigo 70.º CP), o tribunal recorrido considerou – muito bem - que a pena de multa se não adequaria à punição do crime sub judice, em razão do passado criminal do arguido/recorrente. Com efeito, este já conta com sete condenações no âmbito da condução rodoviária, ora por condução em estado de embriaguez, ora por desobediência (por se ter recusado a realizar o teste de pesquisa de álcool no sangue através do ar expirado). Tais antecedentes evidenciam a desadequação e insuficiência da pena de multa, a qual já se não mostra ajustada à penalização da conduta em apreço (artigo 70.º CP). No concernente à medida das penas (principal e acessória), importa ter presente o preceituado nos artigos 40.º, § 1.º e 71.º CP. Neste contexto releva considerar a TAS verificada (1,59 g/l), a confissão dos factos (embora esta seja pouco relevante em razão do flagrante delito), o referido passado criminal do recorrente e os caracteres da sua circunstância pessoal: tem 38 anos de idade, baixo nível de escolarização, hábitos alcoólicos arreigados (que desvaloriza) e, apesar de se encontrar empregado, vive na casa da sua mãe e de certo modo dela dependente. A conjugação de todas estas circunstâncias mostra que a fixação da medida da pena no seu máximo se mostra plenamente justificada. E, no âmbito da mesma bitola, levando em consideração que à pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, cabe uma função preventiva coadjuvante da pena principal, prosseguindo, complementarmente, finalidades de prevenção geral de intimidação (naturalmente com os limites impostos pela culpa do agente - artigo 40.º do Código Penal), visando aportar um contributo significativo «para a emenda cívica do condutor imprudente ou leviano» (4) - como é manifestamente o caso -, a medida aplicada de 18 meses (numa moldura abstrata de 3 meses a 3 anos) mostra-se igualmente justificada.

Importa agora aquilatar se a pena de prisão fixada deverá cumprir-se efetivamente, ou se pode haver aqui o concurso de alguma pena de substituição, cuja aplicação seja ainda suportada pelas expectativas comunitárias e adequada à reinserção social do arguido.

Caberá desde logo ter presente o princípio político-criminal básico da necessidade da pena ínsito no § 2.º do artigo 18.º da Constituição da República. Não se podendo ainda perder de vista que a função primordial do direito penal é a proteção de bens jurídicos, traduzindo-se a finalidade primária da pena na estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias na validade da norma violada.

No concernente à pena principal, esta deverá, em toda a sua extensão possível, evitar a quebra de inserção social do agente e servir a sua reintegração na comunidade. Preconizando a lei, no artigo 50.º CP, que o tribunal deve suspender a execução da pena de prisão não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizarão de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Podendo, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordinar a suspensão da execução da pena de prisão a regime de prova. O tribunal recorrido ponderou e resolveu (bem) não substituir a pena de prisão, nem determinar o cumprimento da pena de prisão em regime de permanência na habitação (artigo 43.º CP). Assentando para tanto o seu juízo nas exigências de prevenção geral e nas necessidades de prevenção especial que as circunstâncias do caso evidenciam. Neste conspecto importando recordar que as expetativas da comunidade e a confiança desta na validade das normas jurídicas violadas desvanecer-se-ia se fosse de modo diverso. Com efeito, a pena concreta tem de impregnar um vigor que possa ser visto como um sinal para a comunidade, de reforço da sua confiança no sistema jurídico. Mas também para o arguido, o qual, neste amplo período de tempo em que vem cometendo crimes e cumprindo as respetivas penas, não só não deu nenhum sinal de aproximação aos valores vigentes na sociedade, como pelo contrário, vem demonstrando um imenso desprezo por eles. Sendo estas mesmas razões, de cariz ético-jurídico, que impedem a mobilização de uma pena de substituição (artigos 50.º e 58.º CP), pois esta assenta num juízo de prognose favorável sobre os caracteres da pessoa do arguido e seu comportamento futuro (5) -, o que naturalmente as circunstâncias do presente caso não permitem sustentar. Do mesmo jeito a possibilidade de cumprimento da pena de prisão em regime de permanência na habitação (artigo 43.º CP), não se ajusta às necessidades de prevenção especial nem às circunstâncias objetivas do arguido/recorrente. Isto é, não só isso seria entendido pelo próprio arguido como um benefício ao infrator - quando as finalidades da execução gizam exatamente o contrário (reintegração do agente na sociedade na sequência da aquisição ou adesão aos valores violados) -, como as próprias condições objetivas da sua integração familiar suscitam reservas inarredáveis (cf. relatório social).

Termos em que o recurso não se mostra merecedor de provimento.

III – Dispositivo

Destarte e por todo o exposto, acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

a) Negar provimento ao recurso e, em consequência, manter integralmente a sentença recorrida.

b) Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC’s.

c) Notifique-se.

Évora, 11 de julho de 2024

J. F. Moreira das Neves (relator)

António Condesso

Laura Goulart Maurício

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1 Em boa verdade o recorrente não formulou conclusões. Ou, pelo menos, desconsidera que estas são (deverão ser) uma síntese das questões sobre as quais se discorre na motivação. A desconformidade procedimental é patente. Tal imporia um convite à sua correção em conformidade com o figurino legal, sob pena de rejeição do recurso (artigo 417.º, § 3.º ex vi artigo 412.º, § 1.º CPP). Mas a simplicidade do caso, que se cinge à impugnação da medida da pena acessória, dispensará tal incidente, sem prejuízo de se «aparar» o alegado para se aproximar do que deveria ser. Sempre se anotará o que a doutrina e a jurisprudência, neste conspecto, assinalam sobre o que são, afinal, as «conclusões»: «um resumo das questões discutidas na motivação» (Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Editora, 2011, pp. 1136, nota 14). «Devem ser concisas, precisas e claras (…)» (Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, vol. III, Do Procedimento - Marcha do Processo, Universidade Católica Editora, 2014, pp. 335). Não podem constituir uma «reprodução mais ou menos fiel do corpo motivador, mas sim constituírem uma síntese essencial dos fundamentos do recurso» (Sérgio Gonçalves Poças, Processo penal quando o recurso incide sobre a decisão da matéria de facto, revista Julgar n.º 10, 2010, pp. 23. Neste mesmo sentido cf. acórdão deste Tribunal da Relação de Évora, de 1set2021, proc. 430/20.1GBSSB.E1, Desemb. Gomes de Sousa; acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 11jul2019, proc. 314/17.0GAPTL.G1, Desemb. Mário Silva; acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 5abr2019, proc. 349/17.3JDLSB.L1-9, Desemb. Filipa Costa Lourenço; e do mesmo Tribunal da Relação de Lisboa, acórdão de 9mar2023, proc. 135/18.3SMLSB.L2-9, Desemb. João Abrunhosa.

2 Em conformidade com o entendimento fixado pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19/10/95, publicado no DR I-A de 28dez1995.

3 Jorge de Figueiredo Dias, Temas Básicos da Doutrina Penal – Sobre os Fundamentos da Doutrina Penal Sobre a Doutrina Geral do Crime, Coimbra Editora, 2001, pp. 110/111.

4 Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas – Editorial Notícias, 1993, pp. 165; e tb. Hans-Heirich Jescheck y Thomas Weigend, Tratado de Derecho Penal – Parte General, Comares editorial, 5.ª edición, 1996, pp. 842/845.

5 Cf. Jorge de Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas – Editorial Notícias, 1993, pp. 90-91, 253, 342/344, 370/378; Maria João Antunes, Penas e Medidas de Segurança, Almedina, 2020 [reimpressão da edição de 2017], pp. 30 e 76/79; e tb. Hans-Heirich Jescheck y Thomas Weigend, Tratado de Derecho Penal – Parte General, Comares editorial, 5.ª edición, 1996, pp. 902.