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REGULAÇÃO DO EXERCÍCIO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
INCIDENTE DE INCUMPRIMENTO
ALTERAÇÃO DO REGIME
FALTA DE NOTIFICAÇÃO
DECISÃO SURPRESA
Sumário
Configura uma decisão surpresa quando, em sede de incidente de incumprimento das responsabilidade parentais, fundado no não pagamento da pensão de alimentos fixada, são as partes notificadas de decisão que, não só aprecia o incidente mas, sem notificação para se pronunciarem e sem ser invocado qualquer motivo para a não notificação, altera o regime das responsabilidades parentais.
Texto Integral
Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães: I. Relatório:
Por apenso aos autos de regulação das responsabilidades parentais que correu termos pelo Juízo de Família e Menores de ... – Proc. nº 891/21.... veio AA, em representação dos seus filhos menores BB e CC, residentes Alameda ..., deduzir incidente de incumprimento do Exercício das Responsabilidades Parentais contra DD, alegando em suma que, por sentença ali proferida a 29 de junho de 2021, ficou o requerido ficou vinculado ao pagamento da pensão de alimentos no valor mensal de € 100,00, para cada criança, atualizada em 3%, após ../../2022 e a entregar até ao dia oito de cada mês, com início no mês ../../2021, para uma conta bancária da progenitora domiciliada no Banco 1..., sendo certo que o mesmo nada pagou (nem paga) à requerente, a esse título, desde ../../2021.
Requereu a notificação do requerido para alegar o que tiver por conveniente, nos termos do artº 41º do R.G.P.T.C, seguindo-se os demais trâmites legais até final e caso não se mostre possível ou suficiente a sua cobrança coerciva, se faça intervir o Estado, em substituição do obrigado, através do fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a menores.
Ordenou-se a notificação do(a) Requerido(a) para, em 5 dias, querendo, alegar o que tivesse por conveniente, nos termos do art.º 41º, n.º 3, 2ª parte, do RGPTC.
No mesmo despacho se ordenou que:
a) Junto da base de dados competente, averigúe-se se o(a) Requerido(a) trabalha por conta de outrem ou se aufere pensão ou reforma.
b) Na afirmativa, notifique a entidade patronal para esclarecer qual o vencimento líquido e ilíquido daquele(a), eventuais suplementos e comissões, advertindo-a para o dever de colaboração processual e para a cominação prevista no citado artº 417º do CPC..
c) Em caso de dificuldades ou dúvidas sobre as informações mencionadas em a) ou b), sanem-se as mesmas junto do I.S.S..
d) Nos termos do disposto no artº 418º, nº 1, do C. P. Civil, por entendermos que o dever de cooperação e realização da justiça deve, evidentemente, prevalecer sobre o dever de sigilo fiscal, oficie-se ao serviço de finanças competente, solicitando que informe se o(a) Requerido(a) possui registados em seu nome bens imóveis, e, na afirmativa, se os mesmos se encontram arrendados, elementos que reputamos de relevantes para a decisão.
Não sendo deduzida oposição:
a) Apurada a existência de rendimentos por parte do(a) Requerido(a), abra vista ao Ministério Público.
b) Não sendo apurados rendimentos por parte do(a) Requerido(a), solicite à Segurança Social que, em 10 [dez] dias, elabore inquérito social sucinto sobre a situação económica do agregado familiar do(a) Requerente, para efeitos da eventual fixação da prestação alimentar substitutiva a pagar pelo FGADM, devendo ser expressamente consignado se a capitação média do rendimento de tal agregado excede (ou não) o indexante de apoios sociais, calculado nos termos do DL 70/2010, de 16/06, com referência ao artº 3º, nº 3 do DL 164/99 de 13/05.
Sendo deduzida oposição, após decurso do prazo para exercício do contraditório, se for o caso, ou junto o elemento mencionado na alínea b), abra vista ao Ministério Público.
Notificado veio o requerido EE Requerido alegar que a requerida foi vítima de violência doméstica por parte de um companheiro, que presentemente, não obstante estar no estrageiro, mantém a mesma com este relacionamento sempre que este vem a Portugal.
No âmbito desse processo de violência doméstica os filhos, foram também alvo de violência pois estiveram expostos a episódios de agressões físicas.
Nesse decurso e no âmbito de toda esta situação foram abertos em maio de 2022 dois processos com acordo de promoção e proteção na CCPJ da ..., estando agora tais
processos, em ..., com a Dra FF, residência dos menores
com o Pai. (Doc. 1 e 2 que se anexam)
Desde pelo menos junho e por acordo as crianças passaram a residir com o Requerido no Concelho e Comarca de ..., local para onde deverão ser remetidos os Autos, por ser da competência do Tribunal de Família e Menores, uma vez que presentemente e desde Junho que os menores vivem com o Requerido, sendo falso que o mesmo nada tenha pago a título de pensão de alimentos a acrescer que ao Requerente estão em falta o pagamento das devidas pensões, pois é este que cuida dos filhos, tendo-os na pré-primária na freguesia ..., no concelho ....
A Requerente além de não cuidar nem pagar pensão de alimentos, não visita os menores, nem cumpre com o a clausula 6, uma vez que não frequenta consultas de psicologia, do acordo que celebrou com a CCPJ na ... e além do mais e pelo menos até ../../2022 a requerente recebeu o “abono”.
Pronunciou-se a requerente no sentido do presente incidente resultar do incumprimento pelo progenitor pela falta de pagamento das prestações alimentícias, aos dois descendentes, desde ../../2021, não correspondendo à verdade que os menores residam com o progenitor-requerido desde ../../2022
Acrescenta que os dois acordos de “promoção e proteção” juntos pelo requerido não se encontram datados sendo certo que apenas foram celebrados e subscritos em 19 agosto de 2022, data em que efetivamente os menores foram entregues ao progenitor, ainda que a título provisório.
Foi proferido o seguinte despacho: “Os presentes autos começaram por alegado incumprimento do pagamento da pensão de alimentos pelo progenitor, sendo que, entretanto, veio este dizer que os filhos estão a viver consigo e que é a mãe quem não paga. Não pode ser enxertado num incumprimento um pedido de alteração, a menos que haja acordo quanto a tal nos termos do art.º 41.º n.º 4, do R.G.P.T.C. Assim, oportunamente convocar-se-á a referida conferência. Por ora: com cópia dos articulados e deste despacho, solicite relatórios sociais a ambas as partes, mormente com quem vivem as crianças e desde quando. Deverão também as possibilidades económicas e modo de vida serem explicitadas, bem como a capitação do agregado em que as crianças se inserirem. Notifique-se”
Foi designado dia para a realização da conferencia na qual a requerente, ouvida em declarações disse manter que os menores foram entregues ao progenitor em agosto de 2022 e que o progenitor desde essa data não pagou qualquer pensão de alimentos e que retirou o seu consentimento junto da C.P.C.J relativamente a um acordo de promoção e proteção.
Ouvido em declarações o requerido disse manter que os menores lhe foram entregues em ../../2022 e que desde então não tem recebido qualquer quantia da progenitora a título de alimentos, não se encontrando em condições de fazer prova dos valores que a progenitora sustenta estar em dívida e ainda referiu que vive em ... há cerca de um mês.
No seguimento do requerido pela Ex.ma Procuradora da Repúblicae atendendo a que a requerente disse ter retirado o consentimento dado na CPCJ ..., tendo o processo transitado para o Tribunal, solicitou-se ao Juízo de Família e Menores de ... informação se correu ou corre termos algum processo relativo aos menores, qual o número e estado do mesmo.
Ordenou-se ainda que uma vez junta a informação, se abrisse conclusão a fim de ser proferida decisão.
Face à informação obtida promoveu o Ministério Público que, com cópia do oficio junto a 16.11.2023 e da promoção constante na ata de 07.11.2023, se solicitasse a pretendida informação à Procuradoria do Ministério Publico do Juízo de Família e Menores de ..., o que foi ordenado.
Face à informação obtida verificou-se a inexistência de Processo de Promoção e Proteção referente aos jovens.
Requisitou-se a certidão de assento de nascimento atualizada dos jovens a fim de confirmar se entretanto ocorreu alguma alteração das responsabilidades parentais como ali mencionado e face à posição da requerente no sentido de se mostrar inútil a continuação da conferência foi proferida a seguinte decisão:
“Requerimento que antecede: Face à posição da Requerente, cumpre proferir decisão: Resulta das declarações da progenitora constantes da ata de 07/11/2023, bem como da informação de 18/01/2024, que os menores CC e BB, ambos nascidos a ../../2017, foram entregues ao progenitor DD, em ../../2022, no âmbito de uma medida de processo de promoção e proteção, de apoio junto do pai, que correu termos na CPCJ ..., processo posteriormente remetido aos serviços do Ministério Publico de ... e, desde então, nunca recebeu pensão de alimentos devida pela progenitora. Em face do exposto, altera-se provisoriamente o acordo de fls. 41 dos autos principais, que passará a ter a seguinte redação: Clausula 1ª: As crianças ficam a residir habitualmente com o pai, a quem cabe o exercício dos atos da vida corrente, sendo o mesmo o encarregado de educação dos filhos e a pessoa a quem devem ser pagos os abonos de família; Clausula 2ª: os atos de particular importância devem ser decididos por ambos os progenitores; Clausula 3ª: Os menores podem estar com a mãe sempre que esta o desejar, sem prejuízo dos horários escolares e de descanso do menor; Cláusula 4ª: A mãe contribuirá, a título de alimentos devidos aos filhos com a quantia mensal de 200,00 Euros, sendo a prestação atribuída a cada criança no valor de 100,00 euros, valor que a mãe entregará ao pai até ao dia 8 de cada mês para a conta que este vier a indicar, quantia essa a atualizar atualmente de acordo com os índices de inflação monetária. Desde já se consigna que esta obrigação alimentar é devida desde a data da instauração da instancia protetiva, ou seja, desde ../../2022, data em que foi aplicada a medida protetiva com a entrega dos menores ao progenitor. A mãe comparticipará na proporção de metade em todas as despesas medicas, medicamentosas, escolares e extra-curriculares, a pagar no prazo de vencimento da prestação do mês seguinte, após comunicação dos respetivos comprovativos, comunicação a efetuar em 30 dias após a realização da mesma. No mais, mantém-se o acordo já firmado. Notifique. Assim, tendo em conta o que foi declarado pelo progenitor e admitido pela progenitora, julgo verificado o incumprimento da obrigação alimentar por banda da progenitora, relativo a pensões de alimentos devidas aos menores desde 17/08/2023 até ../../2024, inclusive, o que corresponde a 17 meses.
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Por seu turno, a progenitora alega que o progenitor não pagou as prestações alimentares devidas desde ../../2021 até ../../2023, no valor de 12 meses, pois que, como se sabe, em 17/07/2022, as crianças foram entregues ao pai. Assim, declaro o incumprimento por banda do progenitor relativo a pensões de alimentos devidos aos menores desde ../../2021 a Julho de 2022, inclusive, o que corresponde a 12 meses. Custas em partes iguais. Registe e notifique. Sem efeito a conferencia agendada. G., d.s.
Inconformada com a decisão formulou a recorrente as seguintes conclusões:
1– Porque a ora recorrente foi notificada da sentença que alterou o regime das responsabilidades parentais, no âmbito de um incidente por si deduzido com vista(só) ao recebimento das prestações alimentícias a que o apelado estava obrigado a pagar [mas nunca o fez];
2- Porque por essa sentença a apelante acabou por ser declarada incumpridora no pagamento da obrigação alimentar relativa à pensão de alimentos dos menores, no valor mensal de 200€ mês, desde ../../2023;
3– Porque tal sentença é sindicável, por via de recurso, encontrando-se a apelante em tempo e com legitimidade para o fazer pela presente via;
4– Porque o Tribunal a quo, num incidente deduzido e que, repita-se, apenas se destinava a apurar se o progenitor-apelado tinha pago[ou não] a pensão de alimentos aos menores e a que estava obrigado a fazê-lo, por sentença judicial, entendeu, subitamente, alterar o regime das responsabilidades parentais fixado, constituindo a decisão em crise uma verdadeira surpresa e sobre a qual a recorrente nunca teve oportunidade de carrear para os autos os elementos necessários para o Tribunal decidir, constituindo a mesma uma total surpresa e revelando uma violação do principio do contraditório – artº 3º, nº 3 do CPCivil e sem observância da forma de processo para tal e plasmada no artº 42º do RGPTC;
5- Porque o Tribunal a quo ao ter proferido a sentença, nos precisos termos em que o fez, não especificou os fundamentos nem de facto e nem de direito que justificaram tal aresto, olvidando o disposto no artigo 615º, nº 1-c) do CPC;
6- Porque da leitura da sentença em crise resulta que a Mma Juiz conheceu de questões que não podia tomar conhecimento, como sejam, se a apelante estava constituída na obrigação de pagar alimentos aos filhos, em que montante e desde quando – artº 615º, n.º 1-d) do CPC;
7- Porque a Mma Juiz foi muito para além do objeto do pedido que deu origem aos presentes autos – artº 615.º, n.º 1-e) do CPC;
8- Porque o Tribunal recorrido ao ter considerado haver um incumprimento pela aqui recorrente, no pagamento da pensão de alimentos, olvidou que não estava aquela constituída no dever de o fazer, mercê da inexistência de sentença ou acordo que tenha alterado o regime de alimentos fixado(e vigente);
9- Porque para ter o Tribunal a quo concluído pelo incumprimento tinha de ter sustentado essa decisão na fonte obrigacional que a recorrente não respeitou, o que não fez[nem podia, por ser inexistente];
10- Porque mesmo que assim não fosse, como é, não há nos autos quaisquer elementos que permitiam ao Tribunal a quo aquilatar dos rendimentos que a recorrente aufere e, consequentemente, da sua capacidade para pagar duas pensões de alimentos no valor de 200€, tal como se impunha, fazendo dessa forma uma incorreta interpretação e aplicação do disposto no artigo 2004º, do Código Civil.
11-Porque a sentença recorrida dispunha de matéria factual, ignorando-a, e que sempre levariam a uma decisão diversa, como sejam, o facto da apelante ter o estatuto de vítima de violência doméstica, gozar de apoio judiciário deve a sentença em crise ser declarada nula e ilegal, por incorreta interpretação e aplicação dos normativos legais supra invocados, proferindo-se douto Acórdão que revogue a mesma, como é de INTEIRA JUSTIÇA.
Em sede de contra alegações veio o Ministério Público pronunciar-se no sentido de que e apesar de se concordar que no sentido estritamente formal a Decisão recorrida ultrapassou o requerido na ação de incumprimento, afigura-se que materialmente a decisão recorrida repôs a titulo provisório a situação atual das crianças no que diz respeito à alteração da regulação das responsabilidades parentais que poderia ser alcançado noutro apenso nos mesmos termos, o que aliás foi requerido pelo Ministério Publico e deferido, pelo que, alcançado o mesmo objetivo, provisório, afigura-se, ser de manter a decisão recorrida nessa parte dando seguimento ao Apenso para decisão definitiva.
Já quanto à prestação de alimentos fixada à progenitora e decidida com efeitos retroativos e julgado o respetivo incumprimento, afigura-se que a Mmª Juíza mais uma vez repôs uma situação não regulada, já que não pendia sobre a progenitora a obrigação de prestação de alimentos, porque até aí a regulação das responsabilidades parentais não havia sido alterada. A progenitora durante esse período de tempo não contribuiu com qualquer quantia para os alimentos dos seus filhos e o objetivo da Mmª Juíza terá sido a de repor uma situação desfavorável do progenitor, admitida pela própria progenitora, no âmbito do Processo de jurisdição voluntária, afigurando-se, no entanto, que se se entender que tal decisão não poderá ter efeitos retroativos e não se verificar qualquer incumprimento, a mesma deverá ser alterada nessa parte.
Colhidos os vistos cumpre apreciar.
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II. Objeto do recurso:
O objeto do recurso é definido pelas conclusões das alegações, impondo-se conhecer das questões colocadas pelos recorrentes, bem como as que sejam de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas, cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, sendo certo que o tribunal não se encontra vinculado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes e que visam sustentar os seus pontos de vista, isto atendendo à liberdade do julgador na interpretação e aplicação do direito.
Assim sendo, atentas as conclusões apresentadas importa aos autos aferir se:
a) se verificou a omissão do principio do contraditório que conduziu a uma decisão surpresa, designadamente, no que à regulação das responsabilidades parentais diz respeito;
b) na sentença, não são especificados os fundamentos nem de facto e nem de direito que justificaram tal aresto, olvidando o disposto no artigo 615º, nº 1-c) do CPC;
c) na sentença foram conhecidas questões de que não se podia tomar conhecimento, como sejam, se a apelante estava constituída na obrigação de pagar alimentos aos filhos, em que montante e desde quando – artº 615º, n.º 1-d) do CPC;
d) a sentença vai para além do objeto do pedido que deu origem aos presentes autos – artº 615.º, n.º 1-e) do CPC;
e) inexiste um incumprimento no pagamento da pensão de alimentos, porquanto a recorrente não estava aquela constituída no dever de o fazer, mercê da inexistência de sentença ou acordo que tenha alterado o regime de alimentos fixado(e vigente);
f) da inexistência, nos autos de quaisquer elementos que permitiam ao Tribunal a quo aquilatar dos rendimentos que a recorrente aufere e, consequentemente, da sua capacidade para pagar duas pensões de alimentos no valor de 200€, tal como se impunha, fazendo dessa forma uma incorreta interpretação e aplicação do disposto no artigo 2004º, do Código Civil;
g)da relevância do estatuto de vítima de violência doméstica da recorrente.
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III. Fundamentação de facto:
Com relevância para o presente recurso há a considerar a factualidade resultante do relatório supra.
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IV. Do direito: a)da violação do princípio do contraditório e da existência de uma decisão surpresa:
Alega a recorrente que tendo instaurado o presente incidente como de incumprimento do exercício das responsabilidades parentais contra DD, alegando em suma que, contra o decidido em sentença proferida a 29 de junho de 2021, e na qual ficou o requerido vinculado ao pagamento da pensão de alimentos no valor mensal de € 100,00, para cada criança, atualizada em 3%, após ../../2022 e a entregar até ao dia oito de cada mês, com início no mês ../../2021, para uma conta bancária da progenitora domiciliada no Banco 1..., sendo certo que o mesmo nada pagou (nem paga) à requerente, a esse título, desde ../../2021 veio a mesma a ser confrontada com uma decisão surpresa na qual foi regulado o exercício das responsabilidades parentais.
Vejamos.
Estabelece o artº 41º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (RGPTC), sob a epígrafe “Incumprimento” que:
“1 - Se, relativamente à situação da criança, um dos pais ou a terceira pessoa a quem aquela haja sido confiada não cumprir com o que tiver sido acordado ou decidido, pode o tribunal, oficiosamente, a requerimento do Ministério Público ou do outro progenitor, requerer, ao tribunal que no momento for territorialmente competente, as diligências necessárias para o cumprimento coercivo e a condenação do remisso em multa até vinte unidades de conta e, verificando-se os respetivos pressupostos, em indemnização a favor da criança, do progenitor requerente ou de ambos. 2 - Se o acordo tiver sido homologado pelo tribunal ou este tiver proferido a decisão, o requerimento é autuado por apenso ao processo onde se realizou o acordo ou foi proferida decisão, para o que será requisitado ao respetivo tribunal, se, segundo as regras da competência, for outro o tribunal competente para conhecer do incumprimento. 3 - Autuado o requerimento, ou apenso este ao processo, o juiz convoca os pais para uma conferência ou, excecionalmente, manda notificar o requerido para, no prazo de cinco dias, alegar o que tiver por conveniente. 4 - Na conferência, os pais podem acordar na alteração do que se encontra fixado quanto ao exercício das responsabilidades parentais, tendo em conta o interesse da criança. 5 - Não comparecendo na conferência nem havendo alegações do requerido, ou sendo estas manifestamente improcedentes, no incumprimento do regime de visitas e para efetivação deste, pode ser ordenada a entrega da criança acautelando-se os termos e local em que a mesma se deva efetuar, presidindo à diligência a assessoria técnica ao tribunal. 6 - Para efeitos do disposto no número anterior e sem prejuízo do procedimento criminal que ao caso caiba, o requerido é notificado para proceder à entrega da criança pela forma determinada, sob pena de multa. 7 - Não tendo sido convocada a conferência ou quando nesta os pais não chegarem a acordo, o juiz manda proceder nos termos do artigo 38.º e seguintes e, por fim, decide. 8 – Se tiver havido condenação em multa e esta não for paga no prazo de 10 dias, há lugar à execução por apenso ao respetivo processo, nos termos legalmente previstos.”
Como referem, em anotação a este preceito, Cristina Araújo Dias, João Nuno Barros, Rosanna Martingo Cruz, in Regime Geral do Processo Tutelar Cível, Anotado, 2022 Reimpressão, Almedina, pág 325 e 326 “De um ponto de vista geral, o que o presente preceito legal estabelece são os trâmites a observar em caso de incumprimento do que haja sido previamente regulado a título de exercício das responsabilidades parentais por um só progenitor, ou por parte do terceiro a quem a criança haja sido confiada (…) (…) Para efeitos de processamento do incidente em questão, o tribunal poderá convocar os progenitores para uma conferência na qual podem acordar na alteração do que haja sido previamente acordado a respeito do exercício das responsabilidades parentais, tendo em conta o interesse da criança, (…). (…) os nºs 7 e 8 do mesmo preceito regulam as consequências decorrentes da decisão que venha a ser tomada pelo tribunal no âmbito do incidente aqui em questão por referência ao incumprimento propriamente dito”.
Ora, atendendo a que no caso sub judice, convocada a conferência os progenitores não chegaram a acordo, aplicar-se-á, por efeito do nº 7 do preceito atrás citado, o disposto nos artºs 38º e ss do mesmo diploma.
Conforme resulta do artº 38º do diploma referido: “Se ambos os pais estiverem presentes ou representados na conferência, mas não chegarem a acordo que seja homologado, o juiz decide provisoriamente sobre o pedido em função dos elementos já obtidos, suspende a conferência e remete as partes para: a)Mediação, nos termos e com os pressupostos previstos no artigo 24º, por um período máximo de três meses, ou; b)Audição técnica especializada, nos termos previstos no artigo 23º, por um período máximo de dois meses”.
Por sua vez, estabelece o artº 39º, do referido diploma que: “1-Finda a intervenção da audição técnica especializada, o tribunal é informado do resultado e notifica as partes para a continuação da conferência a realizar nos cinco dias imediatos, com vista à obtenção de acordo da regulação do exercício das responsabilidades parentais. 2 - Quando houver lugar a processo de mediação nos termos previstos no artigo 24.º, o tribunal é informado em conformidade. 3 - Finda a mediação ou decorrido o prazo a que se refere a alínea a) do artigo anterior, o juiz notifica as partes para a continuação da conferência, que se realiza nos cinco dias imediatos com vista à homologação do acordo estabelecido em sede de mediação. 4 - Se os pais não chegarem a acordo, o juiz notifica as partes para, em 15 dias, apresentarem alegações ou arrolarem até 10 testemunhas e juntarem documentos. 5 - Findo o prazo das alegações previsto no número anterior e sempre que o entenda necessário, o juiz ordena as diligências de instrução, de entre as previstas nas alíneas a), c), d) e e) do n.º 1 do artigo 21.º 6 - De seguida, caso não haja alegações nem sejam indicadas provas, ouvido o Ministério Público, é proferida sentença. 7 - Se forem apresentadas alegações ou apresentadas provas, tem lugar a audiência de discussão e julgamento no prazo máximo de 30 dias. 8 - As testemunhas são apresentadas pelas partes no dia do julgamento. 9 - Atendendo à natureza e extensão da prova, pode o juiz, por decisão irrecorrível, admitir a inquirição de testemunhas para além do previsto no n.º 4”.
Decorre da conjugação destes preceitos que, não tendo sido designada conferência ou não tendo os progenitores na mesma chegado a acordo, cabe ao juiz decidir provisoriamente sobre o pedido em função dos elementos já obtidos.
Ora, no caso em crise, após ter o requerido sido notificado para se pronunciar, o que fez, foi realizada conferência nos termos do nº 3 do artº 41º do RGPTC, não se tendo obtido qualquer acordo sobre o objecto dos autos – o incumprimento do pagamento das prestações de alimentos por parte daquele e isto porque, tendo sido, entretanto, entregues os menores à guarda do requerido (em sede da CPCJ ...), dúvidas existiam quanto à data de início de tal incumprimento.
Assim, no seguimento do requerido pela Ex.ma Procuradora da Repúblicae atendendo a que a requerente disse ter retirado o consentimento dado na CPCJ ..., tendo o processo transitado para o Tribunal, solicitou-se ao Juízo de Família e Menores de ... informação se correu ou corre termos algum processo relativo aos menores, qual o número e estado do mesmo.
Ordenou-se ainda que uma vez junta a informação, se abrisse conclusão a fim de ser proferida decisão.
Face à informação obtida promoveu o Ministério Público que, com cópia do oficio junto a 16.11.2023 e da promoção constante na ata de 07.11.2023, se solicitasse a pretendida informação à Procuradoria do Ministério Publico do Juízo de Família e Menores de ..., o que foi ordenado, verificando-se a inexistência de Processo de Promoção e Proteção referente aos jovens.
Requisitadas as certidões de assento de nascimento atualizadas dos jovens a fim de confirmar se entretanto ocorreu alguma alteração das responsabilidades parentais como ali mencionado e face à posição da requerente no sentido de se mostrar inútil a continuação da conferência foi proferida a decisão recorrida.
Ora, atento processado dos autos é evidente que ao proferir a decisão, mesmo que provisória, o Tribunal a quo não seguiu o iter processual legalmente previsto, o qual previa a remessa das partes para a mediação ou audição técnica, nos termos das alíneas a) e b) do artº 38º atrás já citado e, posteriormente, a continuação da conferência nos termos dos nºs 1, 2 e 3 do artº 39º também atrás referido e não sendo possível obter o acordo notificar as partes para alegarem o que tivessem por conveniente a fim de ser proferida decisão ou arrolarem testemunhas e ouvidas estas, proferir decisão.
Ora, no caso em apreço, duvidas não existem que não foi seguida a tramitação processual prevista na lei, ao ter sido proferida decisão, mesmo que provisória, sem a posterior realização de mediação ou audição técnica, sendo certo que às partes não foi dada a possibilidade de se pronunciarem em continuação de conferência ou em sede de alegações ou em sede de audiência de discussão e julgamento, sobre as alterações ao regime das responsabilidades parentais, sendo certo que, foi apreciado não apenas a questão suscitada no incidente, mas foi a decisão além desta.
Diga-se que a omissão destas formalidades não se mostram dispiciendas, uma vez que aí se poderiam pronunciar, produzir provas ou requerem o que tivesseem por conveniente e, por fim, produzirem alegações orais em defesa dos respectivos pontos de vista assumidos nos articulados, porém, uma vez que não foram suscitadas e cabem no âmbito do disposto no artº 195º do Código do Processo Civil, não podem ser oficiosamente conhecidas, considerando-se sanadas.
Aqui chegados verifica-se que alega a recorrente que, ao ter sido surpreendido com a sentença que se pronunciou sobre questões para a qual não foi pedida a sua intervenção – face ao pedido formulado no incidente – e ainda mais sem que, para tal tenha sido informada e chamada a pronunciar-se
Vejamos.
O artº 3º do Código de Processo Civil insere-se no título das disposições e dos princípios fundamentais.
Estabelece o nº 3 do art. 3º do Código de Processo Civil que ”o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”.
Por sua vez, o nº 4 deste preceito vem estabelecer que “Às exceções deduzidas no último articulado admissível pode a parte contrária responder na audiência prévia ou, não havendo lugar a ela, no início da audiência final”.
Quanto à questão suscitada seguiremos o Acordão desta Relação de Guimarães de 16 de maio de 2024, relatado pelo Sr Desembargador Jorge Santos segundo o qual, “Consagrando a Constituição da República Portuguesa, no seu atrt. 20º, nº 4, a garantia de processo equitativo, daí decorre que a medida de tutela final (no caso, judicial) seja produzida com participação dos titulares da relação litigiosa. No dizer de Rui Pinto, CPC Anot., Vol. I, pag. 39 e ss, “num sentido objectivo a participação dos interessados é a própria lógica de estruturação do processo e que se sintetiza numa afirmação: a decisão judicial sobre uma providência requerida deve ser o resultado de um procedimento ou método que implique uma faculdade de comparticipação, colaboração ou influência paritárias”. Assim, no decurso do processo, as partes, independentemente da sua posição (activa ou passiva), podem pronunciar- se previamente sobre cada acto que as afecte. Ainda segundo o mesmo autor, num sentido subjectivo o princípio do contraditório implica um direito de defesa. Decorre do exposto que são proibidas as decisões surpresa, ou seja, sem prévia oportunidade de participação ou audição de partes, de modo que não é lícito ao juiz decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem, como refere o art. 3º, nº 3, citado. Neste sentido, o Ac. do STJ, de 27.09.2011, sustenta que “o direito de audiência consubstancia-se no direito do interessado a conhecer, previamente à decisão, o sentido provável desta, e a poder expor sobre ele o seu ponto de vista, direito que tem apoio no art. 267º, nº 5, da CRP. Para poder exercer o seu direito, o interessado deverá ser notificado dos elementos de facto e de direito relevantes para a decisão, pois, sem esses elementos seria impossível o interessado apresentar os seus argumentos”. Assim, uma decisão-surpresa enferma de nulidade nos termos do art. 195º, na medida em que pode influir no exame ou na decisão da causa. Na doutrina e na jurisprudência tem surgido sobre esta matéria um conceito de decisão-surpresa aparentemente mais restrito, entendendo-se por ela a decisão baseada em fundamento que não tenha sido previamente considerado pelas partes (cfr Ac. RL de 7.04.2016 e Lebre de Freitas, CPC anot., I, 9). Este conceito restrito de decisão-surpresa, com o qual se concorda, tem importância para delimitar a dispensa de audição prévia por “manifesta desnecessidade”: o tribunal não deve notificar as partes para pronúncia prévia quando o fundamento decisório foi previamente considerado pelas partes (ainda que implicitamente) ou estas não o podiam ignorar, por evidente. Em todo o caso, como refere Rui Pinto, ob. cit., pag. 41, a dispensa de audição prévia por “manifesta desnecessidade” é execional: o seu uso deve ser parcimonioso; na dúvida deve o tribunal ouvir antes de decidir.” Conforme se sustenta no Ac. do STJ, de 12-07.2018, proc. 177/15.0T8CPV-A.P1.S1, “o princípio do contraditório, que o juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, implica, nos termos do estipulado pelo artigo 3º, nº 1, do CPC, que “o tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a ação pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição”, por não lhe ser lícito, continua o respetivo nº 3, “salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”. Do princípio do contraditório decorre a regra fundamental da proibição da indefesa, em função da qual nenhuma decisão, mesmo interlocutória, deve ser tomada, pelo tribunal, sem que, previamente, tenha sido dada às partes ampla e efetiva possibilidade de a discutir, contestar e valorar[3]. Porém, a decisão-surpresa que a lei pretende afastar, afoitamente, contende com a solução jurídica que as partes não tinham a obrigação de prever, para evitar que sejam confrontadas com decisões com que não poderiam contar e não com os fundamentos não expectáveis de decisões que já eram previsíveis, não se confundindo a decisão-surpresa com a suposição que as partes possam ter concebido quanto ao destino final do pleito, nem com a expectativa que possam ter realizado quanto à decisão, quer de facto, quer de direito, sendo certo que, pelo menos, de modo implícito, a poderiam ou tiveram em conta, designadamente, quando lhes foi apresentada uma versão fáctica não contrariada e que, manifestamente, não consentiria outro entendimento.” (sublinhado nosso)”
Aqui chegados, importa reverter ao caso dos autos.
A ora recorrente deduziu incidente de incumprimento do Exercício das Responsabilidades Parentais contra DD, alegando em suma que, por sentença ali proferida a 29 de junho de 2021, ficou o requerido ficou vinculado ao pagamento da pensão de alimentos no valor mensal de € 100,00, para cada criança, atualizada em 3%, após ../../2022 e a entregar até ao dia oito de cada mês, com início no mês ../../2021, para uma conta bancária da progenitora domiciliada no Banco 1..., sendo certo que o mesmo nada pagou (nem paga) à requerente, a esse título, desde ../../2021.
Notificado veio o requerido EE Requerido alegar que a requerida foi vítima de violência doméstica por parte de um companheiro, que presentemente, não obstante estar no estrageiro, mantém a mesma com este relacionamento sempre que este vem a Portugal.
No âmbito desse processo de violência doméstica os filhos, foram também alvo de violência pois estiveram expostos a episódios de agressões físicas.
Nesse decurso e no âmbito de toda esta situação foram abertos em maio de 2022 dois processos com acordo de promoção e proteção na CCPJ da ..., estando agora tais
processos, em ..., com a Dra FF, residência dos menores
com o Pai. (Doc. 1 e 2 que se anexam)
Desde pelo menos junho e por acordo as crianças passaram a residir com o Requerido no Concelho e Comarca de ..., local para onde deverão ser remetidos os Autos, por ser da competência do Tribunal de Família e Menores, uma vez que presentemente e desde Junho que os menores vivem com o Requerido, sendo falso que o mesmo nada tenha pago a título de pensão de alimentos a acrescer que ao Requerente estão em falta o pagamento das devidas pensões, pois é este que cuida dos filhos, tendo-os na pré-primária na freguesia ..., no concelho ....
A Requerente além de não cuidar nem pagar pensão de alimentos, não visita os menores, nem cumpre com o a clausula 6, uma vez que não frequenta consultas de psicologia, do acordo que celebrou com a CCPJ na ... e além do mais e pelo menos até ../../2022 a requerente recebeu o “abono”.
Notificada da resposta pronunciou-se a requerente no sentido do presente incidente resultar do incumprimento pelo progenitor pela falta de pagamento das prestações alimentícias, aos dois descendentes, desde ../../2021, não correspondendo à verdade que os menores residam com o progenitor-requerido desde ../../2022
Acrescenta que os dois acordos de “promoção e proteção” juntos pelo requerido não se encontram datados sendo certo que apenas foram celebrados e subscritos em 19 agosto de 2022, data em que efetivamente os menores foram entregues ao progenitor, ainda que a título provisório.
Foi então proferido o seguinte despacho, despacho notificado às partes: “Os presentes autos começaram por alegado incumprimento do pagamento da pensão de alimentos pelo progenitor, sendo que, entretanto, veio este dizer que os filhos estão a viver consigo e que é a mãe quem não paga. Não pode ser enxertado num incumprimento um pedido de alteração, a menos que haja acordo quanto a tal nos termos do art.º 41.º n.º 4, do R.G.P.T.C. Assim, oportunamente convocar-se-á a referida conferência. Por ora: com cópia dos articulados e deste despacho, solicite relatórios sociais a ambas as partes, mormente com quem vivem as crianças e desde quando. Deverão também as possibilidades económicas e modo de vida serem explicitadas, bem como a capitação do agregado em que as crianças se inserirem. Notifique-se”
Foi designado dia para a realização da conferencia na qual a requerente, ouvida em declarações disse manter que os menores foram entregues ao progenitor em agosto de 2022 e que o progenitor desde essa data não pagou qualquer pensão de alimentos e que retirou o seu consentimento junto da C.P.C.J relativamente a um acordo de promoção e proteção.
Ouvido em declarações o requerido disse manter que os menores lhe foram entregues em ../../2022 e que desde então não tem recebido qualquer quantia da progenitora a título de alimentos, não se encontrando em condições de fazer prova dos valores que a progenitora sustenta estar em dívida e ainda referiu que vive em ... há cerca de um mês.
No seguimento do requerido pela Ex.ma Procuradora da Repúblicae atendendo a que a requerente disse ter retirado o consentimento dado na CPCJ ..., tendo o processo transitado para o Tribunal, solicitou-se ao Juízo de Família e Menores de ... informação se correu ou corre termos algum processo relativo aos menores, qual o número e estado do mesmo.
Ordenou-se ainda que uma vez junta a informação, se abrisse conclusão a fim de ser proferida decisão.
Face à informação obtida promoveu o Ministério Público que, com cópia do oficio junto a 16.11.2023 e da promoção constante na ata de 07.11.2023, se solicitasse a pretendida informação à Procuradoria do Ministério Publico do Juízo de Família e Menores de ..., o que foi ordenado, verificando-se a inexistência de Processo de Promoção e Proteção referente aos jovens.
Requisitou-se a certidão de assento de nascimento atualizada dos jovens a fim de confirmar se entretanto ocorreu alguma alteração das responsabilidades parentais como ali mencionado e face à posição da requerente no sentido de se mostrar inútil a continuação da conferência foi proferida a decisão recorrida.
Temos assim que o tribunal a quo procedeu à prolação da decisão recorrida, na qual, para além de se pronunciar sobre a questão suscitada no incidente de incumprimento, a saber, o não pagamento das prestações de alimentos por parte do requerido, ora recorrido, alterou o regime das responsabilidades parentais, contra o despacho atrás referido, uma vez que não foi obtido qualquer acordo e sem ter concedido às partes o direito de se pronunciarem sobre a possibilidade de, mesmo provisoriamente, alterar aquele regime, para além do pedido suscitado.
Com efeito, o Tribunal a quo não ordenou a notificação das partes, informando-as de que pretendia alterar, mesmo que provisoriamente, o regime das responsabilidades parentais, designadamente, quanto à prestação de alimentos a suportar pela recorrente e ao valor da mesma, o que configura uma violaçãodo princípio do contraditório, pelo que a decisão recorrida constitui umadecisão surpresa.
Diga-se que, o facto de eventualmente nos encontrarmos perante uma decisão provisória e no âmbito de um processo de jurisdição voluntária, não afasta o direito ao contraditório e a ser informado da possibilidade de vir a ser confrontado uma decisão de direito ou de facto que vá além do discutido nos autos.
Efetivamente, resulta do disposto no nº 1 do artº 28º do RGPTC que “em qualquer estado da causa e sempre que o entenda conveniente, a requerimento ou oficiosamente, o tribunal pode decidir provisoriamente questões que devam ser apreciadas a final, bem como ordenar as diligências que se tornem indispensáveis para assegurar a execução efetiva das decisões”, e do nº 2 que “podem também ser provisoriamente alteradas as decisões já tomadas a título definitivo”, preceitos que resultam de, ao nível tutelar cível, imporem os princípios da intervenção precoce e da atualidade, que ao tribunal se dê a possibilidade de salvaguardar a situação da criança no decurso do processo e logo que dela tenha conhecimento, apreciando de forma atempada, célere e eficaz (neste sentido anotação ao preceito atrás referido, Cristina Araújo Dias, João Nuno Barros, Rosanna Martingo Cruz, in Regime Geral do Processo Tutelar Cível, Anotado, 2022 Reimpressão, Almedina, pág 245).
Decorre também daqui o exercício de um poder discricionário do Tribunal, que, como referem os autores atrás citados, a pág. 248 “A discricionariedade de que o tribunal goza nesta matéria não encerra, porém, qualquer nota de arbitrariedade: o juiz deverá explicar fundadamente a razão pela qual entende conveniente a prolação de uma decisão provisória ou cautelar, (…) quer a questão resulte da sua iniciativa (oficiosamente) no que terá primacialmente em consideração o superior interesse da criança”.
Acontece que, conforme resulta do nº 4 daquele mesmo preceito “o tribunal ouve as partes, exceto quando a audiência puser em risco sério o fim ou a eficácia da providência”.
Como referem os autores atrás citados, a pág. 251 “Se o incidente for oficiosamente suscitado, as partes deverão, por principio, ser notificadas para se pronunciarem sobre a iniciativa do tribunal, cabendo-lhes apresentar as respetivas pronuncias (…)”, a não ser, como da norma resulta, que tal ato possa por em risco sério o fim ou a eficácia da providência.
Ora, compulsados os autos verifica-se que, não só da decisão em causa não resulta a razão pela qual o Tribunal a quo entende conveniente a prolação de uma decisão provisória como também nada se refere quanto à inconveniência de ouvir os progenitores, quanto à alteração do regime das responsabilidades parentais.
Por consequência, impõe-se a procedência, nesta parte, das conclusões da apelação, que determina a anulação da sentença, de modo a serem cumpridas pelo Tribunal a quo as apontadas formalidades processuais omitidas, a saber, a notificação das partes para se pronunciarem sobre uma eventual alteração do regime das responsabilidades parentais, ficando, consequentemente, prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas, designadamente, da nulidade da decisão nos termos do disposto no artº 615º do Código de Processo Civil e ainda da inexistência do incumprimento no pagamento da pensão de alimentos, por a recorrente não estar constituída no dever de o fazer, mercê da inexistência de sentença ou acordo que tenha alterado o regime de alimentos fixado(e vigente); da inexistência, nos autos de quaisquer elementos que permitiam ao Tribunal a quo aquilatar dos rendimentos que a recorrente aufere e, consequentemente, da sua capacidade para pagar duas pensões de alimentos no valor de 200€, tal como se impunha, fazendo dessa forma uma incorreta interpretação e aplicação do disposto no artigo 2004º, do Código Civil e da relevância do estatuto de vítima de violência doméstica da recorrente.
*
V. Decisão:
Nestes termos, acordam os Juízes desta Relação de Guimarães em julgar procedente o recurso de apelação, anulando a decisão recorrida e, consequentemente, ordenando-se que se proceda à notificação das partes para, querendo, se pronunciarem sobre a alteração do regime das responsabilidades parentais.
Sem custas.
Guimarães, 11 de julho de 2024
Relatora: Margarida Pinto Gomes
Adjuntos: Jorge Santos
José Manuel Flores