Tendo o inventariado falecido e deixado como seus herdeiros a mulher e os pais, que morreram posteriormente sem exercer o seu direito de aceitar ou repudiar a sucessão, a filha destes e irmã do inventariado é interessada na partilha não por direito de representação, mas por transmissão do direito de suceder.
II. FUNDAMENTAÇÃO.
A factualidade a considerar é a que consta do relatório supra, acrescida da seguinte:
O inventariado faleceu em 15 de Agosto de 1991, no estado de casado, sem descendentes, tendo deixado no momento da abertura da herança, como seus herdeiros legítimos a sua viúva (aqui cabeça de casal) e os seus pais, António … e Maria ….
Estes últimos, vieram a falecer em data posterior à abertura da herança – a 17/09/91 e 1/12/92, respectivamente - e deixaram uma filha, A…, ainda viva, casada no regime da comunhão geral de bens com B…
Põe-se em causa o acerto da decisão do Tribunal a quo de admitir no presente inventário, como herdeira legítima, a interessada A…, irmã do inventariado.
Nela se entendeu que essa intervenção era feita por direito de representação, contra a qual se insurge a recorrente alegando ser a única herdeira, sendo de realçar que a arguida prescrição do direito não se inclui no objecto do presente recurso, pelo que dele não conheceremos.
Impõe-se, então, saber se a irmã do de cujus é interessada no inventário e, em caso afirmativo, se por representação ou por transmissão do direito de suceder.
A regra basilar, em sede de direito sucessório, é a de que o momento da abertura da sucessão é o momento da morte. Diz o artº 2031º do Código Civil que «A sucessão abre-se no momento da morte do seu autor e no lugar do último domicílio dele». Daí decorrem um sem número de consequências, de que é principal a retroacção de todo o fenómeno sucessório, com implicações quanto à verificação da sobrevivência dos sucessíveis.
Aberta a sucessão, serão chamados à titularidade das relações jurídicas do falecido aqueles que gozam de prioridade na hierarquia dos sucessíveis – artº 2023º - a que se apelida de vocação ou chamamento.
A regulamentação concernente ao direito de representação consta dos artºs 2039 a 2045º do Código Civil, dizendo-se no primeiro que ela ocorre quando a lei chama os descendentes de um herdeiro ou legatário a ocupar a posição daquele que não pôde ou não quis aceitar a herança ou o legado.
Neste caso, o representante é chamado tendo em conta a sua relação com o representado, que não entra na sucessão.
Já, porém, na transmissão do direito de suceder ocorre uma dupla transmissão, posto que pressupõe que «o transmissário fosse benefiário de uma vocação e morresse sem ter aceitado nem repudiado. O seu sucessível teria de aceitar a herança para encontrar dentro dela o direito de suceder ao autor da primeira sucessão. O transmitente tem de poder suceder ao autor, e o transmissário ao transmitente, mas não o transmissário ao autor.
Na representação, não há sucessão do autor da sucessão para o representado, e é indiferente que a haja deste para o representante. O representante tem de ter legitimidade em relação ao autor, mas não precisa de a ter em relação ao representado» - Direito Civil, Sucessões, Oliveira Ascensão, Coimbra Editora, 1981, pag.187.
A diferença, portanto, é que a transmissão do direito de suceder é derivada, adquirida por transmissão e no direito de representação, a vocação é originária.
Nas palavras de Capelo de Sousa (Lições de Direito das Sucessões, vol.I, pag.313), o direito de transmissão pressupõe que o sucessível tenha falecido e que este falecimento se dê após a abertura do de cujus sem que o chamado tenha exercido o seu direito de aceitar ou repudiar a sucessão, ao invés do direito de representação, que postula estar o sucessível impossibilitado de aceitar a sucessão ou tê-la repudiado.
Também se colhe dos ensinamentos de Pereira Coelho (Direito da Sucessões, Lições ao curso de 1973-1974), que «enquanto o direito de representação pressupõe que o representado não pôde ou não quis aceitar a herança ou o legado – que não chegou a ser chamado ou respondeu não ao chamamento sucessório -, o direito de transmissão, pelo contrário, pressupõe que o chamado à sucessão faleceu sem exercer o seu direito de aceitar ou repudiar a herança ou o legado» - pag.125.
E, na página seguinte, pode ainda ler-se: «Enquanto no direito de representação há um só fenómeno sucessório, na transmissão do direito de aceitar operam-se dois fenómenos sucessórios (…) e, por outro lado, enquanto o direito de representação é exclusivamente atribuído (na sucessão legal), aos descendentes dos filhos ou dos irmãos do de cujus (artº 2042), o direito de aceitar ou repudiar transmite-se genericamente aos herdeiros (legítimos ou testamentários) do chamado que não chegou a exercer aquele direito (artº 2058º).
Por força do que se contém no artº 2042º, é pressuposto do direito de representação legal a falta de um parente da 1ª ou 3ª classe de sucessíveis do artº 2133º, resultante de pré-morte, incapacidade por indignidade, deserção, ausência ou repúdio.
No caso que ora nos ocupa, com a abertura da herança eram, inquestionavelmente, seus herdeiros a viúva e os pais do inventariado, posto que eram, estes, ainda vivos.
Morreram, porém, sem exercer o seu direito de aceitar ou repudiar a sucessão, direito esse que, todavia, se integrou na respectiva esfera jurídica e que, com a sua morte, se transmitiu, por via sucessória, à filha, irmã do de cujus.
Por tudo isso, a irmã do inventariado é interessada na partilha, não por direito de representação, mas por transmissão do direito de suceder, uma vez que o direito de seus pais de aceitar ou repudiar a herança do filho transmitiu-se genericamente aos herdeiros, na qual se inclui a filha.
III. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes que constituem esta Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, em julgar improcedente a apelação e, embora por diversa fundamentação jurídica, confirmar a decisão recorrida.
Custas da apelação pela recorrente.