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EMBARGO EXTRAJUDICIAL DE OBRA NOVA
OBRA NÃO CONCLUIDA
PREJUÍZO
Sumário
I - No embargo extrajudicial, a obra deve estar ainda em curso no momento da notificação para a sua suspensão, sendo indiferente que já esteja concluída no momento em que é apresentado o pedido de ratificação. II - O requerente não tem de qualificar e quantificar os prejuízos, ao invés do que sucede nos procedimentos comuns, bastando a ofensa do direito de propriedade, da posse ou da fruição (trata-se de um dano jurídico: o prejuízo consiste exatamente na ofensa do direito).
Texto Integral
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES
I - RELATÓRIO
AA, casada, NIF ...30, residente na Rua ..., Freguesia ..., ..., intentou a presente providência cautelar especial de ratificação de embargo de obra nova contra BB, casado, NIF ...52, e mulher, CC, residentes na Rua ..., ..., ..., alegando, em síntese que, sendo estes proprietários de um prédio que confronta com o daquela, decidiram, no dia 13 de Dezembro de 2023, iniciar a execução de perfuração de um furo para captação de água no logradouro do seu terreno, sem respeitar a distância legal, de 100 metros, a que podem ser efetuadas captações de água entre diferentes utilizadores.
Mais alega que, encontrando-se o furo que os Requeridos estão a perfurar a uma distância de 60 metros daquele que existe no prédio da Requerente, poderá influenciar negativamente o caudal de água deste. A perfuração de tal furo encontrava-se em curso no momento em que a Requerente procedeu ao embargo extrajudicial.
Conclui pedindo a ratificação do embargo extrajudicial realizado pela própria Requerente, por intermédio da uma Advogada para tal mandatada.
*
Citados, os Requeridos deduziram oposição, alegando, em síntese, que a perfuração do furo pelos mesmos executada é lícita, na medida em que, para além de se encontrar implantada em terreno da propriedade dos mesmos, foi devidamente licenciada pela APA – Agência Portuguesa do Ambiente, não acarretando quaisquer prejuízos para a Requerente, por se tratar de uma captação através de furo artesiano, cujo debitar do caudal de água é feito, apenas quando se abre uma torneira.
Acrescentam que a alteração no veio ou lençol freático existente no seu prédio não afeta o direito de águas subterrâneas da Requerente, e tanto assim é que esta não alega o prejuízo sofrido, desconhecendo-se qual o caudal de água do seu furo, antes e após a execução do que está instalado no prédio dos Requeridos.
*
Realizada a audiência final, foi proferida decisão que considerando faltar o pressuposto de que a obra, trabalho ou serviço estejam em curso ou não se encontrem terminados, e, por outro, não ser a concreta providência requerida manifestamente adequada à salvaguarda do direito invocado pela Requerente indeferiu a ratificação do embargo de obra nova peticionado.
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Inconformada veio a Requerente interpor recurso da decisão, terminando com as seguintes conclusões:
1. Requerente/Recorrente, não se conformando com a douta sentença proferida pelo Tribunal “A Quo” que, e cuja decisão se reproduz “………..Em face do exposto, por não se mostrarem indiciariamente verificados os requisitos exigidos, julga-se improcedente a providência cautelar requerida por AA contra BB e CC e, em consequência, indefere-se a ratificação do embargo de obra nova peticionado.”
2. O tribunal “A quo” considerou indiciado que:
4. “Nos dias 13 e 14 de dezembro de 2023, os Requeridos executaram, no seu prédio, um furo vertical para captação de água subterrânea;”
7.“ No dia 13 de Dezembro de 2023, cerca das 09:00 horas, a Mandatária da Requerente, a Exma. Dra. Dra. DD, na presença das testemunhas EE, residente a Rua ..., ..., ... e FF, residente na Rua ..., ..., ..., notificou verbal e presencialmente o Requerido BB, de que deveria proceder à suspensão imediata dos trabalhos de perfuração do furo de captação de água;” (sublinhado nosso).
8. “Cerca de 30 minutos após essa notificação, os funcionários do empreiteiro responsável pela obra, prosseguiam os trabalhos, concluindo a execução do furo no dia 14 de dezembro de 2023.” (Sublinhado e negrito nosso).
3. Cerca de 30 minutos após essa notificação, os funcionários do empreiteiro responsável pela obra, prosseguiram os trabalhos, concluindo a execução do furo no dia 14 de dezembro de 2023.
4. A MM. Juiz do Tribunal “a quo” fundamentou que a obra executada pelos referidos não lesa qualquer direito de propriedade do requerente.
5. E, ainda que assim não fosse, sempre se diria que não se encontram preenchidas, á mesma, os requisitos para a retificação judicial de embargo, na medida em que, á data da entrada do requerimento inicial em juízo, já a obra se encontrava terminada.
Continuando,
6. Na situação em apreço, o prejuízo que pudesse existir – diminuição de caudal da água, se houvesse violação de direito da requerente – mostra-se já verificado, não pode ser aumentado pela colocação de outros materiais nem eliminado pela suspensão dos trabalhos– a simples perfuração do furo, faz com que o veio freático fosse captado para tal obra, arrecadando nessa local água para consumo dos requeridos.
7. Assim, faltando “á partida um dos pressupostos para o decretamento da providência que pressupõe obviamente obra eminente ou em curso”, será de indeferir a providência.
1.ª Questão em crise: do conceito de “obra em curso”
8. O Tribunal recorrido entendeu não estar preenchido o requisitode “obra em curso”.
9. Ficou provado que: “no dia 13 de novembro de 2023, cerca das 9:30 horas foi feito o embargo extrajudicial da obra em curso”.
10. E de que cerca de 30 minutos após essa notificação, os funcionários do empreiteiro responsável pela obra, prosseguiam os trabalhos, concluindo a execução do furo no dia 14 de dezembro de 2023.
11. Relembre-se que o artigo 397 n.º 2 do Cód. Processo Civil dispõe que: “O interessado pode também fazer diretamente o embargo por via extrajudicial, notificando verbalmente, perante duas testemunhas, o dono da obra, ou, na sua falta, o encarregado ou quem o substituir para a não continuar.”
12.É indesmentível que a obra terminou depois do embargo extrajudicial.
13. Ora, a propósito desta matéria, é pacifica a doutrina e a “Jurisprudência que o momento que importa considerar para saber se ainda existe utilidade na providência cautelar é o momento em que é feito o referido embargo extrajudicial, embora suspeito, posteriormente, à respetiva ratificação judicial.
14. Assim ensinam o prof. A. Reis, CPC anotado, Vol. II, 3.º Ed., 1981, págs. 63/64 e 83/85, L. Freitas, CPC anotado vol. 2.º, 2.º ed., nota 5 ao referido artigo pág. 144, e Martinho Almeida, Embargo ou Nunciação de obra nova, 3.º Ed …, págs. 15/16 e 35/36.
15. E assim, se decidiu no Ac. do STJ de 30.01.97, BMJ 463, pág. 534, que “A ocorrência do requisito obra nova não concluída do embargo de obra nova, deve verificar-se na acusação da notificação verbal referido no n.º 2 do artigo 412º, do C.P.C.”, no mesmo sentido vai o Ac. Rel. Lisboa, de 19.6.2004 proc. 5482/2004-7, in www.dgsi.pt.
16. Nem podia ser de outra maneira, sob pena de o ato extrajudicial, previsto e regulado pela lei processual ficar destituído de valor e finalidade, ficar reduzido a zero como bem assinala A. Reis, ou sob o risco de facultar, em muitos casos, ao embargo, a possibilidade de fugir aos efeitos do embargo, apressando a conclusão da obra para depois vir dizer que já estava tudo concluído…uma conduta do estilo” facto consumado”.
17. No dia e hora em que foi feito o embargo extrajudicial (13 de dezembro de 2023, pelas 09:30), a obra do requerido não estava terminada, sendo dotados de utilidade quer o mencionado embargo quer a posterior ratificação judicial; devendo a sentença ser revogada.
II) 2.ª Questão - Lesão de direito de propriedade da requerente/ recorrente
18. Entendeu o tribunal recorrido que, e passamos a transcrever: “….atento o elenco da factualidade julgada como provada, que a abertura, pelos Requeridos, no seu prédio, de um furo para captação de águas subterrâneas, ainda que provoque alterações no nível de água do poço situado no prédio da Requerente -alteração essa que não resultou provada, não afetam o direito de propriedade às águas subterrâneas desta, porquanto não se consubstanciaram numa infiltração provocada. Na verdade, os Requeridos apenas se limitaram a perfurar dentro do perímetro do seu prédio, não ultrapassando a linha vertical, pelo que não afetaram qualquer veio freático do prédio vizinho, que alimentasse o lenço existente no prédio da Requerente, ou por ele passasse na direção de outro – nem tal foi, sequer, alegado.”
Continuando:
19. “A captação de águas no subsolo do terreno dos Requeridos não envolveu qualquer desvio de corrente, nascente ou veio do prédio vizinho pertencente à Requerente, uma vez que as águas subterrâneas em questão resultam de infiltração natural no próprio terreno dos primeiros. A Requerente alegou – mas não provou -, que o furo executado pelos Requeridos poderá vir a provocar um decréscimo do caudal de água daquele furo que perfurou no seu próprio prédio.
20. Em sede de oposição o requerido alegou que: “os requeridos apenas se limitaram a perfurar dentro do perímetro do seu prédio, não ultrapassando a linha vertical, pelo que não afetaram qualquer veio freático do prédio vizinho, que alimentasse o lenço existente no prédio da Requerente, ou por ele passasse na direção de outro.”
21. Acrescentando que “a captação de águas no subsolo do terreno dos requeridos não envolveu qualquer desvio de corrente, nascente ou veio do prédio vizinho pertencente à requerente, uma vez que as águas subterrâneas em questão resultam de infiltração natural no próprio terreno dos primeiros.”
E que;
22. “no presente caso, verifica-se que nenhum prejuízo ou ameaça é provocado pela obra nova dos requeridos”, bem como “Não há qualquer ofensa do direito da requerente pela realização da obra nova, não implicando qualquer prejuízo, porquanto não afeta, ou afetará a fruição da água do furo pela requerente”.
23. A lei, no caso de embargo de obra nova com respetiva ratificação judicial, contenta-se com a verificação de um dano jurídico, bastando, pois que o facto tenha a feição de ilícito porque contrário à ordem jurídica concretizada num direito de propriedade (numa posse ou fruição legal) para que haja de considerar-se prejudicial para os efeitos de embargo de obra nova (Vide A. Reis, ob. Cit. pág. 63/65 L. Freitas, ob. cit. nota 7 ao referido artigo, pág. 147/148,e M. Almeida, ob. Cit. 13 e 19, e Ac. Rel. Évora, de 29.11.2001, CJT.5, pág.253).
24. A realização de um furo, sem que seja respeitada a distância exigida por lei e sem que sejam feitos estudos piezométricos, é contrário à ordem jurídica concretizada no direito de propriedade da recorrente!
26. Existe uma lesão do direito de propriedade da requerente.
27. Não se vislumbra como é que o tribunal recorrido, na sua fundamentação de direito, entende que: “ ……Perante o dito, teremos de concluir , atento o elenco da factualidade dada como provada, que a abertura, pelos Requeridos, no seu prédio, de um furo para captação de águas subterrâneas, ainda que provoque alterações ao nível de água do poço situado no prédio da Requerente – não afetam o direito de propriedade às aguas subterrâneas desta, porquanto não consubstanciaram numa infiltração provocada. Na verdade, os Requeridos apenas se limitaram a perfurar dentro do perímetro do seu prédio, não ultrapassando a linha vertical, pelo que não afetaram qualquer veio freático do prédio vizinho, que alimentasse o lenço existente no prédio da Requerente, ou por ela passasse na direção de outro – nem tal foi sequer alegado.
A captação de águas no subsolo do terreno dos Requeridos não envolveu qualquer desvio de corrente, nascente ou veio do prédio vizinho pertencente à Requerente, uma vez que as águas subterrâneas em questão resultam de infiltração natural no próprio terreno dos primeiros. (Sublinhado nosso).
28. Com o devido respeito, não se vislumbra com que factos é que a mm. juiz do tribunal “a quo” suporta esta fundamentação?
29. Desde logo, a única testemunha do requerido, afirmou em declarações prestadas em sede de audiência de discussão e julgamento que desconhece se existe ou não interferência na água da requerente/recorrente.
30. Não resulta dos fatos provados, nem do depoimento testemunhal, que os Requeridos apenas se limitaram a perfurar dentro do perímetro do seu prédio, não ultrapassando a linha vertical, pelo que não afetaram qualquer veio freático do prédio vizinho, que alimentasse o lenço existente no prédio da Requerente, ou por ela passasse na direção de outro!
31. Esta matéria foi alegada pelos requeridos, mas não resultou sobre a mesma qualquer prova!
32. Assim, e nessa medida deverá a presente sentença ser revogada!
III) Terceira questão – Alteração da matéria não indiciária - Da reapreciação da prova gravada:
33. Impõe-se a alteração dos factos dados como não indiciados para factos indiciados;
A saber:
a) O furo que os requeridos executaram provoque uma redução do caudal de água do furo existente no prédio da requerente;
b) O requerido comunicasse aos funcionários do empreiteiro responsável pela execução do furo que não podiam continuar a trabalhar, colocar as tubagens e a bomba. (sublinhado nosso).
34.
Vejamos Venerandos Desembargadores o depoimento prestado em sede de audiência de discussão e julgamento pela testemunha do requerido, GG- Depoimento prestado no dia 12 de abril de 2024 – Minuto 09:0; o qual por uma questão de economia processual se não transcreve, e se remete para o artigo 30.º das alegações apresentadas.
Assim;
35. No que à 1.ª questão diz respeito; “a) O furo que os requeridos executaram provoque uma redução do caudal de água do furo existente no prédio da requerente; “
36. Como ficou supra referido quanto à questão relativa ao dano (redução do caudal de água do furo existente no prédio da requerente), a lei nestes casos, basta-se com um dano jurídico.
35. E como resulta da prova indiciaria e das regras de experiência comum, certo é que não foram feitos estudos piezométricos, nem leituras que permitam saber se há ou não interferências na água da requerente/recorrente.
36. Existe justo receio de violação do direito de propriedade de águas da requerente/recorrente.
38. Bastando-se a lei com uma prova indiciaria.
39. Assim, deveria ter sido dado como indiciado que: “ o furo que os requeridos executaram provoque uma redução do caudal de água do furo existente no prédio da requerente.
Acresce que:
40. Como resulta do depoimento prestado pela testemunha GG (funcionário do empreiteiro responsável), transcrito no pretérito artigo 30 das alegações, perguntado a instancias do ilustre mandatário do requerido : “ Mas os Sr. BB disse lhe para parar?” Ele afirmou: “Sim, ele disse para parar…..”
41. Note-se que a testemunha GG, é encarregado da empresa responsável pela execução do furo (conforme resulta da sua identificação nos autos e declarações prestadas em sede de audiência de discussão e julgamento) e encontrava-se no local a efetuar o furo…
42. Nestes termos, deverá o facto não indiciado, alínea b), ser alterado para facto indicado “ O Requerido comunicasse aos funcionários do empreiteiro responsável pela execução do furo que não podiam continuar a trabalhar, colocar as tubagens e a bomba”.
43. Com a alteração dos factos não indiciados para factos indiciados;
44. E constatando-se que os factos supra descritos, lesam como dano jurídico o direito da requerente/recorrente;
45. Bem como o facto de para efeitos de embargo de obra nova, a data a ter em consideração é a data em que é realizado o embargo extrajudicial, e não a data em que a ratificação do embargo dá entrada em juízo.
46. Deverá a sentença ser revogada e substituída por outra que ordena a Ratificação do embargo de obra nova.
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Foram apresentadas contra-alegações, pugnando os Recorridos pela manutenção do decidido.
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Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO
O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação dA Recorrente, ressalvadas as questões que sejam do conhecimento oficioso do tribunal (artigos 635º, n.º 4 e 639º, n.º 1 do NCPC).
No caso vertente, as questões a decidir que ressaltam das conclusões do Recurso interposto são as seguintes:
- Se deve ser modificada a decisão sobre a matéria de facto;
- Se deve ser alterada a subsunção jurídica de molde a considerar verificado o requisito da obra em curso e o prejuízo consistente na ofensa do direito da requerente.
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III - FUNDAMENTAÇÃO
3.1. Os factos 3.2.1. Factos Provados
Na 1ª instância foi dada como provada a seguinte factualidade:
1. A Requerente é dona do prédio urbano, composto por casa de habitação de rés do chão com garagem e uma divisão e andar com cozinha, 4 assoalhadas, hall e 2 casas de banho, sita na Rua ..., Freguesia ..., ..., com a área de 1.125 m2, a confrontar do Norte com Estrada Municipal e HH, do Sul e Nascente com HH, do Poente com II e JJ, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...58;
2. No ano de 2011, a Requerente perfurou nesse prédio um furo de captação de água, tendo sido emitida, para o efeito, pela Administração da Região ..., a licença nº...2...;
3. Os Requeridos são proprietários de um prédio urbano que confronta com o prédio da Requerente;
4. Nos dias 13 e 14 de Dezembro de 2023, os Requeridos executaram, no seu prédio, um furo vertical para captação de água subterrânea;
5. Para a realização de tal furo, previamente, os Requeridos obtiveram licença na APA – Agência Portuguesa do Ambiente, para autorização de utilização dos recursos hídricos, pesquisa e captação de água subterrânea, a que foi atribuído o processo nº ...23.RH, utilização nº...53.2023.RH, com início a 30.11.2023 e válido até 29.11.2024;
6. O furo executado pelos Requeridos encontra-se a uma distância de cerca de 60 metros daquele que existe no prédio da Requerente;
7. No dia 13 de Dezembro de 2023, cerca das 09:00 horas, a Mandatária da Requerente, a Exma. Dra. Dra. DD, na presença das testemunhas EE, residente a Rua ..., ..., ... e FF, residente na Rua ..., ..., ..., notificou verbal e presencialmente o Requerido BB, de que deveria proceder à suspensão imediata dos trabalhos de perfuração do furo de captação de água;
8. Cerca de 30 minutos após essa notificação, os funcionários do empreiteiro responsável pela obra, prosseguiam os trabalhos, concluindo a execução do furo no dia 14 de Dezembro de 2023.
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3.1.2. Factos Não Provados
Inversamente, foi dada como indiciariamente não demonstrada a seguinte factualidade:
a. O furo que os Requeridos executaram provoque uma redução do caudal de água do furo existente no prédio da Requerente;
b. O Requerido comunicasse aos funcionários do empreiteiro responsável pela execução do furo que não podiam continuar a trabalhar, colocar as tubagens e a bomba.
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3.2. O Direito 3.2.1. Da modificabilidade da decisão sobre a matéria de facto
Considera a recorrente que se mostra incorretamente julgada a matéria de facto não indiciariamente provada sob as alíneas a) e b), a qual, em seu entender, deveria ser considerada demonstrada.
Não se procederá ao conhecimento da impugnação, em face da irrelevância jurídica da alteração.
Com efeito, como se verá adiante, para a procedência da providência basta a violação do direito não sendo necessário um concreto prejuízo, por outro lado, assente que a requerente notificou verbal e presencialmente o dono da obra para parar com os trabalhos, mostra-se irrelevante para a validade do embargo saber se o dono da obra deu ou não conhecimento dessa comunicação aos respetivos trabalhadores – o dono da obra é aquele sob cuja direção é executada a obra ofensiva do direito de que o requerente do embargo se arroga titular.
Como é unanimemente entendido, a modificabilidade da decisão de facto só alcança justificação válida se, por essa via, se obtiver um efeito juridicamente útil ou relevante.
Tal não ocorre.
Assim, não se conhecerá da impugnação.
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3.2.2. Da subsunção jurídica Requisito de “obra em curso”.
Em causa está a apreciação dos requisitos do procedimento cautelar de embargo extrajudicial de obra nova.
Este procedimento tem a sua previsão legal no artigo 397.º, do Código Processual Civil, preceito que estatui que:
«Fundamento do embargo - Embargo extrajudicial
1 - Aquele que se julgue ofendido no seu direito de propriedade, singular ou comum, em qualquer outro direito real ou pessoal de gozo ou na sua posse, em consequência de obra, trabalho ou serviço novo que lhe cause ou ameace causar prejuízo, pode requerer, dentro de 30 dias a contar do conhecimento do facto, que a obra, trabalho ou serviço seja mandado suspender imediatamente.
2 - O interessado pode também fazer diretamente o embargo por via extrajudicial, notificando verbalmente, perante duas testemunhas, o dono da obra, ou, na sua falta, o encarregado ou quem o substituir para a não continuar.
3 - O embargo previsto no número anterior fica, porém, sem efeito se, dentro de cinco dias, não for requerida a ratificação judicial.»
Mandar suspender uma obra ou trabalho, pressupõe que a mesma esteja em curso, isto é, já se tenha iniciado e ainda não se tenha concluído.
É pacifico, quer na doutrina quer na jurisprudência, o entendimento de que o momento que importa considerar para saber se ainda existe utilidade na providência cautelar é o momento em que é feito o referido embargo extrajudicial, embora sujeito, posteriormente, à respetiva ratificação judicial.
No caso de embargo extrajudicial importa que no momento em que ele é feito a obra ainda esteja em curso, sendo indiferente que tendo prosseguido, já esteja concluída à data do pedido de ratificação ou da apreciação judicial sobre esse pedido.
Assim, na doutrina, defende Alberto dos Reis que se se ratifica e confirma o acto extrajudicial, isto quer dizer manifestamente que se radica e consolida, por forma solene, o efeito atribuído pela lei a esse acto isto é, o efeito de fazer suspender a obra. E prossegue este autor considerando que se o dono da obra pudesse continuá-la depois de notificado extrajudicialmente, é claro que para nada serviria esta notificação; o acto seria absolutamente inútil. Concluindo que o embargado pratica facto ilícito se continuar a obra durante o intervalo que decorre desde o embargo extrajudicial até à sua ratificação” - In Código de Processo Civil Anotado, Vol II, 3ª edição, págs. 84/85.
O mesmo sentido é defendido por Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto in Código de Processo Civil anotado, vol 2º, 2ª edição, pág. 144 e Moitinho de Almeida in Embargo ou Nunciação de Obra Nova, 3ª edição, págs. 15/16
Na jurisprudência pode ler-se no Acórdão da Relação de Coimbra de 02-11-2010, processo 77/10.0TBAGN.C1, que “no caso de ratificação judicial de embargo de obra nova, a ocorrência do requisito legal “obra nova não concluída” deve verificar-se na ocasião da notificação verbal referida no nº 2 do artigo 412º, do CPC [actual artigo 397.º, n.º 2, do CPC de 2013], e não na data em que o respectivo requerimento judicial de ratificação entrou em juízo ou noutra data posterior; no Acórdão da Relação do Porto de 23-02-2012, processo 1543/11.6TBMCN.P1 “no caso de embargo extrajudicial importa que no momento em que ele é feito a obra ainda esteja em curso, sendo indiferente que tendo prosseguido, já esteja concluída à data do pedido de ratificação ou da apreciação judicial sobre esse pedido, no mesmo sentido ainda os Acórdãos da Relação de Lisboa de 7-11-2019, processo 6530/19.3T8LSB.L1-2 e de 7/5/2009, processo 233/08.1TBPTS.L1-6, todos disponíveis em www.dgsi.pt).
No caso, resulta demonstrado que “no dia 13 de novembro de 2023, cerca das 9:30 horas foi feito o embargo extrajudicial da obra em curso” e que “cerca de 30 minutos após essa notificação, os funcionários do empreiteiro responsável pela obra, prosseguiam os trabalhos, concluindo a execução do furo no dia 14 de dezembro de 2023”.
Logo, a obra não estava concluída quando a requerente procedeu ao embargo extrajudicial e a circunstância de o dono da obra ter prosseguido com os trabalhos e de a obra ter sido concluída posteriormente, não é impeditivo da ratificação do embargo extrajudicial.
Ofensa do direito
No procedimento cautelar de embargo de obra nova, o requerente não tem de qualificar e quantificar os prejuízos, ao invés do que sucede nos procedimentos comuns.
Basta a ilicitude do facto, basta que este ofenda o direito de propriedade, a posse ou a fruição; o prejuízo consiste exatamente nessa ofensa. Trata-se de dano jurídico, isto é, de dano derivado, pura e simplesmente, da violação do direito de propriedade, da posse ou da fruição.
Já Cunha Gonçalves (citado por Alberto dos Reis, que recorre ao Tratado 12º, pág. 154) afirmava que a palavra prejuízo foi empregada em sentido genérico: abrange toda e qualquer violação do direito de propriedade embora desta violação não resulte um prejuízo propriamente dito.
Por sua vez, Alberto dos Reis reafirma a ideia vincando que ao requerente basta alegar e provar a lesão do seu direito de propriedade ou posse (ilicitude) pela realização de uma obra material, o que implica necessariamente o prejuízo, pois este consiste exatamente nessa ofensa – Ob. cit. pág. 64
De forma clara explica Lebre de Freitas que “à primeira vista, o nº 1 exige, por um lado, que a obra nova ofenda o direito ou a posse e, por outro, que dessa ofensa resulte ou possa vir a resultar prejuízo. … Uma análise mais atenta do preceito leva, porém, a concluir que se trata do mesmo requisito e que a violação do direito ou da posse através da obra iniciada constitui, em si, o prejuízo a que o preceito se refere. … A obra é, pois, a causa do juízo do requerente sobre o prejuízo que ela lhe causará, constituindo, em si, prejuízo a ofensa do seu direito ou posse. É esta a interpretação racional: … A referência ao prejuízo explica-se por se ter querido vincar a ideia de que o embargo é admissível, quer como meio de reacção contra prejuízo (= ofensa) já produzido, quer como meio de prevenção contra prejuízo (= ofensa) eminente (…), isto é, fortemente provável (nos termos geralmente exigidos em sede de procedimento cautelar: art. 387º) em face da direcção que a obra está a tomar ou de outras circunstâncias do caso” – Ob. Cit. pag. 148.
Por tal razão, entende-se que no embargo de obra nova, o "prejuízo" confunde-se com a própria violação do direito, ou nos dizeres de Moitinho de Almeida “o prejuízo, como requisito de embargo de obra nova, não carece de valoração autónoma, pois deriva sempre pura e simplesmente da própria violação do direito” - in Embargo ou Nunciação de Obra Nova, 3ª edição, pág. 28.
Nisto se consubstancia o dano jurídico. Desde que o facto tem a feição de ilícito, porque é contrário à ordem jurídica concretizada num direito de propriedade, numa posse ou fruição legal, tanto basta para que haja de considerar-se prejudicial para os efeitos do embargo de obra nova; o embargante não precisa de filiar o seu prejuízo noutra razão que não seja a ofensa da sua situação jurídica subjetiva, não precisa de alegar que, na realidade das coisas a obra lhe acarreta perdas e danos – cfr. Acórdão da Relação do Porto de 23-02-2012, processo 1543/11.6TBMCN.P1.
Em síntese, como se decidiu no Acórdão desta Relação de Guimarães de 18-12-2017, processo n.º 161/17.0T8MDL.G1, “para efeitos de embargo de obra nova, o “prejuízo” é a ofensa do direito, bastando-se a lei com a verificação de um dano jurídico, isto é, que a obra ofenda o direito de propriedade, a posse ou a fruição do embargante, não se exigindo a ocorrência de danos efetivos, sequer o receio de “lesão grave e dificilmente reparável” enunciado para o procedimento cautelar comum. Consequentemente, no embargo de obra nova o “prejuízo” não carece de valoração autónoma, na medida em que está ínsito na ofensa do direito” – disponível em www.dgsi.pt.
Obriga a lei a que a execução de um poço ou furo de água se deve observar um afastamento mínimo de 100 metros entre captações de diferentes utilizadores de uma mesma massa de água subterrânea, podendo, quando tecnicamente fundamentado, a APA/ARH definir um limite diferente (alínea d) do n.º 2 do artigo 41º do Decreto Lei n.º 226-A/2007, de 31 de maio).
No caso, o furo que os requeridos estão a realizar tem uma distância em relação ao furo do poço da requerente de aproximadamente 60 metros.
A APA/ARH não emitiu parecer tecnicamente fundamentado a definir um limite diferente.
Donde, a atuação dos requeridos ofende o direito da requerente, tanto bastando para ser ratificado o embargo extrajudicialmente realizado.
Assim, mostrando-se reunidos todos os requisitos de que depende a providência cautelar, a decisão recorrida, deverá ser revogada e substituída por outra que, em conformidade, defira a providência cautelar requerida.
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SUMÁRIO (artigo 663º n º7 do Código do Processo Civil) I - No embargo extrajudicial, a obra deve estar ainda em curso no momento da notificação para a sua suspensão, sendo indiferente que já esteja concluída no momento em que é apresentado o pedido de ratificação. II - O requerente não tem de qualificar e quantificar os prejuízos, ao invés do que sucede nos procedimentos comuns, bastando a ofensa do direito de propriedade, da posse ou da fruição (trata-se de um dano jurídico: o prejuízo consiste exatamente na ofensa do direito).
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IV - DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente a apelação, revogando a sentença recorrida que se substitui pela presente, a deferir o procedimento cautelar, ratificando o embargo de obra nova a que a requerente procedeu extrajudicialmente.
Custas pelos recorridos (artigo 527.º, do CPC).
Notifique e registe.