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REGULAÇÃO DO EXERCÍCIO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
REGIME PROVISÓRIO
RESIDÊNCIA ALTERNADA
Sumário
I- A conservação dos vínculos afetivos com ambos os progenitores revela-se como essencial no correto desenvolvimento físico, emocional e comportamental da menor e, por isso, salvaguarda o seu superior interesse, devendo ser confirmada a residência alternada imposta como regime provisório, quando há aptidão, disponibilidade e condições de ambos os pais, e não havendo circunstâncias concretas que o desaconselhem, ainda que apurados de modo perfunctório, atenta a fase processual.
Texto Integral
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES: I- RELATÓRIO ( que se transcreve):
1. No Juízo de Família de Menores de ..., e por apenso, AA veio instaurar a presente ACÇÃO DE ALTERAÇÃO DO EXERCÍCIO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS contra BB, relativa à sua filha menor, CC, alegando, em resumo, o seguinte:
“1. Nos autos de processo de regulação das responsabilidades parentais acima referenciados, foi regulado o exercício das responsabilidades parentais, relativo à filha menor, CC, acordo homologado e transitado em julgado a 12.06.2017
– cfr. acta da conferência de pais de 11.05.2017.
2- Ficou acordado entre os progenitores, além do mais, o seguinte:
“1- A menor fica entregue aos cuidados da mãe, com quem reside habitualmente, sendo o exercício das responsabilidades parentais, relativo aos actos da vida corrente, exercido por esta e o exercício das responsabilidades parentais, relativo às questões de particular importância, exercido em conjunto, por ambos os progenitores.
2. O pai poderá visitar a menor livremente, sem prejuízo do respeito pelos horários escolares, actividades extracurriculares, descanso e refeições, devendo, para o efeito, avisar a mãe com a antecedência mínima de 24 horas.
3. 3.1. O pai terá a menor na sua companhia, ao fim-de-semana, de 15 em 15 dias, sendo a recolha da menor da seguinte forma:
3.1.1. No período escolar, o progenitor recolherá a menor, às sextas-feiras, no jardim-de infância, pelas 15h30.
3.1.2. No período de férias escolares, o progenitor recolherá a menor, às sextas-feiras, na casa da mãe, pelas 18h.
3.2. A entrega da menor será aos Domingos, pelas 19h, na casa da progenitora.
3.3. Na impossibilidade da recolha da menor pelo pai, serão os avós ou os tios paternos a recolher a mesma, nos termos previstos no ponto 3.1.
3.4. Na impossibilidade do progenitor ter a menor na sua companhia, no fim-de-semana a que tem direito de visitas, em virtude de se encontrar no estrangeiro, a menor passará o sábado com os avós paternos, desde as 10 horas até às 21 horas.”
3- Quanto aos alimentos, ficou o pai obrigado a pagar a prestação mensal de 150,00 euros até ao dia 8 de cada mês, com início em junho de 2017.
4- Ficou ainda acordado, quanto a despesas escolares, como materiais e passeios
escolares, despesas médicas e medicamentos não comparticipados, que são suportadas por ambos os progenitores, em partes iguais.
5- Quanto às prestações sociais a que a menor tem direito, são recebidas pela mãe.
6- O pai cumpre e sempre cumpriu escrupulosamente os termos do referido acordo de regulação das responsabilidades parentais.
7- Acontece que, não obstante o acordado anteriormente, a situação familiar do pai, ora requerente, alterou-se, nomeadamente o pai está a trabalhar e a residir definitivamente em Portugal,
8- razão pela qual, impende alterar o exercício das responsabilidades parentais, ajustando-se à sua realidade familiar atual.
9- Na verdade, estando o requerente a residir e a trabalhar em Portugal é sua vontade ter consigo a sua filha num regime alternado semanal, sendo certo que, também a menor manifestou, junto do pai, a vontade de residir alternadamente com cada um dos progenitores, sendo que à data do acordo sobre o exercício das responsabilidades parentais, o requerente residia e trabalhava em ..., exercendo a sua profissão de soldador.
11- Apesar disso, sempre foi muito próximo da sua filha, procurando manter contactos diários com a mesma, através das redes sociais, só não o conseguindo fazer diariamente, porquanto, muitas das vezes esses contactos eram e ainda são impedidos pela mãe.
2. Efetuada conferência de progenitores no dia 06.03.2024 nela não foi possível obter o acordo destes quanto à pretendida alteração ao regime do exercício das responsabilidades parentais, pelo que se tomaram declarações a ambos com vista à fixação de um regime provisório nos termos do art. 38º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível [doravante RGPTC] e ainda a menor foi ouvida. 3. Finda essa tomada de declarações, o Min. Público promoveu a fixação de um regime provisório de residência alternada de uma semana junto de cada progenitor, e ainda que as partes sejam remetidas para mediação familiar. 4. Nesta sequência, para além de as partes terem sido remetidas para a mediação familiar, foi proferida a seguinte decisão:
“ Uma vez que as partes não se encontram de acordo quanto à residência da filha CC DD, nascida a ../../2012, ao abrigo do disposto no artigo 28.º do R.G.P.T.C. e 1906º n. 6 do CC, e por ser vontade expressa da criança, não antevendo por ora, inconvenientes para tal, indo de encontro ao seu superior interesse de conviver de igual modo com ambos os pais, decido aplicar provisoriamente o seguinte regime:
*
REGIME PROVISÓRIO
1. A criança ficará a residir semanalmente com o pai e com a mãe, de forma alternada. 2. As mudanças de residência ocorrerão aos domingos, antes do jantar pelas 19:00 horas, a começar já no próximo domingo. 3. Com o regime fixado em 1), cessa o pagamento da pensão de alimentos, mas mantem-se a obrigação do pagamento repartido das despesas da criança como antes definido. Notifique.
*
…”
5. É desta decisão que vem interposto recurso pela requerida, a qual termina o seu recurso formulando as seguintes conclusões ( que se transcreve):
“1- Nos presentes autos foi realizada a conferência de pais em cumprimento do disposto no artigo 35.º RGPTC, foi proferido despacho que decidiu aplicar provisoriamente o regime de residência alternada, e com o qual a aqui recorrente não se conforma, sendo contra tal despacho que a aqui recorrente pretende reagir.
2- Nos presentes autos, foi realizada a conferência de pais em 06/03/2024, tendo sido ouvidos, o progenitor, a progenitora e a criança, e atenta a falta de acordo dos Pais, entendeu o Tribunal a quo em fixar provisoriamente o regime a aplicar à menor, proferindo o seguinte despacho, objeto do presente recurso.
3- O regime provisório de residência alternada, foi fixado apesar da oposição da progenitora e contra a jurisprudência dominante, que sustenta que não deve determinar-se a guarda partilhada em sede de regulação provisória por se carecer de elementos probatórios suficientes, sob pena do tribunal prejudicar irremediavelmente o superior interesse do(a) menor. (vide Ac. Do Tribunal da Relação de Lisboa de 06/06/2019) (acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 7/05/2019; (Ac. Do Tribunal da Relação de Coimbra de 11 de dezembro de 2018).
4- Ora a jurisprudência acima referida devia ter sido levada em linha de conta pelo Tribunal a quo, para aplicação do regime provisório, que considera não ser adequado, estabelecer o regime provisório de residência alternada, tendo em conta que a menor ainda só conta 11 anos de idade, que sempre viveu com a mãe, que dela zelou e zela, cuidou e cuida, educou e educa e dela toma totalmente conta desde que nasceu, existindo laços afetivos fortes entre ambas.
5- Tal regime de residência alternada, ainda que provisório, impõe à menor uma instabilidade e imprevisibilidade injustificada no seu quotidiano, desrespeitando manifestamente o seu superior interesse.
6- Além disso, e conforme consta nas alegações apresentadas pela aqui recorrente em sede de acção de alteração da regulação das responsabilidades parentais, não se considera que esta alteração vá beneficiar a menor, muito pelo contrário, trará, inevitavelmente, uma instabilidade que se poderá repercutir no seu bem-estar, na formação da sua personalidade e a nível do seu aproveitamento escolar.
7- Pelo contrário, trará, inevitavelmente, uma instabilidade que se poderá repercutir no seu bem-estar, na formação da sua personalidade e a nível do seu aproveitamento escolar.
8- Apesar do requerente afirmar estar a trabalhar definitivamente em Portugal, desde ../../2023, se constata que o contrato de trabalho do requerente é um contrato de trabalho a termo certo.
9- Além disso, e através de uma análise das cláusulas do contrato é possível constatar que o mesmo cessa a 18 de fevereiro de 2024, renovando por 6 meses consecutivos, caso haja essa necessidade, e que o requerente poderá, inclusive, ser deslocado em trabalho para o estrangeiro ou outras localidades.
10- Perante esse facto, forçoso será concluir que não se trata de uma situação profissional estável e permanente, que lhe permita dar o apoio necessário à filha, exigido numa guarda partilhada e do mesmo modo, a esposa do requerente também não possui uma profissão estável, encontrando-se também em regime de contrato de trabalho.
11- Assim, e apesar de terem casa própria adquirida através de empréstimo, não reúnem as condições necessárias à fixação de residência alternada.
12- Por outro lado, em vários episódios que aconteceram, enquanto o progenitor de encontrava em ..., a menor relatou à mãe que estaria uma mulher, de seu nome EE, também de nacionalidade ..., a viver em regime de aluguer na casa do pai e da esposa, mas que seria por pouco tempo e posteriormente, referiu que estava um homem, de seu nome FF, também de nacionalidade ..., na casa dos 30 /35 anos, facto que deixou, naturalmente, a requerida bastante preocupada, pois a menor convivia e frequentava esse espaço, mesmo sem a presença do pai e dos avós.
13- Quando confrontado com a situação, o pai não demonstrou preocupação, porém dali a alguns dias, a menor contou que o referido homem que lá estava a viver já teria saído, mas mais recentemente, está outra pessoa a viver lá em casa, de seu nome GG.
14- Perante estes factos, que podem ser confirmados pela menor, questiona-se a responsabilidade e que segurança oferecem à menor perante estas circunstâncias.
15- Para além do exposto, o facto de ter de se adaptar constantemente a duas casas, duas rotinas e regras diferentes, poderá ser confuso e angustiante para a menor, que se pode sentir dividida entre dois mundos diferentes.
16-Por exemplo, os desentendimentos entre os dois progenitores, pode levar a conflitos que podem afetar negativamente a criança.
17- Nada aconselha ou recomenda que se altere a residência atual e habitual da menor, tanto mais que se encontra no 2º ciclo, pelo que mais se acentua a necessidade da criança ter rotinas adequadas e certas, de não estar sujeita a frequentes e absolutamente desnecessárias mudanças de casa.
18- Além de que, a regulação do exercício das responsabilidades parentais se deve estabelecer, de harmonia com os interesses da criança – artigo 40.º, n.º 1, do RGPTC -, visando a promoção do desenvolvimento físico, intelectual e moral dos filhos – artigo 1885.º, n.º 1, do Código Civil -, o qual pode exigir a modificação do estabelecido, nomeadamente quando as circunstâncias da criança se alterem.
19- Ou seja, esta opção depende da sua exequibilidade prática e não pode, por isso, ser tomada provisoriamente, ao abrigo do disposto no artigo 28.º do Regime Geral do Processo Tutelar Cível (aprovado pela Lei n.º 141/2015, de 8 de Setembro), quanto a uma menor com 11 anos de idade que sempre viveu com a mãe, num momento processual em que não existe o conhecimento do modo de vida quotidiano do pai, nem sequer ainda existe o conhecimento sobre se estão ou não reunidos os pressupostos para a alteração da regulação das responsabilidades parentais.
20-Pelo exposto, In casu, ao determinar a aplicação deste regime provisório de residência alternada, num momento processual em que não existe conhecimento sobre o modo de vida do pai, nem sobre se estão ou não reunidos os pressupostos para a alteração da regulação das responsabilidades parentais, o Tribunal a quo violou o superior interesse da criança.
21-A decisão proferida pelo Tribunal a quo violou o disposto no artigo 1906.º, n.º 1 e 6 do Código Civil, assim como os princípios previstos no artigo 7.º da Declaração dos Direitos da Criança.
22- Pelo exposto, deve a decisão ser revogada e mantido o regime anterior, pelo menos até estar concluída a mediação, e ser ouvida a prova testemunhal requerida nos presentes autos, e ainda de forma a apurar todas as circunstâncias relevantes do modo de vida do pai, bem como apurar se no caso se encontram ou não os pressupostos para a alteração da regulação das responsabilidades parentais.
Só assim se fazendo a necessária e desejada JUSTIÇA!.”
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Foram apresentadas contra-alegações pelo MP e pelo progenitor, ambos pugnando pela manutenção do decidido.
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O recurso foi admitido como apelação, com subida nos próprios autos e com efeito devolutivo.
O recurso foi recebido nesta Relação, considerando-se devidamente admitido, no efeito legalmente previsto.
Assim, cumpre apreciar o recurso deduzido, após os vistos.
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II - Delimitação do objeto do recurso
A questão decidenda a apreciar, delimitada pelas conclusões do recurso, consiste em saber: - se o tribunal errou na fixação de um regime ( provisório) de residência alternada por tal não corresponder ao interesse da menor.
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III – Fundamentação de facto.
Os factos a atender com relevo jurídico-processual constam do relatório elaborado.
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IV. Fundamentação de direito.
Como vimos a única questão a decidir traduz-se em saber se o tribunal errou na fixação de um regime ( provisório) de residência alternada.
A recorrente insurge-se contra o regime provisório de exercício das responsabilidades parentais referentes à menor CC e que foi fixado através de despacho judicial de 6.3.2024, onde se determinou que a residência da criança seria alternada entre ambos os progenitores, pretendendo que este seja substituído por outro em que se decida no sentido da menor residir apenas com a progenitora, único regime que até ali tinha sido seguido por acordo de regulação do poder paternal, conforme processo apenso e desde 2017, e que a menor conhece.
Na sua perspetiva é este o regime que melhor satisfaz o superior interesse da criança.
Vejamos.
Decorre do nº8 do art. 1906 do CC ( na redação que foi introduzida pela Lei nº 65/2020, de 4.11 e equivalente ao antigo nº 7 do art. 1906º), que “O tribunal decidirá sempre de harmonia com o interesse do menor, incluindo o de manter uma relação de grande proximidade com os dois progenitores, promovendo e aceitando acordos ou tomando decisões que favoreçam amplas oportunidades de contacto com ambos e de partilha de responsabilidades entre eles”.
No nº 6 deste mesmo preceito, com a redação que foi introduzida pela Lei nº 65/2020, de 4.11, estabelece-se, por seu turno, que «quando corresponder ao superior interesse da criança e ponderadas todas as circunstâncias relevantes, o tribunal pode determinar a residência alternada do filho com cada um dos progenitores, independentemente de mútuo acordo nesse sentido e sem prejuízo da fixação da prestação de alimentos.»
Não oferece dúvidas que o atual quadro legal permite assim que a residência da criança possa ser, no caso de cessação – ou de inexistência – de convivência em comum dos progenitores, fixada com um deles ou com ambos ou, ainda, da forma que concretamente se revelar mais benéfica para a satisfação do seu interesse.
Com a alteração legislativa produzida pela Lei nº 65/2020, de 4.11 tornou-se entretanto claro que o regime de residência alternada do filho com cada um dos progenitores pode ser determinado ainda que não haja acordo nesse sentido, com o que se solucionaram as dúvidas que vinham sendo suscitadas pela nossa jurisprudência, onde diversas decisões apontavam no sentido de para a fixação deste regime ser necessário o acordo dos progenitores.
Por outro lado, ressuma do regime legal em vigor a prevalência do superior interesse do filho menor como critério decisório orientador na regulação do regime das responsabilidades parentais entre os progenitores separados.
O superior interesse da criança encontra-se também inscrito como vetor fundamental no artigo 7.º da Declaração dos Direitos da Criança, proclamada pela Resolução da Assembleia Geral da ONU, de 20/11/1959, nos artigos 9.º, n.º 1, e 18.º, n.º 1, da Convenção Sobre os Direitos da Criança, assinada em Nova Iorque, a 26/01/1990, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 20/90, de 12/09, e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 49/90, de 12-09, e no artigo 6.º, alínea a), da Convenção Europeia Sobre o Exercício dos Direitos da Criança, adotada em Estrasburgo, a 25/01/1996, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 7/2014, de 13-12-2013 e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 3/2014, de 27-01.
Nessa conformidade, o superior interesse da criança traduz-se num conceito jurídico indeterminado que visa assegurar a solução mais adequada para a criança no sentido de promover o seu desenvolvimento harmonioso físico, psíquico, intelectual e moral, especialmente em meio familiar, sendo, por isso, aferível em função das circunstâncias de cada caso.
Para a consecução desse objetivo é essencial o empenhamento partilhado de ambos os progenitores, o que requer a manutenção de relações de estreita convivência ou proximidade entre pais e filhos.
Todavia, no caso de progenitores separados, nem sempre se mostra fácil estabelecer um modo de convivência concomitante do filho com ambos os pais, levando, não raras vezes, a que o filho tenha de residir com um deles, assegurando-se um regime de visitas ou de convívio com o outro.
É precisamente para esse tipo de situações que o artigo 1906.º, n.ºs 6 e 8, do CC elege o modelo de guarda conjunta e residência alternada do filho com os dois progenitores como meio privilegiado de proporcionar uma ampla convivência entre o filho e cada um dos progenitores, bem como a partilha das responsabilidades parentais por parte destes. Só assim não será se, atentas, nomeadamente, as aptidões, as capacidades e a disponibilidade de cada progenitor, o superior interesse do filho o não aconselhar.
A Apelante opõe-se ao regime provisório decretado com o argumento de que, em casos de menores de baixa idade, como no caso em apreço, em que a menor tem apenas 11 anos de idade, a figura materna é quem assume maior relevância, tanto mais que a mãe foi a principal cuidadora desde o seu nascimento até agora.
Repare-se que a alusão a que a mãe foi a sua principal cuidadora, aponta para a “figura de referência”, que foi usada durante muito tempo e que era adequada num quadro em que se tratava de escolher a qual dos progenitores confiar a guarda do menor, já não o sendo quando se discute se é de atribuir, ou não, a guarda partilhada com residência alternada junto de cada um dos pais.
Uma das circunstâncias comummente apontadas como desaconselhando a residência alternada é a tenra idade, o que nos leva desde logo a questionar o que poderá ser considerado como “tenra idade” para tal efeito.
E aqui as opiniões variam, tal como é mencionado no AC da RC de 30-05-2023 (in dgsi) e citado pelo recorrido: “ Para uns, entre os 4 e os 10 anos, a residência alternada apenas deve ser adotada, nos casos em que não há conflito parental e em que cada um dos pais pode e deve confiar no outro como progenitor[14] (de onde se depreende não admitirem a residência alternada abaixo dessa idade). Questionando-se se a guarda compartilhada se justifica quando as crianças são muito pequenas, há quem defenda que, até aos quatro, cinco anos de idade, necessitam de um contexto, o mais estável possível, para o delineamento satisfatório da sua personalidade, e, portanto, a convivência em ambientes físicos diferentes, o fluxo constante de pessoas neles existentes, requer uma capacidade de adaptação e de codificação-descodificação da realidade, só possível a crianças mais velhas[15].”
Aquele mesmo aresto faz uma resenha a nível doutrinal e jurisprudencial acerca da matéria e de que nos socorremos por uma questão de comodidade e ali se lê “ Catarina Ribeiro classifica como mito a instabilidade da criança na residência alternada e afirma que a questão se coloca apenas relativamente a crianças com idade inferior a dezoito meses[18]. Joaquim Manuel Silva[19], para quem a segurança da criança está nas relações de filiação, de vinculação com os pais e não no lugar, sustenta que quanto mais pequena for a criança mais indiferente é o lugar físico dela – já não é indiferente a presença do pai ou da mãe, essa sim fonte de segurança –, pelo que, em seu entender apenas a amamentação nos primeiros seis meses, no limite nove, é impeditiva, pelos benefícios que representa para o sistema imunitário. Também na jurisprudência, as opiniões se dividem: Para o Acórdão do TRL de 24-01-2017[20], a “tenra” idade da filha, que completara três anos de idade, não constituía obstáculo à residência alternada, permitindo-lhe, antes pelo contrário, uma melhor e mais rápida adaptação a forma de vida diferente daquela que os progenitores lhe haviam proporcionado quando viviam juntos, durantes os seus primeiros 14 meses de vida. No Acórdão do TRL de 07-08-2017[21], considerou-se que, “se nada houver contra ou a favor de nenhum dos progenitores, como no caso (em que apenas há um pequeno fator a pesar a mais a favor do pai, qual seja a sua maior disponibilidade), não se deve determinar a residência do filho com a mãe apenas por ele ter uma “tenra” idade, no caso 20 meses”.”.
Não resistimos a citar o AC deste TRG de 7-12-2023 ( relatora; Raquel Rego, in dgsi) por ser tão impressivo na análise da questão que nos ocupa e a respeito de um menor de dois anos e ainda a ser amamentado: “ Não podemos deixar de repetir de que vai sendo tempo de os pais tomarem consciência de que o seu amor pelos filhos passa por afastar deles qualquer quadro de desentendimento, porque só assim lhes proporcionarão um crescimento equilibrado e saudável. Quando assim não ocorre, a verdadeira vítima é a criança e é a esta que estão a causar sofrimento.”.
Ainda sumariou-se nesse mesmo aresto o seguinte: “- Em sede de regulação provisória das responsabilidades parentais, o tribunal labora num quadro factual perfunctório, atenta a natureza provisória do regime e do processado que lhe subjaz. II – Para um completo e harmonioso desenvolvimento dos menores, tem-se como inquestionável a necessidade da presença constante, activa e participativa de ambos os progenitores junto deles. III - A percepção de inimizade entre os pais e os desaguisados que possam ter, sempre serão uma dor e um factor de instabilidade na vida dos filhos, que nenhum amor parental verdadeiro deverá querer ver infligido. IV – Numa criança de dois anos é mais importante um significativo convívio com o pai que o prolongamento da amamentação.”
Ora, do quadro factual que se colhe dos autos, nesta fase, e ainda que perfunctoriamente, e decorrente da audição dos progenitores e da menor, ambos os progenitores se apresentam com competência para a guarda conjunta, com residência alternada, permitindo manter vivos e profícuos os laços parentais indispensáveis para um saudável desenvolvimento de uma criança, obviando a que um progenitor se apresente, perante ela, num papel secundarizado relativamente ao outro, sendo certo que essa é a vontade da menor, atualmente com 11 anos de idade e que foi ouvida e assim o afirmou.
Em suma: a aludida instabilidade a que se refere a apelante já é vivida pela menor em face ao regime de visitas que vem sendo seguido e, por outro lado, com 11 anos de idade, está numa fase em que facilmente se adapta a novas situações, a viver em duas residências, a conviver com pessoas distintas e até, por vezes, com hábitos distintos, cabendo aos progenitores um esforço suplementar para tentar dar um rumo único à educação da sua filha.
Por tudo o exposto, nenhum dos argumentos invocados pela recorrente colhe.
Reafirma-se que a conservação dos vínculos afetivos com ambos os progenitores revela-se como essencial no correto desenvolvimento físico, emocional e comportamental da menor e, por isso, salvaguarda o seu superior interesse, devendo ser confirmada a residência alternada, que é aquela que permite uma divisão rotativa e tendencialmente simétrica dos tempos da criança com os progenitores por forma a possibilitar a produção de um quotidiano familiar e social com a filha durante os períodos em que se encontra com cada um deles e, consequentemente, é aquela que permite a manutenção e consolidação dos vínculos afetivos com ambos os progenitores.
Por outro lado, nada há nos autos que desaconselhe a fixação desse regime, como já vimos, pelo menos nesta fase.
Impõe-se, assim, confirmar a decisão de atribuir residência alternada.
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VI- DECISÃO:
Por tudo o exposto, acordam as Juízes que constituem esta 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães, em julgar improcedente a apelação, e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.
As custas ficarão a cargo da recorrente, nos termos do art. 527º do CPC.
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Guimarães, 11 de julho de 2024
Assinado eletronicamente por:
Anizabel Sousa Pereira ( relatora)
Maria da Conceição Sampaio
Fernanda Proença Fernandes