ANULAÇÃO DE TESTAMENTO
INCAPACIDADE
INCAPACIDADE POR ANOMALIA PSÍQUICA
Sumário

I - É correta a decisão de se anular testamento, ao abrigo do artigo 2199.º, do C. C., por a testadora não ter capacidade para o entender, estribando-se esta conclusão em:
. documentos médicos que demonstram, ao longo do tempo, problemas psíquicos da testadora;
. desconhecer-se que tipo de interação houve entre notária e testadora no ato de outorga do testamento;
. parecer emitido pelo INML, após o falecimento da testadora, que concluiu, sem dúvidas, que na altura da celebração do testamento, a testadora não podia compreender o alcance daquele ato.
II - Competiria ao Réu, beneficiário da cláusula testamentária, provar que, apesar daquele problema psíquico, no dia da celebração do testamento a testadora estava num momento de lucidez.

Texto Integral

Processo n.º 8868/20.8T8PRT.P1.

João Venade.

Ana Luísa Loureiro.

António Paulo Vasconcelos.


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1. Relatório (aproveitando parcialmente o elaborado na 1.ª instância).

AA, que também usa AA, com domicílio profissional na Rua ..., ..., 3.º Esq. Tr. Porto,

propôs contra

BB, residente no Condomínio ..., ..., Luanda, República Popular de Angola, com domicílio fiscal na Rua ..., ..., 4.º Esq. Porto,

Ação declarativa constitutiva, com processo comum, pedindo que seja:

«a). anulado, não produzindo qualquer efeito, o testamento outorgado, em 21/09/2017, por CC, no Cartório Notarial da Notária DD, sito na Avenida ..., Sala ..., ... Porto, e que aí se acha exarado a fls. ...-... do Livro de Testamentos Públicos n.º ...;

b). participado à Notária DD, com Cartório Notarial sito na Avenida ..., Sala ..., ... Porto, a anulação do citado testamento.

c). participado à Autoridade Tributária e Aduaneira (Serviço de Finanças Porto 2, sito na Rua ..., ... Porto) a anulação do citado testamento, relativamente ao Proc. … e herança com o NIF ....

Em síntese, alega que, em virtude das patologias de que padecia, nomeadamente de um processo demencial vascular com deterioração mental, a sua mãe, CC, no momento da outorga daquele testamento, estava incapaz para entender o sentido e alcance da sua declaração e para exercer de forma livre a sua vontade.


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A Ré apresentou contestação, na qual negou a matéria de facto alegada pelo Autor estando, na data da outorga do testamento, CC perfeitamente consciente, sabendo o que estava a fazer.

Alegou a caducidade da ação, por ter sido proposta mais de dois anos depois de o Autor tomar conhecimento do testamento.


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O Autor apresentou articulado onde nega a alegada caducidade já que, apenas teve conhecimento do testamento em 06/04/2020, sendo que os prazos de caducidade estiveram suspensos com a legislação que vigorou durante o período da pandemia Covid-19.

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Elaborou-se despacho saneador, onde se fixou como

. Objeto do litígio:

. Caducidade da ação;

. Anulabilidade de testamento por incapacidade da testadora. E como

Temas da prova, apurar:

1)- «data em que o A. teve conhecimento do testamento e da causa da anulabilidade que invoca;

2)- condições de saúde, física, mental e cognitiva da testadora aquando da realização do testamento.»


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Realizou-se audiência de julgamento, tendo sido proferida sentença que julgou a ação totalmente procedente e, que por isso, condenou a Ré nos pedidos.

Inconformado, recorre o Réu, formulando as seguintes conclusões:

«I. Compulsada a matéria de facto dada como provada e não provada, é possível desde logo vislumbrar que o Tribunal a quo incorreu em erros graves na decisão da matéria de facto.

II. A matéria inserida no ponto 16) da matéria de facto dada como provada encontra-se incorretamente julgada.

III. Resultou da prova produzida, e, especialmente, do depoimento de parte do Autor/Recorrido que este deixou de tratar e acompanhar a sua falecida Mãe em meados de 2015.

IV. Do Depoimento de parte do Autor/Recorrido torna-se inequívoco que este, pelo menos desde 2015, deixou de acompanhar a sua Mãe, pois o Recorrente “instalou-se” na casa desta e que por isso se “sentiu mais sossegado” passando então o acompanhamento a ser feito pelo Recorrente.

V. O Tribunal a quo não poderia ter dado como provado esta matéria, tal como deu, devendo a mesma ser alterada, dando-se apenas como provado o seguinte: O Autor deslocava-se a casa da Mãe para a transportar a sessões de fisioterapia, consultas médicas, análises e entregar-lhe medicamentos e bens alimentares, etc, até ao ano de 2015, altura em que o Réu passou a residir com a Mãe durante, pelo menos, 6 (seis) meses do ano.

VI. A prova que impõe esta decisão é:

a. DEPOIMENTO DE PARTE DE AA, constante do áudio de gravação inserido no sistema CITIUS, faixa Diligencia_8868-20.8T8PRT_2023-01-09_14-51-46, sessão de 09-01-2, minutos 24:54 a 26:01; 49:59 a 50:17, 01:06:51 a 01:07:13, 01:09:57 a 01:10:35.

VII. O Tribunal a quo andou muito mal ao dar como provada a matéria inserida no ponto 17 da matéria de facto dada como provada.

VIII. A prova produzida em julgamento, mormente, testemunhal, da parte do Réu e do Autor, foram unânimes ao sufragar que a falecida tinha capacidade para realizar várias tarefas, nos períodos em que se encontrava em casa, inclusive, a de se fazer deslocar com recurso a táxi, a deslocar-se a casa de vizinhos para tomar banho, a ir buscar garrafões de água.

IX. Tem assim de ser alterada a matéria inserida no ponto 17) da matéria de facto dada como provada, passando a mesma a ter-se como não provada.

X. A prova que impõe decisão diversa é a seguinte:

a. DEPOIMENTO DA TESTEMUNHA EE, constante do áudio de gravação inserido no sistema CITIUS, faixa áudio Diligencia_8868-20.8T8PRT_2023-04-28_16-09-25, sessão de 28-04-2023, minutos 08:03 a 08:35, 08:39 a 09:41, 14:47 a 15:39.

XI. Nos pontos 20) e 21) da matéria de facto dada como provada, o Tribunal a quo incluiu matéria conclusiva e de direito.

XII. Ao incluir tais expressões nos ponto 20.º e 21.º da matéria de facto dada como provada, o Tribunal a quo violou o disposto no 4 do artigo 607.º do Código de Processo Civil, mostrando, mais uma vez, o carater subjetivo e parcial com que julgou e apreciou a prova.

XIII. Os pontos 20.º e 21.º assumem natureza conclusiva e um claro sentido jurídico, pelo que não podem subsistir no elenco da matéria de facto dada como assente, devendo ter-se como não escritas, o desde já se requer, resultando violado o n.º 4 do artigo 607.º do Código de Processo Civil.

XIV. O Tribunal a quo pontilhou o ponto 44.º do elenco dos factos provados com subjetividade e imparcialidade, fazendo nele incluir matéria conclusiva e de cariz jurídico.

XV. Este “facto” grita de conclusivo e antecipação da decisão sobre a questão de fundo da causa pelo que não pode subsistir no elenco da matéria de facto dada como assente, devendo ter-se como não escrito, o desde já se requer, resultando violado o n.º 4 do artigo 607.º do Código de Processo Civil.

XVI. Ao incluir a conclusão no ponto 44.º da matéria de facto dada como provada, o Tribunal a quo violou o disposto no 4 do artigo 607.º do Código de Processo Civil, mostrando, mais uma vez, o carater subjetivo e parcial com que julgou e apreciou a prova.

XVII. Ademais, a conclusão do Tribunal a quo é errónea, e está ferida de algum preconceito visto que muitas vezes o cidadão comum não compreende a “linguagem jurídica” que é utilizada em documentos revestidos de alguma formalidade, mas antes da formulação dessa linguagem, há uma vontade expressa e que é transposta para os documentos na linguagem adequada.

XVIII. Nos autos ficou inequívoco que a vontade da testadora era beneficiar o Recorrente em detrimento do recorrido, até porque, como as testemunhas e o próprio recorrido afirmaram, o Recorrente era o filho preferido (cfr. depoimento de parte do recorrido, faixa aúdio Diligencia_8868-20.8T8PRT_2023-01-09_14-51-46, sessão de 09-01-2023, minutos 49:59 a 50:17).

XIX. Uma coisa é a vontade das pessoas, outra, bem diferente, é a terminologia jurídica que se usa em documentos como um testamento para expressar, juridicamente, a vontade das pessoas. Maior parte do cidadão comum não compreende o significa do “benefício da excussão prévia”, mas isso não impede que compreendam os efeitos práticos, na vida real, dessa cláusula, e daí a mesma pulular milhares e milhares de contratos, outorgados, todos os dias.

XX. Por tudo o exposto, andou mal o Tribunal a quo ao inserir no elenco da matéria de facto dada como provada este ponto, de cariz conclusivo, o qual deverá ter-se por não escrito, resultando violado o disposto no n.º 4 do art. 607.º do CPC.

XXI. Os pontos 45), 46), 47) e 48) da matéria de facto dada como provada encontram-se mal julgados, em clara oposição com a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento.

XXII. O erro egrégio do Tribunal a quo assenta no facto de ter ignorado, com alguma displicência, os depoimentos das testemunhas que realmente acompanharam a vida da testadora, antes, durante e após a outorga do testamento.

XXIII. O Tribunal a quo não teve em consideração, também, que o estado de saúde da testadora só se agudizou após uma queda em casa, já depois da outorga do testamento. Até esse momento, como se disse, vivia em sua casa, cuidava de si e nem sequer se encontrava num lar ou residência, o que, só por si, infirma a conclusão do Tribunal a quo.

XXIV. Todas as testemunhas que realmente privaram com a testadora, antes, durante e após o testamento afirmaram, com credibilidade e tons de seriedade, que a testadora estava lúcida, apesar da sua idade, e que no momento em que outorgou o testamento, estava lúcida e ciente do ato que iria celebrar.

XXV. A notária que elaborou o testamento, a Exma. Senhora Dra. DD, com largos anos de experiência notarial, e, em particular, na elaboração de testamentos, também foi inequívoca, objetiva, ao explicar que teve todas as precauções para aferir se a testadora, Mãe do Recorrente e do Recorrido, estava lúcida e sabia o que pretendia fazer com o referido testamento. Referiu que antes falou a sós com a testadora e que esta queria, de facto, beneficiar o Recorrente. Explicou, igualmente, que apenas deu a forma jurídica à vontade declarada da testadora. A testemunha descreveu, igualmente, todo um conjunto de procedimentos utilizados para assegurar que as pessoas que vão testar, estão nas suas plenas capacidades, e, embora não se recordando do caso em concreto, pois já tinham passado 6 (seis) anos desde a outorga do contrato, garantiu que o testamento foi feito com a testadora a perceber e a entender o ato e a desejá-lo. Esta matéria é também, de alguma forma, dada como provada no ponto 68) da matéria de facto da como provada.

XXVI. Outra das testemunhas cujo depoimento foi menosprezado pelo Tribunal a quo, foi testemunha do próprio testamento, e que conhecia a testadora, FF. Esta testemunha, amiga da família, que conhecia já o Pai do Recorrente e do Recorrido, esteve com a testadora antes, durante e após o testamento, referindo, por exemplo, que em 2017 a foi visitar a um lar e que esta até o reconheceu. Referiu que nessa altura a testadora conversava normalmente, sobre questões “banais”, demonstrando que mesmo nos anos de 2016-2017, e mesmo com patologias associados à idade, a testadora estava lúcida. A testemunha referenciou outrossim que no dia do testamento, Conversou com a testadora, sobre questões corriqueiras e que a mesma se mostrava lúcida, depoimento cujo teor não foi impugnado de nenhuma forma, e atesta a lucidez da testadora, antes do testamento, em ano que o tribunal a quo deu como provado a existência de patologias) e mesmo no dia do testamento. A testemunha também relatou a existência de uma notória afinidade entre a testadora e o Recorrente. Por fim, elencou que compreendeu perfeitamente a deixa testamentária e que a testadora queria, de facto, deixar o imóvel ao recorrente.

XXVII. Também a pessoa que agendou o testamento, e que era amiga pessoal da testadora, GG, foi contundente em explicar ao Tribunal as razões que levaram a testadora a querer outorgar o testamento. Referiu que já conhecia a testadora há alguns anos, e que esta já lhe tinha significado, várias vezes, que gostaria de outorgar um testamento a favor do seu filho BB, por quem tinha uma ligação especial, uma “afeição especial”, até porque “ele vive aqui, ele está aqui comigo”, referindo-se às palavras concretas que a testadora proferiu para se referir ao aqui Recorrente. A testemunha explicou que mesmo no ano em que foi outorgado o testamento, em 2017, a testadora estava lúcida, tinha conversas banais e corriqueiras, de “amena cavaqueira” reconhecia as pessoas e tinha capacidade de entender e querer. Explicou, por outro lado, que a testadora tinha uma “carinho especial” pelo recorrente, pois era este que a acompanhava, e que n dia da escritura a testadora disse “perentoriamente que sim” ao legado.

XXVIII. Outro depoimento que atesta pela lucidez da testadora, nos momentos anteriores à realização do testamento, e ainda no ano de 2017, diz respeito à sua neta EE. Esta testemunha explicou, com tons de conhecimento particular e preciosismos de verdade, que a depois de o recorrido se afastar do tratamento e acompanhamento mais regular da parte do recorrido à sua Mãe, por volta de 2014-2015, a sua avó, a testadora, aproximou-se muito de si. Referiu que nos momentos em que o recorrente estava longe, ligava todos os dias para a sua Mãe, facto este que não foi infirmado por qualquer outro meio de prova, corroborando a questão da ligação de intimidade afetiva entre o recorrente e a falecida, sua Mãe. A testemunha também descreveu que a sua avó tinha capacidade para cuidar de si e que até preferia viver sozinha, sendo que devido aos problemas de saúde da testemunha, relativos a incapacidade visual, era muitas vezes a sua avó a deslocar-se até casa da neta, através de táxi, para cujo serviço ligava, através do telemóvel que possuía. Já no Verão de 2017, a testemunha foi clara ao dizer que a sua avó decidia por si, não desejando estar num lar e regressar a sua casa, o que indicia, mais uma vez, a lucidez da testadora, já nesse momento. Mesmo após a queda da testadora, a testemunha esclareceu que a avó continuaria a reconhecê-la e a ter conversas com ela. Já no que toca ao testamento, a testemunha também foi inequívoca a dizer que já desde tempos idos que a sua avó queria deixar a “casa do porto” ao recorrente.

XXIX. Em primeiro lugar, o Tribunal a quo não poderia ignorar que apenas com a queda a 04-10-2017 é que o estado de saúde da testadora se agravou, de forma aguda, como as testemunhas que tinham mais contacto com esta afirmaram.

XXX. Note-se que é o próprio Tribunal a quo a dar essa matéria como provada, nos pontos 37), 38), 56), 59), 60), 61). 63), 64), 65).

XXXI. Verifica-se, portanto, uma contradição insanável nas próprias conclusões do Tribunal a quo, o que configura uma nulidade, a qual desde já se argui, nos termos e para os efeitos do previsto na al. c) do n.º 1 do art.615.º do CPC.

XXXII. Em segundo lugar, as pessoas que de facto estiveram com a testadora, no dia em que se outorgou o testamento, atestam, todas, de forma inequívoca, cada uma com pormenores que apenas adensam a veracidade dos seus depoimentos, da lucidez e da capacidade da testadora para entender e querer, e, mais importante, perceber porque estava a fazer o testamento, qual era a finalidade deste e quem iria beneficiar.

XXXIII. Em terceiro lugar, o relatório médico a que o Tribunal a quo alude nos pontos 41) e 42) é efetuado a 02-01-2018, muito após a outorga do testamento, e após, também a queda da testadora, que agudizou, a partir de então o seu estado de saúde, conforme também se encontra provado nos pontos 63) a 65).

XXXIV. Por outro lado, existe também um parecer médico, aludido no ponto 66) do elenco dos factos provados que atesta que “as patologias referidas, limitavam a vida diária da doente, mas, em meu entender, não interferiam a nível cognitivo  Em meu entender e de acordo com o estado atual da ciência, na data referida (Setembro de 2017), a doente CC apresentava capacidades cognitivas para decidir da sua vida pessoal, profissional e de gerência dos seus bens e património”, sendo que este documento/relatório, não foi impugnado por quem quer que fosse.

XXXV. Com base em todos estes considerandos, impõe-se uma alteração da matéria de facto dada como provada nos pontos 45 a 48 da matéria de facto dada como provada, passando esses mesmos factos a ser dados como NÃO PROVADOS.

XXXVI. A prova que impõe a alteração da matéria de facto ora impugnada é a que se passa a indicar:

DEPOIMENTO DE PARTE DE AA, constante do áudio de gravação inserido no sistema CITIUS, faixa Diligencia_8868-20.8T8PRT_2023-01-09_14-51-46, sessão de 09-01-2, minutos 24:54 a 26:01; 49:59 a 50:17, 01:06:51 a 01:07:13, 01:09:57 a 01:10:35,

DEPOIMENTO DA TESTEMUNHA DD (NOTÁRIA), constante do áudio de gravação inserido no sistema CITIUS, faixa Diligencia_8868-20.8T8PRT_2023-01-26_11-11-31 sessão de 26-01-2023, minutos 06:21-06:43, 07:24 a 11:10, 12:12 a 13:32, 22:52 a 23:34, 24:50 a 25:11, 32:26 a 32:50 e 37:57 a 38:12:

DEPOIMENTO DA TESTEMUNHA FF, constante do áudio de gravação inserido no sistema CITIUS, faixa Diligencia_8868-20.8T8PRT_2023-04-28_15-32-41, sessão de 28-04-2023, minutos 05:52 a 08:41, 11:18 a 11:46, 12:18 a 15:38, 16:14 a 18:05, 18:32 a 19:02, 19:34 a 20:52 e 23:53 a 24:22,

DEPOIMENTO DA TESTEMUNHA GG, constante do áudio de gravação inserido no sistema CITIUS, faixa aúdio Diligencia_8868-20.8T8PRT_2023-05-11_09-59-57 sessão de 11-05-2023, minutos 24:02 a 25:08, 26:08 a 28:25, 29:08 a 29:23, 30:59 a 33:03, 33:57 a 34:43, 35:41 a 37:09, 38:32 a 41:50, 42:23 a 42:50, 43:33 a 44:11,

DEPOIMENTO DA TESTEMUNHA EE, constante do áudio de gravação inserido no sistema CITIUS, faixa áudio Diligencia_8868-20.8T8PRT_2023-04-28_16-09-25, sessão de 28-04-2023, minutos 08:03 a 08:35, 08:39 a 09:41, 14:47 a 15:39, 17:03 a 17:23, 22:37 a 25:29, 26:47 a 27:21, 29:05 a 29:27 e 32:39 a 32:47;

XXXVII. Em conjugação com a matéria de facto dada como provada nos pontos 37), 38), 56), 59) e 60) a 66) da matéria de facto dada como provada.

XXXVIII. O elenco dos factos dados como não provados, apresenta, amiúde, contradições insanáveis com os factos dados como provados.

XXXIX. O exemplo mais flagrante diz respeito aos pontos Cv) a xxx) da matéria de facto dada como não provada.

XL. Em primeiro lugar, os factos dados como não provados nos pontos vvv) a xxx) encontram-se em directa oposição com os factos dados como provados nos pontos 37), 38), 56), 59), 60), 61). 63), 64), 65) e 68) o que constitui uma nulidade, a qual desde já se argui, nos termos e para os efeitos do previsto na al. c) do n.º 1 do art. 615.º do CPC.

XLI. As testemunhas indicadas pelo Recorrente, por imparciais e por terem privado com a testadora na data do testamento, antes e depois, deveriam ter merecido um juízo de credibilidade acrescido por parte do Tribunal a quo, pois, ao contrário do que refere a sentença recorrida, os elementos médicos juntos aos autos, mostram que as limitações da testadora, não a impossibilitavam de dispor dos seus bens de forma consciente e livre, nomeadamente na data em que testou.

XLII. A testemunha, Notária que presidiu à outorga do testamento, dotada de fé pública e essencial para averiguar da capacidade da testadora no momento da outorga não mereceu do Tribunal a relevância e a credibilidade que lhe deveria ter sido dada.

XLIII. A simples presença da Notária, que é uma funcionária especializada que goza de fé pública, aditada à das testemunhas que, segundo o art. 67.º, n.ºs 1, al. a) e 3, do Código do Notariado, devem presenciar o acto, é uma primeira e qualificada garantia de que a testadora gozava ainda, no momento em que foi revelando a sua vontade, de um mínimo bastante de capacidade anímica para querer e para entender o que afirmou ser sua vontade.

XLIV. Esta testemunha, juntamente com as testemunhas do testamento e que também depuseram em Tribunal, foram as únicas testemunhas a fazer prova directa do facto essencial, de que no dia de testar a Exma. Senhora CC, estava em perfeitas condições de o fazer.

XLV. Foi o próprio recorrido/autor quem, em sede de depoimento de parte, confessou que a partir de 2015, quem esteve mais tempo com a sua Mãe, foi o recorrente, e que este, nos 6 (seis) meses que estava em Portugal quando não estava a trabalhar em Angola, residia com a testadora. De tal modo que como também confessou o recorrido/autor, teve de proceder ao arrombamento do imóvel que foi legado ao recorrente, para lá entrar, demonstrando que não tinha chaves deste, ao contrário do recorrente.

XLVI. As provas produzidas em sede de julgamento, com destaque para os depoimentos das pessoas que privaram com a testadora antes, durante e após o testamento, atestam que esta tinha períodos de lucidez, já antes da outorga do testamento.

XLVII. No dia do testamento, todas as testemunhas que assistiram ao acto foram inequívocas ao referenciar, com pormenores de verdade que a testadora desejava realizar aquele acto, para beneficiar o filho por quem tinha uma afeição especial, e que compreendeu, na prática, o conteúdo testamento.

XLVIII. A notária que elaborou o testamento, a Exma. Senhora Dra. DD, com largos anos de experiência notarial, e, em particular, na elaboração de testamentos, também foi inequívoca, objetiva, ao explicar que teve todas as precauções para aferir se a testadora, Mãe do Recorrente e do Recorrido, estava lúcida e sabia o que pretendia fazer com o referido testamento. Referiu que antes falou a sós com a testadora e que esta queria, de facto, beneficiar o Recorrente. Explicou, igualmente, que apenas deu a forma jurídica à vontade declarada da testadora. A testemunha descreveu, igualmente, todo um conjunto de procedimentos utilizados para assegurar que as pessoas que vão testar, estão nas suas plenas capacidades, e, embora não se recordando do caso em concreto, pois já tinham passado 6 (seis) anos desde a outorga do contrato, garantiu que o testamento foi feito com a testadora a perceber e a entender o ato e a desejá-lo. Esta matéria é também, de alguma forma, dada como provada no ponto 68) da matéria de facto da como provada.

XLIX. Outra das testemunhas cujo depoimento foi menosprezado pelo Tribunal a quo, foi testemunha do próprio testamento, e que conhecia a testadora, FF. Esta testemunha, amiga da família, que conhecia já o Pai do Recorrente e do Recorrido, esteve com a testadora antes, durante e após o testamento, referindo, por exemplo, que em 2017 a foi visitar a um lar e que esta até o reconheceu. Referiu que nessa altura a testadora conversava normalmente, sobre questões “banais”, demonstrando que mesmo nos anos de 2016-2017, e mesmo com patologias associados à idade, a testadora estava lúcida. A testemunha referenciou outrossim que no dia do testamento, Conversou com a testadora, sobre questões corriqueiras e que a mesma se mostrava lúcida, depoimento cujo teor não foi impugnado de nenhuma forma, e atesta a lucidez da testadora, antes do testamento, em ano que o tribunal a quo deu como provado a existência de patologias) e mesmo no dia do testamento. A testemunha também relatou a existência de uma notória afinidade entre a testadora e o Recorrente. Por fim, elencou que compreendeu perfeitamente a deixa testamentária e que a testadora queria, de facto, deixar o imóvel ao recorrente.

L. Também a pessoa que agendou o testamento, e que era amiga pessoal da testadora, GG, foi contundente em explicar ao Tribunal as razões que levaram a testadora a querer outorgar o testamento. Referiu que já conhecia a testadora há alguns anos, e que esta já lhe tinha significado, várias vezes, que gostaria de outorgar um testamento a favor do seu filho BB, por quem tinha uma ligação especial, uma “afeição especial”, até porque “ele vive aqui, ele está aqui comigo”, referindo-se às palavras concretas que a testadora proferiu para se referir ao aqui Recorrente. A testemunha explicou que mesmo no ano em que foi outorgado o testamento, em 2017, a testadora estava lúcida, tinha conversas banais e corriqueiras, de “amena cavaqueira” reconhecia as pessoas e tinha capacidade de entender e querer. Explicou, por outro lado, que a testadora tinha um “carinho especial” pelo recorrente, pois era este que a acompanhava, e que n dia da escritura a testadora disse “perentoriamente que sim” ao legado.

LI. Outro depoimento que atesta pela lucidez da testadora, nos momentos anteriores à realização do testamento, e ainda no ano de 2017, diz respeito à sua neta EE. Esta testemunha explicou, com tons de conhecimento particular e preciosismos de verdade, que a depois de o recorrido se afastar do tratamento e acompanhamento mais regular da parte do recorrido à sua Mãe, por volta de 2014-2015, a sua avó, a testadora, aproximou-se muito de si. Referiu que nos momentos em que o recorrente estava longe, ligava todos os dias para a sua Mãe, facto este que não foi infirmado por qualquer outro meio de prova, corroborando a questão da ligação de intimidade afetiva entre o recorrente e a falecida, sua Mãe. A testemunha também descreveu que a sua avó tinha capacidade para cuidar de si e que até preferia viver sozinha, sendo que devido aos problemas de saúde da testemunha, relativos a incapacidade visual, era muitas vezes a sua avó a deslocar-se até casa da neta, através de táxi, para cujo serviço ligava, através do telemóvel que possuía. Já no Verão de 2017, a testemunha foi clara ao dizer que a sua avó decidia por si, não desejando estar num lar e regressar a sua casa, o que indicia, mais uma vez, a lucidez da testadora, já nesse momento. Mesmo após a queda da testadora, a testemunha esclareceu que a avó continuaria a reconhecê-la e a ter conversas com ela. Já no que toca ao testamento, a testemunha também foi inequívoca a dizer que já desde tempos idos que a sua avó queria deixar a “casa do porto” ao recorrente

LII. A prova que impõe a alteração da matéria de facto ora impugnada é a que se passa a indicar:

DEPOIMENTO DE PARTE DE AA, constante do áudio de gravação inserido no sistema CITIUS, faixa Diligencia_8868-20.8T8PRT_2023-01-09_14-51-46, sessão de 09-01-2, minutos 24:54 a 26:01; 49:59 a 50:17, 01:06:51 a 01:07:13, 01:09:57 a 01:10:35,

DEPOIMENTO DA TESTEMUNHA DD (NOTÁRIA), constante do áudio de gravação inserido no sistema CITIUS, faixa Diligencia_8868-20.8T8PRT_2023-01-26_11-11-31 sessão de 26-01-2023, minutos 06:21-06:43, 07:24 a 11:10, 12:12 a 13:32, 22:52 a 23:34, 24:50 a 25:11, 32:26 a 32:50 e 37:57 a 38:12:

DEPOIMENTO DA TESTEMUNHA FF, constante do áudio de gravação inserido no sistema CITIUS, faixa Diligencia_8868-20.8T8PRT_2023-04-28_15-32-41, sessão de 28-04-2023, minutos 05:52 a 08:41, 11:18 a 11:46, 12:18 a 15:38, 16:14 a 18:05, 18:32 a 19:02, 19:34 a 20:52 e 23:53 a 24:22,

DEPOIMENTO DA TESTEMUNHA GG, constante do áudio de gravação inserido no sistema CITIUS, faixa aúdio Diligencia_8868-20.8T8PRT_2023-05-11_09-59-57 sessão de 11-05-2023, minutos 24:02 a 25:08, 26:08 a 28:25, 29:08 a 29:23, 30:59 a 33:03, 33:57 a 34:43, 35:41 a 37:09, 38:32 a 41:50, 42:23 a 42:50, 43:33 a 44:11,

DEPOIMENTO DA TESTEMUNHA EE, constante do áudio de gravação inserido no sistema CITIUS, faixa áudio Diligencia_8868-20.8T8PRT_2023-04-28_16-09-25, sessão de 28-04-2023, minutos 08:03 a 08:35, 08:39 a 09:41, 14:47 a 15:39, 17:03 a 17:23, 22:37 a 25:29, 26:47 a 27:21, 29:05 a 29:27 e 32:39 a 32:47;

Em conjugação com a matéria de facto dada como provada nos pontos 37), 38), 56), 59) e 60) a 66) da matéria de facto dada como provada.

LIII. O Tribunal a quo errou, também, no julgamento e apreciação da matéria de direito.

LIV. Saber se o testador se encontrava ou não incapacitado de entender o sentido da sua declaração ou de formar livremente a sua vontade é uma conclusão jurídica a extrair dos factos apurados.

LV. Face ao que já se aflorou, em sede de impugnação sobre a matéria de facto, torna-se imperioso concluir que no momento em que foi outorgado o testamento, a testadora, mãe do recorrente, e que o queria beneficiar por ser o filho “predileto”, como confessou o autor/recorrido, encontrava-se na posse das suas faculdades mentais e as eventuais patologias que sofria, fruto da sua idade, não afetaram, naquele momento, a sua capacidade de entender e querer.

LVI. Todas as testemunhas que estiveram no ato afirmaram que a testadora estava lúcida e que queria beneficiar o aqui recorrente com a deixa testamentária. As testemunhas FF, GG e EE (neta), por exemplo, privaram com a testadora em 2016 e 2017, muito antes da outorga do testamento, com quem falaram, pessoalmente e, no dia em que foi realizado o testamento, a testemunha FF referenciou ao Tribunal a quo, que a testadora estava normal, igual ao que ele conhecera antes.

LVII. O testador pode sofrer de várias patologias, depressão e ansiedade, dependência de Benzodiazepinas, uma personalidade anancástica, mas ainda assim,, manter-se, em condições normais e sob o tratamento recomendado (que o autor repisou, ad aeternum na sua petição inicial), capaz de perceber o sentido das suas decisões e de actuar livremente segundo a sua própria vontade.

LVIII. De facto, à luz do quadro factual, se a testadora podia ter dificuldades em lidar com as suas atividades da vida diária, não obstante viver sozinha – pelas várias patologias de que sofria - mas não existe, salvo melhor opinião, prova de que essa era a situação comum, regular ou habitual da testadora ou, ainda, que, no momento em que outorgou os testamentos em causa, se encontrava sob o efeito de alguma das ditas situações, de forma que não tivesse noção do negócio em que estava a intervir ou não tivesse o domínio e o controlo da sua própria vontade.

LIX. Tratando-se de um ato de disposição patrimonial gratuito, importa sobremaneira, que a vontade e o livre arbítrio do testador não sejam afetados por qualquer circunstância temporária ou permanente que tolha as suas faculdades intelectuais, volitivas, pois, de outro modo, não pode falar-se em ato de vontade livre e esclarecido. Mas veja-se o que o Tribunal a quo deu como provado nos pontos 63) e 65) onde se atesta que o estado da testadora se agravou, APÓS a outorga do testamento.

LX. Nada se diz aqui, sobre qualquer incapacidade cognitiva da testadora, que a impedissem de entender e querer. Apenas que estava debilitada fisicamente. Os relatórios que demonstram que existem debilidades cognitivas da testadora são todos posteriores à data da outorga do testamento e após a queda da testadora em 04-10-2017, sendo que até essa data, a própria testadora DECIDIA, de motu próprio, que queria voltar a casa – vide, inequivocamente, os pontos 37), 38) e 59) a 66) do elenco dos factos provados.

LXI. Até o relatório pericial que consta dos autos e que foi requerido, ex officio pelo Tribunal a quo, já no final da causa, foi elaborado por pessoa que nunca privou com a testadora. Assim como os pareceres médicos juntos por ambas as partes.

LXII. A incapacidade de que nos ocupamos é, contudo, um conceito jurídico e não médico.

LXIII. No caso em apreço, nem mesmo nos relatórios médicos juntos aos autos (todos eles), se faz qualquer referência no sentido de que a testadora se sentia desorientada no tempo, indiferente de si e das outras pessoas e coisas, ou sequer que estava demenciada (com deterioração das faculdades mentais), com ecolalia (repetindo o que lhe diziam ou o que ouvia).

LXIV. Em face da prova segura de na data do testamento existir uma doença incapacitante, contínua e progressiva, um eventual, mas não de todo impossível estado de lucidez (tornada acidental pela situação de incapacidade datada desde momento anterior e que a existir seria excecional e intermitente) deve pois ser provada pelo interessado na validade do ato.

LXV. Veja-se que nos casos em que a jurisprudência sufragou este entendimento, como no caso aqui em decisão, à data do ato anulando já havia sido declarada a doença incapacitante e existiam esses elementos de segurança probatória a indicar a presença da doença com maior que menor intermitência - vd. acs. STJ de 11-4-2013 no proc. 1565/10.4TJVNF.P1.S1; de 17-12-2019 no proc. 756/13. 0TV 15 Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo n.º 5142/21.6T8CBR.C1.S1, datado de 20-06-2023, relator MANUEL CAPELO, disponível in www.dgsi.pt; do TRG de 28-4-2022 no proc. 3162/20.7T8GMR.G1 e de 15-6-2021 no proc. 2193/16.6T8BRG.G11.

LXVI. Face a tudo o exposto, não podem ter-se por verificadas as causas de nulidade e de anulabilidade do testamento invocadas se o autor não provou, como era seu ónus, os factos que as integravam, como factos constitutivos do direito alegado – art. 342.º, n.º 1, do CC.

LXVII. Em consequência, ao decidir pela anulação do testamento, o Tribunal a quo procedeu incorretamente à interpretação e aplicação do direito, mormente, dos arts. 342.º, n.º 1 e 2199.º do Código Civil, violando-os.

LXVIII. Nesse seguimento, deverá a douta sentença ser revogada e substituída por outra que julgue totalmente improcedente a ação intentada pelo Autor/Recorrido, confirmando-se, na íntegra, a validade do testamento em causa.


*

O Autor apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção do decidido.

*

As questões a decidir são:

. apreciação da matéria de facto, em especial no que se reporta à capacidade de entender da testadora aquando da celebração de testamento;

. eventuais consequências jurídicas dessa apreciação.


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2). Fundamentação.

2.1). De facto.

Resultaram provados os seguintes factos:

«1) O Autor é filho da testadora CC;

2) A Mãe do Autor (e do réu) nasceu em ..., ..., no dia ../../1919, tendo, por isso, 97 anos de idade na data em que o testamento foi lavrado;

3) Foi casada com HH, Pai do Autor (e do réu) em únicas núpcias de ambos, tendo falecido em 14 de Junho de 1995;

4) A Mãe faleceu em 22 de Fevereiro de 2018, no Hospital ..., na freguesia ... e ..., no concelho de Vila Nova de Gaia, sendo a sua residência habitual na Rua ..., ... – 4º Esq. ... Porto;

5) Deixando como herdeiros legitimários o Autor e o réu;

6) A falecida mãe do A. e do R., CC, outorgou testamento público lavrado no Cartório Notarial da Notária DD, sito na Avenida ..., Sala ..., ... Porto, em 21 de Setembro de 2017, a folhas cento e dois a cento e três, do Livro de Testamentos Públicos número sete;

7) Nesse testamento ficou a constar o seguinte: “e declarou a testadora: Que faz o seu testamento e disposição de última vontade da forma seguinte: ----- Lega a seu filho BB, por conta da quota disponível dela testadora, a parte que lhe pertence no seguinte bem imóvel: Fracção autónoma designada pela letra “I”, destinada a habitação, correspondente ao quarto andar esquerdo, com entrada pelo nº. ... da Rua ..., inscrita na matriz predial urbana sob o artigo ......, união das freguesias ... e ..., concelho do Porto; que caso o valor do aludido bem exceda o valor da sua quota disponível, o excesso que se apurar imputar-se-á na legítima do mencionado BB; mas se porém, o valor do aludido bem não esgotar a quota disponível dela testadora, então institui o seu mencionado filho herdeiro do remanescente dessa quota disponível”;

8) O réu viveu no Algarve e aí trabalhou e em Angola (onde vive e trabalha actualmente) nos últimos vinte anos, tendo como data de referência o ano em que o testamento foi lavrado;

9) Em 1 de Março de 2019, a Banco 1... confirmou através de ofício, que o titular da conta ... (para a qual foram efectuadas “transferências” da conta titulada pelo A, pelo R. e pela mãe de ambos) é o réu BB;

10) O R. vendeu a sua habitação em 20 de Setembro de 2017 (no dia anterior à outorga do testamento);

11) Após o óbito do Pai do Autor (e réu) em 14 de Junho de 1995, a Mãe testadora passou a viver só, recusando a companhia de qualquer pessoa na habitação;

12) No ano de 2008, mãe do A. e do R. foi convidada por este para ir viver no Algarve;

13) Mas passado algum tempo, o réu veio trazê-la para sua casa (no Porto);

14) A Mãe nunca mais voltou ao Algarve;

15) Em Julho de 2009, a Mãe do A. e do R. foi à urgência do Hospital 1... por duas vezes, queixando-se de cefaleias e desequilíbrio, acompanhadas de vertigens e zumbidos, anorexia, tonturas e boca seca;

16) O Autor deslocava-se a casa da Mãe para a transportar a sessões de fisioterapia, consultas médicas, análises e entregar-lhe medicamentos e bens alimentares, etc.

17) Porque já não estava em condições de sair sozinha e deslocar-se em transportes públicos;

18) A mãe do A. e do R., a determinada altura, teve uma empregada doméstica em casa;

19) A senhora em causa foi acusada de riscar os vidros das janelas e de furtar talheres;

20) Mas nenhuma das acusações tinha qualquer fundamento;

21) A Mãe inventou todas as acusações, de modo a pôr termo à companhia e ficar só durante todo o dia.

22) A mãe do A. e do R. transmitia a familiares, vizinhos e conhecidos que o Autor e mulher deslocavam-se a sua casa – durante o dia e de noite – e dela retiravam roupa;

23) E declarou numa consulta médica na Unidade de Saúde Familiar ..., em 6 de Agosto de 2013 que lhe “rasgavam receitas médicas”;

24) Tais afirmações eram proferidas em tom categórico e com a certeza absoluta (apenas dela) zangando-se quando era posta em causa a veracidade do que afirmava.

25) A mãe do A. e do R. chegou a pedir a uma vizinha e amiga para tomar banho em casa dela, porque a água de sua casa vinha com areia;

26) O réu instalou-se em casa da Mãe e foi-a amparando;

27) Mas por pouco tempo, já que vivia e trabalhava em Angola;

28) Permanecendo a Mãe sozinha em casa e apenas com o apoio do Autor, para lhe levar medicamentos, bens alimentares (pesados) e levá-la às consultas médicas, análises.

29) A médica do Centro de Saúde – em consultas médicas de 23/07/2015 e 16/11/2015 – refere um “distúrbio ansioso / estado de ansiedade”;

30) Em 5 de Maio de 2016, a mãe do A. e do R. aceitou o internamento na A..., Lda. (...), sita na Rua ..., ... ... V. N. Gaia;

31) Nesta data (05.05.2016) a Mãe necessitava de apoio para cuidar da higiene pessoal, para se vestir e despir, para se deslocar, para se alimentar e para gerir o regime medicamentoso;

32) No Relatório Médico da Clínica, de 5 de Maio de 2016, refere-se o seguinte: “… o doente em epígrafe apresenta actualmente os seguintes problemas de saúde: Hipertensão arterial; Comportamento obsessivo; Cataratas; Hipoacusia marcada. Com os seguintes antecedentes: Internamento por desidratação em Abril de 2016; Capacidade de autonomia: Dependente em grau elevado para cuidar da higiene pessoal (necessita de apoio total de terceiros para a realização dos cuidados de higiene pessoal – tomar banho e usar o sanitário; Dependente em grau elevado para se vestir e despir (necessita de apoio total de terceiros para se vestir e despir); Dependente em grau moderado para se deslocar (necessita de apoio parcial de terceiros para se transferir e deambular); Dependente em grau moderado para se alimentar (necessita de apoio parcial de terceiros para se alimentar, precisando de ajuda total para cortar os alimentos e incentivo para os ingerir); Dependente em grau elevado para gerir o regime medicamentoso (necessita de apoio total de terceiros para realizar a gestão do regime medicamentoso); Mais declaro que o seu estado de saúde carece de internamento com cuidados médicos e de enfermagem de carácter prolongado”;

33) À data do internamento estava desidratada, sofria de hipertensão, tinha cataratas, hipoacusia marcada (falta de audição) e um comportamento obsessivo, e estava dependente em grau elevado: a) para cuidar da sua higiene pessoal, b) para se vestir e despir e c) para gerir o regime medicamentoso;

34) E estava dependente em grau moderado: a) para se deslocar, e b) para se alimentar;

35) O Relatório Médico de 31 de Janeiro de 2017 refere o seguinte: “ Utente de 97 anos, internada na A.... Antecedentes psiquiátricos: Síndrome depressivo / ansioso grave Humor depressivo, dificuldade de socialização, vive só. Revela tristeza, ansiedade marcada, perda de auto-estima e dificuldades nas actividades de prática diária e autonomia. Insónia inicial e intermediária, sonolência diurna e incontinência urinária matinal. Lentificação psicomotora Utilização excessiva de Benzodiazepinas com dependência Comportamento obsessivo / confuso Períodos de alterações comportamentais não esclarecidos Antecedentes patológicos: Factores risco cardiovasculares: Hipertensão arterial essencial Dislipidemia Insuficiência cardíaca Anemia NN – causa desconhecida em estudo Patologia osteoarticular Poliartralgias Miopatia de desuso Litíase Renal Insuficiência venosa periférica grau II Patologia oftálmica Cataratas bilaterais Xeroftalmia Diminuição de acuidade visual – usa óculos Hipoacusia Internamento por desidratação (26.04.016) Hipersensibilidade: Morangos e banana Utente apresenta os seguintes problemas de saúde: Baixo risco de úlceras de pressão no adulto – Escala de Braden = 17 pontos; Úlceras de pressão: Grau 1 – eritema cutâneo, não reversível com alívio de pressão (orelha esquerda; orelha direita; tornozelo direito) Alto risco de queda: Escala de Morse – 85 pontos –Necessidade de intervenções de prevenção (supervisão, imobilização e ensinos). Dependência moderada: Índice de Barthel Modificada – 70 pontos Dependente em grau moderado para se alimentar – necessidade de supervisão de terceiros: Dependente em grau moderado para se deslocar – necessidade de apoio total de terceiros para se transferir e deambular; Dependente em grau moderado para auto- cuidados: o higiene pessoal – necessita de apoio de terceiros (tomar banho e usar o sanitário); o vestir e despir – necessita de apoio de terceiros; Dependente em grau elevado para gerir o regime medicamentoso. Vigilância clínica: Necessita gestão de regime terapêutico – controle de hipertensão e dor: Necessidade de fazer ajustes terapêuticos regulares de psiquiatria. Necessidade de cuidados de enfermagem – prevenção de complicações (posicionamentos, transferências, controlo de sinais vitais e sintonias diariamente). Administração e vigilância de toma de medicação Manutenção de MFR para prevenir atrofiamento muscular, reabilitação da marcha. Reabilitação para prevenção de complicações. Optimizar ambiente físico Prevenção de quedas Assistir e incentivar autocuidados Vigiar comportamento Avaliar pensamentos Disponibilizar suporte emocional Prevenção de complicações Manutenção de MFR Prevenção de atrofiamento muscular e reabilitação da marcha; Reabilitação para prevenção de complicações Alimentação Dieta geral hipossalina com reforço de hidratação oral Dispositivo Próteses dentárias parcial superior e inferior Óculos; Utente esta admitida com o objectivo de vigilância clínica, e a necessidade de continuidade de tratamento (em regime de internamento) e medicina física reabilitação de forma permanente. Utente apresenta dependência elevada na tomada de decisões, nas AVDs e necessidade de controle e apoio de terceiros não conseguindo manter-se compensada em ambulatório sendo indispensável a institucionalização”.

36) O Relatório de Psiquiatria, também de 31 de Janeiro de 2017, tem o seguinte conteúdo: “Utente admitida por quadro depressivo / ansioso grave e dependência de Benzodiazepinas. Apresenta humor depressivo, dificuldade de socialização, vive só. Revela tristeza, ansiedade marcada, perda de auto-estima e dificuldades nas actividades de prática diária e autonomia. Insónia inicial e intermediária, sonolência diurna e incontinência urinária matinal. Lentificação psicomotora. Utilização excessiva de Benzodiazepinas com dependência. No internamento propõem-se tratamento com antidepressivos Mirtazapina e Tranzadona e redução progressiva de Benzodiazepinas com melhorias. Diagnóstico: Síndrome depressivo e dependência de Benzodiazepinas”;

37) Mas voltou à Clínica em 4 de Outubro de 2017, ficando acamada, sem autonomia para comer, para se vestir, para a higiene diária, para tomar a medicação e também necessitava de ajuda para se deslocar, hipotensa, desidratada;

38) Em 04 de Outubro de 2017, o seu estado de saúde tinha-se agravado, caiu em casa e sofreu luxação da anca;

39) Foi internada no Hospital ... (Vila Nova de Gaia) em 20 de Fevereiro de 2018 e lá faleceu dois dias depois (22 de Fevereiro de 2018);

40) O Dr. II, Médico Psiquiatra, emitiu o seguinte escrito: “Foi-me solicitado por AA, filho da Ex.ma Sr.ª D. CC uma apreciação e avaliação do estado mental de sua mãe, à data da realização de um testamento no dia 21 de Setembro de 2017. Esta avaliação é feita em pressuposto, com base nos registos do Hospital 2..., Hospital 1..., A..., assim como a informação do filho AA. Efectivamente, a notória existência de défices cognitivos e físicos susceptíveis de se repercutirem nas actividades da vida diária – necessitava de ajuda permanente de 3ª pessoa – levaram ao internamento da paciente na A.... Em 2/01/2018 após uma queda realizou uma RMC que se anexa e que vem corroborar o diagnóstico que formalizo: - Processo cerebral orgânico neste caso com etiologia cérebro-vascular (Demência Vascular). Esta RMC, confirma o diagnóstico supra pois que para além do alargamento dos sulcos corticais e alargamento do corno occipital do ventrículo lateral direito, traduzindo lesão clástica, em território da artéria cerebral posterior esquerda, possivelmente sequelar a lesão isquémica crónica. Apresenta, à periferia, área hipertensa que poderá indicar a presença de incipientes resíduos hemáticos, aparentemente antigos. Exuberantes lacunas isquémicas subcorticais, dos centros semi-ovais, dos gânglios da base, observando-se também pequenas lacunas isquémicas do tronco encefálico. Deposição de material ferromagnético, nos gânglios da base, degenerativa. No mapa ADC não são evidentes áreas hipodensas, que indiquem a presença de lesões isquémicas recentes. A demência caracteriza-se pelo desenvolvimento insidioso de défices cognitivos múltiplos que incluem diminuição da memória, afasia, agnosia e défices das funções executivas de modo que quando o diagnóstico é proferido as perturbações e alterações já evoluem há meses ou anos. CONCLUSÃO: A paciente sofria de um processo Demencial vascular com deterioração Mental, pelo que considero que à data da realização do testamento em 21/09/2017 estava em estado avançado e com graves alterações a nível cognitivo, mnésico e comportamental e não estava capaz de decidir de forma autónoma livre e consciente dos seus actos. Por tudo o que foi exposto considero, que não estava em condições de decidir sobre a sua pessoa e bens. Por ser verdade e me ter sido pedido, passo o presente relatório que dato e assino”. Porto, 2 de Março de 2020 II;

41) O relatório da ressonância magnética cerebral (RMC) realizada em 02/01/2018 à mãe do A. e do R. refere expressamente: “Apresenta, à periferia, área hipertensa em T1 e FLAIR, que poderá indicar a presença de incipientes resíduos hemáticos nesta área, aparentemente antigos”. “No mapa ADC não são evidentes áreas hipodensas, que indiquem a presença de lesões isquémicas recentes”;

42) E dela se podem retirar as seguintes conclusões: Falta de irrigação sanguínea crónica; Zonas com falta de irrigação cerebral. Resíduos de hemorragias cerebrais. Sinais de perda de volume do tecido encefálico. Degenerescência cerebral crónica (perda ou diminuição das qualidades primitivas cerebrais).

43) O testamento foi outorgado três meses antes da Ressonância Magnética Cerebral;

44) A complexidade da cláusula testamentária não é acessível ao cidadão comum e à testadora;

45) Quando outorgou o testamento, a mãe do A. e do R. já não estava em condições de decidir livremente e compreender os fins pretendidos

46) E, mais concretamente, não teve consciência do que declarou (na outorga do testamento) nem o significado do acto e não compreendeu o sentido e alcance das palavras utilizadas no documento;

47) Porque sofria, pelo menos desde 31 de Janeiro de 2017, de doença psíquica que lhe provocava dependência elevada na capacidade de tomar decisões, de entender e de querer, não estando na posse das suas faculdades mentais;

48) Tão pouco estava em condições de entender o devido alcance e conteúdo dos termos técnico jurídicos utilizados na disposição testamentária, supra referida, a saber: “Lega a seu filho BB, por conta da quota disponível dela testadora …” “Que caso o valor do aludido bem exceda o valor da sua quota disponível, o excesso que se apurar imputar-se-á na legítima do mencionado BB …” “… mas se porém, o valor do aludido bem não esgotar a quota disponível dela testadora, então institui o seu mencionado filho herdeiro do remanescente dessa quota disponível.”;

49) As duas testemunhas do testamento são: 1. FF; 2. GG, advogada, que conheceu o réu quando este residiu em ..., ...;

50) A testemunha GG marcou o testamento;

51) Que se realizou no mesmo cartório onde deduziu o processo de inventário notarial;

52) Na data do seu falecimento, a mãe do A. e do R. encontrava-se integrada na “A...”, sita na Rua ..., ... ...;

53) O A. propôs a presente acção em 02 de Junho de 2020;

54) Após o óbito do pai do Autor e do Réu, a mãe de ambos passou, por sua livre e espontânea vontade, a viver sozinha.

55) Sempre negou a companhia de qualquer pessoa na sua habitação, cujo objectivo fosse auxiliá-la e prestar-lhe apoio;

56) Isto porque, apesar da idade, via-se como uma pessoa independente e capaz de cuidar de si própria;

57) Em 2008, foi convidada para ir viver para um apartamento no Algarve, junto à habitação de então do Réu, adquirido pelo mesmo com esse intuito.

58) Contudo, pouco tempo depois de lá estar, pediu ao filho (réu) que a trouxesse para casa;

59) Durante esta época, o Autor ia estando com a Mãe, prestando-lhe algum apoio;

60) Apesar de fisicamente longe, o Réu sempre foi preocupado com a sua Mãe;

61) Em Maio de 2016, a Mãe do Autor e do Réu aceitou o internamento na A..., sendo que o mesmo não era, nem nunca foi, contínuo;

62) Isto é, a Mãe não passava todos os dias na referida Clínica, sendo que, quando se sentia melhor, passava algumas temporadas em sua casa (sem prejuízo de a mensalidade da Clínica ser paga, todos os meses, de modo a garantir a sua vaga);

63) No início de outubro de 2017, a mãe do Autor e do Réu sofreu uma queda e partiu uma anca;

64) E, a partir daí, o Réu optou por integrá-la, “a tempo inteiro”, na clínica/lar que lhe prestasse os cuidados especializados de que necessitasse;

65) Nesta data, a Mãe estava bastante limitada ao nível físico, necessitando de auxílio para a realização material de actos da vida quotidiana;

66) O Dr. JJ, Médico Psiquiatra, emitiu em 26 de Abril de 2022 o seguinte relatório (junto com a contestação como doc. n.º 1): Após a análise dos relatórios clínicos e exames que me foram presentes da doente CC e, em meu entender e de acordo com o estado actual da ciência surgem evidências clinicas de que em Setembro de 2017, encontrava-se consciente e orientada no espaço e no tempo, para decidir da gerência dos seus bens e património. Segundo os relatórios clínicos que me foram presentes da doente esta mantinha-se consciente e orientada no espaço e no tempo e realizava algumas actividades, que se encontravam com algumas limitações, de acordo com as suas capacidades físicas. A doente encontrava-se em tratamento, de longa evolução, por quadro grave de Depressão e Ansiedade (F41.2 da CID 10), Dependência de Benzodiazepinas (F13 da CID 10) e Quadro de HTA. A doente apresentava, de acordo com avaliação psiquiatra uma personalidade anancástica (F 60.5 da CID 10). A personalidade citada da doente desencadeava ruminações muito frequentes, o que agravava muito a expressão das sintomatologias do quadro clínico depressivo e ansioso (F41.2 da CID 10). As patologias referidas, limitavam a vida diária da doente, mas em meu entender, não interferiam a nível cognitivo. Em meu entender e de acordo com o estado actual da ciência, na data referida (Setembro de 2017), a doente CC apresentava capacidades cognitivas para decidir da sua vida pessoal, profissional e de gerência dos seus bens e património. Encontro-me disponível para outras informações, que forem entendidas como necessárias;

67) A falecida Mãe do Autor e do Réu, à data da outorga do testamento, padecia de patologias várias, as quais limitavam a sua vida diária;

68) A Notária Dra. DD se tivesse denotado que o estado mental da testadora estava deteriorado, não teria lavrado o acto notarial em causa;

69) O Autor contactou a Conservatória dos Registos Centrais no sentido de apurar se haveria algum testamento e, em caso afirmativo, em que Cartório Notarial;

70) Por ofício datado de 29 de Março de 2018, teve conhecimento o Autor da existência de um testamento outorgado em 21 de Setembro de 2017 e também do Cartório Notarial da concretização daquele ato notarial;

71) A 5 de Abril do mesmo mês e ano, o A. deslocou-se ao Cartório Notarial conseguido pela informação recebida do IRN e obteve cópia do testamento.».


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E resultaram não provados:

a) O réu levou a mãe ao Cartório Notarial em surdina e às escondidas, para outorgar o referido testamento;

b) A mãe do A. e do R. outorgou o testamento induzida pelo réu;

c) O réu viveu no Alentejo;

d) O réu sempre viveu acima das suas possibilidades, gostando de ostentar um nível de vida e bens (duas habitações no Algarve e dois automóveis Mercedes) sem rendimentos que o permitissem;

e) Pelo que, após o falecimento do Pai, sempre que precisava de dinheiro, retirava de contas bancárias da Mãe avultadas quantias sem o seu consentimento e que nunca devolveu;

f) A título de exemplo (e de uma só conta) o réu “transferiu” (retirou) no período compreendido de 31 de Maio de 2004 a 14 de Setembro de 2004, de uma conta bancária da Mãe testadora para uma conta sua, a quantia global de € 20.496,93;

g) Todo o dinheiro existente na conta bancária referida em 9) pertencia em exclusivo à Mãe;

h) Vivia então o réu no Algarve (...), tendo adquirido juntamente com a esposa (casamento celebrado segundo o regime de separação de bens) duas habitações e garagens, no mesmo edifício;

i) Porém, em 30 de Outubro de 2013, o réu divorciou-se, por mútuo acordo;

j) Até ao divórcio, o réu limitava-se a telefonar à mãe – de vez em quando – e ocasionalmente deslocava-se a casa para a visitar;

k) Meses depois, veio viver para casa da Mãe e procedeu à partilha das duas habitações com a ex-esposa, por escritura pública de permuta;

l) Assim, por essa escritura foi adjudicada ao réu uma das duas habitações e à ex-esposa a outra;

m) Casas e terrenos fora da cidade do Porto não tinham qualquer interesse para o réu, já que apenas significam trabalho e despesas;

n) O dinheiro recebido pela venda do andar algarvio, terá sido dissipado rapidamente pelo réu em jogo;

o) A mãe do Autor e do Réu recusava-se ir viver para casa do Autor; porque preferia estar no seu meio e conviver com as vizinhas e amigas de longa data e também já de idade avançada;

p) Todavia, a sua saúde mental e física deterioravam-se;

q) Levantou insinuações graves à esposa do réu e este alegou que necessitava do quarto onde dormia no Algarve para a sogra que estava doente;

r) Mas a idade desta ia avançando e a saúde (física e mental) deteriorava-se lenta, mas inexoravelmente;

s) O Autor deslocava-se todas as semanas a casa da Mãe e levava-a a almoçar ao domingo em sua casa;

t) Mas recusava permanecer longos períodos em casa do Autor e só anuía em caso de alguma gripe ou constipação;

u) O Autor travou conhecimento com uma senhora de meia-idade, desempregada, sem responsabilidades familiares e que se mostrou disposta a passar as noites com a Mãe, num quarto contíguo, a troco de um valor monetário aceitável;

v) A Mãe, contrariada, aceitou a companhia nocturna durante dois ou três meses;

w) A senhora em causa – de cuja identidade o Autor já não se recorda – foi acusada de sujar a roupa da cama porque não tinha hábitos de higiene, de furtar sapatos, chinelos, medicamentos porque não tinha meios económicos para os adquirir e precisava deles para familiares próximos, etc.

x) Nessa altura sofria já de um processo demencial vascular com deterioração mental;

y) Para não agudizar a questão, o Autor indemnizou a senhora em causa e pôs termo à relação contratual;

z) Mas os anos iam passando e o estado de saúde mental da Mãe agravava-se;

aa) A mãe do A. e do R. transmitia a familiares, vizinhos e conhecidos que o Autor e esposa deslocavam-se a sua casa – durante o dia e de noite – e dela retiravam talheres, pratos e outros objectos de uso doméstico.

bb) O referido em 22) e aa) passou-se a partir de 2012 / 2013;

cc) Mas, a Mãe não tinha razão; perdia bens, receitas e outros documentos ou até os rasgava por confusão mental e até acreditava ingenuamente que o réu depositava nas suas contas bancárias o dinheiro que “levantava” e “transferia”;

dd) Também os acusava de introduzir em sua casa, roupa que lhe não pertencia e que alegadamente provinha de uma familiar já falecida da esposa do Autor… - comportamento obsessivo;

ee) Ora, tais afirmações / acusações da Mãe ao Autor foram proferidas porque estava doente e padecia, como já se disse, de um processo demencial vascular com deterioração mental;

ff) O Autor recebia periodicamente telefonemas de vizinhas e pessoas com quem ela convivia, dando-lhe conhecimento do que se passava, preocupadas com o seu estado de saúde, que desculpasse o que dizia, que bem sabiam que não passavam de factos inventados / ficcionados pela Mãe e que aumentava a dificuldade de terem qualquer convivência com ela;

gg) Não existiam motivos válidos para mãe do A. e do R. se deslocar ao Serviço de Urgência do Hospital e só se justificam porque padecia de um processo demencial vascular com deterioração mental;

hh) Mais lhe diziam que lamentavam, mas por vezes não lhe abriam a porta, quando pretendia pedir ajuda, porque já sabiam antecipadamente que não estava doente (no aspecto físico);

ii) Chegando ao ponto de se agarrar a uma vizinha e apertar-lhe o pescoço por motivo fútil ou inexistente;

jj) Num acto religioso (confissão) numa capela próxima, entendeu dar a conhecer ao confessor as alegadas “patifarias” praticadas pelo ora Autor e mulher;

kk) Mas, tal “confissão” foi feita em voz alta, de modo a ser ouvida por todos os presentes;

ll) O Autor teve conhecimento do facto pela mãe de um amigo de infância (e também do réu) lembrando-lhe que era a Mãe que estava em causa, que devia ter paciência e chamando a atenção para o seu estado de saúde mental, que não estava bem;

mm) Ora, tais comportamentos são compatíveis com um quadro psicótico demencial;

nn) Em data que o Autor já não se recorda com exactidão, a Mãe resolveu mudar as fechaduras de casa, com a intenção de o impedir (e à esposa) de continuarem a “roubar” os seus bens e “introduzirem outros” em casa, à sua revelia;

oo) Facto que o Autor aceitou para não a contrariar, mas receando uma doença súbita e não pudesse entrar em casa para a socorrer;

pp) O referido em 26) sucedeu em Agosto / Setembro de 2014;

qq) A idade ia avançando e apesar de devidamente tratada e alimentada, a saúde agravava-se;

rr) A mãe do A. e do R. saiu da A... em 19 de Julho de 2017, dizendo que não voltava já que o réu tinha regressado (mais uma vez) de Angola;

ss) Em 4 de Outubro de 2017, caiu no quarto e partiu um pulso, pouco falava, dizia frases sem sentido e estava “presa” à cama, para evitar novas quedas;

tt) FF foi colega do réu na Faculdade ... (Porto), nunca teve qualquer contacto com a mãe e se o teve foi fugaz e na data do testamento;

uu) GG nunca teve qualquer contacto com a Mãe e a ter existido foi telefónico;

vv) Na data do falecimento da mãe do A. e do R., o Autor já havia tomado conhecimento da existência da disposição testamentária em causa nos presentes autos, que pretende o Autor ver anulada;

ww) Pois que, pouco tempo após a morte da Mãe, em dia que não consegue precisar, mas seguramente no final do mês de fevereiro de 2018, o aqui Réu, em respeito à memória desta, interpelou, informalmente, o Autor a fim de aferir a possibilidade de realização de partilhas amigáveis, colocando de parte as diferenças de ambos;

xx) Tendo-o informado da existência do testamento a seu favor, última vontade da Mãe de ambos;

yy) No sentido expresso em 7);

zz) Imóvel esse que constituía, inclusivamente, domicílio fiscal do Réu;

aaa) Facto ao qual o Autor reagiu de forma bastante negativa, procedendo, imediatamente, de forma maliciosa, ao arrombamento da porta e troca das fechaduras da porta da habitação e da caixa do correio, impedindo ao seu irmão o acesso ao imóvel;

bbb) Desde dia que não consegue o Réu precisar, mas seguramente no decurso do mês de Março de 2018 o Autor teve conhecimento da existência do testamento que pretende agora ver anulado;

ccc) Tendo o Autor tido conhecimento da existência e teor do testamento e da causa da anulabilidade por si alegada, conforme se referiu, o mais tardar até final de Fevereiro de 2018;

ddd) Em 2008, foi convidada para ir viver para um apartamento no Algarve, junto à habitação de então do Réu, adquirido pelo mesmo com esse intuito;

eee) No ano de 2008, mãe do A. e do R. foi convidada por este para ir viver na casa dele no Algarve;

fff) Contudo, pouco tempo depois de lá estar, pediu ao filho (réu) que a trouxesse para casa, pois preferia estar no seu meio social e conviver com as vizinhas e amigas de longa data, onde estava habituada a permanecer;

ggg) Contudo, em Agosto de 2015, informou o Autor o aqui Réu, na altura ausente em trabalho, que não pretendia mais tratar nem cuidar da sua mãe, pois não possuía “vida” para isso;

hhh) Sendo que, especialmente a partir dessa altura, raras eram as vezes que visitava a Mãe, sendo muito escassas as ocasiões em que lhe dispensava uma chamada telefónica;

iii) Tal afastamento, quase total, gerou na Mãe do Autor e do Réu, uma profunda tristeza, contactando, frequentemente, a sua neta (filha do aqui Réu) EE, e queixando-se que o ora Autor não a ajudava;

jjj) Que não queria saber dela;

kkk) Que não lhe atendia o telefone, sendo que, quando o fazia, a destratava;

lll) Que só queria saber da família da mulher;

mmm) Todo o apoio que recebia provinha da parte do seu filho BB, ora Réu;

nnn) O R. ligava à mãe todos os dias, fazendo questão de que a mesma estivesse bem, com tudo o que necessitava à sua disposição;

ooo) E foi nesse sentido, de agradecimento, que surgiu, à Mãe, a ideia e a vontade de outorgar testamento a favor do ora Réu, legando-lhe a parte que lhe pertencia do imóvel supra descrito;

ppp) Dizendo que era sua vontade que o Réu ficasse com a sua casa;

qqq) Facto que, inicialmente, obteve a oposição do Réu, ciente que, devido à personalidade do Autor, tal disposição poderia levantar problemas;

rrr) No Verão de 2017, a Mãe cedeu no sentido de aceitar ter, em sua casa, durante uma das temporadas que lá passou, o auxílio de duas pessoas, uma para o dia, e outra para a noite, que lhe prestariam o apoio necessário;

sss) Sendo que, a partir dessa data, a Mãe ficou, de facto, bastante limitada, ao nível físico, necessitando de auxílio para a realização material de atos da vida quotidiana.

ttt) E a agravação do seu estado psicológico deu-se, precisamente, após essa altura, após a sua percepção de que já não poderia levar a sua vida de forma completamente independente, como estava, até então, acostumada;

uuu) Contudo, repare-se que, o estado psicológico da Mãe nunca se refletiu em qualquer incapacidade ao nível cognitivo.

vvv) À data da outorga do testamento, a falecida Mãe do Autor e do Réu padecia de patologias várias, mas que não interferiam ao nível cognitivo, encontrando-se em condições para decidir sobre a sua vida pessoal, profissional e de gerência dos seus bens e património;

www) A falecida Mãe do Autor e do Réu, previamente à outorga do testamento, fez questão de reunir com a Notária Dra. DD, a fim de explicar o que pretendia com aquele acto, tendo-lhe sidas explicadas todas as implicações que adviriam subjacentes a tal disposição testamentária;

xxx) A Mãe do Autor e do Réu, à data da outorga do testamento, objecto dos presentes autos, encontrava-se na posse das suas capacidades mentais para decidir sobre a sua vida pessoal, profissional e de gerência dos seus bens e património.

yyy) Jamais o réu, qualquer seu representante legal, ou terceiro, comunicaram, antes, ou depois, a outorga do testamento ao autor;

zzz) Acto notarial que foi feito com total secretismo, sem que o autor tivesse conhecimento da elaboração do testamento, não tendo havido sequer qualquer rumor sobre a possibilidade do mesmo, por parte de quem quer que fosse;

aaaa) O réu passara a ignorar praticamente a progenitora,

bbbb) O ofício não-registado referido em 69) terá sido recebido pelo aqui autor a 30 de Março, ou 2 ou 3 de Abril de 2018.».


*

2.2). Do recurso.

Iremos apreciar os argumentos e as questões suscitadas pelo recorrente pela ordem com que este as apresenta para facilitar uma melhor compreensão.

Assim:

A). Impugnação dos factos provados 16 e 17, com a seguinte redação:

O Autor deslocava-se a casa da Mãe para a transportar a sessões de fisioterapia, consultas médicas, análises e entregar-lhe medicamentos e bens alimentares, etc (16), porque já não estava em condições de sair sozinha e deslocar-se em transportes públicos (17);

O recorrente pretende que o facto resulte provado o seguinte:

O Autor deslocava-se a casa da Mãe para a transportar a sessões de fisioterapia, consultas médicas, análises e entregar-lhe medicamentos e bens alimentares, etc, até ao ano de 2015, altura em que o Réu passou a residir com a Mãe durante, pelo menos, 6 (seis) meses do ano; e o facto 17) deve resultar não provado.

Nesta ação, em que se visa apurar se a mãe de Autor e Réu estava no uso das suas faculdades mentais necessárias e suficientes para apreender o que declarou em sede de testamento por si outorgado em 21/09/2017, é irrelevante saber se e quando o Autor se deslocava à casa de sua mãe e qual a intenção dessas deslocações ou se o Réu vivia com essa pessoa.

Nem em sede de factos essenciais esta factualidade tem qualquer relevo pois o que importa aferir é o estado mental da mãe das partes e não com quem vivia e o que fazia um dos filhos quando a visitava; e no caso concreto, nem em sede de facto instrumental tal matéria tem relevância pois da mesma não se retira qualquer indício sobre o estado das faculdades mentais da testadora – não há qualquer referência a eventual necessidade de ida a consultas onde fosse analisado aquele estado de saúde -, nem que a impossibilidade de se deslocar sozinha estivesse relacionada com essa aspeto da sua integridade psíquica.

Por isso, sendo irrelevante, não se aprecia esta impugnação.


*

Factos provados 20 e 21.

18) A mãe do A. e do R., a determinada altura, teve uma empregada doméstica em casa;

19) A senhora em causa foi acusada de riscar os vidros das janelas e de furtar talheres;

20) Mas nenhuma das acusações tinha qualquer fundamento;

21) A Mãe inventou todas as acusações, de modo a pôr termo à companhia e ficar só durante todo o dia.

O recorrente apenas alega que estes factos são conclusivos mas, com o devido respeito assim não o entendemos. Os factos, ligados entre si, explicam que a falecida testadora, a certa altura, terá dito que a pessoa que trabalhava em sua casa teria furtado bens e danificado vidros mas que se veio a verificar que isso não tinha fundamento pois era uma invenção da mesma testadora, mãe de Autor e Réu. E menciona-se ainda o motivo de tal atuação da mesma: querer ficar só durante todo o dia.

Daí que, mesmo que se adotasse a perspetiva do recorrente de que poderiam estar em causa juízos conclusivos, no caso, tal não sucede pois o que se tem é a descrição de um acontecimento e a prova de que afinal o que se dizia que tinha sucedido não passava de uma invenção, de algo que não existiu.

Por outro lado, atualmente, em que o que se deve evitar é apresentar nos factos juízos jurídicos já que a prova deve refletir toda a factualidade necessária para que se possa alcançar uma conclusão jurídica. Por isso é que os temas de prova são mais abrangentes, tendo de resultar provados, permitindo assim uma maior amplitude que, anteriormente à atual redação do C. P. C. não se permitiria – veja-se o referido sobre factos conclusivos por Miguel Teixeira de Sousa. Blog do IPPC, posts de 12/06/2023 e 30/01/2024, https://blogippc.blogspot.com.

Nos factos não vislumbramos qualquer conclusão jurídica que releve para a decisão destes autos: em momento algum se menciona alguma factualidade jurídica que possa estar impedida de se retratar nos factos.

Deste modo, seja porque os factos retratam uma atuação da mãe de Autor e Réu devidamente concretizada e explicada, seja porque não contêm qualquer valoração jurídica, não são factos conclusivos, improcedendo esta argumentação.


*

Facto provado 44.

A complexidade da cláusula testamentária não é acessível ao cidadão comum e à testadora.

O recorrente suscita de novo o caráter conclusivo do facto, e ainda que a sua redação não é a mais correta.

Quanto ao seu caráter conclusivo, mantemos a ideia que já acima referimos, também aqui aplicável: está-se perante um facto que é linear e não encerra conclusões: uma determinada cláusula do contrato não é acessível, percetível, à generalidade das pessoas e em concreto à testadora. Não vemos outro modo de retratar esta factualidade como, por exemplo, não encontramos um juízo conclusivo quando se menciona que o teor de uma cláusula não foi apreendida por um contraente ou que determinada pessoa não tinha capacidade de perceber o que lhe era transmitido. São factos, que se repercutem no foro interno de uma pessoa (o que pode conhecer ou o que conheceu) mas não deixam de ser factos.

No que respeita ao facto não expressar uma verdadeira ocorrência da vida no sentido de que o cidadão pode não compreender aquela cláusula na sua frieza jurídica mas já a percebe se tiver garantias de que essa juridicidade corresponde ao que pretende, pensamos que assiste razão ao recorrente.

A testadora pode não saber o que significa «Lega a seu filho BB, por conta da quota disponível dela testadora, a parte que lhe pertence no seguinte bem imóvel:… ; caso o valor do aludido bem exceda o valor da sua quota disponível, o excesso que se apurar imputar-se-á na legítima do mencionado BB; mas se porém, o valor do aludido bem não esgotar a quota disponível dela testadora, então institui o seu mencionado filho herdeiro do remanescente dessa quota disponível; e, na nossa opinião, não a perceberá pois tratam-se de conceitos jurídicos que necessitam de ser estudados e apreendidos para serem compreendidos, sem mais. Tal igualmente sucede, por exemplo, com termos médicos ou económicos ou de engenharia que, sem uma explicação, não são percetíveis por quem não domina esses conhecimentos.

Mas, tal como a noção complexa de um exame médico ou intervenção cirúrgica, de um mecanismo de funcionamento de uma bolsa de valores ou de construção de uma obra pode ser esclarecida perante um cidadão que não domina essas áreas, também uma noção jurídica o pode ser. E, no caso concreto, se à testadora fosse explicado que tal cláusula refletia a sua intenção e que visava esta mesma intenção, então poderia ser compreendida pela testadora ou por qualquer pessoa com o conhecimento comum à média dos cidadãos.

No caso concreto, pensamos que se está perante algum preciosismo pois o que importa saber é se a testadora percebeu o que estava a fazer na totalidade, ou seja, se sabia que estava a fazer um testamento e em que termos e não se ela, como cidadão comum, percebia o teor de uma cláusula de tal teor.

No entanto, para se ser mais rigoroso, o facto deve refletir que tal cláusula, inserta num testamento, não seria percetível pela generalidade dos cidadãos sem formação jurídica (e pela testadora que não consta que tivesse tal formação) sem que fosse explicada, em linguagem corrente, em que consistia a finalidade de tal cláusula.

Altera-se assim este facto para a seguinte redação:

A cláusula referida em 7), inserta num testamento, não seria percetível pela generalidade dos cidadãos sem formação jurídica, nem pela testadora, sem que fosse explicada, em linguagem corrente, em que consistia a sua finalidade.


*

Factos 45 a 48.

45) Quando outorgou o testamento, a mãe do A. e do R. já não estava em condições de decidir livremente e compreender os fins pretendidos

46) E, mais concretamente, não teve consciência do que declarou (na outorga do testamento) nem o significado do ato e não compreendeu o sentido e alcance das palavras utilizadas no documento;

47) Porque sofria, pelo menos desde 31 de Janeiro de 2017, de doença psíquica que lhe provocava dependência elevada na capacidade de tomar decisões, de entender e de querer, não estando na posse das suas faculdades mentais;

48) Tão pouco estava em condições de entender o devido alcance e conteúdo dos termos técnico jurídicos utilizados na disposição testamentária, supra referida, a saber: “Lega a seu filho BB, por conta da quota disponível dela testadora …” “Que caso o valor do aludido bem exceda o valor da sua quota disponível, o excesso que se apurar imputar-se-á na legítima do mencionado BB …” “… mas se porém, o valor do aludido bem não esgotar a quota disponível dela testadora, então institui o seu mencionado filho herdeiro do remanescente dessa quota disponível.”;

O recorrente pretende que tais factos resultem não provados.

O tribunal recorrido menciona, sobre os factos e em relação à prova apresentada pelo Réu, o seguinte: os depoimentos das referidas testemunhas e as declarações do Réu não são isentos e imparciais (com exceção da Sr.ª Notária DD), sendo que grande parte daquelas testemunhas - e também o Réu - não tinham nem têm conhecimentos técnicos e científicos que lhes permita aferir se CC estava ou não no uso das suas faculdades mentais no ano de 2017 e em particular na data em que foi outorgado o testamento.

Concordamos com esta análise pois, ouvida toda a produção de prova (na maioria das vezes, em condições péssimas de gravação), pensamos efetivamente que os depoimentos das testemunhas do Réu e as declarações deste não permitem concluir que a testadora ou estava em condições de entender o que ficou redigido no testamento ou então não permitem duvidar seriamente que afinal não estava capaz de o entender, como se veio a apurar.

Os depoimentos em causa estão ou parcialmente transcritos pelo recorrente ou resumidos pelo tribunal pelo que não iremos voltar a repeti-los mas podemos referir que nenhuma das testemunhas produziu depoimentos suficientemente convincentes para colocar em causa a conclusão retirada pelo tribunal.

FF, uma das testemunhas no testamento, referiu que não sabia/não se lembrava o que a notária poderia ter dito, referindo no entanto que a mesma terá perguntado É isto que quer, é isto que quer, vou ler-lhe o que aqui está escrito em direção à testadora. Não se recorda se houve uma adaptação dos termos escritos quando lido o testamento (no sentido de ser em linguagem mais corrente). Referiu igualmente a testemunha que ela, testemunha, não fez esforço para notar se a testadora estava capaz.

O depoimento de EE, filha do Réu, foi irrelevante, mencionando conversas com a avó que poderiam ocorrer com uma pessoa que já não está nas suas condições mentais desejáveis – queixas da avó em referir que estava farta de ali estar, quero ir para casa -.

GG, advogada, produz um depoimento em que menciona que a testadora estava em ótima condição mental, unicamente mais debilitada pela idade mas muito bem, lúcida. E que no decurso do testamento foi tudo muito claro, a sua leitura em linguagem clara, normal, mencionando-se qual a intenção – deixar casa ao filho -, e que depois se perguntou se entendeu o que estava a fazer, ao que a testadora teria respondido sim. Mencionou ainda que sabia que a testadora teria percebido que estava a beneficiar um filho pois até antes ela já lho tinha referido.

Retratou assim um quadro de normalidade da testadora que, para nós, é totalmente desmentido por elementos objetivos, no caso, médico-científicos.

As declarações do Réu em nada ajudaram o tribunal pois praticamente apenas se procurou justificar o benefício a seu favor e que a mãe estaria bem mentalmente, apesar de sofrer de depressão e ansiedade.

Quando ao depoimento da notária, que poderia comprovar o modo como a leitura tinha sido realizada e como se tinha explicado o teor do testamento e, principalmente, que sinais tinha dado a testadora de ter compreendido, revelou-se inócuo pois não se recordava do ato em questão.

Pode a notária mencionar que sempre faz os testamentos de um determinado modo e que, se a escritura se realizou, é porque foi percebida pelo outorgante mas isso não tem relevo no caso concreto pois havia que saber como tinha sido apreendido, em concreto, o teor do testamento pela testadora, o que esta testemunha não soube mencionar.

Por outro lado, se houve alguma conversa privada com a testadora antes da celebração do contrato, desde logo por ser privada, só as duas intervenientes a poderiam relatar o que, face à notária não se recordar da situação e a testadora ter falecido, inviabiliza de todo saber o que aí ocorreu.

E, ouvido o depoimento da mesma notária, ficamos com reservas sobre se afinal o modo norma de atuar seria suficiente no caso pois, apesar de referir que podia ou ler o que estava escrito e depois perguntar se compreendia ou explicar em modo corrente o que se estava a outorgar e depois perguntar se se percebia (faço de ambas as maneiras), afigurou-se-nos que poderá haver uma certa mecanização no ritual da procura de explicação do que está a suceder que pode redundar em perguntar se se está a perceber e a resposta ser sim, bastando-se com esta resposta para se aceitar a compreensão do ato (o dizer que se poderia explicar que a deixa testamentária seria um plus, um bocadinho mais, equiparando várias vezes a situação a atos praticados com estrangeiros no seu cartório, não nos oferece muita certeza se essa explicação seria percetível pela testadora, ou melhor, se a explicação que pudesse ser dada em concreto o fosse de modo a ser compreendida pela testadora).

Sabemos que o ato é praticado perante uma notária que tem também como função percecionar a capacidade das pessoas que outorgam o instrumento notarial mas tal não impede que se possa valorar livremente se a pessoa gozava das suas faculdades mentais já que tal são juízos pessoais do documentador[1].

E, citando aqui a análise, também factual mas que encontra, a nosso ver aplicação in casu, no Ac. do S. T. J. de 20/06/2023, processo n.º 5142/21.6T8CBR.C1.S1, www.dgsi.pt: «sendo este o facto mais importante que se diz militar a favor do reconhecimento da capacidade do testador no momento da outorga do testamento, dele não resulta que a atividade desenvolvida e expressa tivesse sido de forma a certificar o seu estado de vontade. Efetivamente o que se refere é que a notária redigiu o testamento e que leu o seu conteúdo em voz alta não tendo havido contestação por parte do testador. Não se sabe, porque nem sequer se alegou, quem forneceu à notária os elementos para a redação do testamento e quais esses elementos, isto é, se foi o testador quem de viva voz deu indicações para que o testamento fosse redigido; se nessas indicações se incluíam a relação de todos os bens ou só de alguns que ele tenha identificado, o que significaria um estado de conhecimento e de vontade verdadeiramente indicador da capacidade, ou se antes levava indicado, por exemplo em apontamento, o que dizia pretender sem que o exercício da sua memória e domínio cognitivo tivesse sido verdadeiramente testado. Que o testador se tenha exprimido não se limitando a sinais ou monossílabos, em resposta a perguntas feitas, só poderia ser um indicador com alguma segurança da qualidade do seu estado de lucidez se porventura se soubesse que tipo de perguntas lhe foi feito e que respostas foram dadas o que se desconhece, sem embargo de a verificação feita pelo notário do domínio da vontade do testador não ser um juízo pericial nem ter o valor de uma prova plena em matéria de reconhecimento da capacidade. Por outro lado, dizer-se que o testamento depois de redigido foi lido e o testador não se lhe opôs não aporta em si mesmo nenhum elemento importante em termos de capacidade e acuidade dos seus sentidos porque não se suscitar dúvida ou discordância entre a declaração de vontade que manifestou e a que ficou exarada no documento é apenas uma atitude de conformidade que não pode ser considerada como elemento demonstrativo de atividade, o que, paradoxalmente, poderia ocorrer se por exemplo tivesse sido solicitado algum esclarecimento porquanto neste caso poder-se-ia valorar o estado de vigilância dos sentidos e compreensão.».

No caso, também desconhecemos quem forneceu os elementos para realizar a escritura (sabemos até que foi GG que marcou o testamento – facto provado 50 -).

No que respeita ao ponto fundamental dos autos - saber se a testadora compreendeu o teor do testamento -, pode ser lido o testamento, perguntado à testadora se o compreendeu, e a mesma responder afirmativamente e ainda assim não o ter compreendido. Pode até ser explicado por outras palavras o que consta do ato e, mesmo com uma resposta positiva, não ser percebido pela outorgante. Tudo passa por saber o real estado mental da pessoa para daí se poder concluir se havia possibilidade segura de haver essa perceção ou se, pelo contrário, se pode concluir-se que, com elevado grau de certeza, a testadora não podia ter compreendido o alcance do que realizou.

Foi esta última a conclusão do tribunal recorrido e é a nossa, alicerçada pelos mesmos meios de prova indicados por aquele tribunal, onde se inclui a avaliação pelo INML que concluiu que a testadora não teria capacidade para entender o sentido e alcance do Testamento que outorgou a 21/09/2017, nomeadamente para se autodeterminar nem para exercer de forma livre e esclarecida a sua vontade nem para entender o sentido e alcance do Testamento. A incapacidade vem amplamente refletida em relatórios médicos datados de 31 de janeiro de 2017, sendo que, já a 5 de maio de 2016 se fazia referência em relatório médico a elevado grau de défice sensorial, perturbação psíquica e dependência de terceiros.

No fundo, como se menciona na decisão recorrida, se se apura um estado mental que é consistente, pode presumir-se que um ato praticado no decurso do mesmo não foi devidamente percecionado pela incapacitada; se eventualmente havia um período de lucidez, então teria que a parte contrária, a parte interessada na validade do, in casu, testamento, afastar essa presunção no sentido de que, afinal, havia tal período de lucidez – veja-se Ac. R. P. de 19/11/2020, desta mesma secção, relator Aristides Almeida, processo n.º 5271/18.3T8MTS.P1, www.dgsi.pt -.[2]

O depoimento de II, subscritor da declaração parecer psiquiátrico junto com a petição inicial como documento 23, foi claro, bastante explicativo do teor da análise da ressonância magnética junta pelo Autor como documento n.º 24, datado de janeiro de 2018, ou seja, cerca de três meses depois da outorga do testamento. Para a testemunha (e para nós), não é possível que tão elevado grau de degradação em setembro de 2017 ainda não se manifestasse, não nos deixando assim dúvidas que a testadora já se encontrava, em 2017, num estado de degradação da sua mente que a impossibilitava de compreender o alcance do testamento, tal como o INML assim concluiu. Este instituto refere ainda que «da análise de registos clínicos constantes de peças processuais é possível constatar que a doente a 31 de janeiro de 2017, já apresentava dependência elevada na tomada de decisões, nas AVD’s e necessidade de controle e apoio de terceiros não conseguindo manter-se compensada em ambulatório sendo indispensável a institucionalização. Vem referido também na mesma data a presença de lentificação psicomotora, utilização excessiva de benzodiazepinas com dependência, comportamento obsessivo/confuso e períodos de alteração comportamental não esclarecidos. Na admissão no SU do Centro Hospitalar ... a 20/02/2018 é possível constatar que tinha instituída medicação antidemencial, para além de outra medicação psicotrópica, não sendo possível situar temporalmente a data do começo da medicação antidemencial.

O relatório médico junto pelo Réu, como documento n.º 1 com a contestação, reproduzido no facto provado 66, além de não ter tido confirmação de viva voz em julgamento, é vago e algo contraditório: as limitações da testadora limitam a sua vida diária mas não a impediam de perceber algo mais complexo que é um testamento e, em concreto, aquela cláusula testamentária.

O relatório do INML, elaborado depois da morte da testadora e naturalmente sem a sua presença, é bastante conclusivo e assertivo quanto à falta de capacidade que está em análise, ao contrário daquele parecer que se desconhece em que termos e com que base foi elaborado; a sua não impugnação apenas significa que não se questiona que tenha sido emitido e feito constar o que aí se menciona, não significando que o Autor/recorrido aceite a veracidade do que aí consta, como aliás pelo teor da petição e do consequente pedido antecipadamente se percebe.

Pela análise dos documentos clínicos, aquele INML concluiu medicamente que a pessoa não poderia alcançar o conteúdo do ato em causa, certamente atendendo aos danos que o cérebro já apresentava.

A inserção do facto 40 do teor de um documento impugnado pelo Réu não significa que, por ter sido impugnado, não possa ser dado como provado: o tribunal ouviu a testemunha em causa – II -, que referiu como o elaborou e o tribunal, apesar dessa impugnação, convenceu-se que o mesmo pode ser dado como reproduzido pois terá sido emitido por quem consta no documento e as conclusões aí referidas obtiveram confirmação de que foram efetivamente retirada pelo seu autor. E é preciso não esquecer que se defende que estes documentos particulares, emitidos por terceiros (não partes) são valorados livremente pelo tribunal, nos termos do artigo 366.º, do C. C. (veja-se jurisprudência citada por Luís Pires de Sousa, Direito probatório material comentado, página 166 e ainda Ac. da R. C. de 25/10/2023, processo n.º 4035/18.9T8LRA.C2, no mesmo sítio).

Tudo isto, apesar de, na nossa opinião, nem ser necessário o facto ser elencado pois trata-se de se reproduzir um meio de prova que poderia servir de base/indício à prova de outros factos, nomeadamente os citados 45 a 48.

Não há igualmente contradição entre concluir-se pela prova destes factos 45 a 48 e o dar-se como provado que o estado de saúde da testadora se agravou depois de uma queda em outubro de 2017 (factos 37 e 38 – os factos 59 a 61, 63 a 65 mencionados não se reportam ao estado da saúde mental da mãe do recorrente, pelo que desde logo não podia haver contradição entre factos -): já antes da queda, para o tribunal (o recorrido e o presente), a testadora estava como se caracteriza nos factos provados 45 a 48 pelo que o agravamento não colide com aquela prova dos factos 45 a 48.

É certo que em termos de prova testemunhal, na nossa visão, não é possível retirar de um depoimento isento situações que pelo menos indiciassem fortemente o estado demencial em questão – as testemunhas do Autor pouco ou nada ajudaram pois tivemos:

. o depoimento de KK, de 92 anos, que apelidou a testadora de axaropada mas, ainda assim, mencionou que aquela inventou atuações estranhas em relação a uma empregada doméstica, acabando por resultar provada a acusação sem sentido, como já vimos;

. o depoimento de LL que referiu desde setembro de 2017 que a testadora não estava bem, referindo também que não o estaria desde um problema no Algarve, em 2016; mas nada mencionou de importante.

. depoimento de MM – também nada relevante mencionou, reportando-se a uma situação de a testadora ir buscar água por entender que a água de sua casa tinha areia, o que já se menciona no facto 25.

Mas aquela análise médico-legal, além dos documentos médicos juntos aos autos, coordenado com a idade muito avançada da testadora e de nada sabermos sobre que tipo de efetiva atuação teve a testadora antes e no decurso da celebração do testamento, levou-nos a concluir que há prova suficiente para concluir que em setembro de 2017, a testadora, de 97 anos, não estava em condições de perceber o conteúdo do testamento que outorgou.

Pelo exposto, entende-se que deve manter-se a prova dos factos em causa, improcedendo esta argumentação.


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Factos não provados vvv), www, xxx).

vvv) À data da outorga do testamento, a falecida Mãe do Autor e do Réu padecia de patologias várias, mas que não interferiam ao nível cognitivo, encontrando-se em condições para decidir sobre a sua vida pessoal, profissional e de gerência dos seus bens e património;

www) A falecida Mãe do Autor e do Réu, previamente à outorga do testamento, fez questão de reunir com a Notária Dra. DD, a fim de explicar o que pretendia com aquele acto, tendo-lhe sidas explicadas todas as implicações que adviriam subjacentes a tal disposição testamentária;

xxx) A Mãe do Autor e do Réu, à data da outorga do testamento, objecto dos presentes autos, encontrava-se na posse das suas capacidades mentais para decidir sobre a sua vida pessoal, profissional e de gerência dos seus bens e património.

O recorrente principia por referir que esta não prova está em contradição com os factos 37, 38, 56, 59, 60, 61, 63 a 65 e 68.

Não ocorre tal contradição pois em nenhum dos factos que aponta se retrata uma situação factual que possa colidir com a não prova, a saber:

. facto 37 – retrata situação da testadora no regresso, em outubro de 2017, à clínica;

. facto 38 – reporta-se a queda e luxuação na anca;

. facto 56 – refere como se sentia a testadora;

. facto 59 – indica quem passava tempo com a testadora;

. facto 60 – expressa-se quem se preocupava com a testadora;

. facto 61 - reporta-se a período em que a testadora esteve numa clínica, em maio de 2016;

. factos 63 a 65 – novamente está em causa a queda sofrida pela testadora;

. facto 68 – este menciona que a Notária Dra. DD se tivesse denotado que o estado mental da testadora estava deteriorado, não teria lavrado o ato notarial em causa.

Não é questionada a prova deste facto mas sim que está em contradição com os factos não provados em análise. Ora, em contradição também não está pois são duas realidades diferentes: no facto provado afirma-se que se a notária soubesse que a testadora não tinha condições mentais para o fazer, não tinha celebrado o testamento; nos factos não provados não se apura a efetiva situação de capacidade da testadora.

Não há contradição entre este facto provado e os indicados não provados; o que há é que a notária celebrou um testamento em relação a quem, se se tivesse apercebido que não estava mentalmente capaz, não o teria feito e também que se prova que a testadora efetivamente não tinha essas capacidades mentais.

Quanto à não prova destes factos, os mesmos são o reverso da conclusão que já mencionamos como correta, ou seja, estes factos retratam a testadora como alguém capaz de entender o teor do testamento, o que já afastamos.

Assim, mantendo tudo o que acima se mencionou, conclui-se pela improcedência desta argumentação, inexistindo assim a aponta nulidade de sentença que nunca existiria já que o que está previsto no artigo 615.º, n.º 1, c), do C. P. C. é a nulidade entre a fundamentação e a decisão e não a contradição entre factos.


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B). Análise jurídica.

A impugnação jurídica efetuada pelo recorrente apenas poderia ter sucesso se tivesse igualmente sido bem sucedida a impugnação de facto quanto à não prova da incapacidade da testadora para celebrar o testamento. Ora, como vimos, esse sucesso não existiu, ou seja, o recorre te não conseguiu inverter a prova de que a testadora não tinha capacidade para entender o teor do ato unilateral que praticou.

E o Autor, a quem cabia efetivamente o ónus da prova da incapacidade por ser interessado na destruição dos efeitos do testamento – artigo 342.º, n.º 1, do C. C., e além do Ac. da R. P. acima citado, Acs. S. T. J. de 13/04/2021, processo n.º 109/17.1T8BJA.E1.S1 e de 14/10/2021, processo 152/19.6T8VRL.G1.S1, www.dgsi.pt) -.

Como mencionado na decisão recorrida que também analisa com rigor e correção jurídica o pedido, provado que a testadora sofria de incapacidade a nível cognitivo e que não compreendeu o que celebrava, está preenchido o disposto no artigo 2199.º, do C. C. – é anulável o testamento feito por quem se encontrava incapacitado de entender o sentido da sua declaração ou não tinha o livre exercício da sua vontade por qualquer causa, ainda que transitória -.

Deste modo, conclui-se pela improcedência do recurso, confirmando-se a decisão recorrida.


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3). Decisão.

Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso interposto pelo Réu e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.

Custas do recurso pelo recorrente.

Registe e notifique.


Porto, 2024/07/10.
João Venade
Ana Luísa Loureiro
António Paulo Vasconcelos
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[1] Ac. S. T. J. de 17/10/2019, processo n.º 1146/17.1T8BGC.G1.S2, www.dgsi.pt.
[2] III - Recai sobre o interessado na anulação do testamento o ónus da prova da situação de incapacidade de facto do testador.
IV - Porém, se estiver demonstrado que o testador se encontrava num estado de saúde mental em que a incapacidade era a consequência mais provável, cabe ao beneficiário do testamento o ónus de demonstrar que apesar disso, no momento da celebração do testamento, o testador se encontrava com aptidão natural para entender o sentido da declaração e exercer livremente o poder de dispor dos seus bens.