NULIDADE DA GRAVAÇÃO
REAPRECIAÇÃO DA PROVA
PRODUÇÃO DE NOVOS MEIOS DE PROVA
Sumário

I - A arguição de nulidade da gravação (artigo 155º nº 4 do CPC) deve ser feita perante o tribunal a quo e no prazo de dez dias a contar da disponibilização às partes daquela.
II - Disponibilização que deve ocorrer no prazo máximo de dois dias a contar do ato em causa, para que desde logo e sendo verificada, possa ser sanada mesmo antes de serem os autos remetidos em recurso.
III - Esta disponibilização não envolve a realização de qualquer notificação às partes, antes sobre as mesmas recaindo um dever de diligência pela rápida obtenção das gravações a contar do ato, com vista a aquilatar de eventuais vícios das gravações e sendo o caso, arguir a pertinente nulidade.
IV - Na medida em que os depoimentos gravados de testemunhas se apresentem como fundamento relevante para a formação da convicção do tribunal a quo sobre factualidade impugnada, ou onde a recorrente pretenda fazer uso desses mesmos depoimentos para alterar o decidido pelo tribunal a quo, impedindo a sua impercetibilidade parcial que este tribunal forme a sua convicção com recurso aos mesmos meios probatórios e no mesmo plano em que o tribunal a quo formou a sua convicção, será de rejeitar tal reapreciação.
V - A necessidade de produção de novos meios de prova, para apuramento de factos essenciais e ampliação da decisão de facto, determina a anulação da decisão nos termos do artigo 662º nº 2 als. b) e c) do CPC..

Texto Integral

Processo nº. 545/22.1T8VFR.P1

3ª Secção Cível

Relatora – M. Fátima Andrade

Adjunta – Eugénia Cunha

Adjunta – Ana Olívia Loureiro

Tribunal de Origem do Recurso – T J Comarca de Aveiro – Jz. Central Cível de Santa Maria da Feira

Apelante/ “A...”

Apelada/ “B..., S.A.”

Sumário (artigo 663º nº 7 do CPC):

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Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto

I- Relatório

A...” instaurou contra “B..., S.A.” a presente ação declarativa de condenação sob a forma de processo comum, peticionando pela sua procedência:

“1- Se decrete a resolução do contrato de prestação de serviços celebrado entre Autora e Ré, por incumprimento definitivo deste;

2) Se condene a Ré a devolver à Autora o valor dela recebido, no valor de € 24.310,00;

3) Se condene a Ré a pagar à Autora o valor de € 53.100,00, quantia que esta despendeu com as aplicações desenvolvidas pela C... e por aquela inutilizadas;

4) Se condene a Ré a pagar à Autora, a título de lucros cessantes, a quantia de € 111.452,29 (117.600,00 frs.);

5) Se condene a Ré a pagar à Autora, a título de despesas de notário, a quantia de € 958,95 (996,45, frs.);

6) Se condene a Ré a pagar à Autora as deslocações de Genebra para Portugal e vice-versa, para reunir com a Ré e fazer testes às aplicações, no valor de € 873,62 (907,64 frs.);

7) Se condene a Ré a pagar à Autora o valor de € 3.208,06 (3.333,00 frs,) quantia que esta despendeu com o registo da marca "...;" e "...";

8) Se condene a Ré a pagar à Autora o valor de € 13.797,20 (14.334,53 frs.), quantia que esta despendeu com publicidade.

9) Se condene a Ré a pagar à Autora o valor de € 1.807,03 (1.877,40 frs.), quantia que esta despendeu com o seguro da atividade.

10) Se condene a Ré a pagar à Autora o montante de € 30.000,00, pelos prejuízos causados à imagem e bom nome da Autora.

11)Tudo acrescido de juros de mora desde a citação até "integral pagamento”.

Para tanto e em suma alegou:

- ter no âmbito da sua atividade contratado o desenvolvimento de uma aplicação móvel que permite colocar clientes em contacto com prestadores de serviços de transporte que oferecem um serviço análogo ao tradicional táxi a um terceiro, a quem pagou para tanto o valor de € 53.100,00;

- Com tal aplicação sendo possível um cliente registado na aplicação aceder e solicitar os serviços de transporte da autora;

- Tal aplicação funcionou na perfeição até ao momento em que a R. começou a intervir na mesma;

- Pretendendo adicionar nova funcionalidade à sua aplicação, contratou a A. a R. para o efeito.

Tendo para a análise do estudo da aplicação detida pela autora, esta pago àquela o valor de € 1.375,00;

- Após análise da aplicação, a R. declara conseguir trabalhar sobre a aplicação e introduzir a nova funcionalidade, para o que cobraria € 4.000,00;

- Posteriormente e por sugestão da R., a A. contratou novas aplicações a criar de raiz e num prazo máximo de 3 meses. Para cujo desenvolvimento foi acordado o pagamento do valor de € 22.500,00;

- Com a adjudicação do contrato à R. em janeiro de 2020 e a pedido da R., a A. suspendeu o uso das aplicações antes desenvolvidas;

- A atividade da A. desenvolve-se exclusivamente com recurso à utilização de aplicações, pelo que não estando estas a funcionar não há atividade.

Atividade que ainda hoje a A. tem suspensa;

- A R. passados 5 meses envia uma versão de testes das novas aplicações, em que nada funciona;

- A R. comprometeu-se a desenvolver as aplicações dentro de um pack de 500 horas que a A. contratou, o que não cumpriu.

E ainda solicita a compra de mais um pack de 50 horas que a A. aceitou na expetativa de ver as aplicações definitivamente concluídas.

A R. não concluiu o projeto, face ao que a A. não pagou a fatura emitida para pagamento deste pack adicional.

Nem corrigiu a R. os erros apontados pela autora nas aplicações criadas pela R..

Aplicações que padecem de erros que não possibilitam trabalhar com as mesmas;

- A R. recusou-se a concluir as aplicações e não transferiu as aplicações para a conta da A., ao contrário do afirmado pela mesma;

- A R. não cumpriu com as obrigações contratuais que assumiu. E impossibilitou a A. de trabalhar com a aplicação que inicialmente a mesma adquirira, por a ter danificado/inutilizado.

Como consequência desta atuação a A. sofreu os danos patrimoniais e não patrimoniais que descreveu e quantificou.

Tendo ainda sido obrigada a requerer a sua dissolução, não obstante não tenha registado o encerramento da liquidação – pelo que mantém personalidade jurídica e capacidade judiciária.

Contestou a R., tendo em suma impugnado o alegado e invocado cláusula de limitação de responsabilidade aceite pela A., a quem imputou litigância de má-fé.

Deduziu ainda a R. pedido reconvencional.

Tendo a final concluído:

“deve a presente ação ser julgada improcedente, por não provada e, em consequência:

a) Ser julgado procedente o pedido reconvencional, reconhecendo-se o crédito da Reconvinte sobre a Reconvinda no valor de € 2.407,50, acrescido de juros vincendos até integral pagamento;

b) Ser a Autora condenada como litigante de má-fé em multa e indemnização condigna;

c) Ser a Ré absolvida de todos os pedidos contra si formulados, com o que se fará a costumeira JUSTIÇA!”


*

Replicou a A., tendo pelo alegado concluído como na p.i. e pugnado pela improcedência do pedido reconvencional, dele se absolvendo a A..

Quanto à cláusula de exclusão de responsabilidade convocada pela R. tendo ainda invocado a sua não comunicação e caráter abusivo, a excluir como tal ao abrigo do regime das CCG.


*

Agendada audiência prévia, foi admitido o pedido reconvencional, proferido despacho saneador, identificado o objeto do litígio e elencados os temas da prova.

Oportunamente procedeu-se à realização da audiência de discussão e julgamento, após o que foi proferida sentença, a final se decidindo:

“1. Julga-se improcedente a ação e, em consequência, absolve-se a Ré do peticionado;

2. Julga-se parcialmente procedente a reconvenção e, em consequência:

2.1. Condena-se a Autora/Reconvinda a pagar à Ré/Reconvinte a quantia de € 2.250,00 (dois mil, duzentos e cinquenta euros), acrescida de juros de mora, às taxas legais de juros comerciais aplicáveis aos atrasos de pagamento nas transações comerciais entre empresas desde 1 de julho de 2021 até efetivo e integral pagamento;

2.2. Absolve-se a Ré/Reconvinda do demais peticionado.”


*

Do assim decidido, apelou a A. oferecendo alegações e a final formulando as seguintes

Conclusões

C.1 - PROBLEMAS NAS APLICAÇÕES DESENVOLVIDAS PELA C...

A. Mal andou o Tribunal “à quo” ao considerar provado, no ponto “III - FUNDAMENTAÇÃO” da secção A - Motivação de facto, na subsecção “A.1 - Matéria provada”, que as aplicações da C... tinham “problemas”.

B. No ponto 4. a sentença deu como provado “.... face a problemas nas aplicações desenvolvidas pela C......”, o que não corresponde à verdade.

C. Na motivação ao ponto 4., o Meritíssimo Juiz “à quo” baseia-se nos documentos 1 e 2 juntos com a contestação, como sendo erros das aplicações da C....

D. E ainda, como “Matéria não provada” - alínea a): “A aplicação desenvolvida pela C... funcionou na perfeição até ao momento em que a Ré começou a intervir na mesma;”

E. Para o Tribunal “à quo” as aplicações que a C... desenvolveu e a recorrente utilizou até contratar a recorrida, não funcionavam na perfeição.

F. Da prova produzida em audiência de julgamento e a documental junta aos autos, impunha decisão diversa.

G. Ademais, em nenhum dos documentos referidos em C. faz referência às aplicações da C....

H. E isso mesmo, é contrariado pelo depoimento das testemunhas AA e BB, que referiram que os documentos 1 e 2 juntos com a contestação, foram elaborados por estes, antes da adjudicação do contrato com a recorrida, para melhor entendimento de como deviam funcionar as aplicações.

I. Como ainda, esclareceram que as aplicações da C... funcionavam bem aquando da transferência do Projeto ... para a recorrida.

J. Os colaboradores da recorrida fazem referência ao documento 2 junto com contestação, como sendo FEATURES (características, aspeto ou apresentação) que a recorrente quer implementar.

K. O Tribunal “à quo” fez uma errada análise da prova produzida em julgamento, bem como, dos documentos 1 e 2 juntos com contestação, dando como provado que as aplicações da C... tinham problemas.

L. CC e DD, Técnicos da C..., confirmam que em janeiro de 2020, aquando da adjudicação dos serviços à recorrida, as aplicações da ... que tinham sido desenvolvidas pela C... estavam a funcionar normal, sem problemas.

M. O próprio diretor da recorrida, EE diz que a aplicação estava no mercado e já existia, significa que estava a trabalhar, pelo que, não tinham problemas.

N. Impunha-se decisão diferente, dando como provado o bom funcionamento das aplicações da C... até à transferência para a Recorrida.

C.2 - NÃO CONCLUSÃO DOS TRABALHOS CONTRATADOS À RECORRIDA

O. O Tribunal “à quo” deu como não provado no ponto aa) que a” Ré não concluiu as aplicações;”.

P. E, também, como não provado na alínea cc) que a “Autor não recebeu as aplicações;”

Q. A questão que se coloca é saber se os trabalhos contratados à recorrida se podem dar como concluídos pela conclusão e envio das aplicações à recorrente.

R. Ou pelo contrário, se os trabalhos para os quais foi contratada a recorrida estão concluídos com o desenvolvimento e finalização das aplicações, e consequente publicação nas Stores ou lojas.

S. Da conjugação da prova produzida em audiência de julgamento, bem como, a prova documental junta ao processo, resulta abundantemente provado que os trabalhos da recorrida não foram concluídos.

T. Mal andou o Tribunal “à quo” ao dar como deu provado na motivação ao pedido reconvencional que “...os trabalhos referidos em 7. deverão ter-se por concluídos em junho de 2021, altura em que a Ré disponibilizou à Autora os códigos-fonte das aplicações.”

U. Da proposta da recorrida, que é o documento n.° 18 junto com a PI, podemos constatar que nas condições comerciais refere que “Ao valor de desenvolvimento acrescem valores relacionados com a publicação das apps nas respetivas lojas e alojamento.”

V. Da concatenação dos documentos 24 da contestação, 72 e 73 juntos com a PI, é possível concluir que a recorrida nunca conseguiu lançar as aplicações nas Stores.

W. Dos documentos referidos na alínea anterior, é inevitável, concluirmos que, ainda em outubro de 2021 a recorrida tentava concluir os trabalhos para os quais foi contratada.

X. Erradamente, o Tribunal “à quo” deu como provados que os trabalhos da recorrida foram concluídos em junho de 2021, quando em outubro de 2021 aquela ainda tentava fazer a publicação das aplicações nas Stores.

Y. Segundo a recorrida, para fazer as devidas publicações eram necessárias alterações e intervenções que implicam horas de desenvolvimento.

Z. Mas os trabalhos foram sustados em janeiro de 2021, como a própria recorrida afirma no artigo 88 ° da sua contestação.

AA. E na verdade, o mapa de registo de horas alocado ao projeto ..., pela recorrida, o documento 21 da contestação, confirma isso mesmo, o último dia em que foi colocado um colaborador a trabalhar na aplicação da recorrente, foi no dia 29 de janeiro de 2021.

BB. Dúvidas não restam, que fazia parte dos serviços a prestar pela recorrida, a publicação das novas aplicações na PlayStore da Google, quanto à versão android e na AppStore, quanto à versão iOS.

CC. A confirmar o referido no ponto anterior, veja-se a título de exemplo os artigos 23 ° e 65 ° da contestação.

DD. Ainda a este pretexto, a testemunha EE afirma que recorrida foi contratada para publicar as aplicações nas duas Stores.

EE. Assim, provado ficou que dos serviços contratados à recorrida faziam parte a publicação da aplicação ... nas 2 Stores ou lojas (Google Play Store e Apple Store), e que não cumpriu.

FF. Pelo que, é completamente errado dar como provado que os serviços contratados à recorrida se encontram concluídos pelo envio dos códigos-fonte, uma vez que se trata de linhas de programação para o desenvolvimento das aplicações e que têm a utilidade para a recorrida e para a C..., empresas que trabalham as aplicações e programação.

GG. Pelo que, deve ser alterada este facto (NÃO CONCLUSÃO DOS TRABALHOS CONTRATADOS À RECORRIDA) para provado e ser a recorrida condenada a devolver os valores recebidos a título de pagamento dos seus serviços, ou seja, € 24.310,00.

C.3 - IMPUTAÇÃO À RECORRENTE DA SUSPENSÃO DA SUA ACTIVIDADE

HH. O Tribunal “à quo”, dá como provado no ponto 34. Que “Até à publicação das aplicações a desenvolver pela Ré, não havia qualquer impedimento a que a Autora continuasse a utilizar as aplicações da C...;”.

I). E por outro lado, dá como Matéria provada, no ponto 35., que a “A Autora tem e sempre teve disponíveis as aplicações desenvolvidas pela C...;”

JJ. E dá ainda como provado que, só suspende a sua atividade por facto imputado a si própria (Recorrente).

KK. Tal facto deve ser dado como não provado.

LL. Muito embora, a recorrente não tenha conseguido provar que com a adjudicação das novas aplicações à recorrida, atenta a total credibilidade atribuída ao depoimento da testemunha EE (Diretor da recorrida) em total desfavor do depoimento da testemunha AA (Responsável da recorrente), sempre seria forçoso concluir que, em junho ou julho de 2020, a recorrida tornou indisponíveis ou inutilizou as aplicações da C....

MM. E, tal como em junho ou julho de 2020, as aplicações nunca mais estiveram disponíveis.

NN. De toda a documentação junta ao processo, bem como, da prova obtida na audiência de julgamento, não restam dúvidas, que as aplicações estarem disponíveis, significa estarem publicadas para serem usadas pelo público em geral.

OO. E, como atrás referido, a recorrida nunca chegou a publicar as aplicações que desenvolveu, e em junho ou julho de 2020, solicitou à C... a desativação das contas ....

PP. Ora, se não é publicada uma nova aplicação e é solicitado a desativação das antigas, é fácil concluir que não há forma de a recorrente trabalhar.

QQ. Desativadas nas Stores em 20 de julho de 2020 e passado mais de um ano, 28 de outubro 2021, ainda a recorrida não tinha conseguido publicar novas.

RR. A verdade é que a C... enviou todo o projeto ... para a recorrida, e esta passou a ter o domínio do mesmo, de forma exclusiva.

SS. Pelo contrário, nem a C..., nem a recorrente tinham acesso.

TT. E isto foi afirmado pela testemunha EE ao referir-se ao servidor de desenvolvimento que só a B... tinha acesso.

UU. E isso mesmo foi corroborado pelos colaboradores da C... que referiram que passaram todo o projeto da ... para a recorrida e deixaram de ter qualquer acesso.

W.A recorrida solicitou à C... que desativasse as contas da ... da Apple store (loja) para lançar a nova versão.

WW. Desde 20 de Junho de 2020, as aplicações da ... deixam de estar ativas na Apple Store, e consequentemente indisponíveis.

XX. Mal andou o Tribunal “à quo” ao dar como provado que a recorrente sempre teve disponível as aplicações da C....

YY. Se dúvidas restassem quanto à disponibilidade ou indisponibilidade das aplicações, certo é, que a partir 20 de julho de 2020 - data da descativação das contas ..., não podiam restar as mínimas dúvidas para o Tribunal “à quo” que as aplicações da ... se tornaram indisponíveis.

ZZ A testemunha EE reafirmou que enquanto estão a ser desenvolvidas as aplicações, não existem impedimento para que a aplicação esteja a funcionar, porque trabalham numa cópia, todavia, o mesmo já não acontece quando a recorrida pretende lançar as aplicações.

AAA. É o próprio Tribunal, na sequência do depoimento do EE, a reconhecer que as aplicações tinham que parar para testes, em junho ou julho de 2020.

BBB. E reafirmado pela recorrida no artigo 65. ° da sua contestação.

CCC. Pelo que deveria ter sido proferida decisão que, outrossim, desse por provado, após a desativação das aplicações da C... nas Stores, na data de 20 de julho de 2020, a recorrente suspendeu a sua atividade, por impossibilidade da recorrida em publicar a versão das aplicações que desenvolveu.

DDD. E em consequência, condenar a recorrida a pagar os valores dados como provados nos pontos 25., 26., 28., 30., 31., 32., 33. e 43, em sequência da suspensão da atividade da recorrente por facto imputável apenas à recorrida.

C.4 - INUTILIZAÇÃO DAS PRIMITIVAS APLICAÇÕES DA C...

EEE. Como facto não provado, alínea bb) que a Ré danificou / inutilizou as aplicações com que a Autora trabalhava e desenvolvidas pela C....

FFF. Se não é possível utilizar as aplicações da C..., porque desativadas, dúvidas não restam, que estão inutilizadas.

GGG. Como amplamente referido atrás, após a transferência da C... para a recorrida, o acesso é única e exclusivamente da recorrida.

HHH. Ora, se até a C... não têm acesso às aplicações que por si foram inicialmente criadas, também a recorrente não tem.

III. Não sendo uma empresa que tenha como objeto a área da informática e programação, nenhum valor tem as aplicações enviadas por email.

JJJ. Ou da pen junta aos autos, como contendo as aplicações da C... e as da recorrida, como refere a sentença, a recorrente não sabe o que fazer com essa informação, daí, a necessidade de contratar uma empresa do ramo, neste caso concreto, a recorrida.

KKK. Foi evidente em audiência de julgamento, que tanto a testemunha AA, como a testemunha BB, pessoas que acompanharam o processo de contratação dos serviços da recorrida, e que são motoristas de táxi, não têm conhecimentos de programação.

LLL. Têm a experiência de usar a aplicação, enquanto motoristas de táxi, na ótica do utilizar.

MMM. Jamais, têm competência ou conhecimentos para manusear uma aplicação ou até publicá-la.

NNN. Donde é forçoso concluir pela inutilização / destruição das aplicações da C....

C.5 - INACTIVIDADE DA RECORRENTE DURANTE OS ANOS DE 2020 E 2021 DEVIDO À INEXISTÊNCIA DAS APLICAÇÕES A DESENVOLVER PELA RECORRIDA

OOO. O Tribunal “à quo” dá como provado no ponto 17., que:” A atividade da Autora desenvolve-se exclusivamente com recurso â utilização das aplicações, pelo que, se as aplicações não estão a funcionar, não há atividade.”.

PPP. E ainda, como provado no ponto 18., que a “Autora suspendeu a sua atividade desde dezembro de 2019 / janeiro de 2020 até hoje.”

QQQ. No entanto, dá como não provado na alínea k) que:” A Autora esteve dois anos (2020 e 2021) sem atividade devido à inexistência das aplicações a desenvolver pela Ré.”

RRR. Para o Tribunal “á quo”; não tem dúvidas quantos à inatividade da recorrente durante o ano de 2020 e 2021.

SSS. Todavia, não atribui a inatividade da recorrente à inexistência das aplicações.

TTT. Ma! andou o Tribunal “à quo” que devia ter decidido em sentido contrário, atento o que atrás ficou dito dos artigos 60 ° a 95.°, subsecção - C.3 — IMPUTAÇÃO À RECORRENTE DA SUSPENSÃO DA SUA ACTIVIDADE, destas alegações.

UUU. Desde 20 de Julho de 2020 que não havia aplicações publicadas nas Stores, porque solicitado à C... a sua desativação, e as novas desenvolvidas pela recorrida não foram publicadas nas duas Stores que estavam contratualizadas.

VVV. Pelo que, é forçoso concluir que a inatividade da recorrente se deve à inexistência da publicação das aplicações nas Stores - lojas.

WWW. Donde se impunha, que a alínea k) dos factos não provados seja alterada para os factos provados.

XXX. E, em consequência, ser condenada a recorrida a indemnizar a recorrente dos valores que deixou de receber, e constantes da conjugação dos pontos 25. e 26. dos factos provados, pelo menos, a partir de julho de 2020 até final do ano de 2021.

YYY. Ora, devendo ser dado como provado o bom funcionamento das aplicações da C... até à transferência para a Recorrida, a não conclusão dos trabalhos contratados à recorrida pela não publicação da aplicação nas Stores, conjugado com a solicitação pela recorrida para desativar as aplicações da C... e não ter publicado as novas aplicações, é forçoso concluir que a recorrida causou prejuízos à recorrente.

ZZZ. Os prejuízos estão quantificados e dados como provados.

Nestes termos e nos melhores de Direito, cuja falta de invocação o experimentado e proficiente juízo de Vossas Exas. Doutamente suprirá, deverá o presente recurso ser julgado procedente, modificando-se a decisão recorrida e a matéria de facto fazendo:

a) Alterar-se a matéria de facto nos termos acima descriminados, dando-se como não provado os pontos 1º e 2.° e como provado o 4.° das presentes alegações.

b) Alterar-se a matéria de facto nos termos acima descriminados, dando-se como provados os factos contantes dos artigos 35.° e 36.°, e como factos não provados os constantes do artigo 40.°, decidindo peia não conclusão dos trabalhos, condenando-se a Recorrida a pagar à Recorrente o valor de € 24.310,00 ( Vinte e quatro mil, trezentos e dez euros);

c) Alterar-se a matéria de facto nos termos acima descriminados, dando-se como não provados os factos contantes do artigo 61.°, decidindo em sentido contrário, ou seja, que a Recorrente não teve disponíveis as aplicações desde 20 de julho de 2020;

d) Alterar-se a matéria de facto nos termos acima descriminados, dando-se como provados os factos contantes do artigo 96.°, decidindo em sentido contrário, ou seja, que a Recorrida danificou / inutilizou as aplicações da C... pela sua descativação, condenando-se a Recorrida a pagar à Recorrente o valor de € 53.100,00 (Cinquenta e três mil e cem euros);

e) Alterar-se a matéria de facto nos termos acima descriminados, dando-se como provados os factos contantes do artigo 109.°, decidindo em sentido contrário, ou seja, que a Recorrente esteve os anos de 2020 e 2021 sem atividade devido à inexistência das aplicações a desenvolver pela Recorrida, condenando-se esta a pagar à Recorrente o valor que resulta da junção dos pontos 25. e 26. dos factos provados, pelo menos, a partir de julho de 2020 até final do ano de 2021.

f) Julgando-se o presente recurso procedente por provado;

Com o que farão Vossas Excelências devida e elevada JUSTIÇA.”


*

Apresentou a R. contra-alegações, tendo concluindo pela sua improcedência, face ao bem decidido pelo tribunal a quo tanto em sede de decisão de facto como de direito.

Quanto à questão da nulidade da gravação arguida pela recorrente, tendo expresso o entendimento da extemporaneidade da sua arguição.


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O recurso foi admitido como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito devolutivo.

Tendo ainda o tribunal a quo expresso o entendimento de que a arguida nulidade da gravação de alguns depoimentos é extemporânea.


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Foram colhidos os vistos legais.

***

II - FACTUALIDADE PROVADA.

O tribunal a quo julgou provada a seguinte factualidade:

“A.1. Matéria provada

Da instrução e discussão da causa, resultaram provados os seguintes factos:

1. A Autora é uma empresa prestadora de serviços na área do transporte profissional privado de pessoas e mercadorias, na cidade de Genebra, na Suíça, exclusivamente através de aplicações móveis que permite colocar os clientes em contacto com os prestadores de serviços de transporte, que oferecem um serviço análogo ao tradicional táxi;

2. No âmbito da sua atividade, a Autora contratou a empresa C... Unipessoal, Lda. para desenvolver as aplicações a serem utilizadas através de telemóveis, cujo lançamento ocorreu em 2017, tendo pago o valor global de € 53.100,00;

3. Com essa aplicação, era possível um cliente registado na aplicação aceder e solicitar os serviços de transporte da Autora;

4. A Autora, face a problemas nas aplicações desenvolvidas pela C... e por pretender a implementação da opção VTC, para além de táxi, bem como a funcionalidade de visualização do carro e respetivo percurso no mapa, contactou a Ré;

5. Após reunião e exposição do trabalho pretendido, a Ré propôs realizar uma análise e estudo da aplicação detida pela Autora, mediante o pagamento de € 1.375,00;

6. Sugestão aceite e paga pela Autora;

7. Posteriormente, em 20/01/2020, a Ré propôs que prestar 500 horas (da equipa de desenvolvimento e gestão do projeto) com o propósito de desenvolvimento de duas aplicações (App Motorista e App Cliente) em React Native, com design otimizado para funcionar em smartphones com orientação vertical, nos idiomas inglês e francês, compatíveis com a última versão do SO disponível, com migração de dados e melhoria de novas funcionalidades, incluindo controlo e testes de qualidade, pelo valor de € 22.500,00, conforme proposta junta como doc. 18 com a p.i. e aqui dada por reproduzida;

8. Tal proposta incluía, também, a prestação de “alojamento e serviços”, mediante € 2.120 anuais e “pack Horas – Suporte e melhoria contínua (opcional)”, mediante € 4.000,00 (100h), nos termos das condições comerciais da proposta junta como doc. 18 e aqui dada por reproduzida;

9. De acordo com tal proposta, a Ré deveria apresentar um plano de trabalho a partilhar com a Autora, onde estariam definidos datas e tempos para aprovação;

10. A Autora aceitou tal proposta, previamente elaborada pela Autora;

11. Em tal proposta consta a seguinte cláusula:

“EXCLUSÕES DE RESPONSABILIDADE

A B... poderá ser responsabilizada, por danos consequenciais ou indiretos que resultem dos serviços prestados, num valor nunca superior ao valor do serviço prestado”;

12. Ao acederem às aplicações, é possibilitado aos clientes pedirem um motorista para realizar o transporte de pessoas e/ou mercadorias, com indicação do motorista, categoria do carro disponível e que aceita o serviço, o valor e forma de pagamento a realizar pelo cliente, o trajeto que o motorista vai realizar e o tempo de espera;

13. As aplicações incluiriam a funcionalidade de visualizar o carro e respetivo percurso no mapa;

14. O volume de horas necessárias para a conclusão do desenvolvimento e entrega à Autora das aplicações com as funcionalidades pretendidas foi definido pela Ré;

15. A Ré não elaborou, nem partilhou com a Autora, um plano de trabalho;

16. No seguimento da adjudicação, a Ré emitiu a fatura ..., na data de 28/01/2020, no valor de € 11.250,00, a qual foi paga pela Autora em 31/01/2020;

17. A atividade da Autora desenvolve-se exclusivamente com recurso à utilização das aplicações, pelo que, se as aplicações não estão a funcionar, não há atividade;

18. A Autora suspendeu a sua atividade desde dezembro de 2019/janeiro de 2020 até hoje;

19. A Ré comprometeu-se a entregar à Autora uma primeira versão para teste das aplicações no prazo de 2/3 meses;

20. No entanto, só entregou tal versão em junho de 2020;

21. A Ré emitiu a fatura ..., com data de 13-10-2020, no valor de € 435,00, referente a alojamento e serviços, pagar pela Autora pelo recibo ...;

22. Em janeiro de 2021, a Ré solicita a compra pela Autora de mais um pack de 50 horas, para fazerem ajustes da API, o que foi aceite pela Autora;

23. A Ré emitiu a fatura ..., com data de 09/03/2021, no valor de € 2.250,00, relativa ao pack de 50 horas;

24. A Ré emitiu a fatura ..., com data de 21/01/2021, no montante de € 11.250,00, correspondente aos restantes 50% do valor total do desenvolvimento das aplicações, tendo a Autora procedido ao seu pagamento em 26/01/2021;

25. À data da adjudicação do contrato com a Ré (20/01/2020), a Autora tinha motoristas de táxi a trabalhar para si, mediante o pagamento mensal individual de 200,00 francos suíços;

26. Em dezembro de 2019, a Autora tinha a trabalhar para si 28 motoristas dos quais recebeu 200,00 francos cada;

27. Por decisão da assembleia geral extraordinária de 11/11/2021, a Autora deliberou a sua dissolução;

28. Com a dissolução da sociedade, a Autora gastou 996,45 francos suíços;

29. A Autora tinha dezenas de clientes habituais e registados na sua plataforma, com reservas periódicas;

30. Com a legalização e registo da marca “...”, a Autora gastou 3.333,00 francos suíços;

31. Com publicidade nos jornais e rádios locais, a Autora despendeu 14.334,53 francos suíços;

32. Com seguro da atividade de 01-02-2020 até 01-02-2021, gastou 1.877,40 francos suíços;

33. Em agosto de 2018, por contrato de cessão de quotas, o sócio gerente da Autora, FF, adquiriu as quotas dos outros 2 sócios, pelo valor de 120.000 francos suíços, passando a ser sócio único da Autora;

34. Até à publicação das aplicações a desenvolver pela Ré, não havia qualquer impedimento a que a Autora continuasse a utilizar as aplicações da C...;

35. A Autora tem e sempre teve disponíveis as aplicações desenvolvidas pela C...;

36. Após a adjudicação, a Ré foi acedendo aos diversos pedidos por parte da Ré de alterações nas aplicações, com novas funcionalidades, ao longo dos vários meses do seu desenvolvimento inicial;

37. A Ré gastou mais do que as 500 horas referidas em 7. no desenvolvimento do projeto da Autora;

38. A Ré desenvolveu as aplicações com as funcionalidades pretendidas, incluindo a opção táxi e VTC;

39. Porém, devido às novas funcionalidades das aplicações, a API (“Application Programming Interface”) da Autora revelou-se insuficiente para dar resposta aos pedidos das aplicações, gerando entropias e crashes;

40. Por tal motivo, Autora e Ré acordaram no pack de 50 horas referido em 22. e 23., para tentar melhorar a API;

41. Não tendo sido possível melhorar a API nessas 50 horas, a Ré propôs à A. a criação de uma nova API, o que não foi aceite por esta;

42. Em junho de 2021, a Ré disponibilizou os códigos-fonte das aplicações à Autora;

43. A Autora suportou um total de 907,64 com despesas de deslocações do seu representante para realização de reuniões e testes;

44. Ficou acordado entre as partes que os serviços da fatura ... seriam pagos aquando da conclusão dos trabalhos referidos em 7..

Julgou ainda o tribunal a quo não provados os seguintes factos:

“Matéria não provada:

Com relevo para a decisão, nenhuns outros factos ficaram demonstrados,

nomeadamente não ficou provado que:

a) A aplicação desenvolvida pela C... funcionou na perfeição até ao momento em que a Ré começou a intervir na mesma;

b) Quando contactou a Ré, a Autora pretendia apenas introduzir a funcionalidade de visualização e acompanhamento do percurso no mapa, do carro que tinha sido destacado pela aplicação para apanhar o cliente, funcionando as aplicações da C... na perfeição;

c) A cláusula de “Exclusões de responsabilidade” foi previamente negociada com a Autora, à qual foi facultada a possibilidade de discutir o seu conteúdo ou propor outro clausulado ou a sua alteração;

d) A Ré obrigou-se a criar as necessárias API (“Application Programming Interface”) e BackOffice (software que permite manipular a base de dados que fornece informação à API e recebe essa informação);

e) A única nova funcionalidade a incluir nas novas aplicações a desenvolver pela Ré consistia na visualização do carro e respetivo percurso no mapa;

f) O prazo estabelecido pela Ré para a realização dos trabalhos foi de 3 meses no máximo;

g) A Ré comprometeu-se a concluir as aplicações no prazo de 3 meses;

h) A Autora com a adjudicação do contrato à Ré suspendeu a sua atividade;

i) A pedido da Ré, durante o período de desenvolvimento das novas aplicações, a Autora suspendeu o uso das aplicações desenvolvidas pela C...;

j) A Ré comprometeu-se a criar de novo, de “raiz”, uma API;

k) A Autora esteve dois anos (2020 e 2021) sem atividade devido à inexistência das aplicações a desenvolver pela Ré;

l) Por indicação da Ré, a Autora deixou de trabalhar com as aplicações da C..., estando atualmente apenas disponível o site desenvolvido por esta;

m) A Autora anuiu ao pedido da Ré, no pressuposto de suspender a atividade durante 2 ou 3 meses;

n) A Ré, para além de não ter entregue as aplicações à Autora, ainda impossibilitou esta de usar as aplicações da C..., por as ter danificado/inutilizado;

o) A Ré causou um prejuízo de 5.600 francos mensais à Autora, valor que deixou de receber dos motoristas, por cada mês de atraso na entrega das aplicações;

p) De janeiro a março de 2021, ou eventualmente até abril de 2021 a Autora estava consciente da impossibilidade de trabalhar;

q) A Ré causou à Autora um prejuízo de 117.600 francos suíços por não ter as aplicações a funcionar e consequentemente os motoristas a pagar;

r) A paragem na atividade, devido ao desenvolvimento das novas aplicações pela Ré, e com o lançamento previsto num curto espaço de tempo, levou a Autora a assinar com os motoristas, a pedido destes, um acordo de compromisso de manutenção do valor a pagar por estes;

s) Pelos sucessivos atrasos na entrega das aplicações até ao incumprimento definitivo a Autora esteve o ano de 2020 e 2021 sem trabalhar e consequentemente sem gerar rendimentos;

t) Para além de ter perdido a totalidade dos rendimentos durante estes anos, a Autora realizou despesas que não teria tido não fosse a adjudicação do contrato com a Ré;

u) A Autora apresentou-se à dissolução em virtude da inatividade durante 2 anos, derivado do incumprimento do contrato pela Ré;

v) Em virtude do incumprimento da Ré, a Autora viu-se impedida de honrar os seus compromissos, quer com os motoristas, quer com os clientes;

w) Com a sua conduta, a Ré lesou o bom nome comercial a Autora, que se manifestou pelo afastamento da clientela e pelo insucesso de negócios e perda de créditos;

x) Não fora a conduta da Ré, a Autora gozaria hoje de boa saúde financeira e continuaria a expansão da sua atividade comercial;

y) Com a conduta da Ré, a Autora perdeu a imagem de credibilidade, de reputação e de prestígio social, granjeada pelo trabalho na área do transporte de táxi pelos seus responsáveis;

z) Em virtude da conduta da Ré, a Autora perdeu o seu bom nome, o seu crédito comercial perante o mercado dos seus clientes, efetivos ou potenciais, na prestação dos seus serviços;

aa) A Ré não concluiu as aplicações;

bb) A Ré danificou/inutilizou as aplicações com que a Autora trabalhava e desenvolvidas pela C...;

cc) A Autora não recebeu as aplicações;

dd) Por causa da Ré, a Autora não tem acesso ao BackOffice;

ee) A Ré comprometeu-se a desenvolver uma nova API e um novo BackOffice;

ff) A Ré não disponibilizou à Autora os códigos-fonte das aplicações;

gg) Ficou acordado entre as partes que os serviços da fatura ... seriam pagos no prazo de 30 dias após a emissão da fatura.”

III- Âmbito do recurso.

Delimitado como está o recurso pelas conclusões das alegações, sem prejuízo de e em relação às mesmas não estar o tribunal sujeito à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito nem limitado ao conhecimento das questões de que cumpra oficiosamente conhecer – vide artigos 5º n.º 3, 608º n.º 2, 635º n.ºs 3 e 4 e 639º n.ºs 1 e 3 do CPC – resulta serem as seguintes as questões a apreciar:

1) Nulidade da gravação da prova;

2) erro na apreciação da prova e assim na decisão da matéria de facto

3) erro na aplicação do direito.


*

1) Da nulidade da gravação.

A Lei nº 41/2013 de 26/06 (que aprovou o novo CPC) introduziu uma relevante alteração no regime de arguição da falta ou deficiência da gravação, expressamente determinando que esta tem de ser invocada no prazo de dez dias a contar do momento em que a gravação é disponibilizada – vide artigo 155º nº 4 do CPC (diploma legal a que faremos referência, salvo se em contrário for expressamente indicado).

Gravação esta que deve ser disponibilizada às partes no prazo de dois dias a contar do respetivo ato (nº 3 do mesmo artigo).

Na medida em que esta falta cometida pode influir no exame da causa [como sempre o será quando a parte invocar que tal vício obsta ao exercício do seu direito de impugnação da matéria de facto que pretende exercer], configura a mesma uma nulidade secundária.

Para o efeito dispondo a parte dos já referidos 10 dias (nº 4 já referido) quando logo no ato se não aperceba da deficiência de gravação. Dez dias contados desde a disponibilização da gravação.

Disponibilização é diferente de entrega, já que esta pressupõe uma atuação do interessado que promove a entrega e aquela respeita a um ato da secretaria que coloca a gravação disponível à parte que na mesma esteja interessada para lha entregar se esta o requerer. Esta a ocorrer no prazo máximo de dois dias, tal como decorre do já referido nº 3 do artigo 155º.

Ao remeter o legislador a arguição da falta ou deficiência da gravação para o regime das nulidades (nulidades secundárias, cujo regime está regulado nos artigos 195º e segs. do CPC) resulta do artigo 199º que a mesma deverá ser arguida logo no ato, se de tal se aperceber a parte. Ou então, a partir do momento em que tomou conhecimento da mesma, ou dela pudesse conhecer agindo com a devida diligência (vide nº 1 deste artigo 199º).

Porque a disponibilização da gravação deve ocorrer no prazo de dois dias [e se assim não ocorrer deve a parte suscitar tal questão perante o tribunal a quo] recai sobre a parte o ónus de neste prazo e sempre até aos 10 dias subsequentes requerer a entrega da gravação e verificar a regularidade da mesma, para que e sendo o caso, no mencionado prazo de dez dias arguir a respetiva nulidade.

Assim não o fazendo, violará o dever de diligência que sobre si recai, com a consequência de ver precludido o direito a arguir a nulidade decorrente deste vício.

Nulidade a ser arguida perante o tribunal a quo no prazo mencionado, para que desde logo e sendo verificada, possa ser sanada mesmo antes de serem os autos remetidos em recurso.

E não sendo reconhecida, cabendo ao interessado interpor recurso a subir de forma autónoma nos termos do artigo 630º nº 2 do CPC.

O mesmo é dizer que a esta nulidade não lhe é aplicável o previsto no artigo 199º nº 3 do CPC.

Nos termos deste citado normativo (nº 3 do artigo 199º) – o qual regula as regras gerais da arguição destas nulidades secundárias – se o processo for expedido em recurso antes de findar o prazo para a arguição da nulidade (o já referido de 10 dias), poderá a arguição ser feita perante o tribunal superior, contando-se o prazo desde a distribuição.

Porém e pela natureza da nulidade em causa, entende-se claramente afastada esta opção. Basta para tanto atentar no facto de após o encerramento da audiência de discussão e julgamento, ser o processo concluso para proferir sentença no prazo de 30 dias.

Só após esta e respetiva notificação, correndo o prazo para a interposição do recurso e subsequente prazo para as contra-alegações.

Tanto é quanto baste para concluir pela inviabilidade de a expedição do processo em recurso poder ocorrer antes do referido prazo ter decorrido.

A justificar também o entendimento de a atual redação do artigo 155º nºs 3 e 4 do CC ter afastado a possibilidade de a arguição da nulidade da gravação – ao contrário do que na vigência do anterior CPC chegou a ser defendido – ser invocada apenas em sede de recurso[1] .

Concluindo, a arguição de nulidade da gravação deve ser feita perante o tribunal a quo e no prazo de dez dias a contar da disponibilização às partes daquela.

Disponibilização que deve ocorrer no prazo máximo de dois dias a contar do ato em causa, para que desde logo e sendo verificada, possa ser sanada mesmo antes de serem os autos remetidos em recurso.

Esta disponibilização não envolve a realização de qualquer notificação às partes, antes sobre as mesmas recaindo um dever de diligência pela rápida obtenção das gravações a contar do ato, com vista a aquilatar de eventuais vícios das gravações e sendo o caso, arguir a pertinente nulidade[2].

Nulidade que não sendo reconhecida, permitirá então ao interessado recorrer. Recurso este a subir de forma autónoma, nos termos e ao abrigo do preceituado no artigo 630º nº 2.

Do exposto resulta cabalmente demonstrado que a arguição da nulidade da gravação apenas nesta sede de recurso é extemporânea.

A implicar o não conhecimento da arguida nulidade.

Com a consequente improcedência da pretensão formulada pela recorrente nesta sede.

2) Em segundo lugar cumpre apreciar do imputado erro de julgamento na decisão de facto.

Para a apreciação desta pretensão importa ter presente os seguintes pressupostos:

I- Estando em causa a impugnação da matéria de facto, obrigatoriamente e sob pena de rejeição deve o recorrente especificar (vide artigo 640º n.º 1 do CPC):

“a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”.

No caso de prova gravada, incumbindo ainda ao(s) recorrente(s) [vide n.º 2 al. a) deste artigo 640º] “sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”.

Sendo ainda ónus do(s) mesmo(s) apresentar a sua alegação e concluir de forma sintética pela indicação dos fundamentos por que pede(m) a alteração ou anulação da decisão – artigo 639º n.º 1 do CPC - na certeza de que estas têm a função de delimitar o objeto do recurso conforme se extrai do n.º 3 do artigo 635º do CPC.

Pelo que das conclusões é exigível que no mínimo das mesmas conste de forma clara quais os pontos de facto que o(s) recorrente(s) considera(m) incorretamente julgados, sob pena de rejeição da pretendida reapreciação.

Podendo os demais requisitos serem extraídos do corpo alegatório.

Analisadas as conclusões de recurso e respetivo corpo alegatório é possível extrair das primeiras quais os pontos da decisão de facto alvo de impugnação, bem como o sentido decisório pretendido [als. a) e c) do nº 1 do artigo 640º do CPC].

Em causa estão concretamente:

- o ponto 4 dos factos provados, quanto ao segmento “face a problemas nas aplicações desenvolvidas pela C...” – e com o mesmo relacionado a al. a) dos factos não provados [que do 1º segmento impugnado é o contraponto] pugnando a recorrente pela introdução do segmento do facto provado 4 nos factos não provados e pela passagem da al. a) dos factos não provados para os factos provados [vide als. A) a N) e al. a) final das conclusões, por referência ao alegado no corpo alegatório em 1º, 2º e 4º];

- als. aa) e cc) dos factos não provados que a recorrente pugna sejam julgados provados e ainda não provado que “os trabalhos referidos em 7) dos factos provados ficaram concluídos em junho de 2021 com o envio dos códigos-fonte das aplicações” [vide als. O) a GG) e al. b) final das conclusões, por referência ao alegado no corpo alegatório em 35º e 36º e 40º, bem como ao julgado provado em 42º dos fp’s];

- pontos 34 e 35 dos factos provados que a recorrente pugna sejam julgados não provados e ainda, provado que “a recorrente não teve disponíveis as aplicações desde 20/07/2020” [vide als. HH) a CCC) e al. c) final das conclusões, por referência ao alegado no corpo alegatório em 61º (que por sua vez se relaciona com o 60º)];

- al. bb) dos factos não provados que a recorrente pugna seja julgado provada [vide als. EEE) a NNN) e al. d) final das conclusões, por referência ao alegado em 96º do corpo alegatório];

- al. k) dos factos não provados que a recorrente pugna seja julgada provada [vide conclusões OOO) a WWW) e al. e) final, por referência ao alegado em 96º do corpo alegatório].

Das conclusões e corpo alegatório, é igualmente possível identificar quais os meios probatórios que a recorrente invoca para justificar as pretendidas alterações.

Mostrando-se igualmente observado o ónus exigido pelo artigo 640º nº 2 al. a) do CPC, salvo no que respeita ao convocado para a bb) dos factos não provados e sem prejuízo do que infra se dirá sobre os depoimentos de CC e DD.


*

Na reapreciação da matéria de facto – vide nº 1 do artigo 662ºdo CPC - a modificação da decisão de facto é um dever para a Relação, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou a junção de documento superveniente (admitido) impuser diversa decisão.

Tendo presente que o princípio da livre apreciação das provas continua a ser a base, nomeadamente quando em causa estão documentos sem valor probatório pleno; relatórios periciais; depoimentos das testemunhas e declarações de parte [vide art.os 341º. a 396º. do Código Civil (C.C.) e 607.º, n.ºs 4 e 5 e ainda 466.º, n.º 3 (quanto às declarações de parte) do C.P.C.],  cabe ao tribunal da Relação formar a sua própria convicção mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou que se mostrem acessíveis. Fazendo ainda [vide António S. Geraldes in “Recursos no Novo Código do Processo Civil, 2ª ed. 2014, anotação ao artigo 662º do CPC, págs. 229 e segs. que aqui seguimos como referência]:

- uso de presunções judiciais – “ilações que a lei ou julgador tira de um facto conhecido para afirmar um facto desconhecido” (vide artigo 349º do CC), sem prejuízo do disposto no artigo 351º do CC, enquanto mecanismo valorativo de outros meios de prova;

- ou extraindo de factos apurados presunções legais impostas pelas regras da experiência em conformidade com o disposto no artigo 607º n.º 4 última parte (aqui sem que possa contrariar outros factos não objeto de impugnação e considerados como provados pela 1ª instância).

Neste juízo de reapreciação é pressuposto necessário que o tribunal de recurso tenha acesso aos mesmos meios probatórios que serviram de fundamento à convicção formada pelo tribunal a quo e que vem atacada e assim também à prova gravada, sob pena de não se encontrar na posse de todos os elementos necessários à formação da sua própria convicção.

Motivo por que se entende que esta mesma reapreciação fica inviabilizada quando nomeadamente se verifica a impercetibilidade de prova gravada com relevo para os factos sujeitos à reapreciação[3].

Neste campo, invocou a recorrente como acima já deixámos assinalado a deficiente gravação dos depoimentos das testemunhas CC e DD, em parte impercetíveis.

Após a respetiva audição dos depoimentos destas duas testemunhas, verifica-se efetivamente que a sua percetibilidade está em parte afetada.

Na medida em que os depoimentos gravados destas testemunhas se apresentem como fundamento relevante para a formação da convicção do tribunal a quo sobre factualidade impugnada, ou onde a recorrente pretenda fazer uso desses mesmos depoimentos para alterar o decidido pelo tribunal a quo, impedindo a sua impercetibilidade parcial que este tribunal forme a sua convicção com recurso aos mesmos meios probatórios e no mesmo plano em que o tribunal a quo formou a sua convicção, será de rejeitar tal reapreciação.

Partindo deste princípio, convocou a recorrente:

i- quanto à impugnação do ponto 4 dos factos provados [impugnação parcial – apenas do segmento “face a problemas nas aplicações desenvolvidas pela C...”] e al. a) dos factos não provados [que da 1ª impugnação relativa ao segmento do facto provado 4º é contraponto], os depoimentos destas duas testemunhas CC e DD, para além das testemunhas AA, BB e EE e dos documentos 1 e 2 juntos com a contestação [vide artigos 1º a 34º das alegações, e concretamente artigos 22º a 28º].

Igualmente convocou a recorrente o depoimento das testemunhas CC e DD, para além do depoimento da testemunha EE, para a alteração pugnada aos pontos 34 e 35 dos factos provados [vide artigos 60º a 94º, em especial artigos 74º a 85º]. Pontos factuais para os quais o próprio tribunal a quo convocou o depoimento da testemunha DD.

A impugnação destes pontos factuais assinalados – 4 dos FP; al. a) dos factos não provados e 34 e 35 dos factos provados – dependente também dos depoimentos das duas testemunhas convocadas, será em função do que infra se exporá, oportunamente apreciada. E, na medida em que então se constate a relevância dos seus depoimentos (no confronto ainda com a fundamentação do tribunal a quo), será de tal retirada a devida ilação em função do acima já enunciado.

ii- al.  K), para cuja impugnação a recorrente convocou o que vem julgado em 17 e 18 dos factos provados associado à argumentação de que:

“desde julho de 2020 não havia aplicações publicadas nas Stores, porque solicitado à C... a sua desativação.”

“E as novas desenvolvidas pela recorrida não foram publicadas nas duas Stores que estavam contratualizadas.”

“Pelo que, é forçoso concluir que a inatividade da recorrente se deve à inexistência da publicação das aplicações nas Stores - lojas.” [artigos 112º a 114º das alegações].

O que está em causa na al. K) dos factos não provados é, se “A autora esteve dois anos (2020 e 2021) sem atividade devido à inexistência das aplicações a desenvolver pela ré”.

De acordo com o alegado pela autora a mesma exercia a sua atividade através da utilização das aplicações desenvolvidas pela C.... O decidido nos pontos 34 e 35 dos factos provados (pendente de apreciação) [dos quais consta que até à publicação das aplicações a desenvolver pela R. não havia qualquer impedimento a que a autora continuasse a utilizar as aplicações da C...”, as quais “sempre teve disponíveis”] a manter-se, e mesmo que associado à não publicação das novas aplicações desenvolvidas pela R., implicará a improcedência da argumentação da recorrente.

iii- al. bb) – a recorrente quanto à impugnação do decidido nesta alínea invocou a impossibilidade de utilizar as aplicações da C... para concluir pela sua inutilização / destruição das mesmas por ato da ré. Pelo que e nesta parte, a sua apreciação está também dependente da apreciação dos pontos 34 e 35.

Invocou ainda os depoimentos de AA e BB, sem quanto ao depoimento destas testemunhas observar o disposto no artigo 640º nº 2 al. a) do CPC.

Como consequência a reapreciação deste ponto factual é desde já rejeitado no que depender de prova testemunhal.

iii- aa) e cc) e – facto a aditar - para a alteração pugnada, a recorrente defende que os trabalhos para os quais a recorrida foi contratada só se podem considerar concluídos com o desenvolvimento e finalização das aplicações, e consequente publicação nas stores ou lojas.

Por tal concluindo que os trabalhos não se podem considerar concluídos após o momento julgado provado em 42 dos factos provados, ou seja, “Em junho de 2021” com a disponibilização pela R. dos “códigos-fonte das aplicações à Autora”.

Tendo convocado em defesa da sua tese o doc. 18 junto com a p.i., do qual resulta que nas condições comerciais refere que "Ao valor de desenvolvimento acrescem valores relacionados com a publicação das apps nas respetivas lojas e alojamento."; doc. 24 da contestação correspondente a um email da gestora de projeto (da R.) GG de 28/06/2021, no qual esta [deve este mail ser enquadrado no contexto em que surge – na sequência de um pedido da A. em ver entregues os códigos-fontes de todos os projetos, a que a R. responde como melhor infra se dará nota, ser necessário transferir as contas da R. para contas destino da A.] diz ser de informar “Neste momento, uma vez que as aplicações nunca foram efetivamente lançadas de forma pública nas stores, não é possível transferir as contas (como pensávamos que seria).”; doc. 72 da p.i., novo email de GG de 30/07/2021 no qual diz que "...não foi possível efetuar a publicação das app's,..." e, acrescenta que "Voltar a enviar a app para a Apple implica efetuar algumas alterações à aplicação (como por exemplo a forma como se efetua login na app do cliente)."; ainda doc. 73 da p.i. de 11/10/21 [na verdade este mail, doc. 73 está datado de 11/08/21] o qual corresponde a mail enviado por GG para a A. e com CC aos colegas HH e EE, onde informa " ...desde 2 de agosto as app´s na Google play Store estão já do seu lado…

Precisamos de uma resposta sua quanto à situação da Apple Store, visto não estarmos a conseguir publicar as aplicações, já que estão a ser solicitadas intervenções que implicam horas de desenvolvimento. Podemos avançar com a nossa sugestão enviada a 30 de julho?" (ou seja, o sugerido no mail que corresponde ao doc. 72).

Concluindo a recorrente, pelo teor dos documentos convocados que em outubro de 2021 [seria, portanto, agosto, já que a data de outubro se reporta ao doc. 73 cuja data correta é 11/08/21] a recorrida ainda tentava concluir os trabalhos para os quais foi contratada.

Trabalhos que mais afirma a recorrente foram sustados em janeiro de 2021, tendo em conta o afirmado pela recorrida no seu ponto 88º da contestação[4].

Afirmando ser esta sua conclusão sustentada ainda no mapa de registo de horas alocado ao projeto da A., a que corresponde o documento 21 da contestação, do qua afirma “o último dia em que foi colocado um colaborador a trabalhar na aplicação da recorrente, foi no dia 29 de Janeiro de 2021.”; bem como no alegado na contestação nos artigos 23º e 65º[5], para reafirmar a conclusão de que fazia parte dos serviços contratados a publicação das novas aplicações na PlayStore da Google quanto à versão android e na appstore quanto à versão IOS.

Finalmente tendo convocado a recorrente em abono do por si defendido as declarações da testemunha EE – minutos 1:29:50 a 1:30:10.

Para concluir assim por dever ser julgado provado que a recorrida não cumpriu os serviços para os quais foi contratada.


*

***


Consigna-se ter-se procedido à audição da prova gravada.

Para além da prova gravada, existe nos autos basta prova documental.

A qual, pela sua relevância, justifica uma prévia resenha da prova documental mais relevante.


*

A R., previamente a ter aceite a prestação dos serviços contratada, procedeu à análise e estudo da aplicação detida pela autora mediante o pagamento de € 1.375,00 – vide fp 4.

Tendo na sequência da avaliação efetuada informado a A. em 25/11/19 (vide doc. 16 da p.i.) “No seguimento da análise que fizemos à app, segue em anexo o nosso report.

O relatório e avaliação feita, mostra que conseguimos compilar e correr aplicação, isto é, conseguimos trabalhar e desenvolver a mesma.

A mesma apresenta código e dependências graves que irá requerer desenvolvimentos adicionais, para realizar testes e correção de bugs.

(…)

Nota

. Para submeter as aplicações nas stores é importante validar com a C..., se eles fornecem o acesso às stores e os direitos sobre o código desenvolvido?

. Confirmar com C... se eles fornecem a documentação sobre o projeto, regras de negócio e lista de bugs a corrigir, bem como, o n° de clientes e utilização da aplicação (X clientes registado e Y pedidos/compras por dia, por exemplo)?

> Ressalvo, que idealmente (num futuro próximo) deveríamos desenvolver uma nova app (…)”

Ainda em 3/01/2020 a R., na sequência de contacto da A. pergunta que plano vai a mesma implementar (doc. 17 da p.i.).

Por mail de 19/01/2020 que constitui o doc. 1 junto com a contestação – enviada à R. pela A., especifica esta a lista dos desenvolvimentos pretendidos – optando assim pelo desenvolvimento de novas apps, após o que a R. envia a proposta contratual que foi aceite pela recorrente A. e denominada de “Proposta ...” junta sob doc. 18 com a p.i. e datada de 20/01/2020. Nesta é feita a descrição dos serviços contratados/a contratar [e que têm como antecedente o mail da A. de 19/01/20 já referido supra] e as condições comerciais.

Descriminando os seguintes serviços e respetivos valores:

Descrição:                                                               Valor

App Mobile – Novo Desenvolvimento                      22.500€

App desenvolvida em React Native (App Motorista e App Cliente)   

Design otimizado para funcionar em smartphones com orientação vertical;

Controlo e Testes de Qualidade incluídos

Dois idiomas (Inglês e Francês)

Compatibilidade com a última versão do SO disponível

Migração dos dados e melhorias de BO

Melhorias e desenvolvimento de novas funcionalidades

Valor inclui 500 horas (da equipa de desenvolvimento e gestão de projeto)

Ao valor de desenvolvimento acrescem valores relacionados com a publicação das apps nas respetivas lojas e do alojamento

Alojamento e Serviços

Alojamento anual com servidor dedicado                       2120€/ano

Inclui suporte e manutenção

(…)

Software de gestão de servidor

Incluído o serviço de backups diários incrementais com retenção semanal e toda a manutenção necessária ao nível do servidor e software instalados, da responsabilidade da B..., durante a vigência da anuidade.

Pack Horas – Suporte e melhoria contínua (opcional)

Gestor de projeto alocado                                                  4.000€

                                                                                           (100h)

Horas que porventura não foram consumidas das 500h passarão automaticamente a estar disponíveis em Pack horas

A aquisição de mais horas (acima das 500 horas) terá de ser adquirida em Pack´s de 100 horas ou mais

Alojamento e serviços                                         435€/ano

Alojamento anual partilhado                                                        

Alojamento anual que inclui 5 horas de suporte

Alojamento partilhado com 20GB de alojamento dedicado (…)

Servidor físico com as seguintes caraterísticas

(…)

Adicionalmente, no lado esquerdo das folhas deste doc., consta a seguinte descrição das “Condições Comerciais” / Condições de pagamento:

- 50% na adjudicação

- 25% na aprovação de layouts

- 25% na conclusão dos trabalhos

- Alojamento a pronto pagamento

- Pack horas – Pronto pagamento

- A todos os valores acresce IVA

Notas:

Não estão incluídos os valores de abertura de conta na AppStore e GooglePlay e a respetiva manutenção da App;

- Não estão incluídos os serviços de aquisição e tratamento de imagens, traduções, criação de conteúdos. Outros não mencionados que fujam ao âmbito do projeto

Esta proposta terá sido enviada pelo mail que constitui o doc. 19 da p.i., precisamente de 20/01/2020 de HH / B... para a aqui A. – dirigido a AA (a testemunha ouvida em julgamento que efetuou todos os contactos e solicitou a prestação dos serviços em apreciação, tendo explicado que embora a empresa pertencesse a seu filho, era a testemunha que geria e decidia, atuando, pois, sempre em representação da autora e assim tendo sido considerado como o legítimo interlocutor da A.).

Neste mail é dito, entre o mais:

“A B... compromete-se a desenvolver as apps dentro do volume de horas definido (500 h)”.

Em mail de 18/02/2020 a R. (através de HH – doc. 26 da p.i.) dá conhecimento de que a gestora do projeto será GG (GG).

E em mail de 20/03/2020 (doc. 27 da p.i.) a gestora do projeto dá conhecimento à A. de que espera na 1ª semana de abril ter um link disponível para início de testes, pedindo desculpa de o não ter conseguido em março como prometido e, adicionalmente dá nota de duas informações em falta:

. contrato que atualmente tem com a Google para perceber funcionalidades e

. acessos à gestão do domínio.

[em mail interno da R. de 22/01/2020 (doc. 2 da contestação) já havia sido assinalada a necessidade de: enviar dump dos ficheiros e base de dados do back office / especificação do software onde está alojado atualmente – versão php, mysql, etc. / pedido de transferência das apps para as contas da B....

. bem como saber quem gere os domínios para passarem a apontar para o nosso servidor: - tipo 1-o domínio é do cliente e ele aponta para o nosso servidor; tipo 2 – passar a gestão para a B.... EPP key e registo DNS atualmente configurados].

Em 18/05/2020 a mesma gestora em mail enviado à A. (doc. 28 p.i.) dá nota de a apk (aplicação) chauffeur estar pendente de 2 questões que colocaram à C..., estando a aguardar o feed back deles, após o que analisarão se o informado é o suficiente para concluir esta apk – de referir aqui que nenhuma documentação foi junta relativa às trocas de mails / pedidos efetuados junto da C... e respostas desta.

Em caso negativo, mais informando que então a R. “terá que criar os serviços ou adquirir o software necessário (relacionado com os mapas e acompanhamento do caminho de viagem)”.

Mais informando que nessa semana iniciarão a apk versão cliente.

Ainda e a 19/05 a R. informa a A. (mail enviado por GG – doc. 29 p.i.) que formulou o pedido de acesso à firebase à C... para ser possível aceder e configurar as notificações (ali explicadas), para além de tal acesso permitir analisar os dados obtidos através da aplicação.

Ainda a 5/06 a gestora do projeto (doc. 31 da p.i.) informa que estão com alguns problemas relacionados com a geolocalização. Tendo estado a trabalhar para gerar uma versão para testes para que “o AA” valide o que já está finalizado. Acrescentando que já efetuaram também testes internos, sem contar com a geolocalização, estando tudo a correr bem.

Mais, dos emails convocados pela recorrente resulta – doc. 24 da contestação (igual ao doc. 32 da pi.): que em 08/06/2020 é enviada uma versão da aplicação “chauffeur”, para testes, assinalada como não final e (num segundo mail enviado logo de seguida e junto com a contestação) que “apenas pode ser instalada em Android”, não permitindo o IOS gerar uma versão teste.

Responde a 10/06/20 a A. dando nota de “quase nada está correto” conforme indicações que envia (doc. 33 da p.i.).

E em 16/06/2020 a R. (via gestora do projeto) responde (doc. 34), mencionando entre o mais que em causa está o desenvolvimento de raiz de ambas as aplicações o que é mais complexo de que o cenário de atualização/melhoria do que existia. Dando ainda nota de que ao desenvolver a apk detetaram incongruências/oportunidades de melhoria (ao nível de BackOffice e API) o que implicou investimento de tempo adicional.

Mais informando que no mês de julho alocarão 3 pessoas exclusivamente dedicadas, uma à apk chauffeur, outra à apk cliente e outra à API e BackOffice, «para compensar o AA relativamente ao atraso que o projeto já apresenta infelizmente.»

Em 04/12/2020 são enviados dois links para instalar já as duas aplicações “Cliente” e “Chauffeur” para testes, sendo pedido que as anteriores versões sejam desinstaladas para garantia de que o acesso se dá sobre as últimas alterações (ou seja os links enviados via este mail).

Após estes envios, a R. – através de HH - envia um mail fazendo referência a conversa mantida com a A. (via AA) agradecendo esta continuar a confiar na R. e como combinado “iremos prosseguir com ao justes da API com 50 h adicionais ao projeto”, propondo “faturar agora os 50% (11.250€) referentes ao volume de horas originais e quando fecharmos esta nova fase do projeto, faturamos as 50 h (2.250€) adicionais” – vide doc. 37 da p.i. de 12/01/2021.

Ainda a 12/01/21 (doc. 42 da p.i.) a gestora do projeto envia mail à A., onde dá nota de que por referência à proposta inicial consideram o “trabalho concluído, visto terem finalizado os ajustes/melhorias solicitados nas duas aplicações”

Mais refere terem sido detetados 3 pontos críticos que colocam em causa o bom funcionamento das aplicações (que identifica). Tendo a equipa técnica concluído que “estes pontos mais críticos são causados pela API que é considerada uma caixa negra da qual a B... não tinha o conhecimento prévio.”

Indo avançar “com a utilização de 50h adicionais ao projeto de forma a pesquisar, testar, validar, tentar encontrar os locais e elementos que poderão estar a causar estes pontos nas aplicações, correndo o risco de não resolver a 100%”.

Responde a autora a 13/01/21 (doc. 38 da p.i.) declarando “Como combinado podem prosseguir com os ajustes da API, com 50 h adicionais ao projeto que eu fiquei de assumir e assumo.

Não esquecer que ficou bem claro a proposta que me foi feita pela B....

Foi de fazer tudo do princípio para não ficar nada a depender da C... e finalmente API não está nada do nosso lado.

Ao mesmo tempo recordo as condições de pagamento e também o mail de 20/01/2020 e (…) não considero este trabalho concluído nem finalizado porque não tivemos a possibilidade de fazer testes para o confirmar nas aplicações (cliente+chofer).

(…)

As condições de pagamento são (como na proposta ...)

50% na adjudicação

25% na aprovação dos layouts

25% na conclusão dos trabalhos”

A R. (via HH – doc. 39 da p.i.) responde a 13/01/21 confirmando as condições de pagamento que haviam sido acordadas e assinalando que os 25% da aprovação dos layouts já deveria ter sido faturado, por isso tendo feito a proposta de pagamento dos 50% em falta.

Sugerindo como alternativa o pagamento de 25% na aprovação dos layouts + pack de 50 h e 25% na conclusão dos trabalhos.

A 26/01/21 a A. paga os mencionados 50% em falta (da opção inicial apresentada pela autora) como resulta do recibo que constitui doc. 45 da p.i..

E em 25/01/21 a autora envia novo mail onde dá nota de problemas verificados nas aplicações chofer e cliente após testes. A que a R. (via gestora de projeto) responde em 29/01/21 às 10 questões colocadas pela autora, a final declarando quanto aos pontos 1 6 e 7 aguardar resposta da autora e quanto ao mais estar a testar os demais pontos (docs. 46 e 47 da p.i.).

No mês de março – doc. 19 da contestação – são trocados vários mails entre A. e R., tendo em 05/03/2021 HH num mail interno informado que “após algumas chamadas durante o dia de hoje com o AA, o AA tem um princípio de intenção para adjudicar mais 100h, mas com o compromisso:

. de a B... definir um prazo de entrega

. de a solução proposta pela B... (+100h) ser um garante de o cliente conseguir lançar a app e conseguir ativar esta fonte de rendimento”

Em 08/03/21 – corrigido a 10/03/21 por HH (doc. 20 contestação) - EE envia novas aplicações à A., assinalando as alterações nas mesmas introduzidas e dando nota de problemas corrigidos:

“Problema cêntimos / corrigido

Mensagem erro Nouvelles Ofertes / corrigido

Letras a vermelho para o pagamento em mão / corrigido

Letras inglês / corrigido

Faz a chamada mas não diz o destino, não apresenta pop up / corrigido

Falta pagamento via táxi tb pode ser via app só tem pagamento via app / corrigido

Ofertas não bloquear ofertas, receber ofertas até alguém aceitar / corrigido”

Mais declarando, posteriormente vamos enviar convite para as aplicações em IOS.

Em resposta a 10/03/21, a A. assinala entre outros problemas “cálculo de preços vtc para colocar em ordem (cliente)”.

A que a R. responde a 12/03/21 com uma proposta de avença para melhoria contínua, com exceção da correção de cálculo de preços que declara vai colocar a fórmula correta.

Respondendo ainda aos problemas anotados pela A. a 10/03, dando nota de a maior parte dos problemas anotados deverão ser analisados/alterados em regime de avença.

Em resposta de 13/03, a A. declara que só pretende ter a aplicação a funcionar “como prometido (…)” e que estaria de acordo na adjudicação da avença “a partir do momento em que a aplicação esteja pronto como prometido” (vide doc. 20 da contestação).

Ainda em 15/03 a R. envia novas apks (aplicações) com o preço da corrida corrigido, mais declarando quanto ao IOS que as apks estão ainda pendentes de aprovação (mesmo doc. 20 da contestação).

Em 16/04/2021 a gestora do projeto informa que reenvia para a A. as últimas versões das app’s (a pedido de HH – vide doc. 60 da p.i.).

A A. por mails de 23/04/21 e 30/04/21 reitera a necessidade de ter uma aplicação a funcionar (vide docs. 62 a 64 da p.i.) e assinala os prejuízos que a situação lhe causa, bem como a urgência em ter uma resposta rápida sobre se conseguem acabar a aplicação.

Tendo também a 30/04 a R. respondido às interpelações da A. declarando que a continuação do “desenvolvimento e melhoria contínua do seu projeto” precisa de “novo enquadramento comercial” para continuar a fazer “testes, alterações e novos desenvolvimentos nas apps” – vide doc. 65 da p.i.

A 02/05/21 a A. pede a entrega dos “diferentes códigos fontes de todos os projetos ... sem copyright “para uma possível transferência de equipa de desenvolvedores.

Mais declarando “Esta demanda não se refere a uma rescisão do contrato no momento e dependerá da análise de todos os códigos fontes”(vide doc. 67 da p.i.).

A 03/05 a R. responde que se a A. quiser o código fonte e dar como terminada a parceria, será com pesar que recebem a noticia e realça estar em falta o pagamento da fatura de 09/03/2021 referente ao pack de 50h adicional ao projeto original.

Aguardando o pagamento para disponibilizar toda a informação que necessite (vide docs. 69 e 70 da p.i.).

A R. declara enviar link do código fonte das aplicações, mais declarando que para transferência das contas da B... “conta app (apple store); Google maps (Google account); transitorsoftware (githubaccount) e playstore (googleplay account) é necessário que a A. envie as contas de destino para cada item [vide doc. 71 da p.i. sem data identificável]. A que A. responde enviando as contas de destino (doc. 71-A de 16/06).

A 30/07 a gestora do projeto envia então um mail, fazendo um ponto da situação da transferência das contas B... para a A. e, subsequentemente em 11/08/2021 informa que “desde o dia 2 de agosto as app´s na Google play store já estão do seu lado.” Acrescentando precisar de resposta quanto à situação da App Store atendendo a que ali não conseguem publicar as aplicações [tendo por referência o que informara a 30/07, mencionando quanto à App Store não ser possível efetuar a publicação das app’s e em seguida a transferência uma vez que a mesma fora reprovada pela equipa Apple. Implicando o novo envio alterações à aplicação. Para não atrasar a migração sugerindo que se apagasse a conta da B... na Apple Store, após fazendo a A. do seu lado o pedido de publicação na conta criada pela A.] – vide docs. 72 e 73 da p.i..


*

A extensa (mas não integral) resenha documental, evidencia desde logo e em primeiro lugar que a R., antes de aceitar a contratualização dos serviços em causa nos autos, fez um estudo prévio da aplicação detida pela autora após o que declarou ser capaz de compilar e correr a aplicação e assim desenvolver a mesma, sem prejuízo de ter notado problemas a resolver. Sugerindo ainda o desenvolvimento de uma nova app.

Em seguida a A. envia uma lista dos desenvolvimentos pretendidos (doc. 1 da contestação) e a R. apresenta uma proposta contratual, onde e entre o mais declara comprometer-se a desenvolver as app´s dentro do volume de horas definido (500 horas) que são contratualizadas (docs. 18 e 19 da p.i.). o que aliás se entende extrair dos pontos factuais 7 e 14 que vêm provados.

Do doc. 18 resulta ainda, ser diferente o desenvolvimento das novas apps mobile (App Motorista e App Cliente) da publicação das mesmas nas stores, serviço igualmente previsto com custo adicional. Tal como previsto ficou o alojamento anual com servidor dedicado.

Tendo sido assinalada a necessidade de abrir contas cujos custos não estavam incluídos.

A que acresce ter a própria testemunha EE declarado no decurso do seu depoimento que após o desenvolvimento, aí sim, era necessário avançar para as stores para testes com o AA (testes das novas apps desenvolvidas).

O que se menciona, atendendo a que a recorrente pretende que seja julgado provado que a R. não concluiu as aplicações e ainda que não recebeu essas mesmas aplicações [as ditas als. aa) e cc) dos factos não provados impugnadas]. Implicando a conclusão das aplicações a sua testagem e verificação de funcionalidade. O que é também diferente da sua publicação nas stores.

Acresce que o tribunal a quo em sede de subsunção jurídica dos factos entendeu perante o constante dos factos provados 37, 38 e 42 que a A. desenvolveu as aplicações com as funcionalidades pretendidas e assim cumpriu na integra as suas obrigações.

O desenvolvimento das aplicações com as funcionalidades pretendidas pela A., isto é o trabalho executado pela R. e esgotando as 500 horas previstas pela R. não se mostra impugnado – vide factos provados 38 e 41.

Ainda, vem provado e não impugnado em 42 dos factos provados que os códigos fontes das aplicações foram disponibilizados à A. em junho de 2021.

Porém e a nosso ver, da mera disponibilização dos códigos fonte, não se pode concluir que os trabalhos estão concluídos [o que se refere, já que na decisão recorrida assim é afirmado, a propósito da apreciação do pedido reconvencional]. Necessário seria que esses mesmos códigos permitissem funcionar a aplicação, ou melhor dito tornar a mesma com aptidão para ser utilizável pelo utilizador, após a sua publicação nas stores.

Por outro lado, a conclusão do desenvolvimento das aplicações depende/tem inerente a efetiva aptidão das mesmas para funcionar, de serem utilizadas quer pela A. quer pelo utilizador, pois esse era o fito do seu desenvolvimento.

Querendo com esta observação significar que o julgado provado desenvolvimento das aplicações com as funcionalidades pretendidas não tem em si implícito – atento o alegado pela autora que essas funcionalidades estavam aptas a funcionar regularmente.

Relevam estes considerandos porquanto em sede de recurso a recorrente vem defender (entre o mais) que as publicações das aplicações estavam ainda dependentes de muitas horas de desenvolvimento, como a gestora de projeto o dizia nos seus mails (vide artigos 46º e 47º das alegações), não fazendo sentido afirmar que os serviços ficaram concluídos pelo envio dos código-fonte que para a A. nenhuma utilidade tinham.

Pela não conclusão dos trabalhos que assim pugna seja julgada provada, pugnando pela condenação da R. a devolver os valores recebidos a título de pagamento dos seus serviços.

É clara a pretensão da recorrente em ver reconhecido o não cumprimento integral da obrigação contratual assumida pela R. – não cumprimento que invocou na sua petição como fundamento de parte do seu pedido.

Não cumprimento fundado na incapacidade da R. em pôr a funcionar as aplicações que desenvolveu e em relação às quais a A. na petição identificou diversos problemas – veja-se o alegado em 80, 82 a 89, 91 e 92 (quanto à não realização de testes de qualidade), 96 a 99, 102 a 104, 122, 123 e 131 a 133 da p.i..

De todos estes artigos se extrai a afirmação da recorrente de que as aplicações cujo desenvolvimento foi contratado à R. e que tinham uma finalidade específica não funcionaram nunca / não foram entregues aptas a funcionar na perspetiva do utilizador. E essa era a sua finalidade. Apresentando erros vários de que a recorrente foi dando nota nos vários mails para que remeteu. Daí inferindo a não conclusão e entrega das mesmas que defende ser de julgar provado (entre o mais).

Ouvida a prova testemunhal, temos em suma a (única) testemunha da R. a afirmar que as aplicações foram cabalmente desenvolvidas e que os problemas apresentados/reclamados pelo Sr. AA têm de ter enquadramento comercial (ou seja por via de pagamento adicional para a prestação dos serviços). Problemas que afirmou se relacionam com a incapacidade da API que se revelou insuficiente para dar resposta aos pedidos – o que aliás vem provado e não impugnado (vide 39 dos factos provados).

De outro lado temos as testemunhas da autora a dizer que as aplicações desenvolvidas nunca funcionaram de acordo com as funcionalidades que haviam sido contratadas, apresentando sempre erros em conformidade com os vários mails que entre as partes foram sendo trocados e de que acima se fez referência - veja-se os depoimentos das testemunhas AA e II que asseveraram nunca ter funcionado a aplicação desenvolvida pela R..

Neste contexto, perante as divergências dos depoimentos testemunhais e a abundante prova documental que acima referenciámos entre as partes trocada, estando em causa matéria eminentemente técnica no que ao funcionamento das aplicações desenvolvidas respeita, afigura-se-nos que deveria ter sido oficiosamente ordenada uma perícia para análise dos códigos-fonte e suportes que foram remetidos pela R. à A. com vista a aferir se os mesmos correspondem a aplicações cujo desenvolvimento se mostra concluído de acordo com as especificações que foram indicadas pela autora e aceites pela R., aptas a funcionar, bem como se o único óbice à sua plena utilização corresponde às limitações mencionadas em 39 dos factos provados.

Levando ainda em consideração em tal perícia o conteúdo da pen oferecida aos autos, o qual a este tribunal não se mostrou possível de analisar.

Devendo às partes ser dada a oportunidade – de acordo com o que foi alegado nos respetivos articulados – de apresentar os quesitos tidos por convenientes a este respeito.

Mais e em função da perícia a produzir, e eventual prova adicional que o tribunal tenha por conveniente, proferindo então nova decisão, tendo por referência a matéria impugnada e nomeadamente a constante das als. aa) e cc) dos factos não provados, igualmente suprindo a omissão de pronúncia sobre a matéria da petição inicial que acima assinalámos e que se revela pertinente para apreciação do mérito da causa e nomeadamente dos pontos impugnados pela recorrente.

Devendo ainda e em função da prova que venha a ser produzida, alterar a decisão de facto no que se impuser para compatibilizar o nesta decidido, para tanto analisando de forma conjugada toda a prova produzida.

A perícia que assim se ordena, afigura-se-nos imprescindível à boa decisão da causa para aferição da total ou parcial execução do desenvolvimento da aplicação contratada (2 apps), a qual deveria ter sido ordenada pelo tribunal a quo (vide artigos 411º e 467º nº 1 do CPC).

Para o efeito, torna-se necessário proceder à anulação da decisão nos termos do artigo 662º nº 2 als. b) e c) para realização do meio de prova mencionado e ampliação da decisão de facto.

A necessidade de produção de novos meios de prova, para apuramento de factos essenciais e ampliação da decisão de facto, determina a anulação da decisão nos termos do artigo 662º nº 2 als. b) e c) do CPC..

O que assim se declara.

Nestes termos ficando prejudicado o conhecimento por ora das demais questões colocadas à nossa apreciação pela recorrente.


*

***


IV. Decisão.

Pelo exposto, acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto em anular a decisão recorrida, para produção de prova pericial nos termos acima assinalados, oportunamente reabrindo a audiência e após proferindo nova decisão, levando em consideração o que de novo se apurar e suprindo a omissão à decisão de facto assinalada.

Custas do recurso pela recorrida.


Porto, 2024-07-10
Fátima Andrade
Eugénia Cunha
Ana Olívia Loureiro
________________
[1] Vide neste sentido CPC Anot. Lebre de Freitas, edição Coimbra Editora, Vol. I, p. 311 em anotação ao artigo 155º; Abrantes Geraldes in Recursos no Novo CPC, ed. 2014, p. 136.
[2] Na jurisprudência, vários têm sido os arestos que sobre esta questão têm sido proferidos, dos quais faremos uma breve resenha, elucidando o que se nos afigura ser o entendimento maioritário quanto à posição por nós assumida:
- Assim no TRP, vide Ac. de 30/04/2015, Relator José Amaral; Ac. 17/12/2014, Relatora Judite Pires; Ac. de 13/02/2014, Relator Aristides Rodrigues de Almeida, no qual e fazendo uma análise comparativa entre o novo e o anterior regime, se pode ler no respetivo sumário:
“I - Na vigência do anterior CPC a irregularidade da gravação dos meios de prova prestados na audiência constituía uma nulidade processual secundária, que devia ser arguida no prazo de 10 dias a contar do dia em que a parte interveio no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, desde que, neste último caso, devesse presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou podia ter tomado conhecimento dela, agindo com a necessária diligência.
II - A parte goza da faculdade de minutar as suas alegações de recurso até à data limite para a sua apresentação e, como tal, pode aperceber-se da falha da gravação apenas nesse último momento, razão pela qual podia invocar a irregularidade apenas nas alegações de recurso, exceto se se demonstrasse que teve conhecimento do vício mais de dez dias antes do termo desse prazo.
III - O art. 155.º do novo CPC consigna agora de forma expressa que o prazo de arguição do vício da deficiência da gravação é de 10 dias a contar da disponibilização da gravação, a qual, por sua vez, deve ocorrer no prazo de 2 dias a contar da realização da gravação.”
- No TRL vide Ac. de 19/05/2016, Relator Jorge Leal e Ac. 30/05/2017, Relator Luís Filipe de Sousa em cujo sumário se pode ler: “I-A deficiência da gravação de inquirição de testemunha tem de ser arguida pela parte no tribunal a quo, no prazo de dez dias a partir do momento em que a gravação é disponibilizada (Artigo 155º, nº4, do Código de Processo Civil).
II-Decorrido esse prazo sem que seja arguido o vício em causa, fica o mesmo sanado, não podendo oficiosamente ser conhecido pela Relação, nem podendo tal nulidade ser arguida nas alegações de recurso.”;
- no TRC, vide Ac. de 10/07/2014, Relator Teles Pereira;
- no TRG, vide Ac. de 12/03/2015, Relatora Helena Melo; Ac. 11/09/2014, Relator Heitor Gonçalves;
- No TRE vide Ac. de 12/10/2017, Relator Vítor Sequinho dos Santos;
- No STJ vide Acs. de 10/10/2022, nº de processo 171/21.2T8PNF.P1.S1, bem como de 08/09/2021 nº de processo n.º 122900/17.2YIPRT-C.E1.S1 neste se justificando o decidido em igual sentido, citando o Acórdão recorrido que mereceu a inteira concordância [incluindo nota de ser esta a posição maioritariamente seguida, conforme arestos também citados]:
“Em suma, como resulta destes arestos, a cuja fundamentação aderimos, com a reforma de 2013, o legislador processual civil pretendeu esclarecer a controvérsia existente à luz do regime processual pretérito no que concerne ao prazo para arguir a nulidade decorrente da omissão ou deficiência da gravação, afastando o entendimento de que o início da contagem do prazo para a invocação de eventual deficiência da gravação dos depoimentos fica dependente da livre iniciativa da parte quanto ao momento da obtenção da gravação, sem qualquer limitação temporal (para além da que decorreria do prazo de apresentação do recurso da decisão final).
O estabelecimento na lei de que a gravação deve ser disponibilizada às partes, no prazo de dois dias, a contar do respetivo ato, não envolve a realização de qualquer notificação às partes, de que a gravação se encontra disponível na secretaria judicial, nem se confunde com a efetiva entrega de suporte digital da mesma gravação às partes, quando estas o requeiram.
O prazo previsto no n.º 4 do artigo 155º do Código de Processo Civil, a contar da referida disponibilização, faz recair sobre as partes um dever de diligência que as onera com o encargo de diligenciarem pela rápida obtenção da gravação dos depoimentos, que são disponibilizados no prazo máximo de 2 dias, a contar do ato em causa, e, num prazo curto (10 dias), averiguarem se tal registo padece de vícios, a fim de que os mesmos sejam sanados com celeridade perante a primeira instância.
9. Assim, verificando-se que, no caso, estão em causa as gravações da audiência de 23/05/2019, que foram gravadas, como consta indicado na respetiva ata, e ficaram disponíveis na mesma data, como se consignou no despacho recorrido, o prazo de 10 dias para arguir a nulidade decorrente da “deficiência das gravações” iniciou-se naquela data, pelo que tendo a dita nulidade sido apenas invocada em 13/08/2019 (cf. fls. 386-389), após se ter solicitado cópia das gravações 06/08/2019, a mesma foi invocada após o decurso do prazo legal, estando, por conseguinte, sanada, como se decidiu.”
[3] Tal como decidido no Ac. TRL de 30/05/2017, nº de processo 298/13.4TBSCR.L1-7 in www.dgsi.pt “Sendo a inquirição (parcialmente impercetível) essencial para a apreciação do recurso na parte em que ocorre impugnação da decisão de facto, fica o Tribunal da Relação impossibilitado de efetuar a reapreciação da prova pretendida pelo apelante porquanto a reapreciação da prova tem de ser feita com os mesmos elementos com que o tribunal recorrido se defrontou.”
[4] Ponto 88º da contestação que aqui se deixa reproduzido, juntamente com os anteriores e posteriores pontos que permitem um melhor enquadramento do alegado:
“d) Do desenvolvimento das APPs
84.º Desde início que a R. se encontrou profundamente investida no projeto da A., em que acreditou, desde logo por entender ser uma possibilidade de obter projeção e visibilidade no mercado suíço.
Assim,
85.º A R. foi sempre tentando acomodar os sucessivos pedidos por parte da R. de alterações e inovações nas APPS ao longo dos vários meses do seu desenvolvimento inicial (cfr. Docs. 6 a 8, ao diante juntos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
Com efeito,
86.º a prática habitual da R. passa por, sempre que é pedida uma alteração ou inovação significativa, rever a sua previsão de horas de trabalho a consumir com o projeto,
87.º fazendo notificações ao cliente quando este haja consumido 50% das horas compradas, 60%, 75%, e assim sucessivamente,
88.º sustando os trabalhos quando sejam consumidas todas as horas adquiridas a menos que sejam compradas mais – o que com a A. só fez já em 2021, quando se adivinhava a rutura das relações entre ambas.
Contudo,
89.º justamente por esta crença e investimento no projeto da A., a R. perpassou em muito o limite das 500 horas adquiridas pela A., tendo investido mais de 1.314 horas de trabalho neste projeto (cfr. Doc. 21, ao diante junto e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido),
(…)
Ademais
90.º de entre várias outras alterações foram solicitadas duas muito relevantes, a implementação nas APPs das opções Taxi e VTC que não só mudaram significativamente o modo de funcionamento das APPS, como dependiam de informação sobre a forma pretendida pelo seu funcionamento que só a A. poderia facultar,
91.º sendo que a obtenção da informação necessária só chegava após várias insistências, sendo manifestas as dificuldades da A. em conseguir explicar o que pretendia, mudando várias vezes as indicações, dificultando ou suspendendo o desenvolvimento, obrigando as mais das vezes a ser a R. a ter de avançar com sugestões (cfr. Doc. 9 a 18, ao diante juntos e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
92.º
Para além do sobredito, as várias inovações solicitadas pela A. nas APPs novas acabaram por sobrecarregar a API da A., que se revelou manifestamente insuficiente para dar resposta aos pedidos das APPs, gerando entropias e crashes.
93.º sendo certo que isto não significa que as APPs tenham um problema, ou que estejam mal
desenvolvidas.
Na verdade,
(…)
97º As aplicações tinham – e têm – as funcionalidades pretendidas pela A., mas a API não dava as respostas necessárias ou ficava de tal forma sobrecarregada que forçava o encerramento das APPs.
98.º Para o resolver, logo em meados de 2021 a R. alocou uma pessoa em exclusivo à integração das APPs com a API e BackOffice em uso, procurando detetar e solucionar problemas provenientes destes últimos.”
[5] Artigos 23º e 65º da contestação que aqui se deixam reproduzidos:
“23º Na verdade, tal resulta manifesto justamente da proposta efetuada pela R., junta pela A. sob a denominação “Doc. 18”, da qual resulta que a R. se propôs a prestar serviços num total de “500 horas (da equipa de desenvolvimento e gestão projeto)”, com o propósito de desenvolvimento de duas aplicações (APP) em React Native, uma biblioteca Javascript utilizada no desenvolvimento de aplicações para sistemas operativos Android e iOS,”
“65º a R. encontrava-se a desenvolver APPs novas, não havendo impedimento absolutamente nenhum a que as antigas continuassem a funcionar, pelo menos até à publicação das novas respetivamente na PlayStore da Google, quanto à versão android e na AppStore, quanto à versão iOS,”