CONTRATO DE ARRENDAMENTO
RENOVAÇÃO
PRAZO
PERÍODO MÍNIMO
CONVENÇÃO DAS PARTES
Sumário

- Tendo o contrato de arrendamento sido celebrado por cinco anos, com renovação por períodos sucessivos e iguais a um ano, caso as partes não se opusessem à renovação, o nº 1 do art. 1096º do CC não impõe que renovação passou a ter um período mínimo de três anos;
- O nº 1 do art. 1096º do CC, ao dispor “Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior, sem prejuízo do disposto no número seguinte”, prevê que tal prazo pode ser afastado por convenção das partes;
- O que resulta da redacção da citada norma é que, inexistindo no contrato qualquer cláusula em sentido contrário, o mesmo renovar-se-á por período igual ao estipulado para a sua duração inicial, e se este for inferior a três anos, a renovação será por três anos.

Texto Integral

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

I-RELATÓRIO
Z...., S.A, contribuinte n.º …, com sede na …, requereu o presente procedimento especial de despejo, contra M...e MC..., contribuintes n.º… e …, respetivamente, residentes na Rua …, pedindo a emissão de título para desocupação do locado com fundamento na cessação por oposição do contrato de arrendamento celebrado em 01/05/2014 entre Fundo de Investimento Fechado para Arrendamento Habitacional Solução Arrendamento e os Requeridos e tendo por objecto a fracção autónoma onde estes residem e da qual a Requerente é a actual proprietária.
Para tanto, alegou que o contrato de arrendamento foi celebrado em 01/5/2014, com prazo de duração inicial de 5 anos, renovável por iguais e sucessivos prazos de 1 ano, tendo o mesmo cessado em 30/4/2023 por oposição à renovação que comunicou em Julho de 2022, não tendo os Requeridos procedido à entrega voluntária do locado naquela data.
Notificados, vieram os requeridos deduzir oposição alegando terem ambos mais de 65 anos de idade, que a requerida mulher é portadora de deficiência permanente, com incapacidade de 82%, que o rendimento do casal é de 816,63€, que não conseguiram encontrar nenhuma casa para arrendar de acordo com as suas condições económicas e que não obtiveram resposta por parte dos serviços da Câmara Municipal de Sintra, Junta de Freguesia de Segurança Social.
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Procedeu-se à realização da audiência final com a prolação de sentença que julgou improcedente o procedimento especial de despejo e, consequentemente, absolveu os requeridos do pedido.
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Inconformada com a sentença, a requerente veio interpor recurso, finalizando com as seguintes conclusões:
“A. A Recorrente apresentou um requerimento de despejo, no Balcão Nacional do Arrendamento, correndo a ação sob forma de procedimento especial de despejo.
B. No decorrer da fase administrativa não se verificou nenhum fundamento para a recusa do requerimento de despejo, nos termos do Artigo 15.º-C do NRAU.
C. Não se verificando motivos para a recusa do requerimento, o BNA procedeu à notificação dos Recorridos para estes (i) desocuparem o locado e, sendo caso disso, pagar ao requerente a quantia pedida, acrescida da taxa por ele liquidada ou (ii) deduzir oposição à pretensão e/ou requerer o diferimento da desocupação do locado, nos termos do disposto nos Artigos 15.º-N e 15.º-O (n.º 1 do Artigo 15.º-D).
D. Os Recorridos depois de notificados pelo Balcão Nacional do Arrendamento apresentaram Oposição invocando renovação do Contrato de Arrendamento pelo período de 3 anos, invocando a aplicação do Artigo 1096º do C.C. na sua nova redação.
G. O Tribunal de 1ª Instância fez errada apreciação e interpretação do Artigo 1096º do Código Civil, ao decidir absolver os Recorridos do pedido.
H. Mal andou também ao decidir pela improcedência do pedido da Recorrente e ao declarar o contrato como válido e em vigor!
I. Tendo produzido efeitos as comunicações de oposição à renovação do Contrato de Arrendamento – sendo válidas, eficazes e tempestivas - deveria ter sido declarado procedente o processo especial de despejo, por cessação do Contrato em 30/04/2023.
J. Data em que o imóvel deveria ter sido entregue pelos Recorridos.
K. A Recorrente e atual proprietária sempre manifestou o interesse na recuperação da posse do Imóvel, tendo lançado mão do procedimento especial de despejo.
L. A letra do Artigo 1096º do C.C., alterado pela Lei 13/2019 foi mal interpretada pelo Tribunal a quo que lhe atribuiu carácter imperativo.
M. A norma assume carácter supletivo e nos termos do Artigo 12º do C.C., quanto à aplicação da Lei no tempo, a Lei nova apenas dispõe para o futuro.
N. Permitindo o legislador que qualquer Contrato de Arrendamento tenha a duração mínima de 1 ano – esse prazo sim, de carácter imperativo – ou a possibilidade de contratos não renováveis no seu termo, não pretendeu a Lei estabelecer prazos de renovação obrigatórios, por hipótese, mais extensos que os iniciais e diferentes do acordado pelas Partes ab initio e tendo por referência a lei vigente na data.
O. Não sendo imperativa, as Partes são (e foram) livres de estabelecer o conteúdo da relação contratual ao abrigo do princípio da liberdade contratual.
P. A decisão recorrida é ilegal, violando o Artigo 9, Artigo 12º e, consequentemente, os Artigos 1080º, 1096º nº 1 e 3 todos do Código Civil.
Q. A norma do Artigo 1096º - quando interpretada no sentido literal, como fez o tribunal a quo – enferma de inconstitucionalidade por violar princípios basilares do Estado de Direito como o princípio da liberdade contratual, segurança jurídica e boa-fé e no limite a propriedade privada.
Assim, com o Douto Suprimento do Tribunal ad quem, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada a decisão que julgou totalmente improcedente a ação, sendo a mesma substituída por outra que verifique a caducidade do contrato de arrendamento (por oposição à sua renovação do Senhorio, ora Recorrente) e, consequentemente condene os Recorridos nos pedidos formulados, fazendo-se assim, inteira e sã JUSTIÇA”.
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Os requeridos não apresentaram contra-alegações.
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Foram colhidos os vistos legais.
Cumpre apreciar e decidir.
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II - DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO
A questão a decidir prende-se com a validade e tempestividade da oposição à renovação do contrato de arrendamento e com a desocupação do locado.
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III-FUNDAMENTAÇÃO
1. Os factos
Na primeira instância foi considerada a seguinte factualidade:
“FACTOS PROVADOS
Em resultado das diligências realizadas e dos elementos constantes dos autos, resultaram provados os seguintes factos:
1) Por escrito datado de 1 de maio de 2014 denominado de “contrato de  arrendamento para habitação permanente com prazo certo e opção de compra”, o Fundo de Investimento Fechado para Arrendamento Habitacional – Solução Arrendamento e M... e MC... acordaram que “o Primeiro Outorgante dá de arrendamento ao Segundo Outorgante a fração autónoma designada pela letra N, correspondente ao 2.º esq., com entrada pelo n.º …, inscrito na respetiva matriz sob o artigo …, para o qual foi emitida em 19-09-1990 o Alvará de Licença de Utilização nº ….“
2) O Acordo referido em 1) teve a duração de 5 anos, com início em 1 de maio de 2014, renovando-se por iguais e sucessivos prazos de 1 ano, caso as partes não se opusessem à renovação.
3) As partes acordaram ainda que “O Senhorio poderá opor-se à renovação automática do contrato referido em 1. mediante comunicação, remetida ao Arrendatário, por carta registada com aviso de receção, com a antecedência mínima de 120 dias do termo do prazo de duração inicial do contrato ou de qualquer uma das renovações.” (Cfr. número 1 da cláusula terceira do documento junto com o requerimento inicial).
4) Pela ap. 523 de 31.01.2022, encontra-se inscrita a favor de Z…, S.A. a aquisição de imóvel identificado em 1., por compra a Fundo de Investimento Fechado para Arrendamento Habitacional Solução Arrendamento.
5) Por carta registada com aviso de receção, recebida em 20.07.2022, a requerente comunicou aos requeridos a “oposição à renovação, por iniciativa da Senhoria, do Contrato de Arrendamento com prazo certo celebrado em 01.05.2014. (...) Assim, o referido contrato cessará os seus efeitos em 30.04.2023, devendo V. Ex.ª desocupar o locado nessa data”.
6) A carta referida em 5) foi recebida em 19.07.2022 pela requerida e em 20.07.2022 pelo requerido.
7) Os Requeridos não desocuparam a fração autónoma identificada em 1. no dia 30/04/2023.
8) Ambos os requeridos têm mais de 65 anos de idade.
9) MC... é portadora de deficiência que confere incapacidade permanente global de 82%.
10) Os rendimentos dos requeridos são de 816,36€ mensais.
FACTOS NÃO PROVADOS
Inexistem factos não provados com relevância para a boa decisão da causa”.
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2. O direito
O art. 15º, nº 1 do NRAU prevê que “o procedimento especial de despejo é um meio processual que se destina a efetivar a cessação do arrendamento, independentemente do fim a que este se destina, quando o arrendatário não desocupe o locado na data prevista na lei ou na data fixada por convenção entre as partes”.
Foi este o procedimento especial de despejo que a requerente intentou contra os requeridos, com base na oposição à renovação do contrato, o que se terá verificado em 30/4/2023, após ter sido remetida a ambos os requeridos carta com AR nos termos convencionados no contrato de arrendamento.
Nos termos dos arts. 1022º e 1023º do CC, o contrato de arrendamento é o contrato de locação que versa sobre coisa imóvel e que se caracteriza como um contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de coisa imóvel mediante retribuição.
Segundo o art. 1094º, nº 1 do CC, o contrato de arrendamento urbano para habitação pode celebrar-se com prazo certo ou por duração indeterminada.
Se o contrato de arrendamento for celebrado por termo certo, este deve constar de cláusula inserida no contrato (art. 1095º, nº 1 do CC).
Quanto à renovação automática, dispõe o nº 1 do art. 1096º do CC que “Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior, sem prejuízo do disposto no número seguinte”.
E, no nº 1, b) do art. 1097º do CC, prevê-se que “O senhorio pode impedir a renovação automática do contrato mediante comunicação ao arrendatário com a antecedência mínima seguinte:
a) (…)
b) 120 dias, se o prazo de duração inicial do contrato ou da sua renovação for igual ou superior a um ano e inferior a seis anos;
(…)”.
Se assim suceder, o contrato de arrendamento considera-se cessado, tornando imediatamente exigível, salvo se outro for o momento legalmente fixado ou acordado pelas partes, a desocupação do local e a sua entrega (arts. 1079º e 1081º, nº 1 do CC).
Feito este enquadramento legal, debrucemo-nos, agora, sobre os factos provados.
Sem dúvida que entre requerente e requeridos foi celebrado um contrato de arrendamento relativo à fracção autónoma descrita no ponto 1 dos factos provados.
O contrato de arrendamento foi celebrado com prazo certo, de 5 anos, com início em 1/5/2014, tendo sido convencionado que se renovava por períodos iguais e sucessivos de 1 ano, caso as partes não se opusessem à renovação automática, mediante comunicação, remetida ao Arrendatário, por carta registada com aviso de recepção, com a antecedência mínima de 120 dias do termo do prazo de duração inicial do contrato ou de qualquer uma das renovações (pontos 2 e 3 dos factos provados).
Resulta, ainda, provado que a requerente remeteu aos requeridos carta registada com aviso de recepção, comunicando a “oposição à renovação, por iniciativa da Senhoria, do Contrato de Arrendamento com prazo certo celebrado em 01.05.2014. (...) Assim, o referido contrato cessará os seus efeitos em 30.04.2023, devendo V. Ex.ª desocupar o locado nessa data”. As referidas cartas foram recebidas em 19/07/2022 pela requerida e em 20/07/2022 pelo requerido (pontos 5 a 7 dos factos provados).
Não obstante, os requeridos não desocuparam a fracção autónoma em causa no dia 30/04/2023 (ponto 8).
Apesar de resultar dos factos provados que os requeridos têm mais de 65 anos de idade e que a requerida mulher é portadora de deficiência permanente, com incapacidade de 82% e o rendimento do casal é de €816,63, sabemos que o contrato de arrendamento se iniciou em 1/5/2014, pelo que não residindo na fracção arrendada há mais de 20 anos aquando da entrada em vigor da Lei nº 13/2019, não beneficiam da protecção do regime previsto no nº 3 do art. 14º da referida Lei (segundo o qual “Nos contratos de arrendamento habitacionais de duração limitada previstos no n.º 1 do artigo 26.º do NRAU, aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27 de fevereiro, cujo arrendatário, à data de entrada em vigor da presente lei, resida há mais de 20 anos no locado e tenha idade igual ou superior a 65 anos ou grau comprovado de deficiência igual ou superior a 60 /prct., o senhorio apenas pode opor-se à renovação ou proceder à denúncia do contrato com o fundamento previsto na alínea b) do artigo 1101.º do Código Civil, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47344/66, de 25 de novembro, com a redação dada pela presente lei, havendo lugar à atualização ordinária da renda, nos termos gerais”), como bem concluiu o Sr. Juiz a quo.
Quanto à tempestividade da oposição à renovação, foi entendimento do tribunal recorrido que da sucessão de regimes (à data da celebração do contrato de arrendamento vigoravam os arts. 1094º a 1097º do CC com a redacção dada pela Lei nº 31/2012 de 14 de Agosto, entretanto alterada pela Lei nº 13/2019 de 12 de Fevereiro) “resulta que, se bem que ao abrigo do contrato e da legislação em vigor à data da sua celebração, a renovação do contrato ocorria anualmente, com a Lei n.º 13/2019, a renovação passou a ter um período mínimo imperativo de 3 (três) anos”, citando jurisprudência nesse sentido e no sentido inverso, ou seja, que tal prazo pode ser afastado pela convenção das partes, tendo em conta a previsão da possibilidade de estipulação em contrário.
Quanto a nós, perfilhamos esta última posição. Aliás, no recente Acórdão desta Relação, de 16/5/2024, sendo relatora Carla Matos, disponível em www.dgsi.pt, em que a agora relatora foi 2ª Adjunta, pode ler-se a seguinte fundamentação a respeito da interpretação do art. 1096º, nº 1 do CC, “Para o efeito (interpretação da norma) importa recorrer ao disposto no artigo 9.º do CC, o qual no seu nº 1 prescreve que “A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada”; acrescenta o nº 2 que “Não pode, porém, ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso” e o nº 3 que “ na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”.
Importa, pois, para além do elemento literal/gramatical, atender aos elementos sistemático, histórico e teleológico necessários à boa interpretação da norma.
Dispõe o art. 1096 nº 1 do CC que “Salvo estipulação em contrário, o contrato celebrado com prazo certo renova-se automaticamente no seu termo e por períodos sucessivos de igual duração ou de três anos se esta for inferior, sem prejuízo do disposto no número seguinte.”
A redação constitui o elemento literal necessário à interpretação da norma.
Não podemos todavia olvidar que esta redação foi introduzida pela Lei n.º 13/2019, de 12/02, a qual, como se refere no seu art. 1º, estabelece medidas destinadas a corrigir situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios, a reforçar a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano e a proteger arrendatários em situação de especial fragilidade, o que, enquanto elemento teleológico, é também de considerar para a interpretação do referido art 1096º.
A mesma Lei alterou também a redação do nº 3 do art 1097º do CC para a seguinte: “A oposição à primeira renovação do contrato, por parte do senhorio, apenas produz efeitos decorridos três anos da celebração do mesmo, mantendo-se o contrato em vigor até essa data, sem prejuízo do disposto no número seguinte”, o que, enquanto elemento sistemático, se deve também considerar para a interpretação do aludido art 1096º.
Ora, partindo dos termos da redação da norma (o art 1096 nº1 do CC), entendemos que os mesmos apontam no sentido de que a norma é integralmente supletiva, pois logo no seu início consta a expressão “Salvo disposição em contrário”, da qual resulta que a estipulação correspondente ao corpo da norma é (toda ela) supletiva; por outro lado, a única ressalva prevista no preceito encontra-se no final do mesmo, reportando-se ao que consta no número seguinte (que contém previsão diversa para determinado tipo de contratos), e não a qualquer segmento do corpo da norma.
Entender que parte da norma é supletiva e parte é imperativa não tem, para nós, suporte adequado na redação da norma, e não pode haver interpretação que não tenha um mínimo de correspondência verbal com o texto.
Por outro lado, entrando já na análise dos restantes elementos relevantes para a interpretação da norma, importa realçar que não faria sentido que a lei permitisse o mais (estipulação de que não há renovação automática do contrato) e não permitisse o menos (estipulação de renovação automática por período inferior a três anos).
Interpretação diversa contenderia, em nosso entendimento, com o reforço da segurança e estabilidade do arrendamento urbano que a Lei 13/2009 pretendeu fomentar, pois contribuiria para o aumento de contratos nos quais fosse expressamente afastada a possibilidade de renovação automática, único modo de obstar à renovação pelo período de três anos, o que nos parece que manifestamente não corresponderá ao pensamento legislativo.
O que resulta da redação do art. 1096 nº 1 do CC é que inexistindo no contrato qualquer cláusula em sentido contrário, o mesmo renovar-se-á por período igual ao estipulado para a sua duração inicial, e se este for inferior a três anos, a renovação será por três anos.
E é aqui que se atinge o objetivo da Lei 13/2019, pois nos casos em que o contrato não contenha qualquer clausula relativa à sua renovação, a nova redação do art 1096 nº 1 do CC assegura a renovação por período igual ao da duração inicial desde que igual ou superior a três anos, ou por três anos quanto a duração estipulada para o contrato for inferior.
Ou seja, a solução legal de renovação, por pelo menos três anos, dos contratos de arrendamento que vem prevista no art. 1096 nº 1 do CC pressupõe a inexistência de cláusula contratual que disponha diversamente.
A norma não afasta, pois, a aplicabilidade de cláusula contratual que preveja a renovação do contrato por período inferior a três anos.
Importa ainda atentar no disposto no art 1097 nº 3 do CC, o qual prescreve que “A oposição à primeira renovação do contrato, por parte do senhorio, apenas produz efeitos decorridos três anos da celebração do mesmo, mantendo-se o contrato em vigor até essa data, sem prejuízo do disposto no número seguinte.”.
Tal preceito introduz uma limitação no que diz respeito à eficácia da oposição à 1ª renovação do contrato. Tal oposição só produz efeitos decorridos três anos da celebração do contrato, o que significa que ainda que o contrato tenha duração inferior a três anos e o senhorio queira impedir a sua renovação através da oposição à renovação, a lei difere os efeitos de tal oposição para o momento em que decorram três anos desde a data da celebração do contrato; ou seja, a oposição é válida e impede a 1ª renovação do contrato,  mas a lei impõe uma “moratória” para a produção dos seus efeitos,  do que resulta, na prática, uma extensão da vigência do contrato até estarem decorridos três anos sobre a sua celebração.
Tal não significa, contudo, que quando existam efetivamente renovações do contrato estas tenham que ter imperativamente duração de três anos.
São questões diferentes. O art. 1096 nº 1 do CC regula, supletivamente, a possibilidade de renovação do contrato e a respetiva duração; o art. 1097 nº3 do CPC regula a produção de efeitos da oposição à 1º renovação do contrato, ou seja, uma situação em que não chega a haver sequer qualquer renovação do contrato.
Daí que não se possa recorrer à previsão contida no art. 1097 nº3 do CC para fundamentar a alegada imperatividade do prazo de renovação contratual de três anos previsto no art. 1096º nº1 do CC.
Em suma, concluímos pela supletividade do prazo de três anos previsto no art 1096 nº1 do CC., aderindo ao entendimento plasmado no Ac. de 17.03.2022 proferido por este Tribunal da Relação de Lisboa no Proc. 8851/21.6T8LRS.L1-6 e no Ac. de 10.01.2023 também deste TRL no Proc. 1278/22.4YLPRT.L1-7, bem como no Ac. do TRP de 12.07.2023 proferido no Proc. 9506/21.1T8PRT-A.P1.
A tal não obsta o disposto no art. 1080.ºdo CC, o qual dispõe que as normas sobre a resolução, a caducidade e a denúncia do arrendamento urbano têm natureza imperativa, salvo disposição legal em contrário, pois para além de não estar em causa qualquer norma relativa à resolução, caducidade ou denúncia do contrato (mas antes uma norma relativa à sua renovação), o próprio art. 1080º ressalva expressamente a existência de disposições legais supletivas” – fim de citação.
No caso dos autos, o contrato celebrado a prazo certo (5 anos), terminaria a 30/4/2019. As partes, estipularam que o contrato se renovaria por períodos sucessivos de um ano, o que não é posto em causa pela nova redacção do art. 1096º, nº 1 do CC.
Por outro lado, o nº 3 do art. 1097º, na nova redacção introduzida pela Lei 39/2019, também não protege os requeridos. É que tendo sido celebrado em 1/5/2014, o termo do contrato ocorreria a 30/4/2019 e em 30/4/22 já tinham decorrido os três anos a que alude aquela norma.
Deste modo, a comunicação de oposição à renovação do arrendamento efectuada pela requerente, cujas cartas foram recebidas pelos requeridos a 19/07/2022 e 20/07/2022, foi válida e eficaz, produzindo os seus efeitos no termo do prazo de um ano (renovação anual) em 30/4/2023.
Assim, tem inteira procedência o recurso da requerente.
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IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente a apelação, revogando a decisão recorrida, que é substituída por outra que ordena a emissão de título para desocupação do locado com fundamento na cessação por oposição do contrato de arrendamento celebrado em 01/05/2014 entre Fundo de Investimento Fechado para Arrendamento Habitacional Solução Arrendamento e os Requeridos.
Custas pelos Recorridos.

Lisboa, 11/7/2024
(o presente acórdão não segue na sua redacção as regras do novo acordo ortográfico, com excepção das “citações/transcrições” efectuadas que o sigam)
Carla Figueiredo
Cristina Lourenço
Carla Mendes (voto vencido)

Voto vencido, em consonância com o projecto que não obteve vencimento:
O contrato de arrendamento urbano pode ser celebrado com prazo certo ou por duração indeterminada, sendo que na primeira situação e, salvo estipulação em contrário, há lugar à renovação automática e por períodos sucessivos de igual duração ou de 3 anos, se esta for inferior – cfr. arts. 1094/1 e 1096 CC.
Não obstante, qualquer uma das partes podem impedir a renovação automática mediante comunicação à outra parte, considerando-se cessado o arrendamento, o que torna imediatamente exigível, salvo se for outro o momento legalmente ficado ou acordado pelas partes, a desocupação do locado e a sua entrega – cfr. arts. 1097, 1098, 1079 e 1081 CC.  
O contrato foi celebrado na vigência da NRAU que, ao longo do tempo, foi sendo alterada (Lei 13/2019 de 12/2 – medidas destinadas a corrigir situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios, a reforçar a segurança e estabilidade do arrendamento urbano e a proteger os arrendatários em situação de especial fragilidade, na esteira da Lei 30/2018, de 16/7).
Entendo que o prazo de 3 anos mencionado no art. 1096 CC é de cariz imperativo - tratando-se de norma imperativa que não admite convenção em contrário – possibilidade de renovação/estipulação de períodos de renovação diferentes da renovação inicial, mas nunca inferior a 3 anos.
Dispondo o art. 1096 CC (Lei 13/19) sobre o conteúdo da relação jurídica de arrendamento abstraindo do facto que lhe deu origem, enquadra-se na previsão da norma do art. 12/2 CC – cfr. entre outros, Ac. RG, de 11/2/21 e de 8/4/21, relatoras, Raquel Baptista e Rosália Cunha, respectivamente, RL, de 24/5/22, relatora Micaela Sousa e de RE, de 10/12/22, relatora Adelaide Domingos.
Assim, entendo que a oposição à renovação (30/4/23) foi intempestiva e, consequentemente, julgava a apelação improcedente, confirmando a decisão.
Lisboa, 11/7/24
Carla Mendes