REGIME DE PERMANÊNCIA NA HABITAÇÃO
REVOGAÇÃO DA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
Sumário

I - Das alterações introduzidas no “Regime de Permanência na Habitação” (RPH) pela Lei nº 94/2017 de 23/08, resulta que o RPH passou a ter uma dupla natureza: por um lado, pode traduzir-se numa pena de substituição em sentido amplo (ou impróprio), na medida em que, tendo natureza privativa da liberdade, pode ser decidida na sentença condenatória em alternativa ao cumprimento da pena de prisão em meio prisional; por outro lado, pode constituir-se como uma modalidade ou forma de execução da pena de prisão, permitindo-se que possa ser aplicada na fase do cumprimento da pena, nomeadamente em casos de revogação de pena não privativa da liberdade (artigo 43º, nº 1, al. c), do Código Penal).
II - Tendo-se procedido à revogação da suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido, tem de ser ponderado, pelo Tribunal de primeira instância, a aplicação do RPH (na sua vertente de regime de execução da pena e não de pena de substituição).

Texto Integral




Nos termos dos artigos 417.º, n.º 6, alíneas b) e 420.º, n.º 1, alínea a) do CPP, profere-se a seguinte

DECISÃO SUMÁRIA

I. RELATÓRIO
No Processo Comum Singular n.º 130/17.0GABNV da Comarca de Santarém Juízo Local Criminal de Benavente - Juiz 2, relativo ao arguido J[1], em 06-12-2023, foi proferido despacho de revogação da medida substitutiva de tarefas a favor da comunidade e ordenado o cumprimento da pena principal de três meses de prisão efetiva.
É desta decisão, com a qual o arguido não concordou, que foi interposto recurso. Para se compreender o alcance das questões suscitadas no recurso interposto pelo arguido, mais adiante explanadas, sumaria-se em seguida o processado prévio ao despacho recorrido

1. Do processado prévio ao despacho recorrido
1.1. Por sentença datada de 08-06-2018 (fls. 176 a 190) e transitada em julgado a 09-07-2018, foi o arguido condenado pela prática de 1 crime de condução de veículo sem habilitação legal (artigo 3.º n.ºs 1 e 2 do Decreto-Lei n.º 2/98, de 03-01, com referência ao artigo 121.º, n.º 1 do CE), na pena de 3 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano, sujeita a regime de prova, nos termos do disposto no artigo 53.º do CP, ficando o arguido obrigado a prestar 360 horas de trabalho a favor da comunidade.

1.2. Foi elaborado Plano de Reinserção Social por parte da DGRSP, o qual foi homologado por Despacho datado de 01-03-2019 (fls. 262 e 264).

1.3. Foi remetido relatório final elaborado pela DGRSP, datado de 23-07-2019, dando conta ter o arguido alcançado os objetivos contidos no Plano de reinserção social, mas não ter cumprido qualquer hora de trabalho a favor da comunidade.

1.4. Foi designada e realizada em 09-10-2020, a audição do arguido, nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 53.º, n.º 1, 55.º e 56.º, todos do CP e o artigo 495.º, n.º 2 do CPP.

1.5. Em 13.12.2021 a DGRS informou não ter o arguido cumprido qualquer hora das tarefas a favor da comunidade.

1.6. Agendada nova audiência foi esta realizada em 07-06-2022 tendo sido ouvido o arguido que questionado pelo Tribunal declarou aceitar o regime de permanência na habitação com uma pulseira eletrónica, se fosse essa a opção do Julgador.

1.7. Por despacho proferido em 04-07-2022, porque o condenado não prestou qualquer hora de trabalho a favor da comunidade, o tribunal decidiu:
a) Prorrogar o período de suspensão de execução da pena de prisão por 1 ano;
b) Manter a condição do condenado prestar as horas de trabalho a favor da comunidade a que estava obrigado.

1.8. Em 13-12-2022 a DGRS concluía que: “J tem apresentado, na globalidade, uma atitude colaborante, e expressou interesse em cumprir as suas obrigações judiciai imposta neste processo.
Neste sentido, esta DGRSP renovou as diligências junto do Grupo Desportivo Forense, o qual referiu disponibilidade para colaborar na execução desta medida judicial aplicada ao condenado, o qual irá realizar trabalhos indiferenciados na limpeza e manutenção das instalações da EBT, em horário pós-laboral e fins de semana, podendo o horário ser ajustado às necessidades da associação desportiva e disponibilidade do condenado. (…)”.

1.9. Em 25.9.2023 a DGRS informou que:
“J, iniciou, após insistência por parte desta Equipa, o trabalho comunitário, no dia 12-12-2022, no Grupo Desportivo Forense onde compareceu apenas quatro dias (12, 13, 19 e 20 de dezembro de 2022), realizando 2horas/dia, o que totaliza até ao momento somente 8 horas.
O condenado, apesar de ter sido, frequentemente, alertado para a necessidade de realizar o montante (360 horas) das horas que lhe foram fixadas judicialmente, não retomou o trabalho comunitário, sem apresentar uma razão válida, colocando-se assim mais uma vez numa situação irregular face à presente medida judicial.
É de referir que a EBT, situa-se na mesma localidade de residência do condenado e o trabalho pode ser prestado nas horas e dias acordados entre o arguido e a instituição.
(…) O condenado revela hábitos de trabalho, todavia, em dezembro de 2022 teve de interromper a sua atividade laboral, para cumprir a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados de qualquer categoria pelo período de 9 meses, em que foi condenado no processo n.º 277/21.8GBBNV, Juízo Local Criminal de Benavente - Juiz 1 e seguidamente terá que cumprir idêntica pena acessória, no âmbito do processo n.º 304/21.9GABNV do Juízo Local Criminal de Benavente - Juiz 2.
Ficou então desempregado, mas de imediato efetuou diligências por sua iniciativa e em março de 2023 começou a trabalhar, como auxiliar de produção, numa fábrica na sua localidade, “Plasbene – Tubos e Acess. Plástico, Lda”, de que aufere o vencimento base 760,00€.
Atualmente está de baixa médica, por ter fraturado a extremidade do membro superior. (…)”.

1.10. Em 28-11-2023 foi realizada nova audiência e ouvido o arguido tendo o MP promovido fosse revogada a suspensão da pena e cumpridos os três meses de prisão pelos quais foi condenado nestes autos. Face ao promovido a Defensora Oficiosa do arguido, pronunciou-se no sentido de ser dada uma última oportunidade ao arguido.

2. Da decisão recorrida
Em 06-12-2023 foi proferido o seguinte despacho judicial (transcrição):

“Foi o arguido, J, nos presentes autos e por sentença transitada em julgado a 09/07/2018, condenado, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3º, nºs 1 e 2 do Decreto-Lei nº 2/98, de 3 de janeiro, numa pena de 3 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano, sujeita a regime de prova, assente num plano de reinserção social a elaborar pela DGRSP e no qual deveria constar o dever de prestar 360 horas de trabalho a favor da comunidade.
Neste seguimento, no dia 30/01/2019, veio a DGRSP aos presentes autos remeter o Plano de Reinserção Social no qual se determinou como atividades a realização das 360 horas de trabalho a favor da comunidade no Grupo Desportivo de Samora Correia, em horário pós laboral ou aos fins-de-semana e o comparecimento em entrevistas de carácter motivacional, com o Técnico de Reinserção Social (plano esse que foi, após, homologado).
Após, no dia 23/07/2019 foi enviado aos autos, pela DGRSP, relatório, no qual se deu conta que o arguido havia comparecido às entrevistas, mas não havia cumprido qualquer hora de trabalho a favor da comunidade. Também no dia 13/12/2021, foi remetida aos autos informação no sentido de não ter o arguido cumprido qualquer hora.
Assim, foi designada data para a realização da audição do arguido, a qual se realizou no dia 07/06/2022, tendo sido, após, proferida decisão no dia 04/07/2022, na qual se decidiu prorrogar o período de suspensão da execução da pena de prisão por um ano e manter a condição do condenado prestar as horas de trabalho a favor da comunidade a que estava obrigado.
No dia 13/12/2022, foi remetido aos autos relatório pela DGRSP no qual se dá conta da atitude colaborante do arguido e do facto de terem sido renovadas as diligências junto do Grupo Desportivo Forense, que se mostrou na disponibilidade para colaborar na execução da medida pelo arguido, “o qual irá realizar trabalhos indiferenciados na limpeza e manutenção das instalações da EBT, em horário pós-laboral e fins de semana, podendo o horário ser ajustado às necessidades da associação desportiva e disponibilidade do condenado”.
Após, no dia 16/03/2023, foi remetido novo relatório pela DGRSP, no qual se deu conta que “após insistência da nossa parte iniciou o trabalho comunitário, no dia 12-12-2022, no Grupo Desportivo Forense onde compareceu apenas quatro dias (12, 13, 19 e 20 de dezembro de 2022), realizando 2horas/dia, o que totaliza até ao momento apenas 8 horas”.
Por fim, no dia 25/09/2023 foi remetido relatório final pela DGRSP no qual se indicou que o arguido não cumpriu as horas determinadas, tendo realizado apenas 8 horas.
Além disto, tem-se em consideração o certificado de registo criminal do arguido, no qual se verifica que o arguido foi condenado, por decisão transitada em julgado no dia 30/11/2022, por factos praticados no dia 02/08/2021 por um crime de desobediência (processo nº 304/21.9GABNV) e, ainda, por decisão transitada em julgado no dia 30/11/2022, por factos praticados no dia 11/11/2021, por crime de condução em estado de embriaguez (processo nº 277/21.8GBBNV).

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Neste contexto, e ao abrigo do artigo 495º do Código de Processo Penal, foi designada uma data – 28/11/2023 – na qual o arguido esteve presente, tendo o mesmo referido que teve um acidente em Abril de 2023 que o impossibilitou de trabalhar durante 5 meses, mais referindo que antes disso esteve sem a carta de condução à ordem de outro processo (tendo depois referido que as horas eram prestadas em Salvaterra de Magos). Mais indicou, quando perguntado, que após estes períodos não procurou cumprir as horas determinadas e que nunca informou se as poderia cumprir ao fim de semana, após indicar dificuldade de cumprimento em virtude do seu trabalho por turnos.
Indicou ter disponibilidade para realizar as horas ao sábado e que durante a semana teria “que arranjar”, referindo não ter explicação para não ter efetuado as horas.
Quanto aos crimes praticados, referiu pensar que não afetava. *
Ainda nesta diligência foi ouvida a técnica da DGRSP que referiu estar em causa uma “questão de vontade”, referindo que aquele não tem vontade de cumprir as horas, encontrando-se sucessivamente a adiar o cumprimento. Mais indicou que a entidade para a qual o mesmo prestou as horas era a cerca de 1,5/2 km de casa do arguido, pelo que o mesmo poderia ir a pé.
O Ministério Público promoveu a revogação da suspensão da pena de prisão aplicada ao arguido, e o cumprimento, por parte daquele, da pena em que foi condenado.
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Por sua vez, a defensora do arguido pugnou pela não revogação da pena suspensa nos presentes autos, referindo dever ser dada uma nova oportunidade ao mesmo.
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Cumpre apreciar e decidir.
Em primeiro lugar refira-se que, tendo a decisão que condenou o arguido nos presentes autos, transitou em julgado a 09/07/2018, pelo que, abstratamente, o período de suspensão de 1 ano teria o seu termo no dia 09/07/2019. No entanto, a suspensão foi prorrogada e, além do mais, ainda não foi declarada extinta, atendendo a que o artigo 57º, nº 1, do Código Penal refere que “a pena é declarada extinta se, decorrido o período da sua suspensão, não houver motivos que possam conduzir à sua revogação”.
Pelo que, estando pendentes as questões em cima mencionadas, ao abrigo do artigo 57º, nº 2, do mesmo Diploma, cumpre ainda assim apreciar da possível revogação de pena de prisão em que o arguido foi condenado e que havia sido suspensa na sua execução.
Ora, refere o artigo 55º do Código Penal que:
“Se, durante o período da suspensão, o condenado, culposamente, deixar de cumprir qualquer dos deveres ou regras de conduta impostos, ou não corresponder ao plano de readaptação, pode o tribunal:
a) Fazer uma solene advertência;
b) Exigir garantias de cumprimento das obrigações que condicionam a suspensão;
c) Impor novos deveres ou regras de conduta, ou introduzir exigências acrescidas no plano de readaptação;
d) Prorrogar o período de suspensão até metade do prazo inicialmente fixado, mas não por menos de 1 ano nem por forma a exceder o prazo máximo de suspensão previsto no nº 5 do artigo 50º”.
Por sua vez, o artigo 56º, nº1 do mesmo Diploma refere que:
“1 - A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso, o condenado:
a) Infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano de reinserção social; ou
b) Cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas”.
Assim, atentas as normas expostas, cumpre ao Tribunal, perante cada caso, decidir sobre a aplicação do artigo 55º, efetuando alterações ao regime inicial ou, sobre a aplicação imediata no disposto no nº1 do artigo 56º, revogando a suspensão da execução da pena de prisão.
Ora, no caso concreto, o arguido tendo conhecimento da sentença e assim, das condições impostas com a suspensão da pena de prisão, o mesmo voltou a cometer atos contra as normas legais, tendo sido, designadamente condenado pelo crime de desobediência e pelo crime de condução em estado de embriaguez, que protege o mesmo bem jurídico do crime em causa nestes autos – a segurança rodoviária de todos os cidadãos.
Além disso, infringiu repetidamente os deveres a que estava sujeito, a prática de 360 horas de trabalho a favor da comunidade, mesmo depois de lhe ter sido dada uma nova oportunidade para o seu cumprimento.
Assim, cumpre observar o disposto no artigo 56º, nº 1, alínea b), do Código Penal.
De facto, conforme consta do relatório elaborado pela DGRSP, o mesmo, apesar das várias oportunidades que teve e do tempo decorrido para cumprir as horas (note-se que a sentença dos presentes autos transitou em julgado em 2018 e a prorrogação foi decidida em Julho de 2022, já tendo decorrido mais de um ano), o mesmo não o fez, tendo cumprido apenas 8 horas, mais tendo explicado a técnica na sua audição que foi adiando sucessivamente a sua realização e tendo apresentado sucessivas desculpas ao Tribunal nessa mesma audição -designadamente o facto de se encontrar sem carta, quando poderia ir a pé.
Além do mais, e ainda que tenha apresentado uma postura colaborante, tanto como é descrito nos relatórios da DGRSP como na comparência na sua audição, durante o período de suspensão, e ciente do que tal significava, praticou factos que levaram a outras duas condenações pela prática de crimes, sendo uma delas pela prática de crime contra o mesmo bem jurídico.
Ainda que o arguido tenha explicado os seus horários de trabalho por turnos e ter estado 5 meses em casa devido a um acidente, tal não é suficiente para explicar que em cerca de 5 anos, mormente no último ano após a prorrogação, tenha apenas realizado 8 das 360 horas determinadas, mais se tendo em consideração que o próprio referiu que após aquele episódio não procurou cumprir as horas restantes, demonstrando uma atitude de desinteresse para o seu cumprimento.
Perante o tudo o que foi exposto, é evidente o desrespeito, por parte do arguido, pelas penas que lhe vão sendo aplicadas, nomeadamente a pena dos presentes autos, voltando a cair em comportamentos contrários às normais legais apesar destas advertências solenes, sendo evidente que as finalidades que estão na base da suspensão de uma pena de prisão não foram alcançadas, uma vez que a mesma não foi suficiente para que o mesmo levasse uma vida de acordo com as regras social e legalmente impostas, abstendo-se de voltar à prática de crimes, designadamente contra o mesmo bem jurídico.
Além disso, embora tenha referido agora ter disponibilidade aos sábados, não se considera, atento todo o exposto, poder afirmar-se uma vez mais que é possível estabelecer um juízo de prognose favorável que o mesmo cumprirá essas horas, atenta a sua falta de vontade demonstrada e, mais ainda, que se determinará de acordo com as regras social e legalmente impostas.
Assim, tendo-se em conta, não só o desrespeito do arguido para com a solene advertência que lhe foi feita e para com o cumprimento dos deveres que o Tribunal lhe determinou por duas vezes, mas também o facto da aplicação daquela pena, executada daquele modo, não ter sido suficiente para fazer face às finalidades de uma punição, designadamente, e ao abrigo do artigo 40º do Código Penal, a reintegração do agente na comunidade - mas uma reintegração capaz de respeitar as regras social e legalmente impostas - , algo que o arguido demonstrou não ter ainda capacidade de fazer, mesmo após o cumprimento de um período de uma pena de prisão, suspensa na sua execução.
Conclui-se assim, que tendo o arguido infringindo repetidamente o dever com o qual estava adstrito nesta suspensão da pena de prisão e tendo ainda cometido crimes pelos quais foi condenado, tal revelou que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas, verifica-se que não é possível manter o juízo de prognose favorável que foi aferido aquando da sua condenação, pelo que, sendo aplicável ao presente caso o artigo 56º, nº1, alíneas a) e b) que determina que nestes casos a pena de prisão suspensa é sempre revogada, terá o arguido que cumprir efetivamente a pena em que foi condenado.
Pelo exposto, e ao abrigo do artigo 56º, nº1 e 2 do Código Penal, determina-se a revogação da suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido, J, e, em consequência, determina-se o cumprimento da pena de 3 meses de prisão que lhe foi inicialmente aplicada.
Notifique.
Após trânsito, comunique ao registo e emita mandados para cumprimento da pena.
Comunique ao Tribunal de Execução de Penas de Évora. (…)”.

3. Do recurso
3.1. Das conclusões do arguido
Inconformado com a decisão o arguido interpôs recurso extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões (transcrição):
“A. O arguido foi condenado nos presentes autos como autor material condenado, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, numa pena de 3 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano, sujeita a regime de prova, devendo prestar 360 horas de trabalho a favor da comunidade.
B. Suspensão esta que a 04/07/2022 foi prorrogada por um ano e mantendo-se a condição do condenado prestar as horas de trabalho a favor da comunidade a que estava obrigado.
C. Face, ao incumprimento parcial do trabalho a favor da comunidade, foi designada nova data para audição do arguido ao abrigo do artigo 495º do Código de Processo Penal.
D. Foi agora o arguido notificado da revogação da suspensão da pena.
E. Da inquirição do arguido realizada nos termos do artigo 495º do CPP, resultou provado, como consta no despacho que ora se recorre, que: “tendo o mesmo referido que teve um acidente em Abril de 2023 que o impossibilitou de trabalhar durante 5 meses, mais referindo que antes disso esteve sem a carta de condução à ordem de outro processo (tendo depois referido que as horas eram prestadas em Salvaterra de Magos). Mais indicou, quando perguntado, que após estes períodos não procurou cumprir as horas determinadas e que nunca informou se as poderia cumprir ao fim de semana, após indicar dificuldade de cumprimento em virtude do seu trabalho por turnos. Indicou ter disponibilidade para realizar as horas ao sábado e que durante a semana teria “que arranjar”, referindo não ter explicação para não ter efetuado as horas. Quanto aos crimes praticados, referiu pensar que não afetava.”
F. O Tribunal sustentou também a sua decisão no “(…)o certificado de registo criminal do arguido, no qual se verifica que o arguido foi condenado, por decisão transitada em julgado no dia 30/11/2022, por factos praticados no dia 02/08/2021 por um crime de desobediência (processo nº 304/21.9GABNV) e, ainda, por decisão transitada em julgado no dia 30/11/2022, por factos praticados no dia 11/11/2021, por crime de condução em estado de embriaguez (processo nº 277/21.8GBBNV).”
G. Mais concluiu que era “ (…) evidente o desrespeito, por parte do arguido, pelas penas que lhe vão sendo aplicadas, nomeadamente a pena dos presentes autos, voltando a cair em comportamentos contrários às normais legais apesar destas advertências solenes, sendo evidente que as finalidades que estão na base da suspensão de uma pena de prisão não foram alcançadas, uma vez que a mesma não foi suficiente para que o mesmo levasse uma vida de acordo com as regras social e legalmente impostas, abstendo-se de voltar à prática de crimes, designadamente contra o mesmo bem jurídico.“
H. Pelo que, foi determinado pelo Tribunal a quo a aplicação de 3 meses de prisão efetiva ao arguido.
I. Legalmente, sustentou o Tribunal a quo a sua decisão de revogação da pena suspensa nos termos dos artigos 55º e 56º, ambos do Código Penal.
J. Entendemos, contudo, que não foi tido em consideração o facto do arguido ter sofrido o acidente de viação (tendo ficado de baixa médica 5 meses), ter estado inibido de conduzir veículos a motor (ainda que tal facto lhe seja imputável), e estar inserido profissional, familiar e socialmente como constava no relatório social.
K. Sendo que, a prática de crime durante o período de suspensão não constitui motivo para que seja determinada a revogação da suspensão.
L. Neste sentido também decidiu o Tribunal da Relação de Lisboa, a 10-05-2022, processo número 2755/14.6PYLSB-A.L1-5, no seu acórdão , ao afirmar que “Para decidir acerca da eventual revogação de suspensão de execução da pena, há que ajuizar se a conduta do condenado inviabilizou a satisfação das finalidades que estavam na base da pena de substituição de suspensão da execução da pena que lhe tinha sido aplicada.”
M. Acresce que no relatório da DGRSP é referido que o arguido apresentou “(…) uma postura colaborante, tanto como é descrito nos relatórios da DGRSP como na comparência na sua audição, durante o período de suspensão (…).” sublinhado nosso
N. Pelo que, deveria o Tribunal ter em conta todos os factos enunciados e dar uma última oportunidade ao arguido, prorrogando o período de suspensão. Isto porque,
O. A revogação da pena irá criar ao ora recorrente danos completamente irreparáveis quer em termos pessoais quer em termos profissionais.
P. O regime jurídico da suspensão da execução da pena de prisão encontra-se previsto nos artigos 50.º a 57.º do C.P, e nos artigos 492.º a 495.º do C. P. Penal.
Q. As finalidades da punição são, de acordo com artigo 40.º, do C.P., a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade - encontrando-se o arguido totalmente integrado.
R. No nosso ordenamento jurídico,” (…) a pena de prisão é a ultima ratio da política criminal - na decorrência dos princípios da necessidade/subsidiariedade da intervenção penal e da proporcionalidade das sanções penais (artigo 18º, n.º 2 da CRP e, entre outros, artigos 70º e 98º do CP)” - Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, a 31-05-2023, processo nº 169/20.8GFPRT.P1 - sublinhado nosso-
S. Face ao exposto Tribunal tinha fundamentos para ter prorrogado a suspensão da pena de prisão.
T. Ao não ter assim decidido, violou o Tribunal a quo os artigos 40, nº 1, 43º, 55º e 56º, todos do CP, e ainda o artigo 18º nº 2 da Constituição da República Portuguesa.
SEM PRESCINDIR, MAS POR MERA CAUTELA DE PATROCÍNIO,
U. Caso se entenda ser de revogar a suspensão da execução da pena na qual foi o Recorrente condenado, reputa-se por necessário, adequado e justo que a mesma pena venha a ser cumprida em regime de permanência na habitação, com vigilância eletrónica.
V. Abona a favor do arguido o ulterior cumprimento parcial do regime de prova e bem assim o teor do relatório social (cuja situação pessoal, económica e financeira do condenado a qual se encontra plasmada no mesmo)
W. De acordo com a alínea a) do n.º 1 do artigo 43.º do Código Penal “Sempre que o tribunal concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão e o condenado nisso consentir, são executadas em regime de permanência na habitação com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância a pena de prisão efetiva não superior a dois anos.”
X. Mostram-se asseguradas as finalidades da punição estatuídas no artigo 40º, nº 1, do Código Penal, as quais visam a proteção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
Y. O que não foi devidamente ponderado na decisão de que ora se recorre, como se impunha.
Z. “O regime de permanência na habitação consiste na obrigação de o condenado permanecer na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, pelo tempo de duração da pena de prisão, sem prejuízo das ausências autorizadas.” - artigo 43º do CP.
AA. Com a aplicação deste evitar-se-ão as consequências perversas da prisão continuada, não deixando de, com sentido pedagógico, constituir forte sinal de reprovação para o crime em causa.
BB. Também as exigências de prevenção especial ficarão devidamente acauteladas com a execução da pena em regime de permanência na habitação
CC. Pelo que, facto a todo o exposto mostravam-se preenchidos os requisitos para a aplicação do artigo 43º do CP.
DD. Ao não ter assim não ter sido aplicado violou o Tribunal a quo os artigos 40º e 43º ambos do CP.
EE. Fundamentos estes que motivam também o presente recurso.
FF. Facto a todo o exposto, considera-se, em primeiro lugar, que estão preenchidos os requisitos para prorrogação da suspensão da pena de prisão ao arguido, devendo ser revogada a decisão de revogação da pena prisão.
GG. Caso assim não se entenda, por mera cautela de patrocínio, revogando-se a suspensão, deverá, nos termos e para os efeitos dos artigos 55.º e 56.º do Código Penal, o arguido recorrente ser condenado em regime de permanência na habitação mediante vigilância eletrónica.
Nestes termos, com o mui douto suprimento de V.Exas. deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e, consequentemente, manter-se a aplicação da suspensão da pena nos presentes autos, aumentando as garantias exigidas para o cumprimento do regime de prova aplicado ou, se assim não se entender, com o que não se concede, mas por mera cautela de patrocínio, deve ser proferida decisão, condenando o recorrente ao cumprimento da pena na qual foi originalmente condenado em regime de permanência na habitação, sujeito a vigilância eletrónica.”.

3.2. Das contra-alegações do Ministério Público
Respondeu o Ministério Público concluindo nos seguintes termos (transcrição):
“a. São as conclusões que definem e delimitam o âmbito do recurso, ou seja, as questões que o recorrente quer ver discutidas no tribunal superior.
b. Nos presentes autos, o arguido J foi condenado, por douta sentença transitada em julgado em 09.07.2018, pela prática em autoria material de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de três meses, que foi suspensa por um ano, sujeita a regime de prova a delinear pela DGRSP, onde conste o dever de prestar 360 horas de trabalho a favor da comunidade, por fatos cometidos em 03.04.2017. Foi elaborado plano de Reinserção social pela DGRSP, que foi homologado.
c. Na audição de condenado que ocorreu a 09.10.2020 o arguido não apresentou qualquer justificação para a sua inércia, mas declarou-se pronto a prestar trabalho, e que o clube “Forense” estaria disposto a aceitá-lo. Ouvida a Técnica da DGRSP, veio a mesma declarar que o arguido não prestou o trabalho “porque não lhe apeteceu.”
d. Não obstante, por decisão de 04.07.2022, o Tribunal tem em conta que o arguido se encontra inserido profissionalmente, a última condenação constante do seu certificado é por factos já antigos, o arguido encontra-se igualmente inserido familiarmente – vivendo com os pais e tendo uma filha bebé – e já tem carta de condução. Acresce que se disponibilizou a prestar trabalho, declarando ter já falado com o clube “Forense”, que é próximo da sua casa e que o aceitará. Assim sendo, e sendo a revogação a ultima ratio, o Tribunal considera ainda ser possível, perante a última réstia de juízo de prognose favorável, dar-lhe uma última oportunidade, e assim, decide: a) Prorrogar o período de suspensão da execução da pena de prisão por um ano; b) Mantendo a condição de o condenado prestar as horas de trabalho a favor da comunidade a que estava obrigado.
e. Decorreram mais de cinco anos desde a data em que foi proferida sentença condenatória, a qual transitou em julgado em 09.07.2018 e mais de um ano desde que ao arguido lhe foi concedida uma nova oportunidade, - derradeira -, para que o arguido cumprisse a condição – única – a que ficou sujeita a suspensão da pena de prisão.
f. O relatório da DGRSP de setembro de 2023, revelou que “De acordo com a nossa avaliação J não cumpriu a totalidade das obrigações constantes na sentença judicial proferida neste processo, nomeadamente no que respeita ao dever de prestar 360 horas de trabalho a favor da comunidade, que o mesmo não realizou” e ainda que, “O condenado revela hábitos de trabalho, todavia, em dezembro de 2022 teve de interromper a sua atividade laboral, para cumprir a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados de qualquer categoria pelo período de 9 meses, em que foi condenado no processo n.º 277/21.8GBBNV, Juízo Local Criminal de Benavente - Juiz 1 e seguidamente terá que cumprir idêntica pena acessória, no âmbito do processo n.º 304/21.9GABNV do Juízo Local Criminal de Benavente - Juiz 2. Ficou então desempregado, mas de imediato efetuou diligências por sua iniciativa e em março de 2023 começou a trabalhar, como auxiliar de produção, numa fábrica na sua localidade, “Plasbene – Tubos e Acess. Plástico, Lda”, de que aufere o vencimento base 760,00€. Atualmente está de baixa médica, por ter fraturado a extremidade do membro superior”.
g. Do certificando de registo criminal junto aos autos apurou-se que o Recorrente foi condenado na prática de crimes de natureza estradal tal como o destes autos, durante o período de suspensão da execução da pena de prisão, Processo 304/21.9GABNV, 277/21.8GBBNV.
h. O arguido não demonstrou ter feito qualquer diligência ou esforço no sentido de cumprir as horas de trabalho comunitário e nada requereu ao processo ou justificou.
i. Ouvido, não apresentou qualquer razão ao tribunal que justificasse o seu incumprimento e a sua inércia nos meses que antecederam o acidente que teve.
j. O arguido conta com várias condenações no seu certificado de registo criminal.
k. Nos termos do art. 56º nº 1 do Código Penal, a suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso o condenado: (a) infringir grosseira ou repetidamente os deveres e regras de conduta impostos, ou, o plano de reinserção social, ou ainda (b) cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar quer as finalidades que estava na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.
a) E nos termos do disposto no artigo 55.º do Código Penal Se, durante o período da suspensão, o condenado, culposamente, deixar de cumprir qualquer dos deveres ou regras de conduta impostos, ou não corresponder ao plano de reinserção, pode o tribunal, entre outras, impor novos deveres ou regras de conduta ou prorrogar o período de suspensão até metade do prazo inicialmente fixado.
b) Compulsados os autos, resulta que o arguido no prazo estabelecido para o efeito e não veio dar conhecimento aos autos de eventuais dificuldades ou impossibilidade de a cumprir.
c) Não justificou a sua conduta inadimplente, nem comprovou a realização de qualquer esforço no sentido de cumprir as horas de trabalho sabendo que já tinha sido dada uma derradeira oportunidade.
d) A favor do arguido aponta-se o fato de estar profissionalmente integrado, o que não basta.
e) Estamos perante uma infração repetida dos deveres – no caso, do dever, único, aliás – a que ficou sujeita a suspensão da pena de prisão, a qual apenas é imputável ao próprio arguido, de tal forma que não permite qualquer juízo de prognose favorável e comprometeu as finalidades que estiveram na base da suspensão da pena de prisão.
f) Não obstante as várias condenações constantes do seu CRC, e bem assim, a oportunidade que lhe foi concedida o arguido tem uma personalidade avessa ao direito e que não interiorizou as consequências do não cumprimento das condições de suspensão da pena de prisão em que foi condenado, denotando-se que a ameaça do cumprimento de uma pena efetiva não foi suficiente para o fazer cumprir os seus deveres e adequar a sua forma de agir com o direito, no fundo, o comportamento que a sociedade espera de si.
g) Sublinha-se que, ouvida a Técnica da DGRSP a mesma considera que é uma questão de motivação.
h) Resulta manifesto a despreocupação por parte do arguido em dar cumprimento, em devido tempo, à condição de suspensão da pena de prisão em que foi condenado.
i) Pelo que, resta concluir que, o condenado incumpriu a obrigação condicionante da suspensão da execução da pena de forma intencional e culposa.
j) Neste contexto, só se pode concluir que a suspensão da execução da pena de prisão, in casu, mostrou não ter alcançado as finalidades que estiveram na base da sua aplicação, não cumprindo a ressocialização do condenado, a reparação das normas violadas e o restabelecimento da confiança da sociedade na ordem jurídica, mostrando-se insuficiente para que ao condenado fosse possível refletir e consciencializar-se sobre o carácter negativo da sua conduta.
k) Deste modo, não se alcançaram as finalidades de prevenção exigidas, quer geral quer especial.
l) Atento o exposto, nos termos do disposto no artigo 56.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 do Código Penal e 495.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, com base na conduta do Condenado, o TRIBUNAL determinou a revogação da suspensão da execução da pena de prisão aplicada nos autos, e em consequência o cumprimento efetivo da pena de três meses de prisão fixada por sentença.
m) Não tendo violado qualquer norma do Código Penal ou da Constituição como apontado pelo recorrente.
n) Atento o exposto e sem necessidade de outros considerandos além dos que já foram aqui tecidos, compreende-se o motivo pelo qual a decisão recorrida não merce reparo ou censura, devendo manter-se, acrescentando-se que,
o) Se nos afigura que tendo em conta a pena de prisão aplicada ao arguido - de três meses - que estão reunidas as condições previstas no artigo 43.º, n.1 do Código Penal, faltando colher o consentimento do arguido e aquilatar das demais condições relativas ao agregado familiar e condições de habitação do condenado, para aplicação dos equipamentos para controlo à distância do cumprimento da pena.
p) E que estando reunidas tais condições, seja a referida pena cumprida em regime de permanência na habitação, nos termos do disposto no artigo 43.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal.”.

3.3. Do Parecer do MP em 2.ª instância
Na Relação o Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu Parecer no seguinte sentido (transcrição):
“Recorre o arguido do despacho judicial que lhe revogou a suspensão da execução da pena de prisão aplicada nos autos.
Nada vislumbramos que impeça o conhecimento do recurso.
O recurso versa matéria de direito, indicando as normas jurídicas violadas.
O recorrente vem requerer a este tribunal da relação que o seu recurso seja julgado procedente por provado e, consequentemente , manter-se a aplicação da suspensão da pena nos presentes autos, aumentando as garantias exigidas para o cumprimento do regime de prova aplicado ou, se assim não se entender, com o que não se concede, mas por mera cautela de patrocínio, deve ser proferida decisão, condenando o recorrente ao cumprimento da pena na qual foi originalmente condenado em regime de permanência na habitação, sujeito a vigilância eletrónica.
Ora, damos por reproduzido tudo aquilo que foi respondido ao recurso pelo magistrado do Ministério Público junto do tribunal a quo.
Na verdade, já decorreram vários anos sobre a condenação do recorrente em pena de prisão suspensa mediante a condição de cumprir dias de trabalho a favor da comunidade. Certo é que decorrido o prazo de suspensão da execução da pena mais a sua prorrogação por um ano o arguido apenas cumpriu 8 dias de trabalho, vindo mesmo a cometer crime doloso no prazo da suspensão da pena.
Não tem o julgador qualquer alternativa legal do que revogar a suspensão da execução da pena quer pelo por incumprimento da condição a que foi sujeito, quer pelo cometimento de novo ilícito criminal, ambos os fatos reveladores que o juízo de prognose positivo que foi elaborado sobre o comportamento do condenado do arguido com a aplicação da suspensão foi completamente desfeito pela realidade que se seguiu, e por isso completamente impossível renovar tal juízo de prognose positivo até porque do processo não consta qualquer fato mesmo indiciário de que agora o condenado iria cumprir a condição fixada, ou que se possa ignorar o cometimento do novo crime.
*
O arguido requer e dá o seu consentimento e o magistrado do Ministério Público junto do tribunal a quo concorda que se averigue a possibilidade de o arguido cumprir a pena imposta em regime de permanência de habitação mediante pulseira eletrónica.
Ora parece-nos que esta questão terá que ser colocada e apurada e decidida pelo tribunal de primeira instância em primeiro lugar, porque este nunca se pronunciou.
a) Em resumo, pronunciamo-nos no sentido da improcedência do recurso no que concerne à impugnação do despacho que revogou a suspensão da execução da pena, em vez de prorrogar o prazo da suspensão mais uma vez como requerer o arguido.
b) E, após decisão do presente recurso por este tribunal da relação, sendo o mesmo no sentido da improcedência do recurso, deverão os autos baixar à primeira instância para que aí seja analisado e verificados os respetivos pressupostos e decidido o pedido formulado pelo condenado do cumprimento da pena de prisão que lhe foi imposta em regime de obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica.
Sendo que esse despacho judicial será por sua vez recorrível (…)”.

3.4. Da tramitação subsequente
Foi observado o disposto no n.º 2 do artigo 417.º do CPP, cumprindo agora apreciar e decidir sumariamente o recurso interposto pelo arguido.

II. FUNDAMENTAÇÃO
De acordo com o disposto no artigo 412.º do CPP e atenta a Jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19/10/95, publicado no DR I-A de 28/12/95 o objeto do recurso define-se pelas conclusões apresentadas pelo recorrente na respetiva motivação, sem prejuízo de serem apreciadas as questões de conhecimento oficioso.
Analisadas as conclusões de recurso as questões a conhecer prendem-se em saber se o despacho judicial, revogatório da suspensão da execução da pena de prisão sob condição resolutiva de o arguido executar 360 horas de tarefas a favor da comunidade, deve ser revogado mantendo-se a aplicação da suspensão da execução da pena de três meses de prisão ou se, na negativa, deve ser proferida decisão a determinar o cumprimento da pena principal na qual o arguido foi originalmente condenado, mas agora em regime de permanência na habitação, sujeito a vigilância eletrónica.
A resposta é clara sendo manifesta a improcedência do peticionado, ao ponto de reclamar a prolação de decisão sumária, como passaremos a explanar.

1. Da revogação do Despacho Revogatório da pena substitutiva de tarefas a favor da comunidade

Quanto à questão se é ou não de manter o despacho revogatório da pena substitutiva de tarefas a favor da comunidade, como bem assinala o MP em 1.ª instância (cujas motivações de recurso seguiremos de muito perto), decorreram mais de cinco anos desde a data da prolação da sentença condenatória, a qual transitou em julgado em 09-07-2018, e mais de um ano desde a concessão ao arguido de uma nova oportunidade, - derradeira -, para cumprir a condição – única – ao qual ficou sujeita a suspensão da pena de prisão.

O relatório da DGRSP de setembro de 2023, revelou que “De acordo com a nossa avaliação J não cumpriu a totalidade das obrigações constantes na sentença judicial proferida neste processo, nomeadamente no que respeita ao dever de prestar 360 horas de trabalho a favor da comunidade, que o mesmo não realizou” e ainda que, “O condenado revela hábitos de trabalho, todavia, em dezembro de 2022 teve de interromper a sua atividade laboral, para cumprir a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados de qualquer categoria pelo período de 9 meses, em que foi condenado no processo n.º 277/21.8GBBNV, Juízo Local Criminal de Benavente - Juiz 1 e seguidamente terá que cumprir idêntica pena acessória, no âmbito do processo n.º 304/21.9GABNV do Juízo Local Criminal de Benavente - Juiz 2. Ficou então desempregado, mas de imediato efetuou diligências por sua iniciativa e em março de 2023 começou a trabalhar, como auxiliar de produção, numa fábrica na sua localidade, “Plasbene – Tubos e Acess. Plástico, Lda”, de que aufere o vencimento base 760,00€. Atualmente está de baixa médica, por ter fraturado a extremidade do membro superior”.

Do certificando de registo criminal junto aos autos apurou-se ter o recorrente sido condenado na prática de dois crimes de natureza estradal tal o como o destes autos, durante o período de suspensão da execução da pena de prisão (Processos 304/21.9GABNV e277/21.8GBBNV).

O arguido não demonstrou ter realizado qualquer diligência ou esforço no sentido de cumprir as horas de trabalho comunitário.

Nada requereu ao processo ou justificou.

Ouvido, não apresentou qualquer razão plausível justificativa do incumprimento.

O arguido conta com várias condenações no seu certificado de registo criminal.

Nos termos do artigo 56.º, n.º 1 do CP, a suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso o condenado: (a) infringir grosseira ou repetidamente os deveres e regras de conduta impostos, ou, o plano de reinserção social, ou ainda (b) cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas.

Depois, se nos termos do disposto no artigo 55.º do CP, durante o período da suspensão, o condenado, culposamente, deixar de cumprir quaisquer dos deveres ou regras de conduta impostos, ou não corresponder ao plano de reinserção, pode o tribunal:

a) Fazer uma solene advertência;

b) Exigir garantias de cumprimento das obrigações que condicionam a suspensão;

c) Impor novos deveres ou regras de conduta, ou introduzir exigências acrescidas no plano de reinserção;

d) Prorrogar o período de suspensão até metade do prazo inicialmente fixado, mas não por menos de um ano nem por forma a exceder o prazo máximo de suspensão previsto no n.º 5 do artigo 50.º.

Em 04-07-2022, foi prorrogado o prazo por um ano para cumprimento da condição resolutiva imposta, mas compulsados os autos, resulta não ter o arguido, no prazo estabelecido para o efeito, dado conhecimento de eventuais dificuldades ou da impossibilidade de a cumprir.

Não justificou a sua conduta inadimplente, nem comprovou a realização de qualquer esforço no sentido de cumprir as horas de trabalho, sabendo que já tinha sido dada uma derradeira oportunidade.

A favor do arguido aponta-se o facto de estar profissionalmente integrado. Porém, não basta.

Estamos perante uma infração repetida dos deveres – no caso, do dever, único, aliás – a que ficou sujeita a suspensão da pena de prisão, a qual apenas é imputável ao próprio arguido, pois apesar de ter fraturado a mão e ficado sem carta, no tempo em que podia ter realizados as tarefas e em que a sua mão, ainda, estava funcional podia ter-se deslocado a pé, se tivesse interesse/vontade em cumprir o determinado, para o local de execução das tarefas e não o fez.

Tal comportamento não permite qualquer juízo de prognose favorável, comprometendo as finalidades que estiveram na base da suspensão da pena de prisão.

Não obstante as várias condenações constantes do seu CRC e, bem assim, a oportunidade concedida, o arguido revelou ter uma personalidade avessa ao direito, não interiorizando as consequências do não cumprimento das condições de suspensão da pena de prisão na qual foi condenado, denotando-se que a ameaça do cumprimento de uma pena efetiva não foi suficiente para cumprir os seus deveres e adequar a sua forma de agir com o direito, no fundo, o comportamento que a sociedade espera de si.

Sublinha-se que, ouvida a Técnica da DGRSP a mesma considerou tratar-se de uma questão de (des)motivação.

Resulta manifesta a despreocupação por parte do arguido em dar cumprimento, em devido tempo, à condição de suspensão da pena de prisão em que foi condenado.

Resta, pois, concluir ter o condenado incumprido a obrigação condicionante da suspensão da execução da pena de forma intencional e culposa.

Neste contexto, só se pode concluir que a suspensão da execução da pena de prisão, in casu, revelou não se terem alcançado as finalidades que estiveram na base da sua aplicação, não cumprindo a ressocialização do condenado, a reparação das normas violadas e o restabelecimento da confiança da sociedade na ordem jurídica, mostrando-se insuficiente para que ao condenado fosse possível refletir e consciencializar-se sobre o carácter negativo da sua conduta, não se tendo alcançado as finalidades de prevenção geral e especial exigidas.

Atento o exposto, nos termos do disposto no artigo 56.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 do CP e 495.º, n.º 2 do CPP, com base na conduta do condenado, o Tribunal recorrido determinou a revogação da suspensão da execução da pena de prisão aplicada nos autos, e em consequência o cumprimento efetivo da pena de três meses de prisão fixada por sentença.

Não tendo sido violadas quaisquer normas do CP ou da CRP nos termos do artigo 420.º, n.º 1, alínea a) do CPP, é de rejeitar o recurso por manifesta improcedência.

2. Da substituição da pena de prisão efetiva pelo RPH
A manifesta improcedência do recurso não é abalada pela circunstância de o recorrente, ainda, ter requerido que, em alternativa, a prisão efetiva fosse substituída pelo regime de permanência na habitação.
A este propósito cumpre assinalar, ser entendimento generalizado, que o momento para a aplicação do RPH é o da prolação pelo Tribunal de Julgamento da sentença condenatória, no momento da escolha da pena, quando o Julgador formula um juízo de adequação às finalidades da punição (artigo 43.º, n.º 1 alíneas a) e b) do CP).
O RPH, por força da Lei 94/2017 de 23.08, passou, todavia, a ter uma natureza mista[2]. Por um lado, com características de pena de substituição podendo ser decidida pelo Tribunal de julgamento na sentença condenatória em alternativa ao cumprimento da pena de prisão em meio prisional (alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 43.º do CPP). Por outro lado, como forma de execução da pena de prisão e ser aplicada na fase de cumprimento de pena em consequência da revogação de pena não privativa da liberdade aplicada em substituição da pena de prisão, por força do artigo 43.º, n.º 1, alínea c) do CP, a ser conhecida pelo Tribunal no qual decorreu o julgamento ou pelo TEP, quando a pena de prisão já está em curso (artigos 120.º, n.º 1, alínea b) e 138.º, n.ºs 2 e 4, alínea l) do Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade).
Sendo proferido despacho de revogação da pena de substituição não privativa da liberdade, nomeadamente de prestação de trabalho a favor da comunidade, quando a pena de prisão a cumprir não for superior a dois anos deve nesse momento ser ponderado se estão reunidas as condições para aquela pena privativa da liberdade ser executada em regime de permanência na habitação, nomeadamente, se por este meio se realizam, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição e se o condenado nisso consentir[3]. Ou seja, na situação da alínea c), do n.º 1 do artigo 43.º do CP o tribunal terá de realizar um juízo de ponderação e verificação das condições substantivas e formais para a aplicação do regime de cumprimento da pena privativa da liberdade na habitação, ao invés de o ser em estabelecimento prisional. O momento processual é, tendencialmente, aquele no qual o Tribunal aprecia e decide a revogação da pena substitutiva de tarefas a favor da comunidade e, consequentemente, determina se o condenado terá de cumprir a pena de prisão inicialmente fixada.
A aplicação do regime de permanência na habitação poderá ser ponderada, a requerimento do interessado, nomeadamente aquando da sua audição quanto à não execução das tarefas a favor da comunidade sob pena de cumprimento da pena de prisão fixada. A omissão da ponderação da aplicação do cumprimento da pena em regime de permanência na habitação, aquando da decisão de revogação da pena substitutiva, não constitui nulidade insanável legalmente prevista, nem tem de ser conhecida oficiosamente, sendo certo que, no caso, o arguido, durante a audição realizada no dia 28.11.2023, nem sequer suscitou a questão. É verdade que o Tribunal a quo adotando uma boa prática, até de molde a evitar recursos como o presente, poderia ter questionado o arguido sobre essa matéria (como aliás já o havia feito aquando da audição realizada em 07-06-2022 e o condenado até ter verbalizado nada ter a opor sobre a execução da prisão no regime de permanência na habitação), mas não o fez.
Embora o arguido, entretanto em 28-11-2023, não tenha requerido ao abrigo do artigo 43.º, n.º 1, alínea c) do CP, a execução da pena de prisão em regime de permanência na habitação, como o pode fazer a qualquer momento enquanto a pena de prisão não estiver extinta, tendo-o feito (embora incorporando o pedido na peça recursória), tal pedido terá de ser apreciado.
Daí, como consta do Parecer emitido pelo Procurador Geral Adjunto nesta 2.ª instância, o Tribunal a quo deverá emitir pronúncia sobre a execução da pena de prisão em regime de permanência na habitação, pois o condenado peticionou ao abrigo do artigo 43.º, n.º 1, alínea c), do CP, a sua execução em regime de permanência na habitação, antes da extinção da pena de prisão.
Como o arguido apenas no recurso para a Relação, questionou a substituição da pena de tarefas a favor da comunidade por permanência em habitação, sem que o tivesse feito perante a 1.ª instância, não pode esta 2.ª instância apreciar o peticionado, por se tratar de questão nova, que excede o objeto permitido do recurso e que implicaria a supressão de um grau de controle jurisidicional.
Assim, a 1.ª instância deverá conhecer a questão suscitada, podendo aproveitar a oportunidade para, ainda, se pronunciar sobre o desconto dos 8 horas de tarefas a favor da comunidade cumpridas pelo arguido no cômputo dos três meses de prisão, nos termos do artigo 59.º, n.º 4[4] e 58.º, n.º 3 do CP)
Independentemente do trânsito comunique de imediato a presente decisão à 1.ª instância, para ser apreciada com urgência a questão relativa à aplicação do RPH.

III. DECISÃO
Nestes termos e com os fundamentos expostos:
1. Rejeita-se, por manifesta improcedência o presente recurso (artigos 417.º, n.º 5, alínea b), 420.º, n.º 1, alínea a) e 414.º do CPP).
2. Sem prejuízo do referido em 1. na 1.ª instância deverão ser analisados e verificados os respetivos pressupostos e decidido o pedido formulado pelo condenado do cumprimento da pena de prisão que lhe foi imposta em regime de obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica.
3. Independentemente do trânsito da presente decisão sumária comunique de imediato a presente decisão à 1.ª instância, para ser apreciada com urgência a questão relativa à aplicação do RPH.

Évora, 24 de junho de 2024.
Beatriz Marques Borges
__________________________________________________
[1] (…)
[2] Cf. neste sentido Acórdão RE de 14-07-2020, proferido no P. 1742/14.9PAPTM-A.E1 e relatado por Laura Goulart Maurício disponível para consulta em:
https://www.dgsi.pt/jtre.nsf/134973db04f39bf2802579bf005f080b/d6a6aac781a9e6e0802585dd00470d69?OpenDocument.
[3] Cf. em sentido semelhante Acórdão RG de 03-10-2023, proferido no P. 747/15.7GBVLN .G3 e relatado por ISABEL GAIO FERREIRA DE CASTRO Sessão e disponível para consulta em:
https://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d3832/e73b18cd404e704b80258a4d004b84dc?OpenDocument.
[4] Este n.º 4 estabelece que: “Se, nos casos previstos no n.º 2, o condenado tiver de cumprir pena de prisão, mas houver já prestado trabalho a favor da comunidade, o tribunal desconta no tempo de prisão a cumprir os dias de trabalho já prestados, de acordo com o n.º 3 do artigo anterior".