CONDUÇÃO DE VEÍCULO EM ESTADO DE EMBRIAGUEZ
PENA ACESSÓRIA DE PROIBIÇÃO DE CONDUZIR
DETERMINAÇÃO DA MEDIDA DE PENA
Sumário

Tendo o arguido sido intercetado a conduzir com uma TAS de 2,166 gr/l, e apesar de não possuir antecedentes criminais, mostra-se correta a fixação da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor por um período de 9 (nove) meses.

Texto Integral




Nos termos dos artigos 417.º, n.º 6, alínea b) e 420.º, n.ºs 1 alínea a) e 2 do CPP, profere-se a seguinte

DECISÃO SUMÁRIA

I. RELATÓRIO
1. Da decisão
No Processo Abreviado n.º 104/23.1GCODM da Comarca de Beja, Juízo de Competência Genérica de Odemira, Juiz 1, relativo ao arguido M realizado julgamento foi proferida sentença, no essencial, com o seguinte teor:
“(…) Resultaram provados todos os factos constantes da acusação pública, nomeadamente que:”
1. No dia 08-04-2023, pelas 03h47m, na Rua Manuel Augusto Marcos, sita em Odemira, o arguido M conduziu um veículo automóvel marca Hyundai, modelo Galoper, de matrícula ………...
2. Naquelas circunstâncias de tempo, modo e lugar, o arguido apresentava um teor de álcool no sangue de 2,166 gramas litro já deduzida a margem de erro máxima admissível.
3. O arguido sabia que tinha ingerido álcool e que estava sob sua influência e ainda assim quis conduzir estando sob o efeito da substância que efetivamente fez, agiu de forma livre, deliberada e consciente, sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por Lei, tinha liberdade necessária para se determinar de acordo com essa avaliação.
Provou-se, ainda, que:
4. O arguido não tem antecedentes criminais registados e está arrependido.
5. O arguido é comerciante, auferindo cerca de 1.000 € por mês na sua área de trabalho, paga 100 € de renda, paga 420,00 € da hipoteca de uma loja, tem 3 carros e uma mota.
6. O arguido tem duas filhas de seis e catorze anos e paga cerca de 40 € a nível de despesas escolares com estas.
7. O arguido tem o 12.º ano de escolaridade.
8. Do local e da sua casa distavam cerca de cinco (5) minutos e conduziu vinte (20) metros.
“Os factos resultaram provados por um lado confissão integral e sem reservas do Arguido, ainda (… ) valorámos:
- As suas declarações para efeito das suas condições económicas, sociais e Pessoais.
- O seu CRC para efeitos dos seus antecedentes criminais.
(…) o Arguido conduziu na via pública em veículo automóvel com taxa de álcool superior a 1,2 gramas litro, isto é, preencheu o tipo objetivo do Artigo 192.º, n.º 1 do Código Penal, fê-lo com conhecimento e intenção da prática tal como como tinha conhecimento e consciência da ilicitude da mesma, isto é, de modo doloso direto e culposo.
Está, assim, preenchido o tipo legal.
Este é um crime que se aplica uma pena de prisão de 1 mês até um 1 ano, ou de multa de 10 a 120 dias.
Ora, somos desde já a afastar a aplicação de uma pena privativa da liberdade.
O arguido é primário, confessou integralmente e sem reservas os factos, está integrado social e familiarmente, não existem (…) necessidades preventivas que justifiquem a aplicação de uma pena de prisão, optando-se assim pela pena de multa.
Tudo ponderado, somos do entender que face, no entanto, a todos estes elementos favoráveis ao Arguido (…) mas também tendo em conta a elevadíssima taxa de álcool (…) apresentada, entendemos ser de fixar a pena em 60 dias de multa à taxa diária de 7,50 €.
Por outro lado, passando agora à pena acessória. Esta é aquela que em termos de (…) consequências na vida prática dos arguidos é mais apta a fazê-los entender o desvalor da sua conduta. É aquela que sentem diariamente o peso da opção que fizeram ao delinquir. E assim sendo, é aquela que é mais apta a ter o efeito dissuasor.
E aqui temos que sopesar, por um lado, as necessidades preventivas desta Comarca que são muito elevadas, porque há um grande número de ilícitos estradais, é também uma Comarca onde se só se consegue usar a estrada e, portanto, como tal evidentemente os crimes estradais têm que ser, por um lado, mais severamente reprimidos, e, por outro lado, também têm que ter este elemento em consideração. Há aqui uma dualidade.
Por outro lado, também, a grande pendência de ilícitos desta Comarca parece indicar uma falta de enraizamento do desvalor desta conduta. Especificamente, no que toca ao arguido, a taxa é elevadíssima e não pode ser contornada. (…) pôs em perigo os bens jurídicos, causa uma forte probabilidade de um acidente acontecer (…) e é isso precisamente que se visa (…) punir.
(…) temos que ter em atenção, por um lado, a integração social do arguido, a posição de respeito e até e acatamento que o arguido demonstrou em juízo perante o que quer que fosse que lhe teria sido aplicado, e por isso tudo (…) também somos de entender que dando aqui uma oportunidade ao arguido, mas tendo de ter em conta esta moldura, não podemos equiparar condutas que não são equiparáveis, não é a mesma coisa conduzir com 1,25 e conduzir com 2,166, somos de aplicar a pena de nove meses de sanção de pena acessória de inibição de condução. (…) “
Pelo exposto, julgo procedente por provada a acusação deduzida pelo Ministério Público e, em consequência, decido:
a) Condenar o arguido M, pela prática, no dia 08-04-2023, como autor material de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo art.º 292º n.º 1 do Código Penal, na pena de 60 (sessenta) dias de multa, à taxa diária de € 7,00 (sete) euros, o que perfaz o montante total de €420,00 (quatrocentos e vinte) euros;
b) Condenar o arguido M, na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, pelo período de 9 (nove) meses.
(…) fica advertido que, sob pena de incorrer num (…) crime de desobediência, tem que entregar a sua carta dez dias a contar do trânsito em julgado desta sentença no Tribunal ou em qualquer posto policial.
(…) E se conduzir durante então os nove meses a partir destes trinta dias comete o crime de violação de proibições (253.º), isto mesmo que não tenha entregue a carta. (…).”.

2. Do recurso
2.1. Das conclusões do arguido
Inconformado com a decisão o arguido interpôs recurso extraindo da respetiva motivação as seguintes conclusões (transcrição):
“I. O Recorrente, foi condenado pela prática, como autor material, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punível pelo artigo 292º, n. 1 do Código Penal, na pena de 60 (sessenta) dias de multa, à taxa diária de €7,00 (sete euros), o que perfaz o montante total de €420,00 (quatrocentos e vinte euros) e ainda na proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 9 (nove) meses
II. Discorda o Recorrido com a sentença ora recorrida, no que respeita à medida da pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 9 (nove) meses, porquanto o fim da pena acessória dirige-se especificamente à recuperação do comportamento estradal do condutor transviado.
III. Trata-se de uma censura adicional pelo facto que ele praticou.
IV. Na determinação da pena acessória deve o Tribunal dar importância à prevenção especial, que visa a consciencialização e a socialização do arguido, de molde a que futuramente paute as condutas de acordo com o prescrito pela lei, o que, no caso concreto, bastar-se-ia com uma pena acessória próxima dos limites mínimos legais (de 3 meses).
V. Por outro lado, na determinação da medida da pena deve ter-se em conta o sentido de equilíbrio e de justiça, que deve permanecer nos casos similares apreciados e julgados.
VI. E, para casos similares, os tribunais têm aplicado penas acessórias com uma moldura penal bastante mais próxima dos limites legais.
VII. O Recorrente trabalha, como comerciante, mais concretamente, joalheiro, habitualmente, na Zambujeira do Mar (a mais de 17 km da sua residência), tendo também uma loja, onde às vezes tem de se deslocar, em Vila Nova de Milfontes (a mais de 25km da sua residência).
VIII. As suas filhas menores frequentam a escola em Odemira (a mais de 10km da sua residência).
IX. Todas estas deslocações – bem como deslocações para o supermercado, farmácia, posto de saúde, veterinário – só podem ser feitas de carro.
X. O Recorrente necessita assim de conduzir para manter o seu negócio activo e para poder organizar a sua vida familiar.
XI. O Recorrente não possui antecedentes criminais, confessou os factos, demonstrou-se arrependido, apresenta total inserção social, profissional e familiar e não são significativas as exigências de prevenção especial.
XII. O Recorrente é também uma pessoa pacata, responsável e calma, que não costuma consumir bebidas alcoólicas em público ou fora da sua residência.
XIII. É demais consabido que o Concelho de Odemira é desprovido de meios de acesso entre as localidades, nomeadamente, devido à escassez de transportes públicos.
XIV. Pelo que a sustentabilidade do Recorrente - e, mais importante ainda, da sua família - acaba por estar, de certa forma, dependente da possibilidade de poder conduzir veículos com motor.
XV. Assim, a aplicação de tal pena acessória pelo período de 9 (nove) meses aplicada pelo Tribunal a quo ao ora Recorrente é excessiva e desproporcional.
XVI. Pelo que a Sentença recorrida violou o disposto nos artigos 69.º, 40.º e 71.º, n.º 1, todos do Código Penal.
XVII. Assim, o Recorrido considera ser proporcional a aplicação de uma sanção acessória mais próxima dos mínimos legais (de 3 meses).
TERMOS EM QUE DEVE O PRESENTE RECURSO SER APRECIADO, MERECENDO PROVIMENTO, COM A CONSEQUENTE REVOGAÇÃO DA DECISÃO RECORRIDA, NA PARTE EM QUE FIXOU A APLICAÇÃO DA SANÇÃO ACESSÓRIA DE PROIBIÇÃO DE CONDUZIR VEÍCULOS MOTORIZADOS PELO PERÍODO DE 9 MESES E SUBSTITUÍDA POR OUTRA QUE FIXE A DURAÇÃO DA PENA ACESSÓRIA DE PROIBIÇÃO DE CONDUZIR VEÍCULOS MOTORIZADOS POR PERÍODO PRÓXIMO DO MÍNIMO LEGAL (…)”.

2.2. Das contra-alegações do Ministério Público
Respondeu o Ministério Público defendendo o acerto da decisão recorrida, concluindo nos seguintes termos (transcrição):
“(…) propugna-se pela manutenção da douta decisão recorrida, nos exatos termos em que foi proferida, devendo o recurso a que se responde ser considerado totalmente improcedente, por não provado, mantendo-se a sanção acessória nos exatos termos determinados.”.

2.3. Do Parecer do MP em 2.ª instância
Na Relação a Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu Parecer no sentido do não provimento do recurso interposto pelo arguido.

2.4. Da tramitação subsequente
Foi observado o disposto no n.º 2 do artigo 417.º do CPP, cumprindo apreciar e decidir sumariamente o recurso interposto pelo arguido.

II. FUNDAMENTAÇÃO
Cumpre agora conhecer a única questão colocada no recurso relativa a saber se a medida da pena acessória de inibição de conduzir fixada em nove meses é excessiva e violadora dos artigos 40.º n.º 1, 69.º e 71.º, n.º 1 do CP, seguindo de perto as bem fundamentadas motivações de recurso apresentadas pelo MP em 1.ª instância.
Das conclusões apresentadas pelo recorrente, as quais, delimitam o objeto do recurso, resulta não ter sido sindicada a matéria de facto considerada assente, sendo, pois, nesta sede de a considerar sedimentada.
Na situação em apreciação, tendo por base essa factualidade dada como provada é manifesta a improcedência do recurso interposto que, por isso, deve ser rejeitado, como passaremos a explanar.
A medida da sanção acessória a aplicar, tendo por base e limite o grau de culpa fixado ao agente, terá em consideração o grau de exigência da prevenção geral e o da prevenção especial e se, no caso em análise esta última – na versão do recorrente – é mínima (e também por isso, na sua versão, a medida da sanção acessória é excessiva), já a exigência de prevenção geral é elevadíssima, como referido na sentença recorrida e a culpa do recorrente não pode deixar de se considerar média a elevada.
Quanto à culpa, traduzindo-se esta na criação de uma atividade interior desconforme com o Direito e revelada na prática dos factos, ela consubstancia o juízo pelo qual se torna o arguido responsável pelo comportamento que escolheu ter porquanto, podia e devia ter agido de outro modo evitando a violação da lei.
A pena a aplicar, consequentemente, não deve ir além da culpa do agente, nem ficar aquém das exigências mínimas da prevenção geral positiva devendo ter em consideração as exigências da ressocialização – prevenção especial – do arguido.
A determinação da medida concreta da pena acessória, terá, igualmente, de ter por base os critérios orientadores gerais contidos no artigo 71.º do CP.
A finalidade da sanção acessória, todavia, reside na censura da perigosidade da conduta associada, ao que não pode ser alheia a finalidade de prevenção geral, incluindo a de intimidação.
No caso, a perigosidade da conduta do recorrente evidenciou-se pelo elevado e efetivo perigo em que colocou a sua vida e a de terceiros ao conduzir com uma taxa de álcool no sangue de 2,166 g/L, o que não pode ser dissociado das finalidades de prevenção geral - atento o volume elevado de crimes desta natureza praticados na região de Beja/Odemira - da natureza dos bens jurídicos protegidos pelas normas criminais violadas – a segurança rodoviária – e, bem assim, da falta de consciência generalizada na população de que a condução de veículo na via pública é ato potencialmente perigoso e deve ser, sempre, efetuada em estrito cumprimento das regras estradais.
Sendo a medida abstrata da sanção acessória balizada entre os 3 meses e os 3 anos, o seu ponto médio situa-se em 19 meses e 15 dias. Tendo o Tribunal a quo fixado a pena acessória em nove meses, tal significa situar-se a condenação do recorrente seis meses acima do limite mínimo (3M) e em dez meses e quinze dias abaixo daquele ponto médio (19M 15D).
Considerando que a fixação da sanção acessória próxima do limite mínimo (3 M) deve corresponder, tendencialmente, a situações em que o arguido para além de ser primário, confessou os factos, revelou arrependimento, está social, profissional e familiarmente inserido, tenha atuado com negligência inconsciente, acuse uma taxa de 1,2 g/l de álcool no sangue ou próximo desta, é manifestamente improcedente o recurso interposto pelo recorrente no qual pede a fixação da sanção acessória em apenas três meses.
Se por outro lado, se considerar que mais perto do limite mínimo ficarão, ainda, situações nas quais, em condições idênticas, o agente tenha conduzido com negligência consciente e numa sequência gradativa com dolo eventual ou necessário, é evidente que as condutas praticadas com dolo direto e com uma taxa de álcool no sangue de 1,2 g/l, terão de corresponder tendencialmente à aplicação de uma sanção acessória, pelo menos, a partir dos seis meses.
Daí não surgir manifestamente como exagerada a fixação em nove meses desse quantum da sanção acessória, quando o arguido conduziu não com 1,2 g/l de álcool no sangue nem 1,3 g/l ou 1,4 g/l, 1,5 g/l, 1,6 g/l, 1,7 g/l, 1,8 g/l, 1,9 g/l, 2,0 g/l, 2,1 g/l, mas sim 2,166 g/l.
Depois, embora a determinação da medida concreta da pena principal e da acessória seja efetuada de acordo com os critérios gerais do artigo 71.º do CP, ocorrendo, em princípio, uma certa proporcionalidade entre a medida da pena principal e a medida da sanção acessória, no caso a sanção acessória fixada, em termos proporcionais, foi em medida manifestamente inferior à pena principal, certamente, derivado da circunstância de o Julgador a quo ter tido em conta a natureza e as finalidade específicas de cada uma das penas (principal e acessória).
Na verdade, se o mínimo da pena principal aplicável é 10 dias e o máximo de 120 dias de multa e o recorrente foi condenado em 60 dias de multa, 5 dias abaixo do ponto médio (65 dias), também por este critério, não era possível concluir pela existência de um qualquer excesso na medida da pena acessória fixada em nove meses, ou seja, dez meses abaixo do ponto médio (19 meses e 15 dias).
Por fim, estando o recurso, tal como consagrado no nosso sistema processual penal, delineado como um “remédio” jurídico para uma concreta decisão do qual resulte um erro de julgamento evidente, não sendo essa a situação em apreciação, porquanto a solução encontrada encontra respaldo legal, é evidente a manifesta improcedência do recurso interposto por não ter ocorrido qualquer excesso na fixação da medida da sanção acessória aplicada, nem qualquer violação dos artigos 40.º, n.º 1, 69.º e 71.º, n.º 1 do CP.

III. DECISÃO
Nestes termos e com os fundamentos expostos:
1. Decide-se rejeitar o recurso por manifesta improcedência.
2. Condena-se o recorrente no pagamento de 3 UC, nos termos constantes do n.º 3 do artigo 420.º do CPP.

Évora, 9 de julho de 2024.
Beatriz Marques Borges