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JUNÇÃO DE DOCUMENTOS COM A MOTIVAÇÃO DO RECURSO
EXTEMPORANEIDADE
CONDUÇÃO SEM HABILITAÇÃO LEGAL
PRISÃO EFECTIVA
REGIME DE PERMANÊNCIA NA HABITAÇÃO
Sumário
I - O objeto dos recursos é a decisão recorrida e não a questão por esta julgada, sendo certo que com a sua interposição se abre apenas a possibilidade de reapreciação dessa decisão, com base na matéria de direito e de facto de que se serviu ou podia servir a decisão impugnada, pré-existente, pois, ao recurso. II - Apresentando o recorrente dois documentos que não puderam ser tidos em consideração na prolação da decisão recorrida (tais documentos foram juntos aos autos apenas com a motivação do recurso interposto para este tribunal da Relação), a sua junção é manifestamente extemporânea e injustificada, não podendo os mesmos ser atendidos e ponderados na apreciação do recurso. III - A pena de prisão de 20 meses aplicada ao arguido (reincidente e já com 15 condenações por condução sem habilitação legal) não deve ser executada em regime de permanência na habitação com vigilância eletrónica, mas sim em meio prisional.
Texto Integral
Acordam, em conferência, os Juízes que integram a 2.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:
I – RELATÓRIO 1.1. No Tribunal Judicial da Comarca de Faro, Juízo de Competência Genérica de Vila Real de Santo António – J1, foi o arguido A condenado, por sentença proferida em 25 de outubro de 2023, em autoria material, na forma consumada, e como reincidente, de um crimede condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo art.º 3.º, n.º 2, do Decreto Lei n.º 2/98, de 03 de janeiro, na pena de 1 (um) ano de prisão (praticado em 16 de setembro de 2021), e de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo art.º 3.º, n.º 2, do citado Decreto Lei, na pena de 15 (quinze) meses de prisão (praticado em 17 de setembro de 2021), e na pena única de 20 (vinte) meses de prisão,.
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1.2. Inconformado com esta decisão, dela interpôs o arguido o presente recurso, formulando no termo da motivação as seguintes CONCLUSÕES (transcrição):
“1.ª- O arguido vem condenado da prática de dois crimes de “condução de veículo sem habilitação legal, p.(s) e p.(s) pelo artigo 3.º, n.º 2 do DL 2/98 de 03.01, respectivamente, nas penas de 1 ( num ) ano e 15 (quinze) meses de prisão; e em cumulo, na pela única de 20 meses de prisão; 2.ª- Mais foi decidido aplicar ao arguido a pena de prisão efectiva, devendo aquele cumprir os 20 meses de prisão aplicada em meio prisional, por se ter entendido que os seus antecedentes criminais – desde logo pela prática de 15 crime de condução sem habilitação legal – para além de suscitarem elevadas exigências de prevenção geral, punham em evidencia elevadas exigências de prevenção espacial; 3.ª- A defesa não tem argumentos que permitam rebater a decisão recorrida na parte atinente à escolha e medida das penas aplicadas, ou quanto à opção de aplicar ao arguido a pena de prisão efectiva; 4.ª- Efetivamente, o grau de culpa e as exigências de prevenção geral e especial que o caso em apreço põe em evidencia, e bem assim os antecedentes criminais do arguido não consentem fazer a propósito do seu comportamento futuro um juízo de prognose favorável que consinta a suspensão da execução da lena única de 20 meses de prisão aplicada; 5.ª- Porém, já não nos podemos conformar com a circunstancias de o Tribunal ter optado por obrigar o arguido a executar aqueles 20 meses de prisão em meio prisional, sem ponderar da possibilidade de o cumprimento da pena única aplicada poder ocorrer em “regime de permanência na habitação com vigilância eletrónica”, previsto no artigo 43.º, n.º1, al. do Cód. Penal; 6.ª- que nem as exigências de prevenção geral obterão qualquer ganho com a prisão efectiva do arguido em meio prisional; nem as exigências de prevenção especial serão acauteladas com essa forma de cumprimento da pena de prisão; 7.ª- Pelo contrário, parece-nos que as exigências de prevenção especial saíram a ganhar com a execução da prisão em regime de permanência na habitação; 8.ª- Pois que, com vista a reintegração social do condenado, o tribunal pode no âmbito desse Plano de Reinserção Social, que obrigatoriamente lhe está associado, autorizar ausências, frequência de programas de reinserção, de formação profissional, de habilitação; 9.ª- Sem que isso se mostre incompatível com as finalidades da execução da pena de prisão. 10.ª – Por fim, o arguido já contratou com uma escola de condução a prestação de serviços destinada a obter os conhecimentos necessários á obtenção da habilitação legal para conduzir; 11.ª- O que revela o seu empenho em ajustas a sua vida ao “dever ser” do direito, não voltando a cometer crimes.”
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1.3. Notificado da interposição do recurso, o Ministério Público apresentou a respetiva resposta, apresentando a seguinte síntese conclusiva (transcrição):
“1.ª - O arguido impugna a douta sentença que o condenou, entre o mais, como autor material de dois crimes de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo art.º 3.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º2/98, de 03/01 - no segundo dos quais, como reincidente -, na pena única de 20 (vinte) meses de prisão, defendendo que o douto Tribunal «a quo» o condenou sem considerar na sentença em crise a aplicação do modo de execução de tal pena de prisão em regime de permanência na habitação com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, em cumprimento do disposto no art.º 43.º, n.º 1, al. a) do Código Penal; 2.ª - Ou seja, o arguido pugna pela violação do disposto no artigo 43.º, n.º 1, al. a) o Código Penal, por o Tribunal «a quo» não ter deixado de forma expressa na sentença em crise, uma autónoma ponderação relativamente à aplicação ou não ao arguido do regime previsto no art.º 43.º do Código Penal para a forma de execução da pena de prisão a que o condenou; 3.ª - Na douta sentença em crise consta, para o que releva, que [por transcrição]: «(…) Revertendo ao caso concreto, temos, desde logo, que as necessidades de prevenção especial são muito elevadas. O arguido já sofreu várias condenações pela prática do crime que ora se apreciou, a saber 15; inclusive, em várias penas de prisão efectiva. (…) Com efeito, com cerca de 15 crimes cometidos e o cumprimento de várias penas de prisão, não vemos como formular um juízo de prognose favorável ao arguido. (…) Independentemente de qualquer boa inserção familiar, social e/ ou económica. A quantidade de ilícitos criminais, o circunstancialismo em que os crimes ora em apreciação ocorreram, em tão reduzido lapso de tempo, inculca a firme conclusão de que a suspensão da execução da pena não seria suficiente para o arguido empreender eficazmente a sua ressocialização alterando a sua conduta no futuro Em conformidade, entendendo-se não poder emitir-se um juízo de prognose futura no sentido de que a simples censura dos factos e a ameaça da pena, serão suficientes, para satisfazer as finalidades da punição, quer de reprovação, quer de prevenção geral e especial, que são especialmente relevantes, decide-se não suspender a execução da pena de prisão» [s/m]; 4.ª – Conforme se alcança da transcrição supra, o douto Tribunal «a quo» pronunciou-se sobre «se a pena de prisão aplicada ao arguido deve ser substituída pela pena de suspensão da respectiva execução» e concluiu pela necessidade de efectivo cumprimento de pena privativa de liberdade. Porém, mas já não se pronunciou de forma expressa e autónoma relativamente à aplicação ou não ao arguido do regime de permanência na habitação, previsto no art.º 43.º do Código Penal, para cumprimento da pena de prisão efectiva em que condenou o arguido; 5.ª - Ora, depreende-se da fundamentação da escolha da pena, que o douto Tribunal «a quo» considerou necessário para a ressocialização do arguido o cumprimento de uma pena de prisão efectiva e que esse juízo de prognose ocorria, no caso do arguido, «Independentemente de qualquer boa inserção familiar, social e/ ou económica», em face das 15 condenações que já havia sofrido pela prática de crimes da mesma natureza e, «inclusive, em várias penas deprisão efectiva»! Nesta medida, percebe-se que o douto Tribunal «a quo» afastou, liminarmente, a adequação e suficiência de execução desta pena de prisão também em regime de permanência na habitação, porquanto afirmou que, qualquer que fosse a natureza da inserção social, familiar e económica do arguido, as exigências de prevenção especial e geral são de tal forma elevadas que não se satisfazem com diferente execução da pena senão em prisão efectiva – subentendendo-se, que se referia a privação da liberdade em meio prisional! Foi por isso, que tão pouco considerou a necessidade de realização de relatório social ao arguido. 6.ª - E, perante os factos dados como provados na sentença em crise, quer relativamente aos antecedentes criminais do arguido, quer relativamente à respectiva condenação – nestes autos - como reincidente, afigura-se que a execução da pena de prisão em regime de permanência na habitação não satisfaz as finalidades da punição; 7.ª - Salvo melhor entendimento de V. Exas., é este o raciocínio que resulta da fundamentação da sentença do douto Tribunal «a quo» relativamente ao afastamento da medida de substituição traduzida na não suspensão da execução da pena de prisão, cujos argumentos esgotam de «per se» a necessidade de considerar a aplicação da outra medida de substituição, traduzida na execução da pena de prisão em regime de permanência na habitação; 8.ª – Neste contexto, não era imposto ao douto Tribunal «a quo» deixar plasmado na fundamentação da sentença em crise o raciocínio de percurso inverso; ou seja: o raciocínioexcludente da execução da pena de prisão aplicada ao arguido em regime de permanência na habitação por não satisfação de forma adequada e suficiente das finalidades da punição; 9.ª - Pelo exposto, afigura-se que a sentença do douto Tribunal recorrido valorou esubsumiu correctamente ao Direito aplicável os factos que traduzem a personalidade do arguidoe a sua conduta anterior e posterior ao crime e, consequentemente, deve ser integralmenteconfirmada, julgando-se improcedente o presente recurso.”
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1.4. Nesta Relação, a Exa. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da manutenção da decisão recorrida, subscrevendo a argumentação da Exa. Magistrada do Ministério Público junto da primeira instância, pugnando pela improcedência do recurso.
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1.5. Foi cumprido o estabelecido no art.º 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, tendo sido apresentada resposta pelo recorrente que deu como reproduzidas as razões expostas no seu requerimento de recurso pelas quais entende que aquele deve merecer provimento.
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1.6. Colhidos os vistos legais e realizada a conferência a que alude o art.º 419.º, do Código de Processo Penal, cumpre apreciar e decidir.
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II – FUNDAMENTAÇÃO 2.1. Âmbito do recurso e questões a decidir
Conforme entendimento pacífico, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respetiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objeto do recurso submetido à apreciação do tribunal de recurso, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que seja ainda possível conhecer.
Face às conclusões apresentadas pela recorrente da respetiva motivação, extraímos uma única questão a decidir, qual seja a determinar se a pena de prisão de 20 meses aplicada ao arguido deve ser executada em meio prisional ou em regime de permanência na habitação.
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2.2. A sentença recorrida 2.2.1. O tribunal de primeira instância deu como provados os seguintes factos: 1 - Em 16/09/2021, pelas 22,15 horas, o arguido conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros, de matrícula (…..), na Avenida dos Bombeiros Portugueses, nesta cidade, sem possuir habilitação legal para o efeito. 2 - Em 17/09/2021, pelas 4,00 horas, o arguido conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros, de matrícula (…..), na Rua Francisco Sá Carneiro, nesta cidade, sem possuir habilitação legal para o efeito. 2 - O arguido sabia que só podia conduzir veículos motorizados na via pública desde que fosse titular de licença de condução válida, emitida pelas competentes entidades administrativas. 3 - O arguido conhecia as características do veículo que tripulava, bem como as do local onde circulava. 4 - Agiu deliberada, livre e conscientemente. 5 - Sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei. 6 - O arguido já foi condenado, por sentença transitada em julgado em 03/03/2006, pela prática, até 2001, de 7 crimes de furto qualificado, p. e p. pelo artº. 204º do CP, de 5 crimes de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artº. 3º, nº.2, do DL 2/98, de 03/01, de 1 crime de introdução em lugar vedado ao público, p. e p. pelo artº. 191º do CP, de 2 crimes de burla informática, p. e p. pelo artº. 221º do CP, de 4 crimes de furto simples, p. e p. pelo artº. 203º do CP, de 1 crime de furto qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos artºs. 22º, 23º e 204º do CP, de 1 crime de desobediência, p. e p. pelo artº. 348º do CP, na pena de 90 dias de multa e na pena única de 11 anos e 6 meses de prisão. 7 - O arguido já foi condenado, por sentença transitada em julgado em 28/09/2002, pela prática, em 13/12/2000, de crime de falsificação de documento, p. e p. pelo artº. 256º, nºs.1, al.a) e 3 do CP, na pena de 4 anos e 8 meses de prisão. 8 - O arguido já foi condenado, por sentença transitada em julgado em 31/05/2013, pela prática, em 12/01/2011, de crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo artº. 3º, nº.2, do DL 2/98, de 03/01, na pena de 7 (sete) meses de prisão, cuja execução ficou suspensa pelo período de 1 ano. 9 - O arguido já foi condenado, por sentença transitada em julgado em 16/05/2014, pela prática, em 25/07/2012, de crime de furto qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos artºs. 22º, 23º e 204º do CP, na pena de 1 ano e 2 meses de prisão, suja execução ficou suspensa por igual período e subordinada a regime de prova. 10 - O arguido já foi condenado, por sentença transitada em julgado em 16/12/2014, pela prática, em 17/10/2012, de crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo artº. 3º, nº.2, do DL 2/98, de 03/01, na pena de 48 períodos de prisão. 11 - O arguido já foi condenado, por sentença transitada em julgado em 26/04/2016, pela prática, em 07/04/2015, de crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo artº. 3º, nº.2, do DL 2/98, de 03/01, na pena de 6 meses de prisão. 12 - O arguido já foi condenado, por sentença transitada em julgado em 10/11/2016, pela prática, em 24/05/2016, de crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo artº. 3º, nº.2, do DL 2/98, de 03/01, na pena de 14 meses de prisão. 13 - O arguido já foi condenado, por sentença transitada em julgado em 14/11/2016, pela prática, em 20/07/2015, de crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo artº. 3º, nº.2, do DL 2/98, de 03/01, na pena de 7 meses de prisão. 14 - O arguido já foi condenado, por sentença transitada em julgado em 04/09/2017, pela prática, em 20/07/2015, de crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo artº. 3º, nº.2, do DL 2/98, de 03/01, na pena de 1 ano de prisão. 15 - O arguido já foi condenado, por sentença transitada em julgado em 05/02/2018, pela prática, em 23/06/2015, de crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo artº. 3º, nº.2, do DL 2/98, de 03/01, na pena de 4 meses de prisão. 16 - O arguido já foi condenado, por sentença transitada em julgado em 13/07/2018, pela prática, em 25/05/2016, de crime de condução de veículo sem habilitação legal, p. e p. pelo artº. 3º, nº.2, do DL 2/98, de 03/01, na pena de 9 meses de prisão. 17 - Após acórdão cumulatório de penas, determinando o cumprimento das penas sucessivas de 12 meses e de 17 meses, foi concedida ao arguido a liberdade condicional em 25/12/2019”. (…..)”
2.3. Questão prévia Da admissibilidade dos documentos juntos com a motivação de recurso apresentada pelo recorrente
Com a motivação do recurso o recorrente juntou dois documentos: um relatório social elaborado pela DGRSP, junto no processo comum singular 524/21.6 GAOLH do Juiz 6 do Juízo Central, onde alegadamente foi acusado, por factos ocorridos entre 2018 e Setembro de 2021, pelo crime de violência doméstica, e um contrato de prestação de serviços celebrado com uma escola de condução, datado de 15.12.2023, com vista a obter a habilitação legal para conduzir veículos a motor, entendendo que os mesmos se revelam importantes.
Dispõe o art.º 165.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, que “O documento deve ser junto no decurso do inquérito ou da instrução e, não sendo isso possível, deve sê-lo até ao encerramento da audiência”.
Como refere o Juiz-Conselheiro Santos Cabral [em anotação a este artigo, Código de Processo Penal – Comentado, 4.ª edição, p. 650] “Após o encerramento da audiência em primeira instância não é admissível a junção de documentos. Efectivamente a redacção do número 1 cinge-se aos ciclos processuais, e enquanto o processo se encontra na primeira instância, o que se compreende pois que, a partir do momento em que está fixada a matéria de facto, a admissão de um documento por pertinente implica que o recurso não verse integralmente sobre as provas produzidas que constituíram o meio de convicção do juiz de primeira instância, mas, também, sobre algo distinto que é o documento. Caso pertinente, tal documento poderá ser analisado como fundamento de revisão de sentença”.
Também a jurisprudência dominante do STJ [entre outros, acórdãos do STJ, de 25.03.2004, proc. n.º 463/04, de 20.02.2008, proc. n.º 4838/08 e de 27.10.201 proc. n.º 72/06.4 GACBT.G1.S1, todos disponíveis no site da DGSI] considera que os documentos se destinam a fazer prova de factos e dado que para a formação da convicção probatória só relevam as provas que forem produzidas ou examinadas em audiência (cf. art.º 355.º, n.º 1, do Código de Processo Penal ), os documentos apresentados depois desse limite temporal não podem estar a coberto daquele normativo processual expressivo do princípio fundamental da imediação.
Como cristalinamente se lê no acórdão deste TRE, relatado pelo Exo. Desembargador Jorge Antunes “Na sua essência, o recurso é um remédio jurídico, o que significa que a reapreciação de segmentos decisórios, por um tribunal superior, se terá de fundar na invocação da existência de algo de concretamente errado na decisão proferida em 1ª instância. Efetivamente, o objeto dos recursos é a decisão recorrida e não a questão por esta julgada, sendo certo que com a sua interposição se abre apenas a possibilidade de reapreciação dessa decisão, com base na matéria de direito e de facto de que se serviu ou podia servir a decisão impugnada, pré-existente, pois, ao recurso.”
No caso dos autos, o recorrente apresenta dois documentos que não puderam ser tidos em consideração na prolação da decisão recorrida.
Os documentos foram juntos com a motivação do recurso (os quais não puderam ser tidos em consideração na prolação da decisão recorrida) para este tribunal da Relação, pelo que a sua junção é manifestamente extemporânea e injustificada.
Assim sendo, face à manifesta extemporaneidade, não serão considerados para a apreciação do recurso os documentos ora juntos pelo recorrente.
2.4. Apreciação do recurso
A única questão a decidir, como acima deixámos exposto, é a de determinar se a pena de prisão de 20 meses aplicada ao arguido deve ser executada em meio prisional ou em regime de permanência na habitação com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância.
O recorrente não discorda, nem da natureza, nem do quantum da pena que lhe foi aplicada. Insurge-se quanto à forma da sua execução que o tribunal de 1.ª instância entendeu ser de executar em meio prisional, pretendendo que a mesma seja executada no regime de permanência na habitação.
Vejamos.
No sistema penal português, por imposição constitucional decorrente dos princípios da necessidade/subsidiariedade da intervenção penal e da proporcionalidade das sanções penais (art.º 18.º, n.º 2, da CRP e, entre outros, art.ºs 70.º e 98.º, do Código Penal), a pena de prisão é a ultima ratio da política criminal - Maria João Antunes, Penas e Medidas de Segurança, 2017, p. 17. Com a redação atual do art.º 43.º, do Código Penal, introduzida pela Lei n.º 94/2017, de 23 de agosto, poderemos acrescentar que o cumprimento da pena de prisão em estabelecimento prisional é a opção derradeira para cumprimento de penas de prisão até dois anos (acórdão do TRP, de 18.12.2018, acessível em www.dgsi.pt). Com efeito, nos termos do art.º 43.º, n.º 1, do Código Penal: “Sempre que o tribunal concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão e o condenado nisso consentir, são executadas em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância: a) A pena de prisão efetiva não superior a dois anos; b) A pena de prisão efetiva não superior a dois anos resultante do desconto previsto nos artigos 80.º a 82.º c) A pena de prisão não superior a dois anos, em caso de revogação de pena não privativa da liberdade ou de não pagamento da multa previsto no n.º 2 do artigo 45.º” São pressupostos da aplicação do regime de permanência na habitação como meio de execução da pena de prisão: - o consentimento do condenado; - que a pena de prisão efetiva que o condenado tenha de cumprir não seja superior a dois anos; - que pelo regime de permanência na habitação se realizem de forma adequada e suficiente as finalidades da execução da pena de prisão. Verificando-se estes pressupostos, o Tribunal tem o poder-dever de ordenar a execução da pena pelo regime de permanência na habitação. No caso sub judice, mostram-se preenchidos os pressupostos formais – consentimento (é o que o condenado pede no recurso) e pena de prisão efetiva não superior a dois anos.
Porém, a aplicação de tal pena substitutiva sempre necessita de passar pelo crivo da conclusão de que “por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades (da execução) da pena de prisão”, sendo que in casu que, bem ponderada a conduta do arguido em todas as suas vertentes, temos para nós que a execução da pena de prisão através deste regime se revelaria inadequada, uma vez que atento o comportamento refratário do arguido se nos afigura que esta forma de execução da pena de prisão se mostraria manifestamente inadequada e insuficiente para salvaguardar as finalidades da execução pena de prisão, que por sua vez têm subjacente as necessidades de punição aqui reclamadas, as quais exigem o efetivo contacto do arguido com o sistema prisional.
Efetivamente, ao nível da forma de execução da pena de prisão, atenta a personalidade desviante do arguido apurada nos termos supra indicadas, afigura-se-nos que as prementes necessidades de prevenção geral e especial que, in casu, se fazem sentir desaconselham, quanto, outra forma de execução da pena de prisão que não seja a de cumprimento efetivo em estabelecimento prisional. Também, neste domínio, parece linear o acerto desta opção, dado que, em face do evidente percurso criminal do arguido, espelhado nos abundantes antecedentes criminais, este tribunal, de forma séria e isenta, não consegue mais emitir um juízo de prognose favorável apto a estribar a convicção de que o arguido não mais iria conduzir sem habilitação legal, caso lhe fosse concedida a possibilidade de cumprir esta pena em regime de permanência na habitação com vigilância eletrónica e, até, lhe fosse concedida a possibilidade de continuar a trabalhar, dado que nada parece demover o arguido de conduzir veículos sem habitação legal, ou seja, entende-se que tal seria uma decisão destituída de razoabilidade, artificial e sem apoio na teleologia que esteve subjacente ao pensamento do legislador ao tutelar este tipo de crime cuja ocorrência está envolvido na ocorrência de acidentes de viação que infelizmente ceifam a vida de cidadãos todos os anos.
Na verdade, verifica-se que o arguido, à data da prática dos factos objeto dos presentes autos, já tinha antecedentes criminais. Só no que tange à prática de crimes de condução sem habilitação legal o arguido já sofreu 15 condenações. E praticamente sempre em pena de prisão efetiva. Fica-se, assim, com a legítima perceção que subjacente ao comportamento delitivo assumido pelo arguido de conduzir um veículo automóvel na via pública parece estar uma banalização e, quiçá até, relativização por aquele assumida, já que as várias condenações a que tem vindo a ser sujeito, não o inibem, nem de perto nem de longe, de voltar a reincidir na prática deste crime de condução sem habilitação legal, importando, desta feita, fazer ver ao arguido que não vive na impunidade, como é óbvio.
É que o sentir da comunidade, cada vez mais, não tolera este tipo de comportamentos irresponsáveis, atentatórios da vida em comunidade, reivindicando, assim, que tais comportamentos sejam sancionados de forma justa, adequada e proporcional, sendo que, como supra já se enfatizou, tal reação penal passará inelutavelmente pelo cumprimento do arguido de uma pena de prisão em estabelecimento prisional, por forma a assegurar-se que, sendo submetido a tal pena, não volte, de facto, de futuro a insistir na prática de crimes, designadamente de condução de veículo sem habilitação legal.
Em suma, como já o dissemos, entendemos que o caso sub iudice, além de exigir a aplicação de uma pena de prisão, reclama ainda que esta execução seja efetiva e com contacto com o estabelecimento prisional, o que, por sua vez, afasta, quanto a nós, a aplicação no caso vertente da possibilidade prevista no art.º 43.º, do Código Penal, por se considerar que a mesma não assegura suficiente e adequadamente as prementes necessidades de punição que se fazem sentir, já que nada perece demover o arguido de prevaricar.
O arguido demonstra uma acentuada insensibilidade pelos bens jurídicos tutelados pelas normas em apreço, nos quais se incluem, para além da segurança das comunicações rodoviárias, conquanto reflexamente, a vida e a integridade física de terceiros [até por força do elevadíssimo número de acidentes de viação que ocorrem no nosso país, muitas vezes associados à prática deste tipo de criminalidade rodoviária relacionado com a condução de veículo sem habilitação legal na via pública, atenta a insegurança que tal conduta implica, por sequer se saber se o agente estará a par da pertinente legislação e prescrições rodoviárias].
Na verdade, a este respeito, consideramos que atento o evidente percurso criminal do arguido a pena de prisão ora aplicada não deve ser substituída por uma pena de diferente espécie, por tal não se revelar suficiente nem eficaz do ponto de vista das intensas exigências de prevenção especial que se fazem sentir ao mesmo, pelo que somente a execução da pena de prisão se mostra apta a prevenir a prática de novos crimes pelo arguido.
Evidencia-se, assim, a sua incapacidade para manter uma conduta conforme ao Direito, conforme atesta o seu passado ligado a este tipo de criminalidade.
Apenas um apontamento final.
Refere o recorrente, na conclusão 5.ª que o tribunal de 1.ª instância optou por determinar a execução da pena de 20 meses de prisão em meio prisional, sem ponderar da possibilidade de o cumprimento da pena única aplicada poder ocorrer em regime de permanência na habitação com vigilância eletrónica. De facto, podemos entender que o tribunal a quo não de pronunciou de forma expressa mas ao fazer verter na sentença que considera necessário para a ressocialização do arguido o cumprimento de uma pena de prisão efetiva e que esse juízo de prognose não ocorria, no caso concreto, “Independentemente de qualquer boa inserção familiar, social e/ ou económica. A quantidade de ilícitos criminais, o circunstancialismo em que os crimes ora em apreciação ocorreram, em tão reduzido lapso de tempo, inculca a firme conclusão de que a suspensão da execução da pena não seria suficiente para o arguido empreender eficazmente a sua ressocialização alterando a sua conduta no futuro”, percebe-se que o tribunal recorrido afastou, liminarmente, a adequação e suficiência de execução da pena de prisão também em regime de permanência na habitação.
Como acima se assinalou, o tribunal recorrido entendeu que qualquer que fosse a natureza da inserção social, familiar e económica do arguido, as exigências de prevenção especial e geral são de tal forma elevadas que não se satisfazem com diferente execução da pena senão em prisão efetiva – subentendendo-se, que se referia a privação da liberdade em meio prisional.
Nestes termos, decide-se pela improcedência do recurso, confirmando-se a sentença recorrida.
III – DECISÃO
Nestes termos, acordam, em conferência, os Juízes que integram a 2.ª subsecção criminal do Tribunal da Relação de Évora, em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido A e confirmar a sentença recorrida.
Custas a cargo do recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UCS (art.ºs 513.º e 514.º, ambos do Código de Processo Penal, e art.º 8.º, n.º 9, e Tabela III do Regulamento das Custas Processuais).
Notifique.
(O presente acórdão foi elaborado pela relatora e integralmente revisto pelos seus signatários – art.º 94.º, n.º 2, do Código de Processo Penal)