INVENTÁRIO NOTARIAL
REMESSA A TRIBUNAL
ARGUIÇÃO DE NULIDADE
USUFRUTO DOS BENS DA HERANÇA
Sumário

I - A inventário intentado em outubro de 2016 em Cartório Notarial ao abrigo do RJPI aprovado pela Lei 23/2013 remetido a tribunal, a requerimento dos interessados, nos termos dos artigos 12º e 13º da Lei 117/2019 de 13/09, passam a ser aplicáveis à sua tramitação, as novas disposições do CPC conferidas por esta mesma Lei.
II - A arguição de nulidade aduzida em conferência de interessados por não elaboração prévia do despacho sobre o modo como deve ser organizada a forma à partilha, definindo as quotas ideais de cada um dos interessados [previsto no artigo 1110º nº 2 al. b) do CPC], quando já anteriormente tinha sido formulada idêntica pretensão indeferida por decisão transitada em julgado, foi-o extemporaneamente, implicando a sua improcedência só com base neste fundamento.
III - Por força do disposto no nº 4 do artigo 2030º do CC, não obstante a declaração de o usufruto incidir sobre a totalidade dos bens da herança do de cuius, tal não afasta a qualificação da deixa testamentária como legado, precisamente por em causa estar apenas o usufruto.
IV - É havido como herdeiro, o que sucede no remanescente dos bens do falecido, não havendo especificação destes – vide 2030º nº 3 do CC.

Texto Integral

Processo nº. 2410/21.0T8STS-B.P1

3ª Secção Cível

Relatora – M. Fátima Andrade

Adjunto – José Eusébio Almeida

Adjunta – Teresa Sena Fonseca

Tribunal de Origem do Recurso - Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Jz. Local Cível de Santo Tirso

Apelantes / AA e BB

Sumário (artigo 663º nº 7 do CPC):

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Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto

I- Relatório

1) CC apresentou requerimento de inventário nos termos da Portaria 278/2013 de 26/08 em outubro de 2016 junto do Cartório Notarial na Trofa.

Foi nomeada cabeça de casal DD, viúva do inventariado EE, falecido em 21/01/2015.

A CC prestou declarações em 17/01/2017, então tendo declarado que o inventariado, com quem fora casada sob o regime de comunhão de adquiridos em segundas núpcias de ambos, deixou Testamento lavrado em 06/12/2010, no qual fez os seguintes legados:

a) À sua mulher, a declarante, a sua casa de habitação sita na Rua ..., da freguesia ..., inscrito no artigo ..., bem como o usufruto de todos os bens que compõem a herança, legados por conta da sua quota disponível.

b) Deixou em raiz o remanescente da sua herança a seus irmãos, todos naturais da referida extinta freguesia ... (...):

FF, NIF ..., solteiro, maior, residente na Rua ..., ..., segundo andar, ... Trofa;

AA, NIF ..., solteira, maior, residente na mesma Rua ..., ..., segundo andar, ... Trofa e,

BB, NIF ..., casado com GG, sob o regime da comunhão de adquiridos, residente na Rua ..., Edifício ..., ..., na Trofa.

Inventariado que deixou como únicos e universais herdeiros:

- a sua mulher e ora declarante DD e

- seu filho, requerente do processo, CC, o qual viu reconhecida a sua paternidade por ação judicial com sentença transitada em julgado posteriormente ao falecimento do de cuius.

No mesmo ato apresentou ainda a CC a Relação de Bens.

Relação que posteriormente mereceu aditamento, conforme mencionado na decisão de 22/11/2017.

Foi efetuada a notificação e citação dos interessados nos termos dos artigos 28º e 29º do RJPI e 225º e 245º do CPC para “os termos do inventário (…) podendo no prazo de 20 dias (…) deduzir oposição ao inventário, impugnar a legitimidade dos interessados citados ou alegar a existência de outros, impugnar a competência do cabeça de casal ou as indicações constantes das suas declarações ou invocar quaisquer exceções dilatórias, nos termos conjugados do artigo 30º e ss. com os artigos 14º e 15º todos do RJPI.”.

2) AA, FF e BB deduziram incidente de impugnação da legitimidade do interessado HH, requerendo a declaração de ser o mesmo estranho à sucessão do inventariado, na medida em que tal atinja os direitos dos impugnantes, nos termos e para os efeitos do disposto no nº 2 do artigo 1819º do CC.

Após resposta do interessado HH, foi proferida decisão em 22/11/2017  a indeferir o requerido quanto “à ilegitimidade do requerente” “com fundamento na prevalência e aplicação do Artº 2159 do Código Civil”

Tendo ainda sido agendada realização de Conferência preparatória da Conferência de Interessados, nos termos e para efeitos dos artigos 47º e 48º da Lei 23/2013.

Nomeadamente tendo então sido notificados os interessados que tal conferência preparatória seria destinada a:

a) Designar as Verbas que devem compor, no todo ou em parte, o quinhão de cada um dos Interessados e o valor por que devem ser adjudicados;

b) Indicar Verbas ou Lotes e respetivos valores para que, no todo ou em parte, sejam objeto de sorteio pelo Interessados;

c) Acordar na venda total ou parcial dos bens da Herança e na distribuição do produto da alienação pelos Interessados;

d) Aprovação do passivo da Herança, quando o haja, e da forma de cumprimento dos legados e demais encargos da Herança;

e) Deliberar quaisquer questões cuja resolução possa influir na Partilha.”

3) Notificados os requerentes identificados em 2) do decidido e do mesmo discordando, vieram requerer a remessa dos autos ao Tribunal Judicial para apreciação de tal questão.

O que foi indeferido por decisão de 03/01/2018, com o seguinte fundamento:

“indefere-se novamente, com fundamento nos termos do Artº 36 nº 3 da Lei Nº 23/2013 (Regime Jurídico do Processo de Inventário, RJPI); por competir às Partes recorrerem ao Tribunal, se assim o pretenderem, não sendo competência do Cartório Notarial remeter os autos, tal como pedido.”

4) Agendada nova conferência preparatória vieram os mesmos requerentes AA, II e BB, reclamar da relação de bens apresentada nos termos do disposto no artigo 32º nº 5 do RJPI.

O que mereceu resposta da CC (em 09/07/2018) pugnando pelo indeferimento do requerido.

Foi em seguida em 17/07/2018 proferida decisão de deferimento de abertura do Incidente, com fundamento no Artº 32 nº 5 da Lei Nº 23/2013 (Regime Jurídico do Processo de Inventário, RJPI)” e concedido aos interessados “o prazo de 20 dias, a contar a partir do dia 24-09-2018 para, querendo, intervirem no mencionado Incidente em aberto, nos termos do Artº 14 do RJPI;”

Igualmente constando desta decisão que se os pagamentos na mesma ordenados não forem efetuados, “se indefere a abertura do Incidente por falta de pagamento”.

5) Em 10/10/2018 é comunicado o falecimento da CC DD.

6) Em 19/11/2018 é apresentado requerimento por:

“A) JJ, casada com KK, no regime de comunhão de adquiridos, (…) e;

B) LL, casada com MM, no regime de comunhão geral, (…);

C) NN, solteira, maior (…);

D) OO, solteiro, maior (…) e;

E) PP, solteiro, maior (…).”

Alegando serem as 3 primeiras filhas e os 4º e 5º netos e filhos de QQ, pré-falecido em relação à falecida DD, de quem são os únicos herdeiros, tendo a mesma falecido sem testamento ou disposição de última vontade.

Tudo conforme procedimento simplificado de habilitação de herdeiros que juntaram, outorgado pela herdeira e cabeça de casal JJ.

Assim requerendo a sua habilitação como sucessores da interessada DD, declarando a requerente JJ aceitar desempenhar neste inventário o cargo de cabeça de casal;

7) Em 01/02/2019 é proferida decisão a:

- Quanto ao incidente de reclamação contra a relação de bens apresentado nos termos do artigo 32º nº 5 da Lei 23/2013, a remeter os interessados para os meios judiciais comuns, assim justificado:

“nos termos do Artº 36º do RJPI, tendo em conta a complexidade da matéria de facto, abstenho-me de decidir e remeto esse Interessados para os Meios Judiciais Comuns, mais especificadamente sobre a seguinte Questão: Decisão sobre a existência ou inexistência de Sonegação de Bens (Pavilhões Industriais e Contas Bancárias); nos termos dos Artºs 32 e 35 do RJPI,”

- A deferir a abertura do incidente processual de “Habilitação de Herdeiros de DD” identificados em 6;

- A declarar aberto incidente processual de substituição do Cabeça de Casal, atendendo a que os interessados CC e JJ (identificados nesta decisão) invocam cada um competir-lhes o exercício do cargo de CC;

- A designar o Interessado CC, para exercer as funções de Cabeça de Casal neste Processo de Inventário, “com fundamento na ordem estipulada pela lei civil; sem prejuízo de tal designação poder ser substituída nos termos dos Artº 22 do RJPI, e dos Artºs 2080 e 2085 do Código Civil;”

O qual prestou compromisso de bem desempenhar o cargo em 21/02/2019.

Em 04/07/2019 é designada nova data para realização da Conferência Preparatória, com as mesmas finalidades indicadas em 2).

8) Em 29/10/2019 os interessados mencionados em 4), tendo por referência a remessa das partes para os meios comuns quanto à reclamação de bens pelos mesmos apresentada, requerem a suspensão da tramitação do inventário por forma a fazerem prova da ação que irão instaurar tendo por objeto a inclusão de bens no acervo a partilhar.

E assim se não entendendo, mas requerem a avaliação de todos os bens constam da relação apresentada.

9) Em 04/03/2021, o requerente e CC CC requer a remessa dos autos a tribunal judicial, ao abrigo do previsto na al. b) do nº 2 do artigo 12º da Lei 117/2019 que entrou em vigor na pendência destes autos.

Tendo em 15/09/2021 sido ordenada a remessa dos autos para tramitação judicial, nos termos do artigo 12º nº 3 da Lei 117/2019.


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Remetidos os autos ao competente tribunal judicial e distribuídos foi:

10) Em 12/10/2021 ordenada a avaliação dos bens descritos na relação de bens.

11) Notificados os interessados, vieram de novo os interessados identificados mencionados em 4) requerer a suspensão da instância até que se verifique o trânsito da decisão a proferir na ação entretanto já pelos mesmos interposta.

12) Em 03/12/2021 foi dada sem efeito a ordenada avaliação dos imóveis que fora requerida antes, por não pagamento dos encargos.

Mais foi indeferida a requerida suspensão (mencionada em 11).

Proferido despacho saneador tabelar, foi ordenada a notificação dos interessados para “no prazo de 20 dias, se pronunciarem com referência à forma da partilha, nos termos consignados no art.º 1110.º/1, al. b), do Código de Processo Civil.”.

13) Os interessados mencionados em 6); o interessado e CC HH e os interessados identificados em 4) pronunciaram-se sobre os termos da forma à partilha.

14) Em 03/05/2022 foi agendada conferência de interessados nos seguintes termos:

“Em consonância com o preceituado no art.º 1110.º/2, al. b), do Código de Processo Civil, designa-se o dia 25 de maio de 2022, às 13 horas e 30 minutos para a realização da conferência de interessados, no âmbito da qual:

i) os interessados podem acordar, por unanimidade, na composição dos quinhões, designando as verbas que hão-de compor, no todo ou em parte, o quinhão de cada um deles e os valores por que devem ser adjudicados, indicando as verbas ou lotes e respetivos valores, para que, no todo ou em parte, sejam objeto de sorteio pelos interessados, acordando na venda total ou parcial dos bens da herança e na distribuição do produto da alienação pelos diversos interessados;

ii) à conferência compete, ainda, deliberar sobre a aprovação do passivo e forma de cumprimento dos legados e demais encargos da herança;

iii) se inexistir acordo, abrir-se-á licitação entre os interessados.


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Notifique os interessados, comunicando-lhes que podem fazer-se representar por mandatário com poderes especiais e confiar o mandato a qualquer outro interessado e consignando a cominação estipulada no art.º 1110.º/5, do Código de Processo Civil.”

Data, entretanto, reagendada, de acordo com a disponibilidade indicada pelos Exmos. Mandatários.

15) Na data agendada – 22/06/2022 - o Exmo. Mandatário dos interessados identificados em 4) requereu o adiamento da conferência “com base na falta de pronúncia sobre a quota ideal de cada interessado ainda não estar resolvida.”

O pedido então formulado foi indeferido.

Foi ainda em tal conferência requerida a avaliação de todos os bens imóveis relacionados.

O que foi deferido pelo tribunal a quo, nos termos do artigo 1114º do CPC.

E realizada a competente perícia – foi junto relatório final em 16/02/2023.

16) Falecido o interessado FF, foram por decisão de 23/06/2023 habilitados como seus herdeiros e sucessores os também interessados AA e BB.

Na mesma data tendo ainda sido agendada data para a realização de conferência de interessados nos termos do artigo 1110º nº 2 al. b) do CPC, no âmbito da qual:

“i) os interessados podem acordar, por unanimidade, na composição dos quinhões, designando as verbas que hão-de compor, no todo ou em parte, o quinhão de cada um deles e os valores por que devem ser adjudicados, indicando as verbas ou lotes e respetivos valores, para que, no todo ou em parte, sejam objeto de sorteio pelos interessados, acordando na venda total ou parcial dos bens da herança e na distribuição do produto da alienação pelos diversos interessados;

ii) à conferência compete, ainda, deliberar sobre a aprovação do passivo e forma de cumprimento dos legados e demais encargos da herança;

iii) se inexistir acordo, abrir-se-á licitação entre os interessados.”

17) Na data agendada para a realização da conferência de interessados – 12/07/2023 “foi requerido pela “Dra. RR (…) nos termos do nº 1 artº 1110º do CPC Civil, que previamente seja proferido despacho de saneamento do processo e notificados os interessados para dar forma à partilha, cujo teor ficou gravado no Sistema H@bilus Media Studio.

Dada a palavra ao Dr. SS disse não haver qualquer nulidade, sendo intempestivo o requerimento apresentado, cujo teor ficou gravado no Sistema H@bilus Media Studio.

Dada a palavra à Drª TT disse que a nulidade agora invocada e extemporânea, pelo que deve ser indeferido o requerimento apresentado, cujo teor ficou gravado no Sistema H@bilus Media Studio

Dada a palavra ao Dr. UU disse que o requerimento apresentado é de extrema importância ´por implicar diretamente no fato de os irmãos do "de cujus" ter ou não legitimidade para licitar nos bens da herança do presente inventário, cujo teor ficou gravado no Sistema H@bilus Media Studio.

Seguidamente o Mmº Juiz proferiu o seguinte:

DESPACHO

Aquilatando-se a pretensão supra formulada enfatiza-se que os presentes autos foram instaurados no ano 2016 pelo que lhes é aplicável o regime do pretérito do processo de inventário à luz do principio da adequação formal estatuído hodiernamente no Código Processo Civil.

Em decorrência infere-se linearmente que a não prolação do despacho que consigne a forma da partilha em momento prévio á conferencia de interessados é insuscetível de influir na decisão da causa, isto é, na partilha do acervo hereditário relacionado nos autos, não se vislumbrando, assim, fundamentos para a nulidade arguida, impondo-se o seu decaimento.

Pelo supra exposto indefere-se o requerido.”

Após interrupção da diligência, foi proferida ainda o seguinte

DESPACHO

“Equacionando-se as múltiplas vicissitudes do processado e impondo-se a delimitação da posição dos interessados no âmbito do vertente inventário profere-se imediato despacho da forma à partilha.

Em decorrência do sobredito, no âmbito dos títulos de vocação legitima, legitimária e testamentária, nos termos e para os efeitos nos artigos 2131º a 2136º e 2179º a 2182º do CPC no que tange à partilha do acervo hereditário do inventariado EE, atesta-se que faleceu no dia 21 de janeiro 2015, afigurando-se como herdeiros do mesmo:

a) a cônjuge sobreviva DD, no âmbito dos títulos de vocação legítimária[1] e testamentária;

b) o filho CC, em sede de vocação legitimária;

c) os irmãos FF, AA[2] e BB, a título de vocação testamentária.

Consequentemente, no que tange à partilha do acervo hereditário do EE procede-se da seguinte forma:

a) somam-se os valores de todos os bens relacionados;

b) divide-se o sobredito valor por três, correspondendo 2/3 à quota indisponível (legítima objetiva) e 1/3 à quota disponível;

c) imputa-se a quota disponível à herdeira testamentária DD;

d) divide-se os bens comuns do "de cujus" e da cônjuge sobreviva em duas partes iguais;

e) divide-se o acervo hereditário correspondente a metade dos bens comuns por três, correspondendo 2/3 à legitima imputada em partes iguais à cônjuge sobreviva e ao filho do "de cujus" e 1/3 à quota disponível, indexada aos herdeiros testamentários.

No que se atem à partilha do acervo hereditário de DD procede-se da seguinte forma:

a) afiguram-se como herdeiros da mesma, JJ, LL, NN, OO e PP a título de vocação legitima;

b) computa-se o valor dos bens;

c) divide-se o acervo hereditário por cinco, correspondendo cada quinhão à herança dos sobreditos herdeiros.

No preenchimento dos respetivos quinhões atender-se-á no que tange à cônjuge sobreviva à imputação por conta da quota disponível do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ... e do usufruto dos demais bens e igualmente equacionar-se-á os bens adjudicados em sede de licitação.”

Em seguida foi ainda requerido e decidido, o que ora se transcreve:

“Dada a palavra aos ilustres mandatários, pelo Dr. SS foi requerido que os herdeiros habilitados nos autos de DD seja adjudicado em comum e na proporção dos respetivos quinhões, ou seja, 1/4 para cada um dos seus filhos e 1/8 para os seus netos, pelo valor de avaliação €. 312.000,00 prédio da verba nº 1 - Prédio de habitação, com quintal, sito no lugar ..., Rua ..., ... Trofa, inscrito no artigo ..., da atual União freguesias ... (... e ...), que corresponde ao anterior artigo ... da extinta freguesia ... (...) e, descrito na Conservatória sob o nº ..., cujo teor ficou gravado no Sistema H@bilus Media Studio.

Seguidamente o Mmº juiz proferiu despacho a adjudicar aos sobreditos interessados o imóvel da verba nº 1 - Prédio de habitação, com quintal, sito no lugar ..., Rua ..., ... Trofa, inscrito no artigo ..., da atual União freguesias ... (... e ...), que corresponde ao anterior artigo ... da extinta freguesia ... (...) e, descrito na Conservatória sob o nº ....

No prosseguimento dos trabalhos e na falta de acordo quanto à adjudicação dos bens constantes da relação de bens, passou-se à licitação das mesmas, que obteve o seguinte resultado:

(…)”

Findas as licitações, foi proferido o seguinte

DESPACHO

“-Em decorrência das sobreditas operações de licitações, declara-se a adjudicação aos licitantes dos respetivos bens.

Seguidamente, pelo Dr. SS e pela Drª TT declararam que, em representação dos seus constituintes, prescindem reciprocamente de eventuais tornas que venham a ser apuradas nas contas finais e que sejam devidas aos mesmos interessados - cujo teor ficou gravado no Sistema H@bilus Media Studio.

Seguidamente o Mmº Juiz proferiu despacho que os autos aguardem o prazo de dez dias para eventuais reclamações sobre o despacho da forma à partilha.”


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Em 08/09/2023, os interessados AA e BB apresentam recurso de apelação dos despachos proferidos em sede de conferência de interessados realizada em 12/07/2023 antes do despacho sobre a forma de organizar a partilha – nomeadamente da extemporaneidade da conferência de interessados, por não ter sido proferido previamente despacho a indicar a forma à partilha, privando assim os recorrentes de conhecer a posição do Tribunal a tal respeito, como a lei lhes garante, para a poderem tomar em conta nas opções que ali lhes cabe tomar- afetam obviamente a utilidade prática das diligências realizadas na conferência de interessados” - e também deste mesmo despacho da forma de organizar a partilha e definir as quotas ideais de cada um dos interessados.

Tendo alegado e a final aduzido as seguintes conclusões:

“I- De harmonia como o disposto no nº 2 do art. 1110 do CPC, a conferência de interessados somente poderá ser realizada depois da prolação do despacho sobre o modo como deve ser organizada a partilha e definidas as quotas ideais de cada interessado;

II- Essa sucessão cronológica constitui uma diferença essencial em relação ao regime anterior, e resulta da intenção do legislador de fazer com que “no momento da realização das várias diligências que em que se consubstancia e concretiza a partilha do património hereditário, “todas as cartas se encontram já sobre a mesa” e não subsistam quaisquer dúvidas acerca da precisa situação jurídico-sucessória de cada um dos interessados e da consequente definição da quota ideal que lhe pertence”– como se exprimem Miguel Teixeira de Sousa, Carlos Lopes do Rego, António Abrantes Geraldes e Pedro Pinheiro Torres, membros da comissão autora da Reforma, a pág. 102 de “O Novo Regime do Processo de Inventário”, Almedina, 2020.

III- E isso, obviamente, porque a própria lei considera fundamental que, antes do momento decisivo da sua intervenção na conferência, os interessados tomem conhecimento da definição pelo Tribunal da quota ideal que lhes caberá, o que tendo em conta a normal existência de direitos conflituantes, nomeadamente em resultado da concorrência de sucessões legitimárias e testamentárias, da existência de legados ou de outras disposições que eventualmente sejam suscetíveis de ser reduzidas, etc.- lhes permitirá tomar posição ponderada e esclarecida sobre os seus direitos e interesses quanto à partilha do acervo hereditário, o que só o despacho prévio e o seu conhecimento irá permitir.

IV- Porém, o despacho recorrido, aliás douto, entendeu que “a não prolação do despacho que consigne a forma da partilha em momento prévio à conferência de interessados é insuscetível de influir na decisão da causa”, considerando assim que não existia qualquer nulidade na omissão desse despacho e indeferiu a sua arguição.

V- Tal despacho, porém, além de violar frontalmente a norma imperativa do nº 2 do referido art. 2110 do CPC, contém apenas afirmações perentórias, conclusivas e não justificadas nem explicadas, violando assim, também, o disposto no art. 154 nº 1 do CPC e desse modo integrando a nulidade da alínea b) do nº 1 do art. 615 do CPC, aplicável aos despachos por força do nº 3 do art. 613 do mesmo Código;

VI- Com efeito, o dever de fundamentar uma decisão judicial é uma decorrência direta do disposto no artigo 205.º, n.º 1 da Constituição da República, constituindo uma garantia constitucional de conformação legal, para além de resultar do direito fundamental a um processo equitativo, consagrado nomeadamente no artigo 20 .º n.º 4 daquele Diploma, assim como nos tratados de direitos humanos, como no artigo 10.º da Declaração Universal dos Direitos Humanos, além do artigo 14.º do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos – PIDCP), e ainda, a nível europeu, pelo art. 6.º, § 1.º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos – CEDH, constituindo jurisprudência firme dos nossos Tribunais que, estando o vício de irregularidade amparado, ainda que indireta ou implicitamente, por um despacho judicial, o meio idóneo para se reagir contra essa ilegalidade, havendo a possibilidade de recurso, é mediante a impugnação desse despacho – cfr., v. g,. os acórdãos citados no item 7. antecedente.

VII- Ora, é certo que a omissão de um ato ou formalidade que a lei prescreva só produz nulidade quando a lei o declare ou “quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa”, e aqui não se trata de nulidade de conhecimento oficioso, como resulta do artigo 196.º do CPC, pelo que o tribunal “só a pode conhecer sob reclamação dos interessados”, que aqui só poderia ser arguida perante o tribunal que proferiu a sentença (ou o despacho) se o processo não admitisse recurso ordinário, podendo o recurso, no caso contrário, ter como fundamento qualquer dessas nulidades, como é aqui o caso.

VIII- Mas é manifesto que, ao exigir imperativamente que a prolação do despacho sobre a forma à partilha tenha que anteceder a designação da conferência de interessados, e possibilitando até, expressamente, que dele se possa interpor recurso autónomo de apelação, é a própria lei que reconhece, sem sombra de dúvidas, que a sua inexistência constitui irregularidade que, do seu ponto de vista, pode influir no exame ou na decisão da causa, sendo apodítico que foi intenção do legislador que fosse dado esse conhecimento aos interessados antes da marcação da conferência de interessados, de forma a que possibilitar que aí venham a ter uma intervenção ponderada e consciente dos seus direitos.

IX- Consequentemente, deverá ser anulada a conferência de interessados realizada, bem como os atos nela realizados e dela dependentes, para que seja previamente proferido o despacho sobre a forma à partilha previsto na alínea a) do n.º 2 do art. 1110 do CPC, e posteriormente seja designada data para a conferencia de interessados, cumprindo-se o determinado na alínea b) daquele nº 2, bem como nos nºs 3, 4 e 5 do referido art. 1110 do CPC .

X- Em qualquer caso, deve ser revogado o despacho determinativo da forma à partilha proferido no decorrer da conferência de interessados realizada, e proferido novo despacho, que defina as quotas ideais de cada interessado no acervo da herança do inventariado -e apenas nesta- que tenha em conta os direitos de cada um, não só por força da qualidade de herdeiros legitimários da viúva e do filho do inventariado, mas também pelos direitos conferidos pelas suas disposições testamentárias a favor dos seus irmãos, as quais devem ser qualificadas como legados, visto respeitarem a bens certos e determinados (tanto como o direito de usufruto de todos os bens que computar a herança, a favor da viúva -com exceção da casa de habitação, que lhe foi legada em plena propriedade- como o direito à raiz ou nua propriedade desses mesmos bens aos irmãos do inventariado);

XI- Aliás, o próprio testamento qualifica expressamente como “legados”, as deixas a favor da mulher, não só a da propriedade da sua casa de habitação, como a do usufruto (já extinto) de todos os (restantes) bens que computar a sua herança, tratando-se, em ambos os casos da disposição de direitos diferentes sobre os mesmos bens (o seu usufruto à mulher e a respetiva raiz aos irmãos), sendo assim, de duas disposições de bens ou direitos determinados (a casa e o direito ao usufruto dos restantes bens que existam na herança, a favor da mulher, e o direito à raiz ou nua propriedade dos mesmos bens a favor dos irmãos), correspondendo assim ao critério definido pelo nº 2 do art. 2030 do CC, sendo certo que, embora não qualificando a disposição a favor dos irmãos, nem como herança nem como legado, o testador afirma que lhes deixa a raiz dos bens que designa como “o remanescente da sua herança”, significando, exatamente, que lhes deixa a raiz dos bens cujo usufruto deixara à mulher, ou seja, esse direito concreto e determinado –– sendo assim disposições de direitos concretamente determinados: o usufruto dos bens não abrangidos pelo legado da casa para a mulher, e a raiz desses mesmos bens, para os irmãos, constituindo dois legados complementares.

XII- Para além disso, terá designadamente que haver pronúncia sobre o cumprimento total ou parcial dos legados, e como proceder para determinar se existe excesso de bens legados ou licitados, e, caso exista, como preencher as quotas ideais de cada um dos interessados, que lhe cumpre ali indicar, e, bem assim, como determinar se haverá lugar a tornas e suas consequências, de modo a que fiquem previamente decididas as questões prévias que condicionam ou sejam relevantes para a partilha.

XIII- Assim, os doutos despachos recorridos, violaram, por erro de interpretação e aplicação, entre outros, o disposto nos arts. 1110 nº 2, alíneas a) e b), 1111, 154 nº 1, 615 nº 1 alínea b), por força do art. 613 nº 3, todos do CPC, 205.º, n.º 1 da Constituição da República e nº 2 do art. 2030 do CC.

Consequentemente, deve, na procedência do recurso, ser anulada a conferência de interessados realizada, bem como os atos nela realizados e dela dependentes, para que seja previamente proferido o despacho sobre a forma à partilha previsto na alínea a) do n.º 2 do art. 1110 do CPC, e posteriormente seja designada data para a conferência de interessados, cumprindo-se o determinado na alínea b) daquele nº 2, bem como nos nºs 3, 4 e 5 do referido art. 1110 do CPC.”

Não se mostram apresentadas contra-alegações.


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Apreciando ainda a (em sede de recurso) arguida nulidade, o tribunal a quo pronunciou-se pela preclusão da arguição de tal nulidade por extemporânea, nos termos constantes do despacho de 30/10/2023.

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Da análise do histórico dos autos verifica-se ainda que o tribunal a quo por decisão de 21/11/2023 retificou o despacho da forma à partilha, por inexatidão material nos seguintes termos:

“com referência à al. c) da partilha do acervo hereditário de DD, porquanto se afiguram como herdeiros da mesma os filhos JJ, LL, NN e QQ, o qual faleceu no dia 3 de julho de 2022, sendo herdeiros do antedito, no âmbito do direito de representação, os seus filhos OO e PP.

Pelo supra exposto, retifica-se o despacho que enunciou a forma da partilha do acervo hereditário de DD, consignando-se:

“ (…)

c) divide-se o acervo hereditário por quatro, imputando cada quinhão aos sobreditos herdeiros e atribuindo-se a parcela de QQ aos herdeiros do mesmo OO e PP, procedendo-se à divisão da antedita em partes iguais.”

Retificação que se terá presente.


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Foram dispensados os vistos legais.

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II- Âmbito do recurso.

Delimitado como está o recurso pelas conclusões das alegações, sem prejuízo de e em relação às mesmas não estar o tribunal sujeito à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito nem limitado ao conhecimento das questões de que cumpra oficiosamente conhecer – vide artigos 5º n.º 3, 608º n.º 2, 635º n.ºs 3 e 4 e 639º n.ºs 1 e 3 do CPC – resulta das formuladas pelos apelantes serem questões a apreciar:

i- Se o despacho recorrido sobre a arguida extemporaneidade da realização de conferência de interessados, antes da prolação do despacho sobre o modo como deve ser organizada a partilha, definindo as quotas ideais de cada um dos interessados, é nulo por falta de fundamentação.

Se o mesmo é merecedor de censura, ao não deferir a pretensão formulada pelo recorrente.

Com a consequente anulação da conferência realizada, para que seja proferido despacho sobre o modo como deve ser organizada a partilha, definindo as quotas ideais de cada um dos interessados, como o determina o artigo 1110º nº 2 al. b) e nos 3 a 5 do CPC (vide conclusão ix);

ii- Se o despacho sobre o modo como deve ser organizada a partilha, definindo as quotas ideais de cada um dos interessados proferido no decorrer da conferência deve ser revogado.

Nomeadamente qualificando os direitos conferidos aos irmãos do inventariado como legados – visto respeitarem “a bens certos e determinados”, tanto o direito de usufruto de todos os bens que computar a herança, a favor da viúva, com exceção da casa de habitação que lhe foi legada em plena propriedade, como do direito à raiz ou nua propriedade desses mesmos bens (vide conclusões x e xi).

Ainda emitindo pronúncia sobre o cumprimento parcial ou total de legados e como proceder se existir excesso de bens legados ou licitados e caso exista como preencher as quotas ideais, bem como tornas e suas consequências (vide conclusão xii).


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III- Fundamentação

Para apreciação do assim decidido, importa considerar as vicissitudes processuais acima já elencadas.


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Conhecendo.

Questão prévia: Da lei aplicável.

O presente inventário foi intentado em outubro de 2016 no Cartório Notarial da Trofa, ao abrigo do RJPI aprovado pela Lei 23/2013.

Na sua pendência foi publicada a Lei 117/2019 de 13/09, a qual revogou o RJPI, alterou o processo de inventário e aprovou o RIN – Regime de Inventário Notarial.

Nos termos do artigo 11º nº 1 desta Lei, a mesma passou a ser aplicável não só “aos processos iniciados a partir da data da sua entrada em vigor, bem como aos processos que, nessa data, estejam pendentes nos cartórios notariais, mas sejam remetidos ao tribunal nos termos do disposto nos artigos 11.º a 13.º”

Os presentes autos foram remetidos ao abrigo do previsto nos artigos 12º e 13º da Lei 117/2019 ao competente tribunal, a requerimento dos interessados.

Implicando que com tal remessa, passaram a ser aplicáveis à tramitação destes autos as novas disposições do CPC, na redação conferida por esta mesma Lei.

Do mérito do recurso.

Tal como resulta das vicissitudes processuais acima elencadas, quando os autos foram remetidos ao tribunal, no âmbito do processo notarial já tinham sido praticados atos diversos, nomeadamente tendo sido realizada conferência preparatória para os fins previstos nos artigos 47º e 48º da Lei 23/2013 (vide pontos 2 a 4 e 7 do relatório inicial).

Após remessa dos autos ao tribunal e ordenada a avaliação dos bens que ainda no âmbito do processo notarial havia sido requerida, foi ordenada a notificação dos interessados para se pronunciarem sobre a forma da partilha nos termos do artigo 1110º nº 1 al. b) do CPC.

Após tal pronúncia, foi agendada conferência de interessados (vide pontos 12 e 13 do relatório).

Sem que o tribunal a quo tenha proferido previamente despacho sobre o modo como deveria ser organizada a partilha.

Notificados os interessados do assim decidido, nada opuseram.

E na data agendada (após reagendamento) foi pelo Exmo. Mandatário dos interessados indicados no ponto 4) do relatório requerido o adiamento da conferência “com base na falta de pronúncia sobre a quota ideal de cada interessado não estar ainda resolvida”. O que foi então indeferido, sem reação de qualquer interessado – vide ponto 15 do relatório.

Após realização de avaliação dos imóveis ordenada na acima mencionada conferência, que por tal motivo foi interrompida, foi agendada nova data para realização da conferência de interessados (continuação, portanto).

Nesta foi invocada (de novo) a falta de despacho sobre a forma como deve ser organizada a partilha e definidas as quotas ideais de cada um dos interessados. Omissão esta configuradora de uma nulidade processual nos termos do artigo 195º do CPC, por representar a omissão de ato que a lei prescreve como obrigatório e com influência na decisão da causa.

Arguição de nulidade que mereceu pronúncia dos demais Exmos. Mandatários nos termos descritos por súmula na ata reproduzida no ponto 17 do relatório.

Após o que foi proferida decisão a julgar improcedente a arguida nulidade.

Decisão que constitui o primeiro alvo do objeto do presente recurso.

Estando em causa a arguição de nulidade secundária, ao abrigo do previsto no artigo 195º do CPC, resulta ter a mesma sido extemporaneamente arguida.

Nos termos do artigo 195º do CPC “Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.”

Nulidade que tem de ser arguida pelos interessados (pois não é de conhecimento oficioso – vide artigo 196º), nos termos previstos no artigo 199º do CPC: “se a parte estiver presente, por si ou por mandatário, no momento em que forem cometidas, podem ser arguidas enquanto o ato não terminar; se não estiver, o prazo para a arguição conta-se do dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum ato praticado no processo ou foi notificada para qualquer termo dele, mas neste último caso só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência.”

Ou seja, a partir do momento em que os interessados são notificados para a realização da conferência, sem que previamente tivessem sido notificados do despacho a que alude o artigo 1110º nº 2 al. a) do CPC, deveriam no prazo de 10 dias ter arguido essa mesma nulidade, por se presumir que então tomaram conhecimento da falta da prática de tal ato. O que não fizeram.

Ainda que assim se não entendesse, quando comparecem à diligência – em 22/06/2022 – necessariamente então têm conhecimento da omissão em análise. Tendo nesse mesmo ato sido suscitada a questão da não pronúncia sobre a quota ideal de cada interessado e requerido que a conferência fosse adiada com fundamento nesta omissão.

O que foi indeferido.

A arguição de falta de pronúncia sobre a quota ideal de cada interessado ainda por resolver, claramente visava a falta de despacho sobre o modo como deve ser organizada a partilha, definindo as quotas ideais de cada um dos interessados.

E tendo sido então indeferida, sem reação oportuna ao ali decidido, transitou a decisão que indeferiu tal pretensão.

Pelo que e sob pena de violação de caso julgado formal, não podia o tribunal a quo posteriormente deferir a arguição de nulidade que antes já julgara improcedente.

Nesta perspetiva a arguição de nulidade aduzida em conferência de interessados (de 12/07/2023) por não elaboração prévia do despacho sobre o modo como deve ser organizada a forma à partilha, definindo as quotas ideais de cada um dos interessados [previsto no artigo 1110º nº 2 al. b) do CPC], quando já anteriormente tinha sido formulada idêntica pretensão indeferida por decisão transitada em julgado, foi-o extemporaneamente, implicando a sua improcedência só com base neste fundamento.

Fundamento que se mantém aplicável, implicando por esta via a improcedência da arguida nulidade. E consequentemente improcedente o pedido de anulação da conferência, por este motivo.

Assim e com este fundamento, não merecendo censura o decidido.

Ainda que assim se não entendesse, facto é que o tribunal a quo, logo de seguida (após interrupção da diligência) proferiu o despacho a que alude o artigo 1110º nº 2 al. b) do CPC, suprindo nestes termos a omissão que os recorrentes haviam notado.

Pelo que sempre o recurso interposto desta decisão – extemporâneo nos termos assinalados – perderia o seu objeto, por satisfeita a pretensão final.

Fica nestes termos prejudicado o conhecimento dos demais argumentos invocados pelos recorrentes, nomeadamente quanto à falta de fundamentação do despacho.


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Assente a improcedência do primeiro segmento do recurso, analisemos o segundo segmento, relacionado com o despacho relativo ao modo como deve ser organizada a partilha e definidas as quotas ideais dos interessados.

Os recorrentes insurgem-se em suma e no que de especial releva para a sua posição no inventário, quanto ao decidido pelo tribunal a quo ao considerar que os mesmos foram instituídos herdeiros por via do testamento e não legatários.

Com todas as consequências que de tal decisão deriva para os seus interesses.

Analisemos.

O inventariado EE por testamento celebrado em 06/12/2010 declarou [vide doc. junto com as declarações de CC de 18/01/2017]:

- Lega a sua mulher DD a sua casa de habitação, sita na Rua ..., da freguesia ..., inscrito no artigo ... e ainda o usufruto de todos os bens que componham a sua herança, legados estes por conta da sua quota disponível.

(…)

- Deixa em raiz o remanescente da sua herança a seus irmãos, FF, AA e BB.


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Nos termos do disposto no artigo 2030º do CC:

- os sucessores são herdeiros ou legatários (nº 1);

- diz-se herdeiro o que sucede na totalidade ou numa quota do património do falecido e legatário o que sucede em bens ou valores determinados (nº 2).

Ainda:

- é havido como herdeiro, o que sucede no remanescente dos bens do falecido, não havendo especificação destes (nº3).

E finalmente o usufrutuário, ainda que o seu direito incida sobre a totalidade do património, é havido como legatário (nº 4).

Sendo certo que a qualificação pelo testador aos seus sucessores não lhes confere o título de herdeiro ou legatário, em contravenção do disposto nos números anteriores (nº 5).

Se o falecido não tiver disposto valida e eficazmente, no todo ou em parte, dos bens de que podia dispor para depois da morte, são chamados à sucessão desses bens os seus herdeiros legítimos – sendo herdeiros legítimos o cônjuge, os parentes e o Estado, chamados pela ordem indicada no artigo 2133º.

Existindo testamento, há uma porção de bens de que o testador não pode dispor, por ser legalmente destinada aos herdeiros legitimários e designada por legítima – sucessão legitimária (artigo 2156º do CC).

Sendo herdeiros legitimários, o cônjuge, os descendentes e os ascendentes, igualmente chamados pela ordem e segundo as regras da sucessão legítima (vide artigo 2157º do CC).

Ainda com relevo para o que se aprecia, concorrendo cônjuge e filhos à herança, a legítima do cônjuge e dos filhos é de 2/3 da herança (artigo 2161º do CC).

Sendo a legítima calculada por referência ao valor dos bens existentes no património do autor da sucessão à data da sua morte, ao valor dos bens doados – salvo dos que nos termos do artigo 2112º do CC não são sujeitos à colação; às despesas sujeitas à colação e às dívidas da herança (vide artigo 2162º do CC).

Temos assim de um lado os herdeiros legitimários – o cônjuge do autor da sucessão e o seu filho requerente do inventário HH.

A quem está reservada a legítima correspondente a 2/3 da herança a calcular nos termos indicados.

Temos depois um legado por conta da quota disponível a favor do cônjuge do autor da sucessão (entretanto também falecida), constituído por um imóvel concretamente identificado e pelo usufruto de todos os demais bens que componham a herança.

Por força do disposto no nº 4 do artigo 2030º acima já citado, não obstante a declaração de o usufruto incidir sobre a totalidade dos bens da herança do de cuius, tal não afasta a qualificação da deixa testamentária como legado, precisamente por em causa estar apenas o usufruto.

A observação que aqui assim se deixa visa afastar a argumentação dos recorrentes de que por via desta declaração, então a deixa testamentária a seu favor exarada – da raiz do remanescente da herança, constituiria ela própria um legado.

Assim não é.

Claramente e por definição legal, foram os irmãos do autor da sucessão instituídos herdeiros da “raiz do remanescente da herança” do autor da sucessão.

Remanescente, atenta a existência de herdeiros legitimários que incide sobre a quota disponível.

Partindo destes pressupostos, temos que o modo como deve ser organizada a partilha e definidas as quotas ideais de cada um dos interessados é a seguinte:

São sucessores:

a) a cônjuge sobreviva DD, por via de sucessão legitimária – herdeira e por via testamentária legatária por conta da quota disponível;

b) o filho CC, por via de sucessão legitimária herdeiro;

c) os irmãos FF, AA e BB, instituídos herdeiros por via testamentária da raiz do remanescente da quota disponível.

Na partilha do acervo hereditário do autor da sucessão, EE, há que proceder à soma de valores de todos os bens relacionados (valor total dos bens próprios e ½ do valor dos bens comuns).

Correspondendo 2/3 de tal valor à legítima ou quota indisponível e 1/3 à quota disponível.

O valor correspondente à legitima (de 2/3 do valor da herança) é dividido em partes iguais pelo cônjuge sobreviva e filho do falecido.

No valor da quota disponível – o 1/3 restante - é imputado o valor do legado deixado à herdeira testamentária DD, ou seja, do imóvel descrito na matriz sob o artigo ..., bem como (no caso de não total preenchimento desta com o imóvel) o valor do usufruto de todos os demais bens que compunham a herança até ao valor de tal quota. Reduzindo-se tal valor na medida do necessário se eventualmente exceder o valor da quota disponível (vide artigos 2171º a 2173º do CC).

Existindo remanescente da quota disponível (por não preenchimento total da mesma com o legado a favor do cônjuge), será atribuído aos irmãos do de cuius, nos termos do testamento – a distribuir na proporção de ½ para cada um [já que sendo inicialmente três e falecido um, foram habilitados como herdeiros deste falecido os outros dois – vide ponto 16 do relatório].


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Tendo entretanto falecido DD, o seu quinhão / a parte que lhe cabe por via sucessória neste inventário será distribuída pelos seus herdeiros, nos autos habilitados: os filhos JJ, LL, NN e por direito de transmissão do filho QQ falecido em 2022 (e que assim não exerceu o seu direito de aceitar ou repudiar a herança) os filhos deste (e netos daquela) – OO e PP, na proporção de ¼ para cada um dos filhos, sendo o ¼ que ao filho falecido caberia, será repartido em ½ por cada um dos seus dois filhos.

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Perante o exposto e no confronto com o que foi decidido pelo tribunal a quo quanto ao modo como deve ser organizada a partilha e definidas as quotas ideais dos interessados, nenhuma censura merece a sua decisão de considerar os recorrentes irmãos do inventariado como herdeiros testamentários, e não legatários. Principal fundamento do desacordo manifestado pelos recorrentes neste segmento de recurso.

Bem como nenhuma censura merece a definição das quotas ideais (considerando já a retificação que posteriormente foi efetuada quanto à distribuição do quinhão hereditário da entretanto falecida DD).

No mais é certo que oportunamente haverá de considerar os valores dos bens resultantes das avaliações e licitações ocorridas e na composição dos quinhões o que foi decidido em sede de conferência de interessados.

Não incumbindo nesta sede, determinar os efetivos preenchimentos dos quinhões, ou contabilizar excesso de bens legados ou de bens licitados, sequer de tornas, porquanto o despacho de que se recorre é anterior a tais atos, como aliás foi a opção do legislador.

O determinado é apenas a definição das quotas ideais de cada um dos interessados [vide 1110º nº 2 al. a) do CPC].

O que foi feito corretamente julgado pelo tribunal a quo.

Tudo o demais respeita aos resultados dos atos praticados em sede de conferência de interessados, sobre os quais os interessados poderiam ter tomado as posições que entendessem defender os seus interesses, incluindo opondo-se quer ao excesso de licitação quer aduzindo incidente de inoficiosidade (vide artigos 1111º e seguintes quanto aos atos a praticar em sede de conferência de interessados).


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Em suma e perante o exposto não merece censura o despacho recorrido que indicou como deve ser organizada a partilha e definiu as quotas ideais de cada um dos interessados.

Implicando a total improcedência do recurso interposto.


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IV. Decisão.

Pelo exposto, acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto em julgar totalmente improcedente o recurso interposto, consequentemente mantendo a decisão recorrida.

Custas do recurso pelos recorrentes.


Porto, 2024-07-10
Fátima Andrade
José Eusébio Almeida
Teresa Fonseca
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[1] Retificação de legítima para “legitimária” por nós efetuada, após audição do despacho gravado.
[2] Estando já o nome desta interessada retificado, conforme consta no histórico do processo a 12/07, de acordo com o requerido a 27/11 e determinado a 04/12/2023.