JUNÇÃO DE DOCUMENTO EM FASE DE RECURSO
LIQUIDAÇÃO DA QUANTIA EXEQUENDA
ÓNUS DA PROVA
Sumário

I - Não justificando a recorrente sequer por que apenas com as alegações de recurso junta aos autos documentos com os quais pretende reverter a decisão de facto quanto aos pontos que impugna e que respeitam a matéria que estava em apreciação, é clara a não admissibilidade da junção de tais documentos nesta fase processual, atento o disposto nos artigos 425º e 651º nº 1 do CPC.
II - A inobservância dos ónus de especificação previstos no artigo 640º nº 1 al. c) do CPC impõe a rejeição da reapreciação da decisão de facto.
Sem prejuízo das situações de conhecimento oficioso que imponham, perante a violação de normas imperativas, proceder a modificações na matéria de facto.
III - À executada embargante que impugna a liquidação da quantia exequenda, alegando terem sido efetuados pagamentos por conta de tal dívida, incumbe a prova dos pagamentos invocados.
E tendo a exequente embargada alegado, em sede de contestação, que na liquidação aritmética da quantia exequenda deduziu os valores que por conta dessa mesma dívida já recebeu da executada, incumbe-lhe tal demonstração.

Texto Integral

Processo nº. 2446/22.4T8AGD-A.P1

3ª Secção Cível

Relatora – M. Fátima Andrade

Adjunta – Ana Olívia Loureiro

Adjunto – José Eusébio de Almeida

Tribunal de Origem do Recurso - Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro – Jz. de Execução de Águeda

Apelante/ “A..., S.A.”

Apelada/ AA

Sumário (artigo 663º nº 7 do CPC):

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Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto

I- Relatório

AA deduziu por apenso à execução contra si instaurada por “A..., S. A.”, a presente oposição por embargos à execução, pedindo pela procedência da mesma:

«A) – Deve julgar-se procedentes as exceções alegadas, e consequentemente deve a Embargante ser absolvida do pedido;

B) – Ou sempre, devem os presentes Embargos ser procedentes por provados, com as legais consequências no decurso da ação executiva,

C) – Deve a Exequente ser condenada em multa e indemnização condignas a fixar por este Tribunal, bem como no reembolso à Executada das despesas que esta teve e tiver, incluindo os honorários do mandatário [artº 543º, nº 1 als. a) e b) do mesmo diploma legal].

D) Se requer a Vª Exª, ao abrigo do disposto no artº 733º, nº 5 do Cód. Proc. Civil, que determine que a venda da aludida verba nº 1 (prédio urbano sito no lugar..., inscrito na matriz sob o artº ... da freguesia ... e descrito na Conservatória do Registo predial sob o nº ...) aguarde a decisão proferida em 1ª Instância.”

Para tanto e em suma alegou:

i - correr termos no mesmo Juízo de Execução um outro processo executivo – 3834/12 no qual é exequente a mesma exequente (após ter sido habilitada no lugar da inicial exequente – Banco 1...) e foram executados a ora embargante e outro co-executado, tendo por base os mesmos títulos executivos.

Em tal execução a ora embargante deduziu oposição à execução a qual foi julgada procedente com a consequente extinção da execução contra a aqui executada.

Verifica-se, assim, que estava vedado à Exequente instaurar esta segunda Execução, em tudo semelhante àquela primeira (do ponto de vista dos requisitos essenciais para a verificação do caso julgado), com a consequente absolvição da executada;

ii - Ainda que assim se não entenda, a causa de pedir da presente execução é o incumprimento dos contratos referidos, que gerou o vencimento imediato da dívida, em 23.07.2008 (no caso do 1º contrato) e em 19.07.2012 (no caso do 2º contrato.

Prescrevem no prazo de cinco anos, nos termos do artigo 310º al. e) do CC “… as quotas de amortização do capital pagáveis com os juros”.

Segundo alega a própria Exequente, no caso dos autos, as prestações deixaram de ser pagas em 23.07.2008 e em 19.07.2012, pelo que relativamente a cada um desses contratos, nessas datas se iniciou o prazo de prescrição de cinco anos, nos termos do aludido no artº 306º, nº 1 do Cód. Civil.

O alegado crédito emanado do contrato celebrado em 23.04.2004 deve assim considerar-se prescrito desde o dia 23.07.2008 e o alegado crédito emanado do contrato celebrado em 19.04.2005 deve considerar-se prescrito em 19.07.2012 (vide artigos 22º e 23º do req. de embargos).

A Exequente instaurou a presente execução em 25.10.2022 e a Executada foi citada no dia 10.11.2022.

A dívida de capital respeitante ao contrato de 23.04.2004 prescreveu em 23.07.2013 e a dívida de capital respeitante ao contrato de 19.04.2005 prescreveu em 19.07.2017 (vide artigo 32º do req. de embargos).

Assim como os respetivos juros de mora – artigo 310º al. d) do CC.

Para o efeito convocando a opoente, entre o mais, o AUJ de 30/06/2022.

Mais alegou a embargante, à cautela:

iii - funda a exequente a sua legitimidade numa celebrada cessão de créditos em 2017, a qual carecia de lhe ser notificada, para ser eficaz (583º do CC).

Nunca tendo tal cessão sido a si notificada.

Sem prejuízo da carta recebida em dezembro de 2021 quando já havia sido absolvida do pedido formulado na anterior execução por sentença transitada. Como tal sendo em relação a si ineficaz tal cessão;

iv – A liquidação da obrigação exequenda não é a correta, porquanto após a liquidação de 13/09/2012 efetuada na outra execução – sendo os mesmos valores os indicados nesta execução – já foram efetuados pagamentos no valor de pelo menos € 27.731,76 pelo ali outro executado BB e para abater ao capital em dívida. Para além dos valores já penhorados na reforma do outro executado naquela execução que prossegue contra o mesmo e que aqui devem igualmente ser abatidos;

v- Finalmente invocou ainda a opoente a litigância de má-fé por parte da exequente/embargada atento o conhecimento da mesma dos factos por si alegados e assim da falta de fundamento quanto à pretensão pela mesma aduzida.

Termos em que terminou formulando o pedido acima já enunciado.


*

Admitidos liminarmente os embargos e notificada a exequente, contestou esta, em suma tendo impugnado parcialmente o alegado e no mais invocado:

- não se verificar a arguida exceção de caso julgado, porquanto as partes executadas são diferentes (nesta e na outra execução) e a absolvição da executada naquele outro processo teve como fundamento “o facto de a exequente não ter demonstrado que a obrigação se encontrava vencida por via da resolução extrajudicial, de acordo sentença judicial e Acórdão da Relação do Porto”

Pelo que nada impede a instauração de nova execução contra a ora embargante. Sendo improcedente a arguida exceção de caso julgado;

- A executada é a atual proprietária dos imóveis dados em garantia hipotecária dos mútuos invocados nos autos – por partilha subsequente a divórcio em data posterior à constituição das hipotecas, sem qualquer autorização daquela entidade bancária para efeito de extinção da responsabilidade de qualquer dos mutuários;

- A invocada prescrição não se verifica nos termos alegados, porquanto o prazo para o seu decurso se interrompeu com a citação dos executados na primeira execução em 20/09/2012.

Apenas se tendo voltado a contar a partir de 16/06/2016 quando foi proferido o Ac. do TRP.

Pelo que e tendo a executada voltado a ser citada nestes autos em 10/11/22 apenas poder-se-á falar de prescrição das quotas de amortização compreendidas entre junho de 2016 e novembro de 2017,

Pelo que não assiste razão à embargante quando alega a prescrição da totalidade da dívida;

- A cessão é válida e eficaz contra a executada que da mesma tem conhecimento pelo menos desde 28/05/2018. Mas mesmo que assim não fosse, sempre com a citação para a execução desta teria conhecimento.

- Quanto ao valor da quantia exequenda, igualmente impugnou a embargada o alegado, porquanto os juros da dívida importaram da mesma um acréscimo.

- Finalmente e pelo antes exposto, concluiu a embargada pela improcedência da arguida litigância de má-fé, por reclamar apenas o que lhe é devido.

Termos em que concluiu pela total improcedência da oposição à execução deduzida.


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Foi proferido despacho a deferir o pedido de suspensão da venda do imóvel identificado no pedido da embargante até decisão dos embargos.

E de seguida, agendada audiência prévia.

Nesta foi proferido despacho saneador, desde logo apreciando e julgando improcedentes as invocadas exceções de caso julgado, de prescrição do crédito exequendo e juros, bem como da ineficácia da cessão de créditos em relação à executada/embargante.

Tendo assim os embargos prosseguido para apreciação das demais questões – valor da quantia exequenda e litigância de má-fé.

Foi identificado o objeto do litígio e elencados os temas da prova.


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Após realização da audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença, julgando “procedentes os embargos de executado deduzidos por AA contra A..., determinando o prosseguimento da execução depois de deduzido ao valor da quantia exequenda o montante a que se refere o facto provado P) e ainda o que já foi pago no âmbito do processo executivo n.º 3834/12.0T2AGD deste Juízo de Execução, a realizar pela exequente nos autos principais, 10 dias após o trânsito em julgado da presente sentença.”

Do assim decidido apelou a exequente/embargada, oferecendo alegações e formulando as seguintes

Conclusões:

A) O tribunal a quo decidiu pela procedência dos embargos determinando o prosseguimento da execução depois de deduzido ao valor da quantia exequenda o montante a que se refere o facto provado em P) e ainda o aquele que foi pago no âmbito do processo executivo nº 3834/12 a título de penhora de reforma do executado BB.

B) Entendeu o tribunal a quo considerar provado o facto referido em Y segundo o qual: “Em 21.12.2021 iniciou-se nova penhora na pensão do executado BB, no âmbito do processo de execução nº 3834/12.0T2AGD até perfazer o valor global de 82.370,00.”

C) Analisando a notificação remetida ao Centro Nacional de Pensões em 17.11.2021 pela Agente de Execução Ana Antunes pode constatar-se que o valor em dívida na mesma referido é de €823.370,00 e não de €82.370,00 como o tribunal deu como provado.

D) Na realidade, o valor em dívida naquela data, não era de €823.370,00 nem tão pouco 82.370,00 como o tribunal a quo deu como provado.

E) Analisados o auto de penhora datado de 31.10.2018, bem como a decisão de adjudicação de rendimento periódico e extinção da execução datada de 26.10.2021, facilmente se percebe que na primeira data suprarreferida o valor em dívida era de €107.403,49, e na segunda data, volvidos três anos, o valor era de 164.368,71.

F) Conforme decorre da decisão de adjudicação de rendimento periódico e extinção da execução o valor médio mensal da penhora da pensão era de €98,27.

G) No período compreendido entre 23.07.2019 e 21.12.2021, no qual se concretizou a penhora da reforma do executado poderia, quando muito, ter sido realizada uma amortização na dívida exequenda na ordem dos três mil euros, tendo a embargada admitido no artigo 27 da sua contestação o recebimento de €3.808,98 a título daquela penhora, mas nunca permitido uma amortização da dívida de €160.786,90 para €83.370,00 como o tribunal a quo deu como provado.

H) Resultando da decisão de adjudicação de rendimento periódico e extinção da execução datada de 26.10.2021 que o valor em dívida era de 164.368,71.

I) Os valores considerados provados na alínea P) pelo tribunal a quo foram também eles amortizados no valor da quantia exequenda.

J) E tanto assim o é que analisada a sentença dos embargos proferida no âmbito do processo 3834/12.0T2AGD-A, junta à contestação apresentada pela embargada como doc. nº 1, pode aferir-se que foi dado como provado que o banco mutuante amortizou à dívida os pagamentos efetuados mais especificamente ao contrato de mútuo datado de 19.04.2005 -alínea K).

K) A embargada ao ter peticionado, em 25.10.2022, na presente ação o valor de €132.077,66 procedeu à amortização na quantia exequenda dos valores recebidos quer a título de pagamentos efetuados pelos mutuários quer a título de penhora da reforma do executado.

L) Tendo o tribunal a quo errado no julgamento que fez da matéria de facto.

TERMOS EM QUE, e nos melhores de Direito, Deve o presente Recurso ordinário ser julgado totalmente procedente, e substituída a douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo em conformidade com o supra exposto.

SÓ ASSIM SE FAZENDO JUSTIÇA!”

Apresentou a recorrida/embargante contra-alegações em suma tendo concluindo pela improcedência do recurso face ao bem decidido pelo tribunal a quo.

Sem prejuízo de ter alegado e requerido:

- não ter a recorrente cumprido o ónus de apresentar conclusões, na medida em que não procedeu a qualquer síntese ou condensação do afirmado nas conclusões, limitando-se antes a um “copy/past” do corpo das alegações.

Concluindo assim pela rejeição do recurso. O que pugnou fosse decidido;

- ser inadmissível a junção dos documentos oferecidos pela recorrente com o seu articulado de recurso, atenta a não verificação das circunstâncias excecionais que o justifiquem.

Circunstâncias que aliás a recorrente não alegou.


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O recurso foi admitido como de apelação, com subida nos próprios autos (da oposição) e com efeito meramente devolutivo.

Foram colhidos os vistos legais.


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II- Âmbito do recurso.

Delimitado como está o recurso pelas conclusões das alegações, sem prejuízo de e em relação às mesmas não estar o tribunal sujeito à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito nem limitado ao conhecimento das questões de que cumpra oficiosamente conhecer – vide artigos 5º n.º 3, 608º n.º 2, 635º n.ºs 3 e 4 e 639º n.ºs 1 e 3 do CPC – resulta das formuladas pela apelante serem as seguintes as questões a apreciar:

I- Questões prévias:

- rejeição do recurso por não observância do dever de apresentar conclusões;

- não admissibilidade dos documentos oferecidos pela recorrente com o seu articulado de interposição de recurso.

II- erro na decisão de facto.

Nesta sede sendo apreciado se a recorrente observou os ónus de impugnação e especificação que sobre si recaem.

III- erro na decisão de direito.


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III- Fundamentação

O tribunal a quo julgou provada a seguinte matéria de facto:

«A) No exercício da sua atividade creditícia a Banco 1..., celebrou com a Executada AA, em 23.04.2004, um contrato de mútuo, formalizado por escritura que serve de título à presente Execução, no montante de €60.000,00,

B) Para garantia das obrigações assumidas, foram constituídas duas hipotecas voluntárias sobre os seguintes prédios:

● Prédio urbano situado em ..., composto de casa de habitação de rés do chão com duas moradias e dependência, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Águeda sob o nº ... da freguesia ...;

● Prédio rústico situado em ..., composto de terreno de cultura e mato, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Águeda sob o nº ... da freguesia ... A opoente deixou de pagar as prestações mensais de capital e juros vencidos referentes ao contrato de 23.04.2003 desde 23.07.2008.

C) Hipotecas estas que foi registada na referida Conservatória do Registo Predial através da Ap. ... de 2003/12/04.

D) No documento complementar anexo à escritura supramencionada, ficou convencionado que o pagamento do referido mútuo seria efetuado em prestações mensais, sucessivas e constantes, de capital e juros, vencendo-se mensalmente.

E) No exercício da sua atividade creditícia a Banco 1..., celebrou com a Executada AA, em 19.04.2005, um contrato de mútuo, formalizado por escritura que serve de título à presente Execução, no montante de €35.000,00,

F) Para garantia daa obrigação assumida foi constituída uma hipoteca voluntária sobre o prédio urbano situado em ..., composto de casa de habitação de rés do chão com duas moradias e dependência, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial de Águeda sob o nº ... da freguesia ....

G) Hipoteca esta que foi registada na referida Conservatória do Registo Predial através da Ap. ... de 2005/03/31.

H) No documento complementar anexo à escritura supramencionada, ficou convencionado que o pagamento do referido mútuo seria efetuado em prestações mensais, sucessivas e constantes, de capital e juros, vencendo-se mensalmente.

I) Os contratos dados à execução têm inserida a seguinte cláusula: “A Banco 1... reserva-se o direito de resolver o contrato considerando o crédito imediatamente vencido se o imóvel hipotecado for alienado, arrendado ou de qualquer forma cedido ou onerado sem o seu consentimento escrito, se lhe for dado fim diverso do estipulado, e ainda, nos casos de falta de cumprimento, pela parte devedora, de qualquer das obrigações assumidas neste contrato.”

J) A executada faltou ao pagamento das obrigações emergentes do contrato de mútuo identificado em A) em 23.07.2008.

K) No que toca ao contrato de mútuo identificado em E), a executada faltou ao cumprimento das obrigações dele emergentes em 19.07.2012.

L) Para o pagamento das quantias devidas pelo incumprimento dos contratos supra referenciados, a Banco 1... intentou a ação executiva 3834/12.0T2AGD contra a ora embargante e o executado BB.

M) No requerimento executivo apresentado pela Banco 1... nesse outro processo, nele foi então alegado que:

- Os títulos executivos dados à execução são duas escrituras públicas de mútuo com hipoteca, outorgadas em 23.04.2004 (mútuo de € 60.000,00 sendo mutuante a Banco 1... e mutuários os então executados) e 19.04.2005 (mútuo de € 35.000,00 sendo mutuante a Banco 1... e mutuários os então executados);

- Os executados entraram em mora relativamente a ambos os contratos, sendo que tal incumprimento ocorreu em 23.07.2008 relativamente ao primeiro contrato e em 19.07.2012 relativamente ao segundo contrato;

- À data dos incumprimentos, o capital em dívida no primeiro contrato era de € 56.507,59 e no segundo contrato era de € 25.174,86;

- Para garantia das obrigações assumidas, os Executados haviam constituído duas hipotecas sobre (1) o prédio urbano situado em ..., composto de casa de habitação de rés-do-chão com duas moradias e dependência, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... e descrito na Conservatória do registo predial de Águeda sob o nº ... da freguesia ... e sobre (2) o prédio rústico situado em ..., composto de terreno de cultura e mato, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ... e descrito na Conservatória do registo predial de Águeda sob o nº ... da freguesia ....

E foi pedido o pagamento do valor de 81.682,45€ a título de capital e de 10.606,59€ a título de juros de mora.

N) A executada foi citada para os termos daquela execução em 20.09.2012.

O) E ali deduziu oposição à execução alegando, entre o mais, que não foi interpelada para proceder ao pagamento das quantias reclamadas, pelo que não foi convertida a mora em incumprimento definitivo, através da necessária interpelação estabelecida no artigo 808 do Código Civil.

P) A executada entre 11.09.2012 e 29.12.2014 procedeu à entrega das seguintes quantias à Banco 1..., na conta de DO nº ... associada aos contratos de mútuo aqui em execução:

- No dia 09.07.2012, no Balcão do Banco 1... de ..., € 740,73;

- No dia 10.10.2012, no Balcão do Banco 1... de ..., € 740,73;

- No dia 07.12.2012, no Balcão do Banco 1... de ..., € 885,62;

- No dia 06.02.2013, no Balcão do Banco 1... de ..., € 400,00;

- No dia 24.05.2013, no Balcão do Banco 1... de ..., € 5.000,00;

- No dia 31.05.2013, no Balcão do Banco 1... de ..., € 2.500,00;

- No dia 17.06.2013, no Balcão do Banco 1... de ..., € 1.000,00;

- No dia 02.08.2013, no Balcão do Banco 1... de ..., € 1.500,00;

- No dia 27.08.2013, no Balcão do Banco 1... de ..., € 940,00;

- No dia 22.11.2013, no Balcão do Banco 1... de ..., € 1.000,00;

- No dia 17.12.2013, no Balcão do Banco 1... de ..., € 1.000,00;

- No dia 06.01.2014, no Balcão do Banco 1... de ..., € 24,68;

- No dia 26.02.2014, no Balcão do Banco 1... de ..., € 600,00;

- No dia 07.03.2014, no Balcão do Banco 1... de ..., € 1.000,00;

- No dia 26.03.2014, no Balcão do Banco 1... de ..., € 1.100,00;

- No dia 01.04.2014, no Balcão do Banco 1... de ..., € 400,00;

- No dia 20.05.2014, no Balcão do Banco 1... de ..., € 1.000,00;

- No dia 18.06.2014, no Balcão do Banco 1... de ..., € 1.900,00;

- No dia 26.09.2014, no Balcão do Banco 1... de ..., € 800,00;

- No dia 02.10.2014, no Balcão do Banco 1... de ..., € 2.200,00;

- No dia 30.10.2014, no Balcão do Banco 1... de ..., € 1.000,00;

- No dia 29.12.2014, no Balcão do Banco 1... de ..., € 1.000,00;

- Em dia não constante do documento comprovativo da entrega, no Balcão do Banco 1... de ..., € 1.000,00, perfazendo o valor global de 27.731,76€.

Q) A oposição à execução foi julgada procedente e extinta a execução, porquanto a ali exequente não demonstrou ter procedido à resolução dos contratos de mútuo quanto à ora embargante.

R) A sentença proferida em 1ª instância foi confirmada pelo Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, que transitou em julgado em 08.09.2016.

S) Em 02.11.2017, a Banco 1... celebrou a com a A..., SA contrato de cessão de créditos, através do qual cedeu o crédito emergente dos contratos aqui em execução.

S) A A..., SA deduziu o incidente de habilitação de cessionário por apenso à execução n.º 3834/12.0T2AGD, que correu termos sob a letra B, em 03.01.2018.

T) A ora embargante foi ali notificada, na pessoa do seu mandatário, do contrato de cessão de créditos identificado em Q), por comunicação datada de 29.01.2018.

U) Foi proferida sentença de habilitação de cessionário em 26.02.2018, notificada na mesma data ao seu ilustre mandatário.

V) Em 23.07.2019, foi iniciada a penhora na pensão de reforma do executado no âmbito do processo 3834/12.0T2AGD, até perfazer o montante global de 160.786,90€.

W) Em 29.11.2021, a exequente enviou carta registada com A/R dirigida à ora embargante para ..., ... ..., com o seguinte teor:

“(…)

Assunto: Interpelação para pagamento

N/ Ref.: ... – ...

/ ... -.../...

(…)

A A..., SA. adquiriu, por via de cessão de créditos para efeitos de titularização nos termos previstos no Decreto-Lei n.º 453/99 de 5 de novembro, na sua redação atualizada, o crédito acima referenciado em assunto, contratado por V. Exa (s). Junto da Banco 1..., SA

Nos termos do disposto no Artigo 582.º do Código Civil, com a cessão de créditos, foram igualmente transmitidas à A..., SA, todas as garantias e direitos acessórios do crédito transmitido, designadamente, o direito de obter o cumprimento judicial ou extrajudicial das obrigações.

Deste modo, e tendo em conta o incumprimento verificado por parte de V. Exa(s)., vimos por este meio interpelar V. Exa(s). para que proceda(m) ao pagamento da quantia total em divida de € 107.647,15, correspondente ao não pagamento das prestações já vencidas e não pagas relativas ao crédito suprarreferido, bem como todas as prestações de capital vincendas.

Assim sendo, fixamos o prazo de 30 dias, contados da receção da presente carta ou da devolução da mesma, para que V. Exa(s), proceda(m) ao pagamento da quantia acima mencionada, podendo fazê-lo para:

Entidade: ...

Referência: ...

Nesta conformidade, aguarda-se a efetivação do pagamento por parte de V. Exa (s), pelo que, findo o prazo acima mencionado, sem que o pagamento ocorra, consideraremos a ocorrência de incumprimento definitivo para todos os efeitos legais, designadamente para efeitos do disposto nos artigos 808.º e 436.º do Código Civil, e para o direito de preenchimento da livrança, caso esta exista, pelo valor acima indicado.

(…)”

X) A carta foi rececionada por BB em 09.12.2021.

Y) Em 21.12.2021, iniciou-se nova penhora na pensão do executado BB, no âmbito do processo de execução n.º 3834/12.0T2AGD até perfazer o valor global de 82.370,00€.

Z) Em 23.03.2022, a exequente enviou carta registada com A/R dirigida à ora embargante para ..., ... ..., com o seguinte teor:

“(…)

Assunto: Notificação de resolução de contrato por incumprimento definitivo

N/ Ref.: ... – ...

/ ... -.../...

(…)

Fazemos referência à nossa anterior comunicação, que interpelou V. Exa(s). para o pagamento dos valores em divida relativos ao crédito acima referenciado em assunto, contratado junto da Banco 1..., S.A..

Tendo em conta que, nesta data, já decorreu o prazo suplementar indicado na nossa anterior comunicação de 30 dias, sem que tenha ocorrido qualquer pagamento, vimos notificar V. Exa(s). da resolução contratual por incumprimento definitivo, e consequentemente consideramos resolvido o referido contrato e vencida e imediatamente exigível toda a divida, e ver-nos-emos forçados, sem necessidade de nova interpelação, a recorrer à via judicial para cobrança das quantias em dívida.

(…).”

AA) A carta foi rececionada em 29.03.2022 por BB.

AB) A execução a que os presentes autos correm por apenso deu entrada em juízo em 29.10.2022.

AC) A exequente pediu o pagamento da quantia de 81.682,45€ a título de capital e de 50.395,21€ a título de juros, no valor global de 132.077,66€.”


*

Conhecendo.

1) Em função do supra já enunciado, cumpre apreciar em primeiro lugar as questões prévias suscitadas pela recorrida.

i- Da rejeição do recurso por alegada falta de conclusões – questão que em relação às demais se apresenta como prejudicial, justificando a sua apreciação em primeiro lugar.

Tal como resulta do alegado, esta inexistência funda-a a recorrida no facto de a recorrente, em violação do poder de síntese que lhe é imposto pelo artigo 639º nº 1 do CPC, ter reproduzido por “copy-past” os argumentos aduzidos no corpo alegatório no segmento denominado de “Conclusões”.

Como é sabido, esta é questão que tem dividido a jurisprudência, nomeadamente e com mais expressão, quando em causa está a reprodução ipsis verbis do corpo alegatório.

Para os que seguem uma interpretação mais restritiva, é defendido que a reprodução “ipsis verbis” nas conclusões do corpo alegatório não respeita o dever de apresentar conclusões, entendidas estas como uma síntese do alegado no corpo alegatório.

Com a consequente rejeição imediata do recurso, por violação do disposto no artigo 639º do CPC nº 1 e de acordo com a sanção prevista no artigo 641º nº 2 al. b) do mesmo CPC - entendimento em que a recorrida sustentou a sua argumentação.

Uma outra corrente, maioritariamente seguida pelo nosso tribunal superior, defende que no caso em que as conclusões violam o dever de síntese, mesmo quando consubstanciam uma reprodução “ipsis verbis” do corpo alegatório, justificarão as mesmas em última análise o convite ao seu aperfeiçoamento nos termos do artigo 639º, nº 3 do CPC. Já que formal e objetivamente as mesmas existem, ainda que violando a exigida e pressuposta síntese da argumentação aduzida, com vista a de forma clara e inteligível identificarem as questões colocadas ao tribunal[1].

Concordando com esta última corrente a que aderimos e entendendo que as conclusões aduzidas no presente recurso, ainda que pecando pela ausência de síntese, se apresentam claras e inteligíveis, de tal modo que a recorrida nas suas contra-alegações respondeu, sem denotar qualquer dificuldade na perceção das questões colocadas à apreciação deste tribunal, entende-se não só observado o dever de apresentar conclusões, como desnecessário o convite ao aperfeiçoamento das conclusões apresentadas.

Termos em que improcede a, pela recorrida, pugnada rejeição do recurso por alegada inexistência de conclusões.

ii- Da (in)admissibilidade dos documentos (3) oferecidos pela recorrente com o seu recurso.

Tal como resulta do disposto no artigo 410º do CPC, a instrução tem por objeto os temas da prova enunciados, ou quando não houver lugar a esta enunciação, os factos necessitados de prova.

E a prova tem por função demonstrar a realidade dos factos alegados – 341º do CC (Código Civil).

Àquele que invocar um direito incumbe a prova dos factos constitutivos do mesmo e à parte contrária a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito que contra si é invocado (342º do CC). Sem prejuízo das exceções previstas nos artigos 343º e 344º do CC no que concerne ao ónus de prova e da dispensa de prova dos factos notórios, tal como previsto no artigo 412º do CPC.

De entre os diversos meios de prova, definem os artigos 423º e segs. do CPC as regras adjetivas relativas à prova por documentos – definindo os termos em que é admissível a sua produção; encontrando nos artigos 362º e segs. do CC o contraponto em sede substantiva – relativo ao conceito e modalidades de documento e valor/ força probatória da prova documental.

Da leitura conjugada dos artigos 423º n.º 1, 429º n.º 2 ex vi 432º e 443º n.º 1 do CPC extrai-se que aos autos apenas devem ser juntos os documentos destinados a fazer prova dos fundamentos da ação ou defesa e que assim têm interesse para a decisão da causa, sendo por referência a estes fundamentos que será aferida a pertinência ou necessidade da sua junção.

Mais e quanto ao momento processual adequado à pretendida junção, regula o artigo 423º do CPC – estando em causa situação anterior ao encerramento da discussão, pois que para o momento posterior preceitua o artigo 425º do CPC – do qual se extrai que o momento processual adequado à junção de documentos aos autos para prova dos fundamentos da ação ou da defesa é por regra o da apresentação do articulado em que se aleguem os factos correspondentes, tal como se infere do nº 1 deste artigo 423º que disciplina o “Momento da Apresentação”.

Fora deste momento próprio, sendo ainda permitida a apresentação de tais documentos, conforme decorre do citado artigo 423º:

“2- (…) até 20 dias antes da data em que se realize a audiência final, mas a parte é condenada em multa, exceto se provar que os não pôde oferecer com o articulado.”.

Após tal limite temporal, apenas sendo “3- (…) admitidos os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até àquele momento, bem como aqueles cuja apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.”.

Assim e fora da situação regra – junção com o respetivo articulado – apenas é permitida a junção dos documentos pertinentes até 20 dias antes da audiência com multa, salvo se for provado que antes com o respetivo articulado os não pôde oferecer. Após tal momento e até ao encerramento da discussão sendo ainda permitida a junção de documentos quando:

- a apresentação não tiver sido possível até àquele momento ou quando

- a apresentação se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.

A impossibilidade de apresentação em momento anterior poderá ser fundada em circunstâncias objetivas por o documento se reportar a incidências supervenientes a tal limite temporal, ou em circunstâncias subjetivas por até lá a parte do mesmo ou da situação a que se reporta não ter tido conhecimento.

A necessidade de apresentação em momento posterior tem por sua vez como pressuposto a novidade da questão que o mesmo visa provar, o que não ocorre quando este se destina à prova de questões alegadas nos articulados e que são alvo de prova.

Já em sede de recurso e como resulta da análise conjugada do disposto nos artigos 425º e 651º nº 1 do CPC é ainda admitida a junção de documentos após o encerramento da discussão e às alegações de recurso:

i- nas situações do artigo 425º do CPC, ou seja, quando a junção não tenha sido possível até ao encerramento da discussão.

Impossibilidade fundada em superveniência do documento por referência ao encerramento da audiência em 1ª instância.

Superveniência objetiva se em causa estiver ocorrência superveniente a tal momento temporal.

Superveniência subjetiva se em causa estiver o não conhecimento pela parte da ocorrência ou do documento em si em momento anterior.

Sobre a parte recaindo o ónus de justificar por que antes não teve de tal conhecimento;

ii- nas situações em que tal junção se tenha tornado necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância (artigo 651º nº 1 do CPC).

Necessidade justificada pela novidade da questão tratada na decisão e que assim não visa provar o que foi alegado nos articulados.

No caso dos autos, é claro não estar em causa uma qualquer situação de superveniência objetiva ou subjetiva.

Tão pouco estando em causa uma qualquer novidade de questão tratada na decisão recorrida.

Não justificando a recorrente sequer por que apenas com as alegações de recurso junta aos autos documentos com os quais pretende reverter a decisão de facto quanto aos pontos que impugna e que respeitam a matéria que estava em apreciação, é clara a não admissibilidade da junção de tais documentos nesta fase processual, atento o disposto nos artigos 425º e 651º nº 1 do CPC.

Questão diferente é saber se a subsunção jurídica merece censura, mas tal é questão que se prende já com o mérito do recurso.

Termos em que se não admite a junção aos autos dos 3 documentos oferecidos com as alegações de recurso.

Documentos estes a desentranhar dos autos e a restituir à apresentante (vide artigo 443º nº 1 do CPC).

Vai a apresentante condenada na multa de 1 UC (artigo 443º nº 1 e 27º nº 1 do RCP).

2) Do erro na decisão de facto.

Na reapreciação da matéria de facto – vide nº 1 do artigo 662ºdo CPC - a modificação da decisão de facto é um dever para a Relação, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou a junção de documento superveniente impuser diversa decisão.

Tendo presente que o princípio da livre apreciação das provas continua a ser a base, nomeadamente quando em causa estão documentos sem valor probatório pleno; relatórios periciais; depoimentos das testemunhas e declarações de parte [vide art.ºs 341º. a 396º. do Código Civil (C.C.) e 607.º, n.ºs 4 e 5 e ainda 466.º, n.º 3 (quanto às declarações de parte) do C.P.C.], cabe ao tribunal da Relação formar a sua própria convicção mediante a reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes ou que se mostrem acessíveis. Fazendo ainda [vide António S. Geraldes in “Recursos no Novo Código do Processo Civil, 2ª ed. 2014, anotação ao artigo 662º do CPC, págs. 229 e segs. que aqui seguimos como referência]:

- uso de presunções judiciais – “ilações que a lei ou julgador tira de um facto conhecido para afirmar um facto desconhecido” (vide artigo 349º do CC), sem prejuízo do disposto no artigo 351º do CC, enquanto mecanismo valorativo de outros meios de prova;

- ou extraindo de factos apurados presunções legais impostas pelas regras da experiência em conformidade com o disposto no artigo 607º n.º 4 última parte (aqui sem que possa contrariar outros factos não objeto de impugnação e considerados como provados pela 1ª instância);

- levando em consideração, sem dependência da iniciativa da parte, os factos admitidos por acordo, os provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito por força do disposto no artigo  607º n.º 4 do CPC (norma que define as regras de elaboração da sentença) ex vi artigo 663º do CPC (norma que define as regras de elaboração do Acórdão e que para o disposto nos artigos 607º a 612º do CPC remete, na parte aplicável).

Finalmente releva realçar ser ónus do recorrente apresentar a sua alegação e concluir de forma sintética pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão – artigo 639º n.º 1 do CPC - na certeza de que estas têm a função de delimitar o objeto do recurso conforme se extrai do n.º 3 do artigo 635º do CPC.

Estando em causa a impugnação da matéria de facto, obrigatoriamente e sob pena de rejeição deve o recorrente especificar (vide artigo 640º n.º 1 do CPC):

“a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”.

Assim e sem prejuízo das situações de conhecimento oficioso que impõem ao tribunal da Relação, perante a violação de normas imperativas, proceder a modificações na matéria de facto, estão estas dependentes da iniciativa da parte interessada tal como resulta deste citado artigo 640º do CPC.

Motivo por que e tal como refere António S. Geraldes in “Recursos no Novo Código do Processo Civil, já supra citado, em anotação ao artigo 662º do CPC, p. 238 “à Relação não é exigido que, de motu próprio, se confronte com a generalidade dos meios de prova que estão sujeitos à livre apreciação e que, ao abrigo desse princípio, foram valorados pelo tribunal de 1ª instância, para deles extrair, como de se tratasse de um novo julgamento, uma decisão inteiramente nova. Pelo contrário, as modificações a operar devem respeitar em primeiro lugar o que o recorrente, no exercício do seu direito de impugnação da decisão de facto, indicou nas respetivas alegações que servem para circunscrever o objeto do recuso. Assim o determina o princípio do dispositivo (…)”.

Sobre a parte interessada na alteração da decisão de facto recai, portanto, o ónus de alegação e especificação dos concretos pontos de facto que pretende ver reapreciados; dos concretos meios de prova que impõem tal alteração e da decisão que a seu ver sobre os mesmos deve recair, sob pena de rejeição do recurso.

No caso de prova gravada, incumbindo ainda ao recorrente [vide n.º 2 al. a) deste artigo 640º] “sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”.

No caso dos autos perceciona-se uma crítica da recorrente apenas quanto à redação dada à al. Y) dos factos provados.

E como justificação para tal erro, invoca a recorrente prova documental que fez juntar aos autos com o recurso interposto e não admitida. Pelo que não pode a mesma ser considerada.

Acresce que a recorrente não indicou expressamente a redação que pretendia ver aportada aos factos provados.

Motivo por que se tem de entender não observado o ónus exigido na al. c) do nº 1 do artigo 640º do CPC, com a consequente rejeição da reapreciação da decisão de facto quanto a este ponto factual.

No mais, a menção da recorrente quanto ao ponto P) dos factos provados respeita apenas à subsunção jurídica, já não quanto ao seu teor aliás reconhecido [vide conclusão I) do recurso].

Não obstante o assim afirmado e tendo presente o disposto no artigo 607º n.º 4 ex vi 663º ambos do CPC (acima já citados), impõe-se oficiosamente introduzir na decisão de facto as alterações a seguir indicadas.

Em primeiro lugar, analisados os autos, bem como a prova documental em que o tribunal a quo se apoiou para considerar assentes os factos elencados no despacho proferido em sede de audiência de julgamento e que foram transpostos para a decisão recorrida, verifica-se padecerem os pontos M) e Y) de manifesto lapso de escrita, porquanto e reproduzindo o seu teor se detetam duas imprecisões.

Assim no ponto M) dos factos provados – e na parte que aliás foi aditada à redação que constava do despacho saneador – onde se afirma que no requerimento executivo do processo 3834/12 [vide al. L)] “foi pedido o pagamento do valor de 81.682,45 € a título de capital e de 10.606,59 € a título de juros de mora”  verifica-se pela mera análise do documento a que se reporta este ponto factual e junto sob doc. 1 do requerimento de embargos que o valor de juros liquidado foi de “20.606,59” e não “10.606,59”.

Pelo que oficiosamente se determina a retificação em conformidade deste valor, por evidenciado o lapso no confronto com a prova documental em que este se sustenta.

Assim o último parágrafo da al. M) dos factos provados, passará a ter a seguinte redação:

“foi pedido o pagamento do valor de 81.682,45 € a título de capital e de 20.606,59 € a título de juros de mora”.

Também de manifesto lapso padece a quantia que o tribunal a quo mencionou na al. Y) dos factos provados.

Neste facto provado foi julgado provado que:

Y) Em 21.12.2021, iniciou-se nova penhora na pensão do executado BB, no âmbito do processo de execução n.º 3834/12.0T2AGD até perfazer o valor global de 82.370,00€.”

Facto provado Y) [tal como o V)] que o tribunal a quo justificou com o teor “dos documentos 6 e 7 juntos com o articulado de embargos de executado.”

Ora, analisado o teor do documento 7 do requerimento de embargos, o que do mesmo se extrai é a comunicação da Seg. Social, datada de 2021-12-21 e dirigida ao executado, de que irá proceder ao desconto mensal de € 52,18 na sua pensão com início em janeiro de 2022 até perfazer o montante de “Eur. 823 370,00” e não “82.370,00”.

Impõe-se, oficiosamente, a retificação em conformidade deste valor, por evidenciado o lapso no confronto com a prova documental em que este se sustenta.

Assim a redação do ponto Y) dos factos provados, passará a ser a seguinte:

Y) Em 21.12.2021, iniciou-se nova penhora na pensão do executado BB, no âmbito do processo de execução n.º 3834/12.0T2AGD até perfazer o valor global de 823.370,00€.”

Em segundo lugar e por se tratar de facto confessado, impõe-se ainda aditar aos factos provados o valor confessado pela embargante no seu artigo 27º da contestação.

Com efeito neste artigo da sua contestação confessou a embargada ter recebido a título de penhora de salários no âmbito da outra execução, o valor de € 3.808,98. Valor que reiterou no seu recurso – vide conclusão G).

Este valor por confessado e com relevo para os autos, tem de ser oficiosamente aditado aos factos provados.

Pelo que se adita uma nova alínea nos factos provados identificada como AD), do seguinte teor:

AD) A exequente já recebeu a título de penhoras no salário do executado BB no âmbito da execução referida em L) dos factos provados, a quantia de € 3.808,98”


*

Retificados os dois lapsos materiais assinalados e aditada a al. AD), mantém-se no mais a decisão de facto.

*

Do direito.

Em função do acima decidido, cumpre apreciar de direito.

Dos diversos fundamentos convocados pela embargante para a dedução dos presentes embargos, em sede de recurso está em causa exclusivamente a liquidação da quantia exequenda.

Alegou a embargante que por conta da dívida resultante dos títulos dados à execução, foram efetuados alguns pagamentos que a exequente não levou em consideração.

A embargada, logo na contestação, argumentou que o valor da quantia exequenda aumentou porquanto e não obstante os pagamentos efetuados e abatidos à dívida, o valor dos juros vencidos desde setembro de 2012 [data da instauração da primeira execução que os factos provados identificam, bem como retratam as suas vicissitudes, nomeadamente no que à demanda da embargante e aqui recorrida concerne] assim o implicaram.

Querendo assim dizer que os valores entregues não foram suficientes para cobrir o valor dos juros que, entretanto, se foram vencendo.

O tribunal a quo justificou a sua decisão nos seguintes termos:

“Como já referimos, a embargante impugnou o valor da liquidação da quantia exequenda, invocando, para esse efeito, o pagamento parcial da mesma, pagamento esse efetuado antes da pendência da presente execução e realizados na pendência do processo executivo 3834/12.0T2AGD deste Juízo de Execução, a que acrescem os descontos na pensão de reforma do executado.

Ora, dos factos que resultaram provados em sede de audiência de julgamento, a embargante logrou provar o pagamento parcial da quantia exequenda, mais concretamente do que resulta dos factos provados P) e Y).

Com efeito, tendo sido iniciada a penhora na pensão do executado em 21.12.2021 para o pagamento do valor global de 82.370,00€, tendo a execução a que os presentes autos correm por apenso dado entrada em juízo em 29.10.2022, não se compreende como o valor aqui peticionado corresponda a um valor bastante mais elevado do que o da execução proposta no ano de 2012.

Efetivamente, do requerimento executivo o que se extrai é que não foram considerados, aquando da sua instauração, os pagamentos realizados no âmbito da anterior execução, a execução 3834/12.0T2AGD.

Em face do exposto, julgo procedentes os embargos de executado quanto a esta questão, devendo a exequente, em sede de execução, proceder à dedução dos valores pagos pela executada à Banco 1... e o valor que já se encontra pago no âmbito da execução n.º 3834/12.0T2AGD ao montante da quantia exequenda.”

Salvo o devido respeito por entendimento contrário, a afirmação de que se “não compreende como o valor peticionado corresponde a um valor bastante mais elevado do que o da execução proposta no ano de 2012” não é justificação para se concluir que a exequente não levou em consideração os pagamentos efetuados na liquidação apresentada no requerimento executivo de que estes embargos são apenso.

Tal conclusão tem de se extrair sim, do confronto entre os factos provados e não provados e o pedido formulado pela exequente e justificado no requerimento executivo, no qual a mesma procedeu à liquidação aritmética da obrigação exequenda.

No confronto entre o requerimento executivo destes autos e o requerimento executivo do processo instaurado em 2012 (nº 3834/12) tendo como causa de pedir / título executivo precisamente os mesmos contratos, seu incumprimento e valores em dívida, verifica-se que a exequente indicou como capital em dívida em ambos os contratos que serviram de titulo executivo, precisamente o mesmo valor:

- no 1º contrato € 56.507,59 de capital em dívida

E

- no 2º contrato € 25.174,86.

O que difere é o cálculo do valor dos juros vencidos peticionados e que a exequente indica nestes autos serem à taxa de 4%.

No requerimento executivo destes autos a exequente liquidou a título de juros vencidos, os montantes de € 40.324,45 para o 1º contrato e de € 10.070,76 para o 2º contrato.

Tendo na primeira execução intentada em 2012 liquidado € 10.426,72 de juros vencidos para o 1º contrato - acrescido de € 9.489,55 a título de clausula penal peticionados (entre outros valores ali descriminados). Do 2º contrato tendo então a exequente contabilizado quantia inferior a 300 euros, atendendo ao incumprimento considerado desde 19/07/2012.

Ou seja, claramente a diferença elevada de valores entre a 1ª execução e a 2ª execução, resulta do cálculo de juros vencidos desde 2012 e sobre o capital em dívida.

Como aliás na contestação destes embargos a exequente/embargada o explicou.

Assim só não ocorreria, se os valores entregues para liquidação da dívida exequenda fossem suficientes para liquidar os juros vencidos, momento a partir do qual se amortizaria o capital.

Com efeito e de acordo com as regras dos artigos 784º e 785º do CC, as quantias entregues são primeiramente imputadas a juros e só depois a capital.

Salvo acordo em contrário, que não foi alegado nem demonstrado.

A regra a considerar é, portanto a da imputação dos montantes recebidos aos juros vencidos e por conta da dívida mais antiga a qual, simultaneamente, é também a mais onerosa.

Dito isto, foi nestes autos julgado provado que a executada/embargante procedeu aos pagamentos constantes da al. P) num total de € 27.731,76 entre julho de 2012 e dezembro de 2014 por conta dos valores em dívida.

E mais foi julgado provado – al. AD) aditada - que ocorreram pagamentos na execução em curso com o nº 3834/12 – no valor de € 3.808,98.

Outros valores se não tendo apurado.

À executada embargante que impugna a liquidação da quantia exequenda, alegando terem sido efetuados pagamentos por conta de tal dívida, incumbe a prova dos pagamentos invocados.

E tendo a exequente embargada alegado, em sede de contestação, que na liquidação aritmética da quantia exequenda deduziu os valores que por conta dessa mesma dívida já recebeu da executada, incumbia-lhe tal demonstração.

Analisado o requerimento executivo e as contas apresentadas pela exequente que liquidou os valores de capital em dívida e juros vencidos pelo período expressamente indicado desde o incumprimento dos dois contratos até à data de 21/10/2022 à taxa de 4%, no confronto com a demais factualidade provada e não provada é de concluir que a exequente/embargada e recorrente não demonstrou ter procedido à dedução dos valores pagos e apurados ou confessados no valor que liquidou nos presentes autos de execução.

Assim tendo-se provado que a embargante procedeu aos pagamentos mencionados em P) e, por confissão da própria exequente/embargada, provado ainda que a exequente recebeu na outra execução que corre paralelamente para cobrança da mesma dívida contra o outro coobrigado, o valor de € 3.808,98 há desde já que reduzir a quantia exequenda de acordo com os valores já recebidos - no total de € 31.540,74.

Fazendo as imputações dos pagamentos de acordo com as regras dos artigos 784º e 785º, em especial do artigo 785º do CC.

Imputando o pagamento – de acordo com os valores e datas em que foram recebidos - primeiro aos juros vencidos e depois ao capital da dívida que primeiro se venceu e simultaneamente é a mais antiga e a mais onerosa.

Outros valores que venham a ser pagos na outra execução e que oportunamente sejam na execução de que estes embargos são apenso demonstrados, serão levados necessariamente em consideração na contabilização do pagamento da quantia exequenda, já que a exequente nessa mesma medida verá satisfeito o seu crédito exequendo pelo qual são responsáveis os dois executados – nesta e na outra execução em curso.

Para o efeito devendo aos autos de execução serem comunicados tais pagamentos.

Nestes termos, procede parcialmente a pretensão recursiva.


***

IV. Decisão.

Pelo exposto, acordam os Juízes do Tribunal da Relação do Porto em julgar parcialmente procedente o recurso interposto, consequentemente e parcialmente revogando a decisão recorrida, determinando a redução da quantia exequenda de acordo com os valores já recebidos - no total de € 31.540,74.

Na redução a operar se fazendo as imputações dos pagamentos de acordo com as regras dos artigos 784º e 785º do CC.

No mais se confirmando a decisão recorrida.

Custas pela recorrente e recorrida na proporção de 4/5 para a recorrente e 1/5 para a recorrida.


Porto, 2024-07-10
Fátima Andrade
Ana Olívia Loureiro
José Eusébio Almeida
____________
[1] Seguindo esta orientação e reiterando outras decisões deste mesmo tribunal, vide Ac. STJ de 13/07/2022, nº de processo 17909/17.5T8PRT-A.P2.S1, bem como o recente Ac. do STJ de 09/05/2024, nº de processo 12796/20.9T8PRT.P1.S1 in www.dgsi.pt ambos.