IMPUGNAÇÃO JUDICIAL DA REGULARIDADE E LICITUDE DO DESPEDIMENTO
NOTA DE CULPA
JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO
Sumário


I- Em ação de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, alegando a trabalhadora que o procedimento disciplinar apresentado não está completo porque dele não consta qualquer termo de abertura, termo de encerramento, nem a procuração passada a favor do instrutor, a mesma teria que ter alegado, também, que tais elementos constavam anteriormente do procedimento e que não foram juntos.
II- A realização de diligências probatórias anteriores à comunicação da nota de culpa não tem de constar desta peça processual.
III- A fase de defesa da trabalhadora começa após a notificação da nota de culpa.
IV- O prazo de 60 dias previsto no n.º 2 do artigo 329.º do Código do Trabalho é o prazo que o legislador laboral considerou razoável para o empregador reagir à prática de uma infração disciplinar.
V- Se o superior hierárquico com competência disciplinar decide, no mesmo dia em que toma conhecimento dos factos praticados pela trabalhadora, instaurar-lhe procedimento disciplinar, determinando logo a remessa dos elementos necessários para a abertura do procedimento ao instrutor, que, logo de seguida, realiza diligências probatórias e elabora nota de culpa que é comunicada à trabalhadora antes de decorridos 60 dias da data em que foi decidida a instauração do procedimento, é manifesto que a reação disciplinar ocorreu dentro do prazo legalmente previsto.
VI- A suspensão do trabalhador durante o desenvolvimento do procedimento disciplinar é uma prerrogativa do empregador e a sua utilização (ou não) é uma decisão de natureza gestionária.
VII- A circunstância de a trabalhadora não ter sido suspensa durante o desenrolar do procedimento disciplinar, não significa que o empregador tenha continuado a confiar nela.
VIII- A suspensão da trabalhadora não é uma condição para que mais tarde o empregador possa invocar a quebra de confiança e, em consequência, a impossibilidade de sobrevivência da relação laboral.
IX- Ocorre justa causa de despedimento numa situação em que uma trabalhadora que prestava funções numa linha de resíduos sólidos urbanos, encontra, entre os resíduos, um envelope contendo € 1.620,00 e guarda o envelope, recusando-se a devolver o dinheiro, mesmo depois de tal devolução lhe ter sido ordenada pelo seu superior hierárquico, com a menção expressa de que se tratava de uma ordem direta da empregadora, e, mais tarde, mente ao superior hierárquico dizendo-lhe que já tinha entregado o dinheiro na PSP, quando tal não era verdade.
(Sumário elaborado pela relatora)

Texto Integral


P. 671/23.0T8BJA.E1

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora

I. Relatório
Na presente ação de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento que AA (Autora) move contra R..., E.I.M. (Ré) foi prolatada sentença que julgou a ação totalmente improcedente e, em consequência, absolveu a Ré do pedido.
O valor da causa da causa foi fixado em € 2.000,00.
Inconformada, a Autora interpôs recurso da sentença, extraindo das suas alegações as seguintes conclusões:
«1 – Como foi referido em sede de contestação, o procedimento disciplinar, salvo o devido respeito e melhor opinião, não cumpriu as formalidades legais, nem as normas jurídicas invocadas.
2 – A apresentação do procedimento disciplinar completo é um ónus da entidade empregadora, nos termos do artigo 98º.J nº. 3 do C.P.T, só assim a trabalhadora pode exercer cabalmente a sua defesa.
3 – No caso concreto dos autos, a recorrida não apresentou qualquer termo de abertura, nem de encerramento, nem mesmo qualquer Procuração ao instrutor.
4 – É incompreensível que a nota de culpa tenha sido remetida à recorrente em 24 de fevereiro de 2023, sem qualquer indicação de prova testemunhal e tenham sido efetuadas inquirições a 6 testemunhas, nos dias 10 e 13 de janeiro de 2023, sem qualquer notificação à trabalhadora. Obviamente que a inquirição destas testemunhas, à margem da lei, deve ser declarada nula, não podendo produzir qualquer efeito.
5 – Acresce que o Conselho de Administração da recorrida só decidiu em 13 de março de 2023 (Ata numero ...) a “abertura de processo disciplinar, com intenção de despedimento à funcionária AA. Deliberou ainda mandatar o Dr. BB para a condução do processo (ofício ...23)”.
6 – Obviamente que só a partir desta data (13 de março de 2023) é que o instrutor mandatado poderia iniciar o referido procedimento.
7 – Nestas condições, entre o dia 26 de dezembro de 2022 e o dia 13 de março, foi largamente ultrapassado o prazo de 60 dias, previsto no nº. 2 do artigo 329º. do Código do Trabalho.
8 – Por outro lado, a Decisão final de despedimento encontra-se apenas assinada pelo Diretor Geral e a entidade empregadora só se obriga, nos termos do artigo 14º Alínea dos Estatutos “Pela assinatura conjunta de dois membros do Conselho de Administração, sendo um deles o Presidente ou o membro que o substitui.”
9 – Acresce que a Decisão final de despedimento (assinada apenas pelo Diretor Executivo) enviada à trabalhadora em 31 de março de 2023, na sequência da reunião do Conselho de Administração de 27 de março de 2023 (Ata número ...) só veio a ser aprovada em 17 de abril de 2023 (enviada à trabalhadora antes da aprovação).
10 – É contraditória a posição da recorrida de “considerar-se definitivamente quebrada a relação de confiança que necessariamente deve existir entre empregador e trabalhador…” e que tenha permitido a continuação da A. (ora recorrente) no pleno exercício da sua atividade profissional, sem ter recorrido à suspensão, nos termos do nº. 5 do artigo 329º. do Código do Trabalho.
11 – Em virtude de estarmos na presença e no âmbito de uma decisão de despedimento por fato imputável ao trabalhador, tem necessariamente aplicação o nº. 4 do artigo 357º. do Código do Trabalho, nos autos existe uma omissão total, gerando por consequência a invalidade do procedimento, nos termos do nº. 2 alínea d) do artigo 382º. do Código do Trabalho, que deve ser apreciada pelo tribunal, face ao estipulado no nº. 4 do artigo 387º. do Código do Trabalho, por remissão do artigo 98º.M nº. 2 do C.P.T., devendo ser declarada a respetiva ilicitude, nos termos do artigo 382º. do Código do Trabalho.
12 – A doutrina e a jurisprudência são unânimes ao considerar que :
“ sendo o despedimento a sanção disciplinar mais grave só deve ser aplicada nos casos em que o comportamento do trabalhador seja de tal forma grave em si e pelas suas consequências que se revele inadequada a adoção de uma sanção corretiva ou conservatória da relação laboral, sendo portanto necessário que nenhum outro procedimento sancionatório se revele adequado a sanar a crise contratual aberta com a conduta do trabalhador.” - Monteiro Fernandes, 11ª. Edição, Coimbra 553-554, cit. no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 21 de abril de 2022, Relator(a) Leonor Rodrigues, disponível em www.dgsi.pt.
Nestas condições, deve o despedimento da recorrente, ser declarado ilícito, nos termos dos artigos 382º. nº.1, 382º. nº. 2 alínea d), 390º e 391º. do Código do Trabalho e 98º. J nº. 3 do Código de Processo de Trabalho, com as legais consequências.».
Contra-alegou a Ré, propugnando pela improcedência do recurso.
A 1.ª instância admitiu o recurso como apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
Após a subida do processo à Relação foi dado cumprimento ao disposto no n.º 3 do artigo 87.º do Código de Processo do Trabalho.
O Ministério Público emitiu parecer favorável à manutenção da decisão recorrida.
Não foi oferecida resposta.
O recurso foi mantido nos seus precisos termos.
Após a elaboração do projeto de acórdão, foram colhidos os vistos legais.
Cumpre, em conferência, apreciar e decidir.

*
II. Objeto do Recurso
É consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação da recorrente, com a ressalva da matéria de conhecimento oficioso (artigos 635.º n.º 4 e 639.º n.º 1 do Código de Processo Civil, aplicáveis por remissão do artigo 87.º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho).
Em função destas premissas, são as seguintes as questões suscitadas no recurso:
1. Falta de apresentação integral do procedimento disciplinar.
2. Nulidade da inquirição das testemunhas ouvidas antes da comunicação da nota de culpa.
3. Prescrição do procedimento disciplinar.
4. Falta de poderes de quem assinou a decisão disciplinar que foi comunicada à trabalhadora.
5. Invalidade do procedimento disciplinar.
6. Inexistência de justa causa de despedimento.
*
III. Matéria de Facto
A 1.ª instância julgou provados os seguintes factos:
1) A R. é empresa local de âmbito intermunicipal que se encontra encarregada dos serviços de interesse geral de gestão e tratamento de resíduos sólidos urbanos dos municípios de ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e ....
2) R. e A., acordaram que a autora exerceria por conta da primeira, no âmbito de organização e sob a autoridade desta, mediante uma retribuição mensal, as funções de auxiliar de serviços gerais, com início a 24 de agosto de 2020.
3) No âmbito do referido acordo, a A. vinha a auferir mensalmente a retribuição de € 760,00, a que acresciam:
a. Subsídio de alimentação, no valor diário de € 6,40;
b. Subsídio de insalubridade, penosidade e risco, no valor diário de € 4,83; e,
c. Subsídio de transporte, no valor de € 3,00.
4) À autora foi aplicada, por decisão que lhe foi notificada em 05 de maio de 2022, a sanção disciplinar de suspensão do trabalho com perda de retribuição pelo período de 15 (quinze) dias, a qual foi cumprida entre os dias 09 e 30 de maio de 2022, ambos inclusive.
5) A A. prestava normalmente o seu trabalho na estação ... existente na sede da R., fazendo-o normalmente no turno da manhã, que envolve a prestação de trabalho entre as 06 e as 13 horas.
6) No dia 26 de dezembro de 2022, da parte da manhã, quando prestava trabalho na linha de volumosos da ..., a A. encontrou, entre os resíduos, um envelope contendo € 1.620,00 (mil, seiscentos e vinte euros) em notas de € 20,00 (vinte euros).
7) A A. guardou o envelope num bolso das calças.
8) No final do turno, a A. mostrou a quantia em causa a diversos colegas a quem disse havê-la precisamente encontrado entre os resíduos.
9) No dia seguinte uma pessoa contactou a R., tendo perguntado se havia sido encontrada a quantia em causa.
10) Nessa sequência, e porque a notícia de que a A. havia encontrado e feito seu dinheiro já havia chegado aos seus superiores hierárquicos, foi ordenado à A. pelo seu superior hierárquico CC, isto a mando da superior hierárquica de ambos, Eng.ª DD, que entregasse o dinheiro no edifício administrativo da R. ou à polícia, para que fosse devolvido à proprietária.
11) A A. respondeu que não entregava o dinheiro à R., sendo que apenas o faria se a pessoa que se arrogava sua proprietária falasse diretamente consigo e provasse ser de facto a proprietária.
12) O seu superior hierárquico CC pediu-lhe novamente que devolvesse o dinheiro, pois que este não lhe pertencia, mencionando-lhe expressamente que tal devolução era uma ordem direta da R., sendo que a A. manteve a sua posição.
13) Não obstante, a A. contactou via sms o CC, tendo-lhe dito que já havia entregado o dinheiro na PSP.
14) Solicitada por este para que apresentasse à R. o comprovativo de tal entrega, a A. negou-se a fazê-lo.
15) A trabalhadora arguida não entregou qualquer quantia à PSP.
16) A A. sabia que não podia manusear bens que se encontrem nas linhas exceto para efeitos de triagem e que não os podia fazer seus, bem como que devia devolver o dinheiro que havia encontrado e que havia feito seu e que não devia mentir aos seus superiores hierárquicos.
17) EE, Diretor Executivo da R. decidiu instaurar processo disciplinar com intenção de despedimento contra a autora, por decisão datada de 29 de dezembro de 2022, após ter tomado conhecimento dos factos através de informação da Eng.ª DD com essa mesma data e determinou o envio da informação e decisão para o Dr. BB para abertura de procedimento disciplinar.
18) A ré, através de documento intitulado “procuração” datado de 21.02.2020, conferiu poderes ao seu Diretor Executivo, Eng. EE, para exercer a direção e poder disciplinar sobre os seus trabalhadores, reservando para o seu Conselho de Administração, sob proposta do procurador, a aplicação das sanções disciplinares.
19) O instrutor do procedimento disciplinar procedeu à inquirição de 6 testemunhas no âmbito daquele procedimento com data de 10 e 13 de janeiro de 2023, sem que tenha disso notificado a autora.
20) A R. apresentou à A., em 24 de fevereiro de 2023, a competente nota de culpa, a qual continha a descrição circunstanciada dos factos que lhe eram imputados e a intenção de despedimento.
21) No documento, a A. era ainda informada de que, querendo, poderia “…apresentar a sua defesa por escrito, bem como requerer quaisquer diligências probatórias admitidas em direito, no prazo de dez dias úteis a contar da data da receção da presente notificação.” e de que o processo se encontrava à sua disposição para consulta no edifício de serviços administrativos existente na sede da A., sita na Herdade ..., freguesia ..., concelho ... - que constituía local de trabalho do A. - local ao qual devia fazer chegar a sua eventual resposta.
22) Na nota de culpa não consta a apresentação de qualquer testemunha por parte da R.
23) A A. não apresentou defesa, nem se pronunciou acerca dos factos que lhe eram imputados.
24) A R., em reunião do Conselho de Administração, efetuada em 13 de março de 2023, deliberou aprovar a abertura do processo disciplinar, com intenção de despedimento à funcionária AA e mandatar o Dr. BB para a condução do processo.
25) Em 22 de março de 2023 a trabalhadora entregou o referido valor nos serviços administrativos da empregadora.
26) O Conselho de Administração da R,. em reunião levada a cabo em 27 de março de 2023, decidiu aplicar à autora a sanção de despedimento pelos factos imputados na nota de culpa.
27) Decisão de que a colaboradora foi notificada em 31 de março de 2023.
-
E considerou que não se provaram os seguintes factos:
a) A proprietária do dinheiro deslocou-se diversas vezes à esquadra da PSP ..., onde lhe foi sendo dito que nenhum dinheiro tinha sido entregue.
b) A A. não procedeu de imediato à entrega da referida importância, porque foi a primeira vez com que se deparou com tal situação e como o envelope não tinha escrito qualquer nome do eventual proprietário desconhecia a quem comunicar a importância que achou.
c) A A. no início do mês de março 2023 falou com chefe de turno Sr. FF veiculando a informação que pretendia falar com a Engª. DD para lhe fazer a entrega do dinheiro.
d) Posteriormente falou com o Encarregado Sr. CC, veiculando que pretendia entregar o dinheiro e que lhe fosse fornecido um comprovativo da entrega.
e) Nessa sequência, em dia que não consegue recordar, mas ainda no mês de março de 2023, voltou a falar novamente com o chefe de turno, Sr. FF, solicitando-lhe informação se já tinha alguma resposta da Engª. DD.
f) O chefe de turno informou a A. que transmitiu à Engª. DD que a mesma pretendia entregar o dinheiro, mas até ao momento ainda não tinha obtido uma resposta.
g) Dada a ausência de uma resposta que permitisse à A. proceder à entrega do dinheiro, e ainda no mês de março de 2023, a A. após terminar o seu horário de trabalho, dirigiu-se ao Gabinete da Engª. que não se encontrava no momento porque estava a almoçar.
h) Dado que não conseguiu encontrar a Engª. DD, informou a colega GG que precisava de falar com a Engª. DD.
i) A Engª. DD informou a colega GG que devido ao seu período de almoço, para transmitir à A. para voltar noutro dia.
j) No dia a seguir voltou ao Gabinete da Engª. DD, mas não estava ninguém no local de trabalho da Engª. DD.
*
IV. Da alegada falta de apresentação integral do procedimento disciplinar
Nos pontos 1 a 3 das conclusões do recurso, a apelante refere que o procedimento disciplinar não foi integralmente apresentado, porquanto dele não consta qualquer termo de abertura, termo de encerramento, nem mesmo qualquer procuração passada ao instrutor.
Apreciemos.
A questão suscitada havia sido apresentada na contestação ao articulado motivador do despedimento e a mesma foi assim decidida pelo tribunal a quo:
«A autora alega que do procedimento junto não consta o termo de abertura e encerramento nem a procuração a favor do instrutor. Mas para que pudéssemos concluir por não ter sido junto o procedimento disciplinar completo a autora teria que alegar que tais elementos constam do procedimento disciplinar e não foram juntos aos autos, o que não fez. Só assim o tribunal poderia concluir por não ter sido junto o procedimento disciplinar completo.(…)
Improcede, assim, esta questão prévia suscitada pela autora.».
Desde já se adianta que sufragamos, nesta parte, a decisão recorrida.
É certo que resulta do artigo 98.º-J, n.º 3, conjugado com o artigo 98.º-I, n.º 4, alínea a), ambos do Código do Processo do Trabalho, que o empregador deve apresentar com o articulado de motivação do despedimento o procedimento disciplinar (completo) que intentou contra o trabalhador, sob pena de ser declarada a ilicitude do despedimento.
A apelante veio invocar que o procedimento disciplinar apresentado não contém termo de abertura, termo de encerramento, nem procuração passada a favor do instrutor, mas não veio alegar que tais elementos existiam no procedimento e que foram retirados,
Não existem assim elementos para crer que o procedimento disciplinar não foi integralmente apresentado.
Consequentemente, o recurso, nesta parte, improcede.
*
V. Da invocada nulidade da inquirição de testemunhas
Na conclusão 4 do recurso, alega a apelante que é incompreensível que a nota de culpa remetida em 24 de fevereiro de 2023 não tenha qualquer indicação das inquirições de seis testemunhas, realizadas entre os dias 10 e 13 de janeiro, sem notificação à trabalhadora.
Defende que as aludidas inquirições foram feitas à margem da lei e, por tal motivo, devem ser declaradas nulas.
Não lhe assiste, porém, razão.
A nota de culpa é uma peça fundamental no procedimento disciplinar, pois através da mesma dá-se a conhecer ao trabalhador, por escrito, a infração disciplinar que se lhe imputa e a sanção que se considera aplicável.
Nos termos do artigo 353.º do Código do Trabalho, a nota de culpa, comunicada por escrito, deve conter a descrição circunstanciada dos factos imputados ao trabalhador, isto é, as circunstâncias de modo, tempo e lugar dos factos que constituem a infração disciplinar.
A inobservância das exigências, formais e substanciais, impostas pelo referido artigo, conduzem à ilicitude do despedimento, nos termos previstos pelo artigo 382.º, n.º 2, alínea a) do mesmo código.
Ora, entre as exigências prescritas pelo artigo 353.º não consta a comunicação das diligências probatórias previamente realizadas pelo empregador, com vista à averiguação da (eventual) prática de uma infração disciplinar.
E se não é obrigatório, no âmbito da nota de culpa, dar conhecimento ao trabalhador da realização dessas diligências, menos sentido faria que se notificasse o trabalhador, antes da comunicação da nota de culpa, sobre a sua realização.
A fase da defesa começa apenas após a notificação da nota de culpa.
Nos termos previstos pelo artigo 355.º do Código do Trabalho, depois de ser notificado da nota de culpa o trabalhador dispõe de 10 dias úteis para consultar o processo e responder à nota de culpa.
Assim sendo, a omissão de notificação/comunicação das diligências probatórias realizadas anteriormente à comunicação da nota de culpa à trabalhadora não constitui qualquer ilegalidade que deva ser invalidada mediante declaração de nulidade.
Por conseguinte, concluímos que, igualmente nesta parte, o recurso não pode proceder.
*
VI. Da alegada prescrição do procedimento disciplinar
Se bem compreendemos, nos pontos 5 a 7 das conclusões do recurso, a apelante invoca a prescrição do procedimento disciplinar, ao abrigo do n.º 2 do artigo 329.º do Código do Trabalho.
Segundo argumenta, entre o dia 26 de dezembro de 2022 e o dia 13 de março de 2023, que foi a data em que a abertura do procedimento disciplinar foi decidida pelo Conselho de Administração da apelada e foi mandatado o instrutor do processo, sendo, portanto, e no seu entender, a data em que o procedimento poderia ser iniciado, decorreram mais de 60 dias.
Vejamos.
Dispõe o n.º 2 do artigo 329.º do Código do Trabalho que o procedimento disciplinar deve iniciar-se nos 60 dias subsequentes àquele em que o empregador, ou o superior hierárquico com competência disciplinar, teve conhecimento da infração.
Por seu turno, o n.º 4 do mesmo artigo prescreve que o poder disciplinar pode ser exercido diretamente pelo empregador, ou por superior hierárquico do trabalhador, nos termos estabelecidos por aquele.
Estipula, assim, a lei um prazo para o empregador (ou o superior hierárquico com competência disciplinar) reagir contra a prática de infrações disciplinares pelos trabalhadores.
Refere Pedro Ferreira de Sousa, in O procedimento disciplinar laboral, 2.ª edição, Almedina, pág. 43:
«A exigência de reação em determinado prazo assenta na ideia de que a gravidade e relevância da conduta disciplinarmente censurável se encontra diretamente relacionada com a celeridade que a entidade empregadora imprime ao exercício da ação disciplinar. Dito de outra forma, a demora da entidade empregadora em reagir em função do conhecimento da infração disciplinar demonstra a irrelevância atribuída aos factos em causa. Do ponto de vista do trabalhador, revela-se expectável que, à medida que o tempo vai passando sem notícia de reação da entidade empregadora, se crie a legítima expetativa de que tal inação se cristalizou definitivamente. Em obediência a estas ideias, o legislador laboral fixou o prazo de 60 dias findo o qual se presume, de forma inilidível, a irrelevância da infração para a entidade empregadora e, nessa medida, a impossibilidade de a mesma reagir disciplinarmente.».
Feita esta nota explicativa da consagração do prazo mencionado no n.º 2 do artigo 329.º, avancemos na apreciação da questão sub judice.
O prazo de 60 dias inicia-se com o conhecimento da prática da infração disciplinar, por parte do empregador ou do superior hierárquico com competência disciplinar.
No vertente caso, resultou demonstrado que EE, Diretor Executivo da Ré/apelada, decidiu, em 29 de dezembro de 2022, instaurar procedimento disciplinar contra a ora apelante após ter tomado, nesse mesmo dia, conhecimento dos factos que estão na base da infração disciplinar, mais tarde, imputada à trabalhadora.
Mais resultou demonstrado que a apelada havia emitido uma procuração datada de ../../2020 a favor do referido Diretor Executivo, atribuindo-lhe poderes para exercer direção e poder disciplinar sobre os seus trabalhadores, reservando para o Conselho de Administração, sob proposta do procurador, a aplicação das sanções disciplinares.
Os factos revelam, assim, que o aludido Diretor Executivo, superior hierárquico da apelante, tinha competência disciplinar.
E, no mesmo dia em que tomou conhecimento dos factos, o dito Diretor Executivo decidiu de imediato instaurar procedimento disciplinar contra a trabalhadora e determinou o envio da informação e decisão para o Dr. BB para que procedesse à abertura do procedimento disciplinar.
A consulta do procedimento, junto aos autos, permite-nos verificar que o expediente foi enviado ao Dr. BB em 2 de janeiro de 2023 e, a partir de em 10 de janeiro, iniciaram-se diligências probatórias prévias à elaboração da nota de culpa.
A nota de culpa foi apresentada à trabalhadora em 24 de fevereiro de 2023.
Ora, em face do exposto, é manifesto que a reação disciplinar não ultrapassou o prazo previsto no n.º 2 do artigo 329.º do Código do Trabalho.
Enfim, soçobra, também, o recurso quanto à questão agora analisada.
*
VII. Da alegada falta de poderes de quem assinou a decisão disciplinar comunicada à trabalhadora
Nos pontos 8 e 9 das conclusões do recurso, a apelante refere que a decisão final de despedimento que lhe foi enviada foi assinada pelo Diretor Executivo e foi remetida antes de ser aprovada pelo Conselho de Administração da Ré. Por outro lado, alega que a Ré, nos termos previstos pelo artigo 14.º dos seus Estatutos, obriga-se pela assinatura conjunta de dois membros do Conselho de Administração, sendo um deles o Presidente ou o membro que o substitui.
Analisemos.
Com arrimo nos factos provados, apurou-se o seguinte:
- Resulta da procuração emitida em ../../2020, que o Conselho de Administração da apelada manteve para si o poder de aplicar sanções disciplinares – cf. ponto 18 dos factos provados.
- Em 27 de março de 2023, o Conselho de Administração decidiu aplicar à apelante a sanção de despedimento pelos factos imputados na nota de culpa.
- A decisão disciplinar foi notificada à apelante em 31 de março de 2023.
Ora, atenta a factualidade apurada é óbvio que a decisão disciplinar aplicada à apelante foi decidida pelo Conselho de Administração da apelada.
E tal decisão resulta explicita da ata da reunião de 27 de março de 2023 - doc.9 junto com o articulado motivador do despedimento – que foi devidamente assinada pelo Presidente do Conselho de Administração e por 2 vogais.
Por conseguinte, o modo de obrigar a empresa que se mostra estipulado no artigo 14.º , alínea a) dos seus estatutos foi respeitado.
Concluindo, também, nesta parte, improcede o recurso interposto.
*
VIII. Da alegada invalidade do procedimento disciplinar
Na conclusão 11 do recurso, a apelante invoca a invalidade do procedimento disciplinar, ao abrigo do n.º 2, alínea d) do artigo 382.º do Código do Trabalho.
Com todo o respeito, são de difícil compreensão as razões que apresenta para justificar a questão que suscita.
Aparentemente, reclama que na decisão de despedimento houve uma omissão relativamente ao disposto no n.º 4 do artigo 357.º do Código do Trabalho.
Vejamos.
Estatui a alínea d) do n.º 2 do artigo 382.º do Código do Trabalho que o procedimento é inválido se a comunicação ao trabalhador da decisão de despedimento e dos seus fundamentos não for feita por escrito, ou não esteja elaborada nos termos do n.º 4 do artigo 357.º ou do n.º 2 do artigo 358.º.
Por sua vez, o n.º 4 do artigo 357.º - que é norma mencionada pela apelante – dispõe no sentido de que na decisão disciplinar são ponderadas as circunstâncias do caso, nomeadamente as referidas no n.º 3 do artigo 351.º, a adequação do despedimento à culpabilidade do trabalhador e os pareceres dos representantes dos trabalhadores, não podendo ser invocados factos não constantes da nota de culpa ou da resposta do trabalhador, salvo se atenuarem a responsabilidade.
Ora, a concreta decisão disciplinar foi comunicada por escrito à trabalhadora e do seu teor não vislumbramos que não tenham sido ponderados todos os elementos que deveriam ser atendidos ou que tenham sido desrespeitados os limites resultantes da nota de culpa (a trabalhadora não ofereceu resposta à nota de culpa).
A apelante também não concretizou onde estava, no seu entendimento, a falha ou omissão.
Resta-nos, pois, concluir, que a questão suscitada não tem fundamento e, por isso, improcede.
*
IX. Da alegada inexistência de justa causa de despedimento
No ponto 10 das conclusões do recurso, declara a apelante:
«É contraditória a posição da recorrida de “considerar-se definitivamente quebrada a relação de confiança que necessariamente deve existir entre empregador e trabalhador…” e que tenha permitido a continuação da A. (ora recorrente) no pleno exercício da sua atividade profissional, sem ter recorrido à suspensão, nos termos do nº. 5 do artigo 329º. do Código do Trabalho.».
Ora, esta argumentação não procede.
Dispõe o n.º 5 do artigo 329.º do Código do Trabalho:
Iniciado o procedimento disciplinar, o empregador pode suspender o trabalhador se a presença deste se mostrar inconveniente, mantendo o pagamento da retribuição.
Induz-se desta norma que a suspensão do trabalhador durante o desenvolvimento do procedimento disciplinar não é obrigatória, nem uma condição para que mais tarde o empregador possa invocar a quebra de confiança e, em consequência, a impossibilidade de sobrevivência da relação laboral.
Pedro Ferreira de Sousa, na obra anteriormente identificada, págs. 96/97, explica:
«A possibilidade de a entidade empregadora suspender o trabalhador não se reconduz à aplicação de uma medida punitiva, nem sequer pode ser entendida como um juízo de prognose ou medida antecipatória em relação à decisão disciplinar que virá a ser proferida. A prerrogativa em causa pretende dotar a entidade empregadora de um mecanismo, que pode ou não ser utilizado, direcionado à salvaguarda dos interesses da própria empresa, contribuindo, dessa forma, para a preservação de um ambiente laboral sadio e propício ao desenvolvimento da atividade económica.
Por outro lado, a suspensão preventiva visa, ainda, garantir que, enquanto aguarda pelo desfecho do procedimento disciplinar, o trabalhador se encontra afastado do meio laboral, negando-lhe, por essa via, a possibilidade de reiterar as condutas imputadas na nota de culpa ou o acesso, destruição e/ou afetação de elementos de prova (testemunhas, documentos e etc.) relevantes para a demonstração dos factos que compõem a acusação disciplinar.
Dessa forma, o juízo sobre a exigibilidade da manutenção da relação laboral não é influenciado pelo facto de o trabalhador ter (ou não) sido previamente suspenso pela sua entidade empregadora. Tal faculdade relaciona-se unicamente com interesses gestionários da entidade empregadora e não pretende configurar um sancionamento antecipado ou u pré-juízo sobre a conduta do trabalhador».
Deste modo, se a apelante não foi preventivamente suspensa durante o desenrolar do procedimento disciplinar é porque a empregadora entendeu que não havia razão ou interesse gestionário que justificasse a utilização dessa medida facultativa.
Todavia, essa circunstância não é sinónimo de manutenção da confiança na trabalhadora.
Cita-se, pelo interesse, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-01-1996 (Proc. 004330), acessível em www.dgsi.pt, :
«(…) III - A circunstância de, ao ser-lhe instaurado o respetivo processo disciplinar, não ter sido objeto de suspensão preventiva imediata, não significa que a entidade patronal tenha continuado a confiar nele, uma vez que a suspensão preventiva nem sequer é considerada como requisito integrador da justa causa.».
Concluindo, a alegada inexistência de justa causa de despedimento com fundamento na “acusada” contradição comportamental assumida pela empregadora, é infundada.
Prosseguindo…
No ponto 12 das conclusões do recurso, conjugado com os pontos 12 a 17 das alegações do recurso, a apelante parece querer, ainda, colocar em crise a sanção disciplinar expulsiva aplicada.
Desde já se adianta que a decisão recorrida não nos merece censura quanto à declarada existência de justa causa de despedimento.
Passamos a explicar porquê.
O comportamento que a trabalhadora deliberadamente assumiu no contexto apurado (pontos 6 a 16) constituiu uma infração disciplinar grave, pois a trabalhadora reteve dinheiro que não lhe pertencia, e ao qual acedeu por via das suas funções profissionais, desobedeceu e mentiu aos seus superiores hierárquicos, e mostrou uma absoluta indiferença pelo bom nome da empresa empregadora.
Em suma, violou os deveres previstos nas alíneas a), e) e f) do n.º1 conjugado com o n.º 2 do artigo 128.º do Código do Trabalho.
E o comportamento assumido, inevitavelmente, quebrou a relação de confiança que tem de existir entre empregador e trabalhador, pois a partir do sucedido está necessariamente posta em causa a idoneidade da trabalhadora para o futuro desempenho das suas funções.
A entrega do dinheiro nos serviços administrativos da empregadora quase no final do procedimento disciplinar não tem qualquer impacto.
Ademais, a trabalhadora já tinha (recente) passado disciplinar.
Inexiste, assim, outra sanção suscetível de sanar a crise contratual aberta pelo comportamento culposo da trabalhadora.
Não é exigível e constitui uma insuportável e injusta imposição a manutenção do contrato de trabalho para a empregadora.
Por conseguinte, verificam-se claramente no caso sub judice, cumulativamente, os requisitos legalmente exigidos para a existência de justa causa de despedimento: (i) comportamento culposo do trabalhador; (ii) impossibilidade de subsistência da relação de trabalho; (iii) e existência de nexo de causalidade entre o comportamento culposo e a impossibilidade de manutenção da relação laboral.
Resta, pois, declarar que se verificou a justa causa de despedimento invocada.
*
Concluindo, o recurso improcede na totalidade e as custas inerentes ao mesmo deverão ser suportadas pela apelante, de harmonia com o disposto no artigo 527.º do Código de Processo Civil.
*
X. Decisão
Nestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso improcedente, e consequentemente, confirmam a decisão recorrida.
Custas a cargo da apelante.
Notifique.

Évora, 27 de junho de 2024
Paula do Paço
Mário Branco Coelho
João Luís Nunes
__________________________________________________
[1] Relatora: Paula do Paço; 1.º Adjunto: Mário Branco Coelho; 2.º Adjunto: João Luís Nunes