I. Apesar de no regime jurídico da propriedade horizontal não existir uma norma como a do art.º 176º do Cód. Civil que veda o exercício do direito de voto ao associado, por si ou como representante doutrem, nas matérias em que haja conflito de interesses entre a associação e ele, sufragamos o entendimento expresso por Sandra Passinhas de que “resultando do condomínio um sujeito jurídico a que se aplicam , subsidiariamente , em tudo o que não pressupõe a personalidade jurídica , as normas das associações propugnamos pela aplicação no regime da propriedade horizontal do impedimento de voto em caso de conflito de interesses”.
II. As deliberações tomadas com infracção deste impedimento legal, são anuláveis desde que o voto do condómino impedido seja essencial à existência da maioria necessária (cfr. art.º 176º, nº2 do Cód. Civil).
III. A informação tendente à formação de uma vontade livre e esclarecida da assembleia de condóminos, enquanto colectivo dos condóminos donde emana a vontade do condomínio, é essencial.
IV. Tal dever repercute-se na validade das deliberações sempre que tal informação, uma vez necessária e justificada, (i) não consta da deliberação a que respeita, (ii) não resulta da conduta do administrador revelada no decurso da assembleia, nomeadamente por se encontrar (ou não) desentranhada da acta em que é registada a deliberação, ou (iii) resulta da deliberação e/foi prestada como sendo incompleta, parcial, falsa ou irrelevante.”
V. A quota mensal do condomínio da Autora tem se ser expurgada da sua comparticipação nas despesas referentes a partes comuns a que não tenha acesso, em obediência ao disposto no nº3 do citado art.º 1424º do Cód. Civil.
VI. Trata-se, a nosso ver, de uma norma imperativa que não pode ser afastada por vontade das partes, norteada por preocupações de equidade e estribada no princípio do utilizador/pagador.
(Sumário elaborado pela relatora)
- Condomínio do prédio sito na Rua ..., ..., ..., representado pelo administrador BB;
- Banco 1..., CRL, ...; e
- I..., Lda,
pedindo a anulação das deliberações da assembleia de condóminos fixas no ponto 7 da acta da assembleia de condóminos de dia ../../2020 e no ponto único da ata da mesma assembleia reunida em ../../2021.
Alegou, para tanto e em síntese, que a requerente é condómina do prédio sito na Rua ..., ..., em ..., cuja primeira assembleia ordinária de condomínio foi realizada no dia ../../2020 e no âmbito da qual se tomou deliberação ilegal. Concretiza alegando que o ponto 3 da ordem de trabalhos “Apresentação, apreciação e deliberação da proposta de orçamento de condomínio para o ano de 2021” é ilegal, já que não foi apresentado na assembleia quaisquer documentos e/ou explicação sobre os valores apresentados como “despesas de constituição do condomínio, no valor de 76.383,01€, ao que acresce 7.906,78€, referente ao fundo de reserva, perfazendo um total de 86.974,39€.
Mais alega que tal orçamento foi imposto por um só condómino, que detém a maioria das frações e permilagem, com valores desproporcionais e abusivos, pelo que foi violado o dever do administrador do condomínio de prestar informação aos condóminos, providenciando pelos esclarecimentos necessários e apresentando documentação que lhe foi solicitada.
Acrescenta que foi, ainda, aprovado o ponto 7 – “Alteração de contratos em nome do condomínio”, novamente com os votos favoráveis da I..., Lda., não tendo sido referidos quais os contratos que se pretendem alterar, deliberação que foi aprovada sem o consentimento da requerente.
Mais refere que o contrato celebrado com a empresa de prestação de serviços (detida por familiares dos sócios da I...) não foi celebrado nem pelo condomínio, nem pela administração do mesmo, até porque, à data de celebração (29 de agosto de 2008) nem sequer o condomínio estava constituído.
Invoca, também, que o referido contrato é ilegal, uma vez que impõe o pagamento à requerente de serviços relativos às partes comuns do condomínio que servem apenas exclusivamente outros condóminos.
Revogada a deliberação tomada no ponto 3 da assembleia de ../../2020, foi aprovada, em sua substituição, a deliberação do ponto único da assembleia extraordinária de condomínio realizada em ../../2021, com o mesmo conteúdo.
Vem a requerente impugnar, também esta deliberação, pelos motivos já aduzidos.
Regularmente citado, o R. Condomínio do prédio sito na Rua ..., ..., ... apresentou contestação, invocando a sua ilegitimidade e alegando, em síntese, que as deliberações em causa não padecem de qualquer ilegalidade nem podem considerar-se abusivas pois foi cumprido o dever de informação da administração relativamente aos vários itens do orçamento; o valor do orçamento apresentado não é excessivo e não houve preterição de formalidades legais na transmissão da posição contratual no contrato de prestação de serviços.
Acrescenta que não ocorre prejuízo para os condóminos, se as deliberações em causa forem executadas, pelo que não se verificam os pressupostos da anulação das referidas deliberações.
A R. I..., Lda. também contestou, alegando, em síntese, que por ter, na propriedade horizontal, frações que representam a maior percentagem do capital investido (708 de permilagem), tem a obrigação de desempenhar as funções de administradora de condomínio, a título provisório, o que fez até ../../2020. Assim, tinha legitimidade para contratar com terceiros, sendo que o referido contrato de prestação de serviços especifica os serviços a prestar e respetivos valores, o que foi devidamente explicado aos condóminos.
Mais alegou que o ponto 7 da ordem de trabalhos da assembleia de condóminos de 9 de dezembros de 2020, referente à transmissão do contrato celebrado entre a I..., enquanto administradora provisória, e a P... (empresa prestadora de serviços), foi aprovado com mais de 2/3 do valor total do prédio, cumprindo-se o estipulado no n.º 2 do artigo 1424.º do Código Civil.
Alega, ainda, que as despesas relativas aos lanços da escada, aos ascensores e às outras partes comuns do prédio são também da responsabilidade da requerente, pois servem os seus funcionários e clientes.
Quanto à acta n.º ..., que revogou o ponto 3 da ata n.º ... de ../../2020, e que se refere ao orçamento para 2021, refere a requerida que “a deliberação aí aprovada foi com a maioria de votos, não só da requerida I..., mas também com a aprovação favorável e expressa da proprietária da fração ..., que detém a segunda maior permilagem (188)”. Tal deliberação manteve o orçamento já existente e foi comunicado a todos os condóminos previamente à realização da assembleia.
2. Realizou-se audiência final e subsequentemente foi proferida sentença que culminou com o seguinte dispositivo:
“Pelo exposto, julga-se totalmente procedente a presente ação e, em consequência, decide-se:
a) declarar anulada a deliberação constante do ponto 7 da ata da assembleia de condomínio, realizada no dia ../../2020, referente ao condomínio do prédio sito na Rua ..., ..., ...;
b) declarar nula a deliberação constante do ponto único da ata da assembleia extraordinária de condomínio, realizada em ../../2021, referente ao condomínio do prédio sito na Rua ..., ..., ....”.
3. É desta sentença que recorrem os Réus formulando na sua apelação as seguintes conclusões:
3.1. A Ré I... Lda:
“a) Alega a recorrida pela anulação do ponto 7 da ata da assembleia de condóminos de dia ../../2020 e no ponto único da ata da mesma assembleia reunida em ../../2021.
b) Que é condómina no prédio sito na Rua ..., ..., em ....
c) Que a primeira assembleia ordinária de condomínio foi realizada no dia ../../2020.
d) Na qual se tomou uma deliberação ilegal.
e) Que é a “Apresentação, apreciação e deliberação da proposta de orçamento de condomínio para o ano de 2021.
f) É ilegal, uma vez que não foi apresentado na assembleia quaisquer documentos e/ou explicação sobre os valores apresentados;
g) Que não usa os espaços comuns;
h) Que não tem acesso aos espaços comuns;
i) Esquecendo-se que a sua fracção esta inserida numa unidade comercial, constituída em propriedade horizontal;
j) Que tem espaços comuns e cuja utilização é passível de usufruir por todos os condóminos que para a sua manutenção tem que contribuir na medida da sua permilagem.
k) Até ao momento nada paga ou nada pagou, para a manutenção dos espaços comuns.
Nestes termos e nos mais de direito, deverão as presentes alegações serem consideradas procedentes, revogando-se a decisão recorrida de anulação das deliberações constantes do ponto 7 da assembleia de condomínio de ../../2020 e do ponto 7 da Assembleia Geral Extraordinária de ../../2021.”.
3.2. O Réu condomínio:
A) A administração do condomínio da Rua ... em ..., ora recorrente não se conforma com a douta decisão, nomeadamente porquanto resulta à saciedade da douta sentença que “não foi prestada qualquer informação acerca dos valores do orçamentado serviço de gestão de espaço, no montante de 76.383,01€, bem como sobre se foram pedidos outros orçamentos ou quaisquer informações acerca do valor a título de Fundo de Reserva. Mais se provou que a administração do condomínio recusou a exibição de qualquer documento, mormente durante a realização das aludidas assembleias, sendo certo que a autora compareceu às mesmas, pelo que concluímos pela violação do direito à informação. Com efeito, não houve disponibilidade da administração para prestar os esclarecimentos necessários, nomeadamente através da apresentação da documentação pretendida, ocorrendo a violação do dever de informação atenta a recusa.
B) Nessa medida deu como provados os pontos 11, 12, e 13:
Ponto 11 Não foi apresentado na Assembleia quaisquer documentos e/ou explicação sobre os valores em causa.
Ponto 12. Para além de se desconhecer se foram pedidos outros orçamentos.
Ponto 13. A administração do condomínio recusou-se a esclarecer os valores do orçamento e a prestar a informação à Autora e aos outros condóminos presentes na assembleia
C) Com a supra transcrita interpretação não se conforma a Recorrente, porquanto a prova produzida quanto aos referido pontos da matéria de facto, impunha decisão diversa, indo nesse medida impugnada a matéria de facto, nos termos do artigo 640 n.º 1 do CPC
D) Indica assim a Recorrente, os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida:
Excerto do depoimento de parte do legal representante da I..., o Sr. CC, com início no minuto 00:15:19: e terminus ao minuto 00:16:42 da gravação da audiência de discussão e julgamento, e a instâncias da mandatária da adminstração do condomínio.
Mandatária da administração do condomínio: Alguma vez no âmbito destas negociações, ou no âmbito destas assembleias (imperceptível) a condómina D. AA ou qualquer dos condóminos apresentaram orçamentos alternativos?
CC: isso foi sempre o que eu disse, nunca apresentaram nenhum orçamento (…)
Minuto 00:16:06: Mandatária da administração do condomínio : Estes valores que o senhor apresentou têm a ver com o consumo médio , enfim , expectável que habitualmente costuma ter?
CC: Esses valores estão completamente desatualizados pois há dois anos atrás fizemos uma simulação e juntamos os orçamentos à assembleia (..) e já eram muito mais elevados. Na última reunião fizemos novamente outra prospecção de mercado e ainda são mais altos (..) ou seja os valores estão completamente desajustados
Mandatária da administração do condomínio: O Sr Explicou devidamente isso, explicou à minha colega que se tratava de eletricidade, da luz, da limpeza, segurança, isso foi explicado aos condóminos?
CC: Isso foi explicado a todas as pessoas.
Atente-se ainda em excerto da inquirição da testemunha DD, feita pela mandatária da administração do condomínio, gravada em registo audio, dos minutos 00:20.28 aos minutos 00:21:20, que infra se transcreve:
Mandatária da administração do condomínio: Olhe e daquilo que se recorda, chegaram a estar os representantes do condomínio?
DD: sim, sim.
Mandatária da Administração do Condomínio: : O Sr Recorda-se se houve alguma recusa por parte desses representantes em prestar esclarecimentos, houve ali alguma postura nesse sentido, recorda-se?
DD: Dos do condomínio
Mandatária da Administração do Condomínio: Sim.
DD: Não, não. Sempre responderam a tudo.
Mandatária da Administração do Condomínio: : Recorda-se quando as pessoas questionavam sobre este valor, o que é isto? Recorda-se? que respostas é que eles davam? Eles referiam -se especificamente a coisas concretas, recorda-se?
DD: sim demonstraram quanto é que cobravam da parte deles, vá, demonstraram os valores que eram desse contrato que existe. Foi tudo demonstrado.
Mandatária da Administração do Condomínio: :No fundo eles acataram o contrato que já existia não questionaram foi isso? Receberam um contrato que já existia?
DD: Sim
Mandatária da ré I...: Certo . E nessa reunião foi apresentado este contrato que existia não é, que foi celebrado com a administração provisória, não é, foi explicado que tipo de contrato era, quais eram as valências que tinha, qual era o custo que tinha?
DD: Sim sim
Mandatária da Ré I...: E existiu nessa reunião de condomínio, contra... ou seja oposição, primeiro, pergunto-lhe
DD: Se ouviu ..desculpe?
Mandatária da Ré I...: Se existiu oposição? Se alguma destas pessoas, não sei ..a dra. F... ou a Dr.ª AA disseram: Não, Não, nós não concordamos com isto, nós queremos isto?
DD: Pois a Dr.ª AA foi o que se passou foi isso, que não concordava, que não concordavam.
Mandatária da Ré I...: e não concordava porquê?
DD: Por causa dos valores, que não aceitavam pronto, porque não pertence, também alegaram que a loja deles é virada para a rua, não têm que pagar e muito menos, seja contrato que for, que não celebraram contrato nenhum, lembro me dessas palavras, que não foram eles que celebraram nenhum contrato .
Mandatária da Ré I...: Ok. então o que me diz é que não havia contrapropostas dizendo nós não queremos isto mas queremos isto, o que foi dito foi que nós não pagamos porque efetivamente as nossas lojas são para rua. Foi isto?
EE: Sim basicamente sim
Mandatária da Ré I...: Hum, e não existiu nenhuma contraproposta , nós queremos fazer isto de outra forma ou..
EE: Não não. Aliás o meu pai foi a primeira pessoa a dizer que se alguém tiver uma empresa que faça este serviço mais barato que apresente aqui na ,na na, como é que se diz?
Mandatária da Ré I...: na reunião
EE; Na reunião de condomínio
Mandatária da Ré I...: Hum e ninguém disse absolutamente nada nem
EE: até hoje..que eu saiba
Mandatária da Ré I...: nem nem
EE: que eu saiba não apareceu ninguém
E) Dos meios probatórios constantes da gravação da audiência de discussão e julgamento, não resulta, nem se acha evidenciada qualquer recusa em exibir essa documentação,
F) Como inclusivamente resulta que a referida documentação nunca foi expressamente solicitada.
G) Resulta ainda que, aquando da apresentação do orçamento, a administração do condomínio foi confrontada pela condómina ora Autora, apenas e tão só quanto ao facto desta entender que a sua comparticipação deveria ser diminuta, uma vez que a sua loja, em concreto uma farmácia, tem acesso direto para a rua, não decorrendo do seu depoimento que tenha sido solicitada qualquer documentação e que esta solicitação tenha sido recusada.
H) A principal e única reivindicação que resultou da referida assembleia (reitera-se que é a própria sentença que refere que a alegada recusa da administração do condomínio assenta nos depoimentos de parte) é o montante que os condóminos iriam pagar, com reporte a quotas de condomínio, nada sendo referido quanto à recusa do condomínio em prestar informações.
I) Não resultando em momento algum deste depoimento, que a administração de condomínio se tenha recusado a prestar esclarecimento, tendo inclusivamente exortado as partes a apresentar outros orçamentos o que até à presente data não ocorreu.
J) Reforça-se ainda que o orçamento apresentado na assembleia, é o mesmo orçamento que vigorava aquando da administração provisória, e que curiosamente nunca mereceu qualquer impugnação pela via judicial pela razão óbvia de que nesse período a administração provisória, não havia solicitado quaisquer pagamentos aos condóminos...
L) O mesmo é dizer que os valores constantes do orçamento já vigoravam há muito, sem que os condóminos alguma vez tivessem solicitado qualquer tipo de informação documental e complementar, com vista a abalar ou credibilizar os valores dele constantes.
M) O orçamento discrimina as despesas do condomínio, nas mais diversas valências (honorários da administração, bancos, correspondência, seguro condomínio, prestação de serviços de gestão, etc) não sendo usual, nem exigível, que se junte qualquer suporte documental, pois trata-se precisamente de uma previsão de despesas (logo sem comprovativos de despesas associadas)
N) Reitera-se contudo que, ainda que fosse exigível, da assembleia não resultou qualquer exigência expressa para juntar documentos ou justificar valores, antes resultando dos depoimentos de parte e da testemunha EE, manifestação de desagrado apenas quanto aos valores a pagar a titulo de quotas de condomínio.
O) Ainda que hipoteticamente se defenda que a administração de condomínio, na perspectiva dos condóminos não terá justificado convenientemente os valores constantes do orçamento, ( assumidos desde a administração provisória) o que , se reitera, não se traduz num ato de recusa.
P) No que respeita ao dever de informação por parte do administrador do condomínio, revela-se essencial a averiguação sobre se existiu disponibilidade para prestar os esclarecimentos necessários, nomeadamente através da apresentação da documentação pretendida, ocorrendo a violação do dever de informação apenas nos casos de recusa.
Q) Apenas ocorrerá a violação do dever de informação nos casos de recusa, o que não ocorreu no caso em apreço.
R) Tal clarificação impõe-se na perspetiva do ora Recorrente, pois a sua conduta profissional não pode ser colocada em crise, ante uma incorreta interpretação da prova produzida .
TERMOS EM QUE FACE AO EXPOSTO DEVE O PRESENTE SER CONSIDERADO PROCEDENTE, DECLARANDO-SE INEXISTENTE A VIOLAÇÃO DO DIREITO DE INFORMAÇÃO POR PARTE DA ADMINISTRAÇÃO DO CONDOMÍNIO ORA RECORRENTE, REVOGANDO-SE A ANULAÇÃO DAS DELIBERAÇÕES CONSTANTES DO PONTO 7 DA ASSEMBLEIA DE CONDOMÍNIO DE ../../2020 E DO PONTO 7 DA ASSEMBLEIA GERAL EXTRAORDINÁRIA DE ../../2021.
4. Contra-alegou a Autora defendendo a manutenção do decidido.
5. Sendo certo que o objecto do recurso se delimita pelas conclusões das respetivas alegações (Cfr. art.sº 608.º, n.º 2, 609.º, 635.º, n.º 4, 639.º, e 663.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil) são as seguintes as questões cuja apreciação as mesmas convocam:
5.1. Impugnação da matéria de facto: se os factos 11, 12 e 13 do elenco dos “Provados” devem transitar para os “Não Provados”;
5.2. Reapreciação jurídica da causa: se as duas deliberações em causa da assembleia de condomínio do edifício sito na Rua ..., ..., ... são (in) válidas.
II. FUNDAMENTAÇÃO
6. É o seguinte o teor da decisão de facto inserta na sentença recorrida:
Factos provados:
“1. Por contrato de locação financeira celebrado em ../../2008, a Autora adquiriu a fração autónoma designada pela ... do prédio sito na Rua ..., ... (... e ...), concelho ..., registado na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...30, de ..., inscrita na matriz sob o artigo ...30, da referida união de freguesias.
2. O prédio encontra-se constituído sob o regime da propriedade horizontal, tendo os seguintes proprietários e permilagem: - Banco 1..., CRL: proprietária da fração ..., com a permilagem de 54; - I..., Lda: proprietária das frações ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e ..., com a permilagem total de 708; - AA (Requerente): proprietária da fração ..., com a permilagem de 50; - F..., Lda: proprietária da fração ..., com a permilagem de 188.
3. Por carta datada de 26 de novembro de 2020 e recebida em 4 de dezembro, foi a Autora convocada para uma assembleia ordinária de condomínio a realizar no dia ../../2020.
4. A referida convocatória, efetuada pelo Sr. Solicitador FF, a pedido da Ré I..., Lda, tinha a seguinte ordem de trabalhos: “Ponto 1 – Constituição do condomínio; Ponto 2 – Nomeação da administração; Ponto 3 – Apresentação, apreciação e deliberação da proposta de orçamento do condomínio para o ano de 2021; Ponto 4 – Apresentação, apreciação e deliberação da proposta de Regulamento do condomínio; Ponto 5 – Abertura de conta bancária; Ponto 6 - Constituição de seguro de edifício; Ponto 7 – Alteração de contratos em nome do condomínio; Ponto 8 – Definição do modo de envie de correspondência e de convocação de assembleias; Ponto 9 – Assuntos de interesse geral.”
5. E vinha acompanhada dos seguintes documentos: - Proposta de orçamento para 2021; - Simulação do exercício Orçamento 2021; e - Orçamento 2021 da fração ....
6. Embora da convocatória conste como Anexo a proposta de regulamento, tal documento não foi junto, conforme ficou plasmado em ata.
7. A assembleia de condomínio realizou-se na data e com a ordem de trabalhos referida.
8. Estiveram presentes na assembleia todos os condóminos: - A Autora, AA - Banco 1..., CRL, representada na assembleia por GG; - I..., representada na assembleia por CC; F..., Lda., representada por HH e II.
9. Foi apresentado um orçamento no valor de 79.067,61€, acrescido de 7.906,78€, a título de Fundo de Reserva, distribuído da seguinte forma: 1. Administração – honorários --- 1.254,60€ 2. Bancos – despesas de manutenção --- 80,00€ 3. Correspondência --- 100,00€ 4. Despesas de constituição do condomínio --- 250,00€ 5. PRESTAÇÃO DE SERVIÇO DE GESTÃO DE ESPAÇO --- 76.383,01€ 6. Seguro do condomínio --- 1.000,00€.
10. A este valor acresce 7.906,78€, referente ao fundo de reserva, perfazendo um total de 86.974,39€.
11. Não foi apresentado na Assembleia quaisquer documentos e/ou explicação sobre os valores em causa.
12. Para além de se desconhecer se foram pedidos outros orçamentos.
13. A administração do condomínio recusou-se a esclarecer os valores do orçamento e a prestar a informação à Autora e aos outros condóminos presentes na assembleia.
14. O orçamento para 2021, apresentado pela Ré I..., Lda. foi aprovado com o voto favorável desta condómina.
15. Com a aprovação deste ponto da ordem de trabalhos, à Autora cabe o pagamento de uma quota mensal de condomínio no valor de 362,40€.
16. Na Assembleia foi ainda aprovado o ponto 7 – Alteração de contratos em nome do condomínio, com os votos favoráveis da I..., Lda.
17. Não foram referidos quais os contratos que se pretendem alterar.
18. A Autora não deu consentimento à transmissão da posição contratual, tendo sido aprovada pela maioria do condomínio.
19. Com o envio da acta, por carta registada datada de ../../2020, foi enviado cópia de um contrato de prestação de serviços, celebrado entre a Ré I..., Lda e a sociedade P..., Lda.
20. O referido contrato de prestação de serviços foi celebrado em ../../2008, entre JJ, sócio gerente da Ré I..., LDA, e CC, sócio e gerente da P..., Lda., ou seja, entre pai e filho.
21. CC, sócio gerente da Ré I..., de acordo com a certidão permanente com o código de acesso ...75-...21-...04 foi gerente da P..., Lda., de 1993 até 18 de Agosto de 2017, sendo a sua actual gerente, a sua mulher KK.
22. A 13 de Janeiro de 2017, quando ainda era gerente da P..., Lda, CC foi também designado gerente da Ré I..., LDA.
23. O contrato não faz a descrição de quais os serviços que presta e de qual o valor atribuído a cada serviço.
24. A fração da A. é uma loja que deita diretamente para a Rua, tendo única e exclusivamente acesso ao parque de estacionamento.
25. Não tem acesso a mais nenhuma parte comum do edifício.
26. O acesso ao parque faz-se através de uma rampa e de um lanço de escadas interiores.
27. A fração da Autora não tem acesso a elevadores.
28. Não tem acesso a instalações sanitárias públicas.
29. Não tem vidros de fachada comuns.
30. O acesso à fração da Autora (Farmácia) apenas pode ser feito pelo exterior do prédio.
31. A Autora, os seus funcionários e clientes acedem à loja através da via publica.
32. A fração da Autora dispõe de casa de banho para esta e para os seus clientes.
33. O referido contrato destina-se à limpeza e manutenção de todos os espaços comuns do edifício, assim como ao pagamento do valor da manutenção dos dois elevadores, distribuindo o pagamento pela proporcionalidade das frações.
***
Factos não provados
Nada mais se provou, com interesse para a decisão da causa, designadamente que:
I. Desde 2008, data em que adquiriu a fração, que a Autora, bem como outros condóminos, tem pugnado, junto da Ré I..., Lda., proprietária de 13 frações, pela constituição de um condomínio para o edifício.
II. Situação que vinha sendo sistematicamente recusada.”.
7. Do mérito do recurso
7.1. Impugnação da matéria de facto
Entende a apelante que os factos 11(Não foi apresentado na Assembleia quaisquer documentos e/ou explicação sobre os valores em causa) 12 (Para além de se desconhecer se foram pedidos outros orçamentos) e 13( A administração do condomínio recusou-se a esclarecer os valores do orçamento e a prestar a informação à Autora e aos outros condóminos presentes na assembleia.) do elenco dos “Provados” devem transitar para os “Não Provados” uma vez que o depoimento do legal representante da I... Lda., CC, assim como o depoimento da testemunha DD contradizem a versão assente pelo Tribunal.
Vejamos.
Para justificar a resposta a tal matéria, afirmou-se na sentença o seguinte: “Quanto ao sucedido na assembleia (factos 11 a 13 e 17), debateram-se as declarações da autora e do representante da ré I..., não tendo sido corroborado por qualquer outra testemunha. Assim, atendendo à coerência, objetividade e segurança das declarações prestadas pela autora, tomaram-se as mesmas como credíveis, sendo certo que o representante legal da ré I... acabou por assumir que foi apresentado um valor genérico e que não foram descritos cada um dos serviços nem valores unitários, como solicitado, sendo ainda que não foram apresentados outros orçamentos comparativos, tendo sido recusada a exibição dessa documentação (por se entender não ser devida).”.
Ouvimos os depoimentos referidos, a saber:
DD, neto do fundador da ré I... Lda. que inicialmente referiu não ter qualquer relação com esta firma.
Porém, esclareceu que a empresa P... Lda. é da mãe e que viu o contrato celebrado entre ambas as firmas. Referiu ter estado na assembleia de condomínio em que se discutiu a constituição do condomínio e que esteve a acompanhar o pai que é o actual gerente da firma I... Lda.
Antes da constituição do condomínio havia uma “administração provisória” que fez um contrato com a tal empresa P... Lda. para tratar da gestão do mesmo (limpeza, manutenção, pagamento das despesas com luz etc.) e que “transitou” para o novo.
Admitiu que a Dra. AA na assembleia afirmou não concordar com este contrato, que argumentou que não deviam pagar uma série de despesas porque só tinham entrada/saída para a rua. Mas quando o pai perguntou se havia alguma proposta alternativa, mais barata, ninguém apresentou nada.
Afirmou que os utentes da farmácia podem estacionar nos lugares de garagem e aceder à farmácia por elevador ou por escadas, saindo no piso 0 e sai do edifício em direcção à farmácia. Mas acabou por reconhecer que os três lugares da farmácia estão geralmente ocupados com os carros da Dra. AA, do seu pai ou do irmão.
Afirmou que a rampa existente no estacionamento não é para acesso pedonal.
Acabou por reconhecer a instâncias do Tribunal que afinal há uma placa no estacionamento que refere que o estacionamento é exclusivo para os condóminos.
Como está bem de ver, o depoimento desta testemunha, que pela sua relação familiar tem inequívoco interesse no desfecho da acção, não tem a virtualidade de infirmar os factos que resultaram provados.
O legal representante da I... Lda., CC, reconheceu que cerca 70% da totalidade do edifício pertence à firma. Referiu que a firma foi administradora provisória- de 2008 a 2020- e que já tinha um contrato com a P... para gestão do espaço e que era essa a situação quando a Autora adquiriu a fracção. Referiu que tal prestação de serviços contempla limpeza, pagamento de luz, água, manutenção.
Esclareceu que a garagem é limpa uma vez por mês. Mesmo na administração provisória afirmou ser o valor cobrado aos demais condóminos igual ao que está agora em causa mas a farmácia nunca o pagou. Invocou que os condóminos estão esclarecidos acerca das parcelas que o valor da prestação de serviços contempla.
Argumentou que não foram apresentados pelos condóminos orçamentos alternativos.
Como se vê desta súmula, o depoimento do legal representante desta ré também não infirmou os factos aqui em questão.
Por isso, nada mais resta do que acompanhar a decisão da 1ª instância neste conspecto, que assim se mantem incólume.
5.2. Reapreciação jurídica da causa: da (in) validade das deliberações da assembleia de condomínio.
A própria essência da propriedade horizontal como um direito real que combina a propriedade e a compropriedade, uma vez que cada condómino é proprietário exclusivo da fracção que lhe pertence e comproprietário das partes comuns do edifício, é potenciador do exercício de comportamentos abusivos inadmissíveis, mormente quando um deles é dono, ou representante, de várias fracções e pelo domínio que, por isso, exerce na assembleia.
No caso foi peticionada a declaração de invalidade de duas deliberações da assembleia de condóminos do edifício sito na Rua ..., ..., ....
Trata-se, como está bem de ver, de um edifício constituído em propriedade horizontal, sendo que 13 das 16 fracções que o compõem pertencem à firma I... Lda., promotora da sua construção.
Estão em causa nestes autos:
- A deliberação constante do ponto 7 da acta da assembleia de condomínio, realizada no dia ../../2020 que aprovou um orçamento apresentado pela Ré I..., Lda. com o voto favorável desta condómina - no valor de 79.067,61€, acrescido de 7.906,78€, a título de Fundo de Reserva, distribuído da seguinte forma: 1. Administração – honorários --- 1.254,60€ 2. Bancos – despesas de manutenção --- 80,00€ 3. Correspondência --- 100,00€ 4. Despesas de constituição do condomínio --- 250,00€ 5. PRESTAÇÃO DE SERVIÇO DE GESTÃO DE ESPAÇO --- 76.383,01€ 6. Seguro do condomínio --- 1.000,00€.
- A deliberação constante do ponto único da acta da assembleia extraordinária de condomínio, realizada em ../../2021 na qual foi ainda aprovado o ponto 7 – alteração de contratos em nome do condomínio, com os votos favoráveis da I..., Lda.
Provou-se, ainda, que com o envio da acta da A.C. de ../../2020 , por carta registada datada de ../../2020, foi enviada cópia de um contrato de prestação de serviços, celebrado entre a Ré I..., Lda e a sociedade P..., Lda, celebrado em ../../2008, entre JJ, sócio gerente da Ré I..., LDA, e CC, sócio e gerente da P..., Lda., ou seja, entre pai e filho.
Também se provou que CC, sócio gerente da Ré I..., de acordo com a certidão permanente com o código de acesso ...75-...21-...04 foi gerente da P..., Lda., de 1993 até 18 de Agosto de 2017, sendo a sua actual gerente, a sua mulher KK.
Também ficou assente que a 13 de Janeiro de 2017, quando ainda era gerente da P..., Lda, CC foi também designado gerente da Ré I..., LDA.
Apesar de no regime jurídico da propriedade horizontal não existir uma norma como a do art.º 176º do Cód. Civil que veda o exercício do direito de voto ao associado, por si ou como representante doutrem, nas matérias em que haja conflito de interesses entre a associação e ele, sufragamos o entendimento expresso por Sandra Passinhas[1] de que “resultando do condomínio um sujeito jurídico a que se aplicam , subsidiariamente , em tudo o que não pressupõe a personalidade jurídica , as normas das associações propugnamos pela aplicação no regime da propriedade horizontal do impedimento de voto em caso de conflito de interesses”.
Por consequência, as deliberações tomadas com infracção deste impedimento legal, são anuláveis desde que o voto do condómino impedido seja essencial à existência da maioria necessária (cfr. art.º 176º, nº2 do Cód. Civil).
Ora, na primeira deliberação (a que aprovou o orçamento) constata-se que a verba mais significativa respeita a uma “PRESTAÇÃO DE SERVIÇO DE GESTÃO DE ESPAÇO”, no montante de 76.383,01€, que, conforme se veio a apurar, era levada a efeito pela sociedade P..., Lda. representada por CC, seu sócio e gerente, através de um contrato celebrado com a mesma I..., Lda representada por JJ, seu sócio gerente, ou seja, entre pai e filho.
Por seu turno, na segunda deliberação pretende-se precisamente que este contrato e outros outorgados pela I... Lda. sejam transmitidos para o condomínio.
Parece-nos, pois, evidente que se tratam de matérias em que ocorre conflito de interesses entre o legal representante da condómina I... Lda. e o legal representante da sociedade prestadora dos serviços contemplada em ambas as deliberações – P... Lda.- o que, só por si, a privaria do direito de voto – mas que foram aprovadas precisamente pelo domínio que a mesma detém no universo dos condóminos.
Mas ainda que não se comungue deste entendimento, o certo é que daquele sintético excurso detectamos violações ostensivas do dever de informação da assembleia relativamente às deliberações em causa:
- Não foram apresentados na assembleia quaisquer documentos e/ou explicação sobre os valores contemplados no orçamento;
- A administração do condomínio recusou-se a esclarecer os valores contemplados no orçamento e a prestar a informação à Autora e aos outros condóminos presentes na assembleia.
- Só com o envio da acta da primeira assembleia, i.e. após a realização da mesma, é que foi entregue cópia do de um contrato de prestação de serviços, celebrado entre a Ré I..., Lda e a sociedade P..., Lda.
- Para além disso, o contrato não faz a descrição de quais os serviços que presta e de qual o valor atribuído a cada serviço.
-Não foram referidos quais os contratos contemplados na segunda deliberação que pretendia vincular o condomínio aos mesmos.
A informação tendente à formação de uma vontade livre e esclarecida da assembleia de condóminos, enquanto colectivo dos condóminos donde emana a vontade do condomínio, é essencial.
“A assembleia é o local próprio para serem solicitadas e prestadas (em particular pelo administrador) todas as informações e apresentados todos os documentos relativos à administração e situação do prédio; informações essas que, quer pela composição do órgão quer pela extensão do seu poder deliberativo, devem ser completas, pormenorizadas e exaustivas”.[2]
“O administrador do condomínio, titular do órgão gestionário-executivo, está vinculado ao dever de “prestação de contas”/informação do administrador a assembleia de condóminos (al. l) do art. 1436.º, n.º 1, do CC, na actual versão introduzida pela Lei n.º 8/2022, correspondente à ai. j) vigente à data dos factos). Isto é, o dever de “prestar contas” entendido como dever de “prestar informação à assembleia” sobre os assuntos agendados para deliberação e no decurso da sua realização enquanto reunião dos condóminos credores dessa informação. Este dever deve ser visto como uma concretização legal específica do art. 573.º do CC, enquanto preceito especial de estabelecimento de uma obrigação de prestar informações (aí incluída a “prestação de contas” em sentido estrito).
Este dever não se circunscreve à apresentação, explicação e fundamentação tendentes á deliberação de «aprovação das contas respeitantes ao último ano e aprovação do orçamento das despesas a efetuar durante o ano» (art. 1431.º, n.º 1, do CC) - esse é o seu procedimento vinculativo mínimo em sede de assembleia ordinária, prévia à assembleia e no decurso da assembleia. Deve ser alargado a toda a actuação instrumentalmente dirigida e orientada à comunicação, esclarecimento e especificação dos assuntos sujeitos a deliberação, tendo em vista a participação elucidada, a formação de opinião instruída e o exercício do direito de voto dos condóminos em qualquer assembleia de condóminos - este é o seu procedimento vinculativo máximo, ainda contemplado por uma interpretação sistemático-racional do art. 1436.º, n.º 1, al. l) (anterior al. j)) do CC, atentos os poderes atribuídos em conjunto ao administrador e à assembleia dos condóminos (art. 1430.º, n.º 1, CC).
Tal dever é de cumprimento voluntário ou espontâneo pelo administrador obrigado; não depende de ser provocado e/ou solicitado por actuação dos condóminos (sem prejuízo de o ser, mesmo antes da realização da própria assembleia). Logo, não há apenas violação com recusa ilícita de informação; a montante surge desde logo a violação quando o administrador não a presta ou a realiza de forma deficiente ou defeituosa, no contexto de instrumentalidade para o exercício do poder deliberativo e da tomada de decisão dos condóminos reunidos em assembleia.
Este dever é também essencial quando visto no contexto de os condóminos com legitimidade (em especial os ausentes: art. 1433.º, n.º 1, do CC) poderem reagir contra as deliberações tomadas sobre os assuntos afectos à ordem de trabalhos (uma vez comunicadas nos termos do art. 1432.º, n.º 9, anterior n.º 6, do CC).
Este dever repercute-se na validade das deliberações sempre que tal informação, uma vez necessária e justificada, (i) não consta da deliberação a que respeita, (ii) não resulta da conduta do administrador revelada no decurso da assembleia, nomeadamente por se encontrar (ou não) desentranhada da acta em que é registada a deliberação, ou (iii) resulta da deliberação e/foi prestada como sendo incompleta, parcial, falsa ou irrelevante.[3]”
No nosso caso, apesar de se desconhecer com rigor que serviços estão concretamente abrangidos pelo contrato de prestação de serviços englobado no orçamento (apenas se sabendo que, mercê da aprovação deste ponto da ordem de trabalhos, à Autora cabe o pagamento de uma quota mensal de condomínio no valor de 362,40€) veio-se a apurar que nele se contemplam despesas não susceptíveis de serem imputadas à Autora, como seja a manutenção de elevadores, a limpeza da integralidade das partes comuns à excepção do estacionamento.
Efectivamente, por força do disposto no nº3 do art.º1424.º do Cód. Civil as despesas relativas aos diversos lanços de escadas ou partes comuns do prédio que sirvam exclusivamente algum dos condóminos ficam a cargo dos que delas se servem, acrescentando o n.º 4 do mesmo artigo que nas despesas dos ascensores só participam os condóminos cujas fracções por eles possam ser servidas.
Provou-se que a fracção da A. é uma loja que deita diretamente para a Rua, tendo única e exclusivamente acesso ao parque de estacionamento, ou seja, não tem acesso a mais nenhuma parte comum do edifício, não tem acesso a elevadores, não tem acesso a instalações sanitárias públicas, sendo que o acesso ao parque de estacionamento se faz através de uma rampa e de um lanço de escadas interiores, e nem sequer tem vidros de fachada comuns.
Por conseguinte, a quota mensal do condomínio da Autora tem se ser expurgada da sua comparticipação nas despesas desse jaez, i.e. referentes a partes comuns a que não tenha acesso, em obediência ao disposto no nº3 do citado art.º 1424º do Cód. Civil.
Trata-se, a nosso ver, de uma norma imperativa que não pode ser afastada por vontade das partes, norteada por preocupações de equidade e estribada no princípio do utilizador/pagador.
Nos termos do art.º 1433º, nº1 do Cód. Civil são anuláveis as deliberações da assembleia contrárias à lei ou a regulamento anteriormente aprovado.
Assim, quer na perspectiva que enunciámos de as mesmas terem sido aprovadas graças ao voto de quem não o podia exercer por existência de conflito de interesses, quer na de que foram tomadas sem necessária informação da assembleia e fazendo recair despesas referentes a partes comuns que não servem a fracção da apelada ( também ) sobre a mesma, é de concluir que tais deliberações são anuláveis[4] e, por conseguinte, inválidas.
III. DECISÃO
Por todo o exposto se acorda em julgar a apelação improcedente, confirmando a decisão recorrida.
Custas pelas apelantes.
Évora, 27 de Junho de 2024
Maria João Sousa e Faro (relatora)
José António Moita
Mário Branco Coelho
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[1] A Assembleia de Condóminos e o Administrador da Propriedade Horizontal, Almedina, pag. 230 e segs.
[2] Assim, Ac.TRL de 18.6.2019 (Rijo Ferreira).
[3] Cfr. Acórdão do STJ de 31.1.2023 (Ricardo Costa).
[4] Não perfilhamos neste aspecto o entendimento da 1ª instância no sentido de serem tais deliberações nulas por violação do art.º 280º do Cód Civil já que consideramos que só são nulas as deliberações que infrinjam normas de interesse e ordem pública (cfr. Sandra Passinhas, ob.cit, pag. 243) o que não nos parece ser o caso.