NULIDADE DO CONTRATO
LICENÇA DE UTILIZAÇÃO
COMPRA E VENDA
Sumário


1. Os negócios celebrados contra disposição legal e caráter imperativo são nulos, salvo nos casos em que outra solução resulte da lei.
2. A prescrição legal inserta no artigo 1.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 281/99, de 26-07, na redação que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei n.º 116/2008, de 04-07, tem como pressuposto que a autorização de utilização tenha correspondência com a realidade edificada no momento em que é celebrado o negócio jurídico.
3. A apresentação de uma licença de utilização emitida em altura anterior à da celebração do negócio não cumpre este requisito formal se a mesma se encontrar desatualizada, sob pena de frustração da finalidade do citado Decreto-Lei n.º 281/99, de 26-06.
4. Sendo o negócio uno, não se verifica o requisito objetivo (divisibilidade) para que possa operar a redução do negócio.
5. A referida nulidade tida como atípica pode ser sanada por obtenção posterior dos documentos em falta devidamente atualizados.
(Sumário elaborado pela relatora)

Texto Integral


Processo n.º 3546/22.6T8FAR.E1 (Apelação)
Tribunal recorrido: TJ C..., ... – J...
Apelantes: AA e outros
Apeladas: Caixa de Crédito Agrícola Mútuo do Sotavento Algarvio, CRL e S..., Ld.ª

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal da Relação de Évora

I – RELATÓRIO
AA, BB e CC intentaram ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra CAIXA DE CRÉDITO AGRÍCOLA MÚTUO DO SOTAVENTO ALGARVIO, CRL, pedindo que a Ré seja condenada nos seguintes termos.
A) A título de redução do preço da venda, ocorrida no dia 26/12/2022, do prédio urbano, sito na Rua ..., inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...33 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...12, reembolsar, na proporção das suas compras, os 1.º e 2.º Autores, no valor de 13.450,00€ e a 3.ª Autora, no valor de 36.550,00€, reduzindo, desta forma, os respetivos preços nesses montantes.
B)
b.1.) Subsidariamente em relação a a), a proceder à reconstituição natural, pela prática de todo os atos e respetivos pagamentos necessários, em colaboração com os Autores, com vista à emissão do licenciamento do prédio urbano por aquela vendido, identificado em a), incluindo pagando diretamente as despesas de outorga de escritura de constituição de servidão de vistas e ónus e respetivo registo, a que se refere a parte final do auto de vistoria, junto aqui como Doc. n° 9 e que se estimam nos artigos 20.° e 22.° supra da presente petição inicial.
b.2.) Subsidiariamente em relação a b.1), mas cumulativamente em relação a), a pagar aos Autores, no caso destes, na pendência dos presentes autos, venham a incorrer no pagamento de danos futuros previsíveis, emergentes ou lucros cessantes, na proporção do seu prejuízo efetivo que se venham a apurar e comprovar, nomeadamente os alegados nos artigos 20.° e 22.° da presente petição inicial, ao abrigo, entre outros, dos artigos 898.° e 899.° do Código Civil.
C) Subsidiariamente em relação a A) e B), caso não se entenda pela sua aplicação, a proceder, a título de enriquecimento sem causa, ao pagamento aos Autores, na proporção dos montantes que resultarem no seu empobrecimento efetivo e que posteriormente se venham a apurar e comprovar, nomeadamente os alegados nos artigos 20.° e 22.° da petição inicial.

Para fundamentarem a sua pretensão alegaram, em síntese, que adquiram, por escritura pública, um prédio destinado a habitação tal como constava da documentação apresentada pela mediadora imobiliária e vieram a constatar que o prédio tem construções ilegais, tendo adquirido o prédio em erro, tendo incorrido em despesas com a situação das obras ilegais com vista à sua sanação, não estando ainda todas contabilizadas.

A Ré CAIXA DE CRÉDITO AGRÍCOLA MÚTUO DO SOTAVENTO ALGARVIO, CRL contestou invocando, em suma, que não existe qualquer erro por parte dos Autores, os quais conheciam o prédio e as suas características, não tendo tido a Ré intervenção direta no negócio, pois toda a negociação foi feita pela mediadora imobiliária, impugnando, no demais, a generalidade dos factos alegados na petição inicial.
Requereu a intervenção principal provocada da mediadora imobiliária S..., LDA, que foi admitida como intervenção acessória provocada, com fundamento no seu em eventual direito de regresso.

S..., LDA deduziu contestação na qual invoca que os Autores tinham conhecimento das características do prédio, tendo fornecido toda a documentação existente sobre o mesmo.

Foi realizada audiência de discussão e julgamento e proferida sentença que julgou a ação totalmente improcedente e absolveu a Ré do pedido.

Inconformados, os Autores interpuseram recurso de apelação apresentando as seguintes CONCLUSÕES:
A) Em face da causa de pedir e do pedido formulado pelos aqui Apelantes resulta que os mesmos optaram, antes por peticionar à R à redução do preço na proporção das despesas que se apuraram como necessárias à legalização do imóvel, com o respetivo reembolso do valor dessas despesas (Cfr. Alínea A) do petitório final), por motivo de nulidade parcial do contrato promessa, ou subsidiariamente à condenação da R no pagamento direto das dessas mesmas despesas apuradas ou que se venham a apurar (Cfr. Alínea B.1) do petitório final) do petitório final), numa perspetiva de reintegração natural, no âmbito do instituto da responsabilidade civil contratual
B) Refira-se que, em geral, praticamente todos os factos relevantes que constavam da petição inicial foram considerados dados por provados, à exceção das despesas referidas nas alíneas “c) Processo de licenciamento de obras, no valor de 11.000,00€ e c) Taxas camarárias relativas ao licenciamento de obras, no valor de 8.000,00€”, do artigo 20º da petição inicial, tendo, porém sido consideradas como provadas as despesas (Cfr. Ponto 17 dos factos dados por provados- Páginas 7 e 8 da sentença recorrida e motivação da decisão quanto a esse mesmo ponto 17 dos factos dados por provados que consta da página 20 da sentença recorrida) pelo que o motivo pelo qual o tribunal “a quo” indeferiu totalmente o peticionado pelos aqui Apelantes diz, pois, respeito à aplicação, no seu entendimento, salvo o devido respeito, errada que foi feita dos factos dados por provados.
C) É entendimento dos Apelantes, nos termos conjugados do artigo 294º do Código Civil e do artigo 1º do D.L. 281/99 de 26 de Julho, que o negócio de compra e venda celebrado é parcialmente nulo, pelo menos, no que diz respeito às “construções que ocupam parcialmente o logradouro (2 arrumos no R/C e 2 arrumos no 1ºA)” (Cfr. Pág. 4 do relatório de avaliação de 12/12/2018, pág. 14 do anexo ao Doc. nº13 da PI e de fls. 50 a 54 dos autos de processo físico) pela construção “sem licença de um volume de 2 pisos a Sul, sem qualquer abertura de vão para o prédio vizinho” e também dado que “A Norte também foi construído um volume com dois pisos, tendo a parte da sua estrutura sido construída no logradouro do prédio vizinho” (Cfr. Página 2 do Doc. nº9 da P.I. de fls. 43 e 44 dos autos de processo físico ), tudo não licenciado.
D) Como fundamento para corroborar o entendimento dos apelantes vertido na conclusão C) está o entendimento do acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 12/04/2018, em que foi relator o Venerando Juiz Desembargador Mário Coelho, processo nº 7715/16.0T8STB.E1, in www.dgsi.pt no qual se refere que o artigo 1.º, nº1 e nº2 a contrario do DL 281/99 de 26/07, na sua redação atual, na venda de um prédio urbano “impõe, não apenas a prova da existência da autorização de utilização do prédio urbano, mas ainda que as alterações que o imóvel tenha sofrido estejam devidamente enquadradas na autorização de utilização. E nem poderia ser de outro modo, sob pena de se proceder à transmissão de prédios urbanos com autorizações de utilização não correspondentes ao efetivamente edificado no local”, invocando ainda o douto acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 12/04/2018, o disposto no artigo 28º do Código de Registo Predial; o art. 13.º, nº 1, al. d), do Código do Imposto Municipal Sobre os Imóveis (CIMI); o artigo 62º, nº2 ex vi artigo 2º, alínea d) do Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação (RJUE), aprovado pelo DL 555/99, de 16 de Dezembro e ainda o teor dos artigos 879.º, al. b) e 882.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil.
E) Sucede que 1º parágrafo da sua página 24, a sentença recorrida não corrobora que o alvará de licença de utilização tem de conter imperativamente as alterações existentes no prédio físico, antes referindo que tendo sido exibido ao notário a “licença de utilização na situação dos autos, tal como consta expressamente da escritura (…) não se verifica qualquer nulidade do contrato de compra e venda”, entendimento este que violando o disposto nos artigos 1.º, nº1 e nº2 a contrario do DL 281/99 de 26/07; 28º do Código de Registo predial, o art. 13.º, nº 1, al. d), do Código do Imposto Municipal Sobre os Imóveis (CIMI); artigo 2º, alínea d) e 62º, nº2 Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação (RJUE), aprovado pelo DL 555/99, de 16 de Dezembro, artigos 879º, alínea b), 882º, nº1 e nº2, do Código Civil, que sendo normas de caráter imperativo, conduzem à nulidade parcial do contrato de compra e venda celebrado entre os aqui Apelantes e a R, nos termos do artigos 294º e 884º do Código Civil.
F) Por sua vez, tal nulidade tem natureza atípica, como tem entendido a jurisprudência, sendo também sanável, pela superveniente legalização da construção e é parcial pois, tal como, aliás, consta do próprio ofício da Câmara Municipal ..., apenas afeta certos espaços do imóvel, onde foram realizadas obras ilegais, e não a sua totalidade (Cfr Pontos 11 e 12 dos factos dados por provados- Pág. 6 e 7).
G) Com efeito, “A redução só não tem lugar quando se prove uma vontade hipotética ou conjuntural que a ela se oponha: na dúvida o negócio reduz-se” (Cfr. Luis A. Carvalho Fernandes. Teoria Geral do Direito. 1983. Vol II. Pág. 501), pelo que,
embora na escritura de compra e venda não se discriminem as partes não licenciadas, o ofício da Câmara Municipal ..., faz essa discriminação e o ponto 17 dos factos dados por provados da sentença (Cfr. Pág. 7 e 8) indica os valores que estão em causa com vista à referida legalização, isto é, 9.000€ pela pintura exterior do prédio confinante, 20.000,00€ de indemnização compensatória aos proprietários do 1º andar, mais afetados pela violação das distâncias legais, no valor de 20.000,00€ e despesas de notário e advogadas associadas de 2.000€, num total, pois de, pelo menos, 31.000,00€ (Cfr. artigos 294º e 884º do Código Civil).
H) Sendo que, para efeito da aplicação do artigo 884º do Código Civil, os valores considerados por provados no ponto 17 dos factos dados por provados da sentença - Págs. 7 e 8 da sentença recorrida constituem já, de per si, uma avaliação apurada por via extra-judicial e demonstrada, validada e dada por provada judicialmente, associada aos custos da sanação da nulidade em causa e legalização das obras ilegais identificadas no ofício da Câmara Municipal ..., sendo desnecessária a prática de qualquer avaliação judicial (Cfr. Manuel Batista Lopes. Do contrato de Compra e Venda. Página 119).
I) Assim, logo aqui, o tribunal “a quo” deveria ter concedido provimento parcial ao pedido na alínea a) do pedido final formulado pelos apelantes ao condenar a R na redução do preço da venda, ocorrida no dia 26/12/2022, do prédio urbano identificado em 3) dos factos provados, reembolsando-os, no valor de 31.000,00€ (Cfr. Facto provado 17) na proporção das suas compras, reduzindo, desta forma, os respetivos preços nesse montante.
J) Em face do teor do auto de vistoria da Câmara Municipal ... (Cfr Pontos 11 e 12 dos factos dados por provados- Pág. 6 e 7), Página 2 do Doc. nº9 da P.I. de fls. 43 e 44 dos autos de processo físico ) e também na própria pág. 4 do relatório de avaliação bancário, emitido pelos serviços contratados pela R, de 12/12/2018 (Cfr. Pág. 14 do anexo ao Doc. nº13 da PI e de fls. 50 a 54 dos autos de processo físico refere-se à existência de “construções que ocupam parcialmente o logradouro (2 arrumos no R/C e 2 arrumos no 1ºA)” do prédio vizinho a tardoz, estamos inequivocamente perante uma venda efetuada por parte da R de uma parte do imóvel onde consta uma construção que ocupa o imóvel vizinho, logo de bem alheio, onde também por via dos artigos 902º e 292º do Código Civil, seria de condenar a R. nas consequências já mencionadas na conclusão I) supra.
I) E nem se diga, como a sentença recorrida o faz, no 2º parágrafo da sua página 24 que é “questão diversa se uma parte da construção ocupa ou não prédio alheio, sendo certo que ainda não está resolvida a questão relativa a essa construção ilegal, estando a Câmara Municipal a aguardar que os Autores resolvam a questão com os vizinhos (o que poderá ocorrer por acordo ou até através de uma ação, com vista ao reconhecimento dos direitos relativos ao imóvel por via da usucapião no que concerne à servidão de vistas ou por via da usucapião ou da acessão imobiliária relativamente ao avançado, considerando que o prédio não é alterado desde pelo menos 1998” pois esta conclusão extravasa e contraria em absoluto o teor da comunicação da Câmara Municipal ... (Cfr Pontos 11 e 12 dos factos dados por provados- Pág. 6 e 7 da sentença recorrida), que taxativamente, define claramente quais as medidas vinculativas e obrigatórias com vista à legalização da parte não licenciada, nas quais não se menciona nem o usucapião nem a acessão imobiliária adquirida por via judicial.
J) Com efeito entende a Câmara Municipal que é a única entidade competente para, ao abrigo do artigo 102º-A, nº1 e nº2 do RGEU (D.L. 555/99 de 16/12) que “Apenas será autorizada a manutenção destes dois volumes, com a autorização dos proprietários do imóvel localizado a poente, e sendo o ónus relativo à estrutura e ao incumprimento dos artigos 1360º do Código Civil e 73º do RGEU registado na Conservatória do Registo Predial e após licenciamento das alterações cumprido a legislação técnica aplicável.” (….)””, o que faz sentido, atento o facto de, como diz o Tribunal da Relação de Guimarães (Processo nº 447/13....), in www.dgsi.pt, em acórdão de 28/06/2018 recorda que “a exigência de licença de utilização imposta pelo artigo 1º do Decreto-Lei nº 281/99 (…) visa proteger relevantíssimos interesses de ordem pública, tutelados pelo direito do urbanismo, onde se incluem a vida e saúde, a par de outros direito pessoais e coletivos, não só dos utilizadores dos prédios urbanos como de todos os habitantes do território”. (O destaque é nosso)
K) Não é, pois, verdade que a Câmara Municipal admita que a questão se possa resolver “através de uma ação, com vista ao reconhecimento dos direitos relativos ao imóvel por via da usucapião no que concerne à servidão de vistas ou por via da usucapião ou da acessão imobiliária relativamente ao avançado (…)” porquanto tais opção de ação judicial ou de usucapião não constam do teor do referido ofício que manifestamente privilegia uma via conciliatória e de assentimento dos vizinhos do prédio a tardoz, dado que se torna manifesto a necessidade de uma renúncia expressa aos direitos decorrentes dos princípios subjacentes à violação das distâncias decorrentes da aplicação dos artigos 1360º do Código Civil e 73º do RGEU, o que não é possível garantir nem por via da usucapião ou de um acessão imobiliária judicialmente decretada.
L) Ao contrário do referido no antepenúltimo parágrafo da página 28, em que a sentença refere que não se apurou que a vendedora R “soubesse ou devesse saber que era essencial para a realização do negócio por aquele preço que não houvesse construções ilegais” considera-se que a R atuou com manifesta culpa pois considerou o imóvel apto para servir de garantia ao seu crédito (facto provado 7); antes ainda de ter realizado a sua avaliação bancária, em 12/12/2018, obrigatória nos termos do artigo 30-A do D.L. 349/98 de 11/11, em 07/12/2018, declarou, na ficha de informação normalizada ter efetuado a referida avaliação ( o que não é verdade), tendo omitido e não tendo entregue aos aqui Apelantes o referido relatório de avaliação bancária que detetou (Cfr. factos provados 8, 9 20 e 21) em 12/12/2018, (Cfr. Doc. nº 13 da P.I e fls. 50 a 54 dos autos de processo físico queDa análise das áreas constantes na documentação legal e sua confrontação com as áreas medidas no local, infere se que as construções que ocupam parcialmente o logradouro (2 arrumos no R/C e 2 arrumos no 1ºA) não se encontram licenciadas”.
M) Pelo que a Recorrida é culpada, para efeitos de responsabilidade civil contratual porque violou as regras próprias do bom pai de família (Cfr. Artigo 487º, nº2 do Código Civil), na qualidade de instituição bancária de crédito, incorre também no cumprimento de obrigações acrescidas que decorrem da aplicação do disposto nos artigos 3º, alínea c) e 74º do D.L. 298/92 de 31/12 (Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras) e ainda da aplicação dos artigos 6º, nº2, alíneas a) e c), 8º do D.L. 74-A/2017 (Regime dos contratos de crédito relativos a imóveis), do artigo 18º, nº2 do D.L. 74-A/2017 (Regime dos contratos de crédito relativos a imóveis), violando ainda o artigo 762.º, n.º 2, do Código Civil – artigos que o tribunal a quo também não considerou como violado na sua sentença.
N) Acresce que, sendo assumindo aqui a R a posição de “devedora” e tratando-se aqui de responsabilidade contratual que os Apelantes lhe imputam a culpa presume-se, nos termos do artigo 799.º do CC.
O) Não faz sentido nem se compreende que no antepenúltimo parágrafo da sua página 28, a sentença para desculpar a conduta da Recorrido refere que “tanto mais que já haviam adquirido um imóvel em que havia construções ilegais, ainda que a situação tivesse sido sanada pela Ré vendedora antes da escritura de compra e venda” quando essa situação não tem nada a ver com a dos presentes autos por dizer respeito a outro negócio celebrado entre os aqui Recorrentes e a Recorrida em 19/06/2018, onde (ao contrário dos presentes autos) os aqui Apelantes foram devida e previamente informados, pela aqui R, das irregularidades existentes (no caso concreto, licenciamento da piscina pendente) (Cfr. Pontos 25 ((com referência errada a “33”, quando na realidade diz respeito ao “24”) e 26 dos factos dados por provados da sentença recorrida- página 10).
P) Em face dos factos provados no ponto 17 que demonstrou claramente a existência de danos, ainda que, de natureza futura, provocados pelas diligências que necessariamente resulta das obrigações decorrentes do teor do ofício da Câmara Municipal ... que constam dos pontos 11 e 12 dos factos provados igualmente se considera que o tribunal, nas páginas 28 e 29 da sua sentença, incorreu em erro de julgamento ao considerar que “os Autores não provaram que a existência das situações de ilegalidade implicam uma desvalorização do imóvel e que o preço pago seria superior ao real do imóvel atenta essa situação pelo que não poderá haver direito a qualquer indemnização por essa via (…)” pois, tal resulta da aplicação das próprias regras da experiência comum e até da sua natureza notória e de conhecimento geral (Cfr. Artigo 412º, nº1, do C.P.C.)
Q) Porquanto resulta que das obras ilegais que se encontram identificadas naquele ofício, só por si, necessariamente, o imóvel adquirido padece de uma necessária desvalorização, uma vez que, ao preço de compra, já pago pelos compradores, há que a acrescer o pagamento por estes dos custos associados à sua consequente legalização, sendo que, em momento, algum antes da celebração do contrato foram os apelantes informados desse custo adicional.
R) Tão pouco se compreende a conclusão da sentença recorrida quando, no último parágrafo da sua página 28 refere que não se provou “que o preço pago seria superior ao real do imóvel” pois o preço que foi pago pelos Apelantes e que consta do facto provado 4), isto é, 275.000,00€, tinha como pressuposto que o imóvel não padecia de obras ilegais e que se encontrava devidamente licenciado e a sua conformidade escrutinada pela própria R que, como instituição bancária a isso obrigada, teve acesso a um relatório de avaliação bancária.
S) Pelo que, ao peticionar a redução do preço, na exata proporção dos danos que constam do ponto 17 dos factos dados por provado, os aqui Recorrentes estão a considerar o preço que, na realidade, o imóvel teria, com a sanação da ilegalidade da respetiva licença de utilização decorrente da sua posterior legalização.
T) Considera também que o tribunal a quo no primeiro parágrafo da sua página 29 que são “as despesas invocadas (…) meras especulações, não tendo os Autores logrado provar que fizeram tais despesas”, o que contraria, por um lado, o teor do ponto 17 dos factos dados por provados, onde se apuram a existência de 31.000,00€ de despesas de legalização e, por outro lado, o facto dos próprios Recorrentes, no artigo 46º da sua petição inicial, ter (no caso da R. não promover a sanação da nulidade pela reconstituição natural e pagamento das despesas que se venham a apurar), considerado tais despesas como futuras “que se venham a apurar e comprovar ou posteriormente em sede de liquidação, nos termos do disposto nos artigos 564º, nº2, 569º, 898º e 899º do Código Civil e 358º, 556º, nº1, alíneas a) e b) e 609º, nº2 do C.P.C.”
U) E, nem se diga, como a sentença recorrida faz nos penúltimo e antepenúltimo parágrafos da sua página 29 que os danos futuros não são previsíveis quando, do teor dos factos provados 17) e das diligências que a Câmara Municipal está a pedir aos Recorrente (Cfr. Factos provados 11 e 12) e como próprio facto notório (Artigo 412º, nº1 do C.P.C.), resulta que qualquer processo de licenciamento que, neste caso, ficou demonstrado ter de ocorrer, nunca é gratuito e exige sempre o pagamento de taxas camarárias, honorários de projetistas, etc, além da questão do registo do ónus referido no facto provado 12, tudo diligências não gratuitas e certamente bem previsíveis.
V) A questão quer do montante, quer do próprio objeto dos valores a pagar é algo que o artigo 609º, nº2 CPC remete para liquidação, nunca sendo, nem podendo ser, salvo o devido respeito, motivo de indeferimento da pretensão dos aqui Requerentes, como o fez a sentença aqui recorrida.
W) Pelo que, caso, por mera cautela, não se considere a questão da redução do preço pela nulidade parcial da compra e venda, peticionaram também os Recorrentes, a título subsidiário, por via da responsabilidade civil contratual, ou a condenação da Recorrida na reintegração natural ou, subsidiariamente, o pagamento aos Recorrentes de todas as despesas que se venham a apurar nos termos do disposto nos citados artigos disposto nos artigos 564º, nº2, 569º, 898º e 899º do Código Civil e 358º, 556º, nº1, alíneas a) e b) e 609º, nº2 do C.P.C. (Cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 10/02/2009, processo nº 391/06.0TBOFR.C1, in www.dgsi.pt)
Nestes termos e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deverá ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada a sentença recorrida e substituída por outra que total ou parcialmente deferida algum dos pedidos finais da petição inicial dos aqui Recorrentes.

Foi apresentada resposta ao recurso pugnando pela improcedência do mesmo e confirmação da sentença recorrida.
Foram colhidos os vistos.

II- OBJETO DO RECURSO
Delimitado o objeto do recurso pelas conclusões apresentadas, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (artigos 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1 e 608.º, n.º 2, do CPC), não estando o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3, do CPC), as questões a decidir, sucessivamente, no recurso são as seguintes:
- Nulidade do contrato de compra e venda;
- Sendo nulo, se a nulidade é total ou parcial;
- Se nulidade é sanável e em que termos;
- Responsabilidade pela sanação e respetivos custos.

III- OS FACTOS
A 1.ª instância proferiu a seguinte decisão de facto:
FACTOS PROVADOS
1) Os Autores AA, BB e CC têm nacionalidade ... e não dominam a língua portuguesa (artigo 1.º da petição inicial).
2) A Ré Caixa de Crédito Agrícola Mútuo do Sotavento Algarvio, CRL é uma cooperativa que se dedica à prática de atos inerentes à atividade bancária, nos termos da legislação em vigor, tal como resulta de fls. 10-vº a 16, cujo teor se dá por integralmente reproduzido - (artigo 2° da petição inicial).
3) No dia 26 de dezembro de 2018, por escritura pública de compra e venda e mútuo com hipoteca outorgada no Cartório Notarial ..., a cargo do Dr. DD, os Autores AA e BB compraram o usufruto e a Autora CC, sua filha, comprou a nua propriedade do prédio urbano com 3 pisos e 3 fogos, sito na Rua ..., inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...33º, destinado a habitação, com o valor patrimonial tributário de € 165.600,00 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...12, tal como resulta de fls. 17 a 19,22 e 30-vo a 42, cujo teor se dá por integralmente reproduzido (artigo 3° da petição inicial).
4) A Ré vendeu o referido prédio urbano, pelo preço global de 275.000,00€, dos quais os 1° e 2° Autores adquiriram, pelo preço de 74.000,00€ o direito ao usufruto vitalício, simultâneo e sucessivo e a 3° Autora adquiriu, pelo preço de 201.000,00€, a respetiva nua propriedade daquele mesmo prédio, na proporção respetivamente de 26,9% e 73,1% daquele preço global, declarando os mutuários que o prédio se destina à sua habitação secundária, constando da escritura pública que os compradores “- aceitam este contrato nos termos exarados, tendo-lhes já sido entregue os respetivos certificados energéticos do imóvel ora adquirido.
- Que, previamente a este ato, visitaram e examinaram o imóvel objeto da presente compra e venda e todas as suas partes componentes, tenho ficado cientes do seu estado, com as características, qualidades e desempenho que apresentam e que são adequados à respetiva idade e uso, e que correspondem à descrição que lhes foi feita pela ..., sendo que aceitam expressamente e sem reservas adquirir as frações no estado em que as mesmas se apresentam, estando cientes de que o preço de compra e venda proposto pela ... e ajustado teve em consideração o estado, as características, as qualidades e o desempenho do imóvel, reconhecendo, pois, que as mesmas satisfazem a finalidade a que as destinam e assumindo, em consequência, por sua conta e risco, todas as obras de reparação, conservação e/ou beneficiação que sejam necessárias ou que entendam realizar para a sua requalificação e funcionalidade.
- Mais declaram que reconhecem e aceitam que o preço fixado para a compra e venda foi estabelecido em função do referido no presente parágrafo" (artigo 4° da petição inicial).
5) O prédio urbano referido em 3), objeto da referida escritura de compra e venda e mútuo com hipoteca, era titular do alvará de utilização emitido por essa edilidade com o n° 7 de 18/01/1973, tal como resulta de fls. 23, cujo teor se dá por integralmente reproduzido - certidão emitida pelo Município ..., em 01/04/2011 e que serviu de instrução à referida escritura, conforme consta da alínea b) da sua última página (artigo 5° da petição inicial).
6) Nessa mesma escritura pública, a Autora CC celebrou com a Ré um contrato de mútuo com hipoteca, aceite pelos Autores AA e BB, pelo qual a Ré emprestou àquela o montante de 200.000,00€ (artigo 6° da petição inicial).
7) No dia 26/12/2018, à referida escritura de compra e venda e mútuo com hipoteca, foi junto documento complementar, em cuja cláusula nona, a Ré considera que o prédio urbano por si vendido e previamente avaliado é apto para servir de garantia ao “bom e pontual cumprimento de todas obrigações emergentes do presente contrato” (artigo 9° da petição inicial).
8) No dia 07/12/2018, no âmbito do crédito bancário n° ...72, a Ré emitiu, dirigida à Autora CC, a “Ficha de Informação normalizada Europeia”, em cujas páginas 2 (Cfr. Ponto 3 in fine) e 9, alínea b), resulta que foi feita uma avaliação que atribuiu o valor de 200.000,00€ ao prédio também por si vendido, para garantia do mútuo feito à Autora CC, tal como resulta de fls. 51 a 54, cujo teor se dá por integralmente reproduzido (artigo 7° da petição inicial).
9) A Ré não entregou aos Autores o relatório de vistoria emitido pelos seus serviços antes da venda (artigo 8° da petição inicial).
10) Alguns meses após a aquisição do dito prédio urbano, o Autor AA foi surpreendido pelo contacto dos serviços de fiscalização do Município ... devido a uma reclamação apresentada por uma vizinha, do prédio vizinho traseiro, EE, invocando irregularidades de construção, tendo, por esse motivo sido agendada uma vistoria ao prédio urbano que veio a ocorrer no passado dia 6/6/2019 (artigo 11 ° da petição inicial).
11) Por ofício datado de 29/01/2021, o Município ... solicitou ao Autor AA para, “no prazo máximo de 30 dias, fazer entrega do pedido de licenciamento do prédio em causa” por referência à informação técnica, decorrente da realização do auto de vistoria, tal como resulta de fls. 43 e 44, cujo teor se dá por integralmente reproduzido - (artigo 12° da petição inicial).
12) De acordo com o referido auto de vistoria foi detetada a construção, “sem licença de um volume de 2 pisos a Sul, sem qualquer abertura de vão para o prédio vizinho” e “A Norte também foi construído um volume com dois pisos, tendo a parte da sua estrutura sido construída no logradouro do prédio vizinho”, concluindo que “Apenas será autorizada a manutenção destes dois volumes, com a autorização dos proprietários do imóvel localizado a poente, e sendo o ónus relativo à estrutura e ao incumprimento dos artigos 1360° do Código Civil e 73° do RGEU registado na Conservatória do Registo Predial e após licenciamento das alterações cumprido a legislação técnica aplicável.” (...) Após decisão do ponto acima deverá o requerente proceder ao licenciamento das obras a realizar” (artigos 13° a 14° da petição inicial).
13) Os Autores, através de advogado, procuraram obter mais esclarecimentos sobre o teor do referido auto, quer junto do Município ..., quer junto dos proprietários da Rua ..., ... que confina, a poente/traseira do prédio referido em 3), com vista à obtenção da solução proposta no final do auto de vistoria isto é, à obtenção da autorização dos proprietários do imóvel localizado a poente, e sendo o ónus relativo à estrutura e ao incumprimento dos artigos 1360° do Código Civil e 73° do RGEU registado na Conservatória do Registo Predial (…)” (artigo 15° da petição inicial).
14) O prédio da Rua ..., ... que confina, a poente/traseira com o prédio adquirido pelos Autores é composto por ..., primeiro e segundo andares, com quinta tendo, pois, 3 proprietários (artigo 16° da petição inicial).
15) O Autor AA solicitou prorrogação de prazo para a regularização da situação e posterior entrega de pedido de licenciamento (artigo 18° da petição inicial).
16) Sendo que, na presente data, o Município ... encontra-se a aguardar a regularização da situação (artigo 19° da petição inicial).
17) Em data não concretamente apurada, foi possível alcançar um princípio de acordo com todos proprietários do prédio da Rua ..., na condição dos Autores procederem ao pagamento:
a) Da pintura exterior desse prédio, no valor 9.000,00;
b) Pagamento de indemnização compensatória aos proprietários do ..., mais afetados pela violação das distâncias legais, no valor de 20.000,00€ e despesas de notário e advogado associadas de 2.000,00€ (artigo 20° da petição inicial).
18) No passado dia 21/12/2021, de forma a evitar o recurso à presente via judicial, o Autor AA remeteu carta à Ré a solicitar o pagamento dos referidos valores, em despesas estimadas, propondo também o respetivo pagamento e faturação diretamente à Ré, conforme fosse da sua melhor conveniência, tal como resulta de fls. 46-vº e 47, cujo teor se dá por integralmente reproduzido (artigo 23° da petição inicial).
19) E, solicitando ainda a entrega de cópia do relatório de avaliação do empréstimo n° ...72 que, até àquela data, nunca tinha sido entregue (artigo 24° da petição inicial).
20) Ao que, por carta de 08/02/2022, a Ré veio a responder negando-se ao pagamento de qualquer valor e juntando, em anexo a essa resposta, o relatório de avaliação do prédio urbano vendido da autoria de FF, tal como resulta de fls. 50 a 54, cujo teor se dá por integralmente reproduzido (artigo 25° da petição inicial).
21) Do teor do relatório de avaliação, entregue pela Ré, através da sua carta de 08/02/2022 resulta da sua página 4, na rubrica «Condicionantes e Observações do perito avaliador» o seguinte:
«- Àreas medidas no local, não tendo sido fornecidas plantas do imóvel nem licença de utilização.
- Da análise das áreas constantes na documentação legal e sua confrontação com as áreas medidas no local, infere-se que as construções que ocupam parcialmente o logradouro (2 arrumos no R/C e 2 arrumos no 1 DA) não se encontram licenciadas, pelo que não foram contabilizadas na presente avaliação.» (artigo 28° da petição inicial).
22) Em 30 de outubro de 2017 foi celebrado entre os Autores e a Ré contrato promessa de compra e venda relativamente ao prédio referido em 3) , tendo sido acordado que o preço da venda e respetivos encargos «será pago aquando da outorga da escritura de compra e venda, data em que todas as chaves das frações serão entregues aos aqui Segundos Contraentes, acompanhada das respetivas documentações, (a) totalidade das licenças de utilização, (b) certificados energéticos, (c) plantas de arquitetura cotas devidamente certificadas pela Câmara Municipal ..., (d) parecer técnico relativo ao cumprimento do Regulamento geral de Ruído, termo de responsabilidade de execução do ITED (Infra-estrturas de Telecomunicações em Edificios) e f) certificados CERTIEL.» (cfr. cláusula terceira), tal como resulta de fls. 77 a 80, cujo teor se dá por integralmente reproduzido (artigos 11 ° e 12° da contestação da Ré).
23) Na negociação e celebração do referido contrato promessa, os Autores foram assessorados pelo Ilustre Advogado, Dr. GG (artigo 13° da contestação da Ré).
24) Em 19 de junho de 2018, os Autores compraram à Ré, o imóvel sito na ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ..., sob o número ...52, daquela freguesia, inscrito na respetiva matriz sob o artigo ...11º, constando da escritura de compra e venda que os compradores «previamente a este ato, visitaram e examinaram as citadas frações objeto da presente compra e venda e todas as suas partes componentes, tenho ficado cientes do seu estado, com as características, qualidades e desempenho que apresentam e que são adequados à respetiva idade e uso, e que correspondem à descrição que lhes foi feita pela ..., sendo que aceitam expressamente e sem reservas adquirir as frações no estado em que as mesmas se apresentam, estando cientes de que o preço de compra e venda proposto pela ... e ajustado teve em consideração o estado, as características, as qualidades e o desempenho das frações, reconhecendo, pois, que as mesmas satisfazem a finalidade a que as destinam e assumindo, em consequência, por sua conta e risco, todas as obras de reparação, conservação e/ou beneficiação que sejam necessárias ou que entendam realizar para a sua requalificação e funcionalidade. II - Mais declaram que reconhecem e aceitam que o preço fixado para a compra e venda foi estabelecido em função do referido no presente parágrafo.», tal como resulta de fls. ,81 a 85 cujo teor se dá por integralmente reproduzido (artigos 5° e 17° da contestação da Ré).
25) A Ré vendeu o prédio referido em 33) depois de fazer obras de legalização e licenciamento do mesmo, tendo o Autor AA tido conhecimento dessa situação antes de o comprar (artigos 9° e 10° da contestação da Ré).
26) No dia 4 de março de 1998, a Ré adquiriu a propriedade do prédio urbano referido em 3) composto de três pisos e destinado a habitação, sito na Rua ..., na cidade, freguesia e concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...12 e inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo ...33, pelo preço de 20 milhões de escudos, através de arrematação no âmbito do processo executivo movido contra HH, II e JJ, cujos termos corriam perante a Secção Única do Tribunal Judicial ..., sob o n.º 127/93, tal como resulta de fls. 85-vº a 87, cujo teor se dá por integralmente reproduzido (artigo 20° da contestação da Ré).
27) Desde a data da sua aquisição pela Ré e até ao ano de 2015, o imóvel esteve arrendado (artigo 22° da contestação da Ré).
28) A Ré não realizou quaisquer obras ou quaisquer trabalhos de reparação, renovação ou edificação do imóvel (artigo 24° da contestação da Ré).
29) O imóvel referido em 3) foi vendido pela Ré aos Autores nas condições e com as mesmas características com que contava à data da sua aquisição, no ano de 1998 (artigo 25° da contestação da Ré).
30) Para a venda do prédio referido em 3), a Ré contratou os serviços da mediadora imobiliária S..., Lda. (detentora da licença AMI n.º ...34) que havia intermediado o anterior negócio de compra e venda de imóvel com os Autores, tal como resulta de fls. 115-vº a 117, cujo teor se dá por integralmente reproduzido (artigo 27° da contestação da Ré).
31) Foi entregue pela Ré à mediadora imobiliária no início do processo de venda a Certidão Permanente do Registo Predial, a Caderneta Predial Urbana, a licença de utilização e o certificado energético, conforme email que ora se junta e aqui se dá por integralmente reproduzido (Documento n.º 5) (artigo 29° da contestação da Ré).
32) Toda a referida documentação foi entregue pela mediadora imobiliária aos Autores, que também neste negócio com a Ré estiveram sempre assessorados pelo seu Advogado Dr. GG (artigo 312° da contestação da Ré).
33) Na descrição predial do prédio referido em 3) consta que o prédio consiste num “Edifício de rés-da-chão, primeiro e segundo andares, com quintal» e na descrição da Caderneta Predial Urbana consta como «Prédio urbano composto de 3 pisos e 3 fogos, destinado a habitação» (artigos 48° e 49° da contestação da Ré).
34) Da proposta de aquisição feita pelo Autor consta «Classificação do Imóvel:
Prédio 3 Apart. Tipologia: 3xT2» (artigo 50° da contestação da Ré).
35) Os Autores visitaram o prédio referido em 3) antes de adquirem o mesmo (artigo 22° da contestação da interveniente acessória).

FACTOS NÃO PROVADOS
a) O Autor AA solicitou um parecer técnico, na pessoa do Sr. Eng.° KK, com vista à eventual demolição dos dois volumes construídos anteriormente, tendo o mesmo concluído que tal demolição poderia conduzir não só a dificuldades práticas e constrangimentos para ambos os prédios, construídos pelo mesmo construtor, mas até a sérias consequências negativas ao nível da consolidação estrutural de ambos os edifícios (artigo 17° da petição inicial).
b) Sendo que estes valores são estimativos, sujeitas a correção, dada a natureza dinâmica do processo de licenciamento camarário (artigo 21 ° da petição inicial).
c) Também no que diz respeito ao acordo com os proprietários da Rua ..., falta ainda proceder à sua formalização que se encontra também condicionada pela falta de liquidez dos aqui Autores e também ela produzirá custos relacionados com a outorga da escritura de constituição da servidão de vistas e ónus e respetivo registo e honorários de advogado, em montante não inferior a 5.000,00€ (artigo 22° da petição inicial).
d) A Ré ocultou propositadamente quer aos Autores, quer ao notário que outorgou a escritura do dia 26/12/2018, sendo que se ambos soubessem da situação não teria sequer sido marcada, nem outorgada, por falta de um elemento essencial, a saber, a licença de utilização atualizada de acordo com a realidade do que estava a ser comprado (artigo 29° da petição inicial).
e) Os Autores AA e BB já realizaram várias obras de conservação e benfeitorias no prédio adquirido à Ré e pretendiam destiná-lo à exploração comercial, necessitando, para o efeito, do alvará de licença de utilização conforme a lei e os requisitos apresentados pelo Município ..., sendo previsível que, a manter-se a situação, na qualidade de usufrutuários, venham a sofrer prejuízos, a título de lucros cessantes (artigo 31 ° da petição inicial).
f) Os Autores têm interesse na aquisição do prédio referido em 2) no pressuposto de que o seu preço de aquisição é o que consta da respetiva escritura, isto é, os 1 ° e 2° AA na aquisição do direito ao usufruto vitalício, simultâneo e sucessivo pelo preço de 74.000,00€ e a 3°A na aquisição da respetiva nua propriedade, pelo preço de 201.000,00€ e no pressuposto que não teriam de incorrer em despesas adicionais relacionadas com a compra de bens alheios (artigo 32° da petição inicial).
g) Com as obras ilegais, o prédio referido em 3) tem um preço de mercado inferior ao pago pelos Autores (artigo 33° da petição inicial).
h) Foram entregues os relatórios de avaliação imobiliária do imóvel promovidos pela Ré (artigo 30° da contestação da Ré).
i) Os Autores sabiam, sempre souberam desde o momento em que lhes foi facultada essa informação pela mediadora imobiliária, que existia junto do imóvel uma construção, no seu logradouro, que não se encontrava licenciada (artigo 38° da contestação da Ré).

IV- CONHECIMENTO DAS QUESTÕES COLOCADAS NO RECURSO
A primeira questão a analisar é a da nulidade do contrato de compra e venda celebrado entre os Autores e a Ré, em 26-12-2018, por existir uma desconformidade entre o teor do alvará de utilização emitido pela Câmara Municipal ... com o n.º 7 de 18-01-1973, que serviu de instrução à escritura pública de compra e venda do imóvel e o que se encontrava edificado àquela data, porquanto foi construída «sem licença de um volume de 2 pisos a Sul, sem qualquer abertura de vão para o prédio vizinho» e «A Norte também foi construído um volume com dois pisos, tendo a parte da sua estrutura sido construída no logradouro do prédio vizinho». (cfr. facto provado 12).
A sentença recorrida considerou que este negócio jurídico não estava afetado com o vício da nulidade, apesar de parte da construção realizada no imóvel não estar licenciada, argumentando do seguinte modo:
«Ora, estando o notário/conservador impedido de celebrar a escritura pública se não lhe for apresentada a licença de utilização, não há dúvida que foi exibida licença de utilização na situação dos autos, tal como consta expressamente da escritura, pelo que, por essa via, não se verifica qualquer nulidade do contrato de compra e venda.»
Não aceitam os recorrentes tal raciocínio defendendo que, «(…) nos termos conjugados do artigo 294º do Código Civil e do artigo 1º do D.L. 281/99 de 26 de Julho, que o negócio de compra e venda celebrado é parcialmente nulo, pelo menos, no que diz respeito às “construções que ocupam parcialmente o logradouro (2 arrumos no R/C e 2 arrumos no 1ºA)” (Cfr. Pág. 4 do relatório de avaliação de 12/12/2018, pág. 14 do anexo ao Doc. nº13 da PI e de fls. 50 a 54 dos autos de processo físico) pela construção “sem licença de um volume de 2 pisos a Sul, sem qualquer abertura de vão para o prédio vizinho” e também dado que “A Norte também foi construído um volume com dois pisos, tendo a parte da sua estrutura sido construída no logradouro do prédio vizinho” (Cfr. Página 2 do Doc. nº9 da P.I. de fls. 43 e 44 dos autos de processo físico ), tudo não licenciado.»
Analisando a situação apurada nos autos e as normas aplicáveis ao caso, não nos suscita qualquer dúvida que o negócio em causa está ferido de nulidade.
Como prescreve o artigo 294.º do Código Civil (CC) «Os negócios celebrados contra disposição legal e caráter imperativo são nulos, salvo nos casos em que outra solução resulte da lei».
O Decreto-Lei n.º 281/99, de 26-07, estabelece a disciplina aplicável à exigência de apresentação perante o notário de licença de construção ou de utilização na celebração de atos de transmissão da propriedade de prédios urbanos.
Como prescreve o artigo 1.º, n.º 1, deste diploma na redação que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei n.º 116/2008, de 04-07, «não podem ser realizados atos que envolvam a transmissão da propriedade de prédios urbanos ou de suas frações autónomas sem que se faça prova da existência da correspondente autorização de utilização», acrescentando o n.º 4 que «a apresentação de autorização de utilização (…) é dispensada se a existência desta estiver anotada no registo predial e o prédio não tiver sofrido alterações.»
O incumprimento desta prescrição determina a nulidade do negócio, pois como se refere na sentença recorrida, citando CALVÃO DA SILVA[1]: «O DL 281/99, de 26 de Junho tem como pressuposto a salvaguarda do interesse público de combate à construção clandestina, ou seja, neste diploma legal, estão em causa "normas de interesse e ordem pública", constituindo "uma espécie de última instância no combate à construção clandestina", pelo que, "se o notário lavrar a escritura pública de transmissão do prédio sem licença de utilização, o negócio enfermará de nulidade típica por violação da formalidade prescrita no DL 281/99, de 26 de Junho".»
Este também tem sido o entendimento acolhido na jurisprudência, mormente do STJ, como exemplificado no Acórdão proferido em 29-10-2015[2], lendo-se no respetivo sumário:
«4. A preterição das proibições de celebração de escrituras públicas que envolva transmissão de prédios urbanos, sem a prova suficiente da existência da correspondente licença de utilização ou de construção, consoante o caso, e sem a certificação da existência da ficha técnica de habitação, respetivamente nos termos do artigo 1.º do Dec.-Lei n.º 281/99, de 26-07, e do art.º 9.º, n.º 1, do Dec.-Lei n.º 68/2004, de 25-03, importa a nulidade do negócio celebrado com infração dessas proibições, nos termos do art.º 294.º do CC.
5. A tais proibições subjazem interesses de ordem pública que, para além da proteção dos consumidores, visam obviar à construção clandestina e promover a transparência e segurança do mercado habitacional, como resulta da evolução legislativa neste domínio e como vem sendo reconhecido pela jurisprudência.
6. Aquelas formalidades traduzem-se assim em requisitos legais habilitantes da celebração do negócio e concomitantes desta.»
A prescrição legal inserta no artigo 1.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 281/99, de 26-07, na redação que lhe foi conferida pelo Decreto-Lei n.º 116/2008, de 04-07, tem como pressuposto que a autorização de utilização tenha correspondência com a realidade edificada no momento em que é celebrado o negócio jurídico.
A apresentação de uma licença de utilização emitida em altura anterior à da celebração do negócio não cumpre este requisito formal se a mesma se encontrar desatualizada, sob pena de frustração da finalidade do citado Decreto-Lei n.º 281/99, de 26-06.
Conclusão que se encontra sobejamente justificada, e com a qual concordamos, no Acórdão desta Relação de Évora de 12-04-2018[3], quando ali se escreveu em referência à interpretação do artigo 1º do citado diploma legal:
«Esta redacção impõe, não apenas, a prova da existência da autorização de utilização do prédio urbano, mas ainda que as alterações que o imóvel tenha sofrido estejam devidamente enquadradas na autorização de utilização.
E nem poderia ser de outro modo, sob pena de se proceder à transmissão de prédios urbanos com autorizações de utilização não correspondentes ao efectivamente edificado no local.
De resto, outras normas impõem a coincidência entre a autorização de utilização e a realidade física existente no local. Não apenas o art. 28.º do Código do Registo Predial prevê a harmonização quanto à localização, à área e ao artigo da matriz, entre a descrição e a inscrição matricial, como o art. 90.º-A, n.º 1, al. a), do mesmo diploma prevê a anotação especial à descrição da existência de autorização de utilização. Por outro lado, o art. 13.º, nº 1, al. d), do Código do Imposto Municipal Sobre os Imóveis (CIMI) estipula que a inscrição de prédios na matriz e a actualização desta são efectuadas com base em declaração apresentada pelo sujeito passivo, no prazo de 60 dias contados a partir da ocorrência, entre outros factos, da conclusão de “obras de edificação, de melhoramento ou outras alterações que possam determinar variação do valor patrimonial tributário do prédio.”
Finalmente, o Regime Jurídico da Urbanização e da Edificação (RJUE), aprovado pelo DL 555/99, de 16 de Dezembro, depois de definir no respectivo art. 2.º, al. d), como “obras de alteração” aquelas “de que resulte a modificação das características físicas de uma edificação existente, ou sua fracção, designadamente a respectiva estrutura resistente, o número de fogos ou divisões interiores, ou a natureza e cor dos materiais de revestimento exterior, sem aumento da área total de construção, da área de implantação ou da altura da fachada”, impõe no respectivo art. 62.º, n.º 2, a obrigação de ser requerida e emitida a competente licença de utilização, mesmo no caso de obras de alteração não sujeitas a controlo prévio, a fim de ser verificada “a conformidade da utilização prevista com as normas legais e regulamentares que fixam os usos e utilizações admissíveis, bem como a idoneidade do edifício ou sua fracção autónoma para o fim pretendido, podendo contemplar utilizações mistas”.»
No caso sub judice, os factos apurados não permitem saber em que data foi feita a edificação das partes não autorizadas e detetadas na vistoria levada a cabo em 06-06-2019, mas é seguro que as mesmas são anteriores à data da celebração da escritura de compra e venda em causa nos autos, pois como consta do relatório de avaliação realizado pela Ré aquando do pedido de empréstimo, ou seja, em momento anterior ao da celebração da compra e venda, ficou a constar da avaliação que o perito avaliador não incluiu na avaliação «(…) as construções que ocupam parcialmente o logradouro (2 arrumos no R/C e 2 arrumos no 1DA) não se encontram licenciadas (…).» (cfr. facto provado 21), ou seja, já nesse momento existiam as construções não licenciadas.
Assim sendo, no momento de celebração da escritura de compra e venda impunha-se que a licença de utilização apresentada estivesse atualizada e em conformidade com a real situação edificativa do imóvel, o que efetivamente não sucedia.
Por conseguinte, a compra e venda do imóvel é nula por violação de norma de caráter imperativo, não se podendo corroborar o decidido em sentido oposto na sentença recorrida.
Defendem os recorrentes que está em causa uma nulidade parcial, alegando que assim é, «(…) pois, tal como, aliás, consta do próprio ofício da Câmara Municipal ..., apena afeta certos espaços do imóvel onde foram realizadas obras ilegais, e não a sua totalidade.» (Conclusão F) do recurso).
Salvo o devido respeito, não se acompanha tal conclusão na perspetiva em que é apresentada, porquanto a questão da nulidade parcial ou total do negócio, bem como a sanação do vício, é uma questão jurídica cujos pressupostos dependem do preenchimento dos requisitos legais. O que decorre do ofício da edilidade é a mera constatação da eventual sanação dos pressupostos que determinam a nulidade da compra e venda, desde que a edificação não autorizada venha a ser licenciada e, então, emitida a licença de utilização atualizada.
A esse ângulo da análise em curso, voltaremos infra. Por agora, persiste a questão de saber se a nulidade que afeta a compra e venda corresponde a uma nulidade total ou parcial daquele negócio.
Dispõe o artigo 292.º do C.C., sob a epígrafe «Redução», que «A nulidade ou anulação parcial não determina a invalidade de todo o negócio, salvo quando se mostre que este não teria sido concluído sem a parte viciada.»
Decorre deste preceito a regra segundo a qual a nulidade (ou a anulação) parcial de um negócio não determina a invalidade de todo ele, salvo quando se mostre que não teria sido concluído sem a parte viciada.
Refere a este propósito CASTRO MENDES[4]: «Quer a nulidade quer a anulabilidade do negócio jurídico podem feri-lo na totalidade ou apenas em parte. Correspondentemente, temos a invalidade total e parcial do negócio jurídico.
Chama-se redução do negócio jurídico ao efeito de uma invalidade parcial.»
Por sua vez, escreveu MOTA PINTO[5]: «Estabelece-se uma presunção de divisibilidade ou separabilidade do negócio, sob o ponto de vista da vontade das partes. O contraente que pretender a declaração de invalidade total tem o ónus de provar que a vontade hipotética das partes ou de uma delas, no momento do negócio, era nesse sentido, isto é, que as partes – ou pelo menos, uma delas, - teriam preferido não realizar negócio algum, se soubessem que ele não poderia valer na sua integridade.»
MENEZES CORDEIRO[6] contesta a regra da divisibilidade do negócio, defendendo o princípio da integralidade do cumprimento, sustentando: «O primeiro requisito é o de uma nulidade ou anulação meramente parciais. Na base desta fórmula, algumas doutrina e jurisprudência têm admitido uma regra de divisibilidade dos negócios. De modo algum: o que a lei diz é o seguinte: a nulidade ou anulação (quando seja) parcial não determina a invalidade do conjunto. Repare-se: a lei não permite que a prestação seja realizada por partes, havendo pois um princípio da integralidade do cumprimento – artigo 763.º: não se compreenderia como facultar uma desarticulação de princípio dos negócios, a pretexto da invalidade.
Teremos de, pela interpretação e em momento logicamente anterior, determinar o alcance de qualquer invalidade», acrescentando que nessa interpretação sempre há que levar em conta o princípio da boa fé, o respeito pelas regras formais e o respeito por outras normas imperativas.
Como se refere o STJ[7], «O art. 292º (…), fortemente influenciado pelo princípio do favor negotti, institui como regra a redução do negócio que está afetado de invalidade parcial, só assim não sendo quando se mostre que as partes o não teriam outorgado apenas com a parte não viciada.»
Deste modo, para que possa haver redução é necessário que estejamos perante um negócio divisível, no sentido de que «seja possível dividi-lo numa parte que é inválida e noutra que se mantém válida.»[8]
O que seja a divisibilidade do negócio é explicada por GALVÃO TELLES[9] nos seguintes termos:
«A redução supõe, por natureza, a divisibilidade do negócio jurídico. A redução traduz-se, com efeito, na divisão desse negócio em duas partes – a que se mantém nula e a que se salva, sob as vestes de negócio válido, se bem que de dimensão mais restrita. Pode acontecer, porém, que o negócio em causa seja indivisível, e então é que a questão da divisibilidade ou indivisibilidade importa verdadeiramente. A indivisibilidade obsta, por natureza, à redução. O negócio é indivisível quando não se mostra reconduzível a uma parte nula, em razão de vício que a afecta, e a uma parte que em si seria válida, por esse vício não a atingir directamente, mas cuja existência autónoma não faria sentido, dado haver entre as duas uma ligação incindível. (…) Em caso de indivisibilidade do negócio, não há sequer lugar à prova da vontade conjectural ou hipotética, prevista na parte final do artigo 292º.»
Ora, no caso em apreço, estamos perante um contrato de compra e venda e mútuo com hipoteca de um imóvel urbano, ou seja, está em causa um negócio único cujas cláusulas se resumem a veicular a vontade das partes, respetivamente, de vender e comprar o bem mediante um empréstimo hipotecário. Sendo que o imóvel vendido foi-o com as características que constam da descrição predial (3 pisos e 3 fogos), ou seja, sem qualquer menção à parte não licenciada, como, aliás, reconhecem os Recorrentes.
Em face da nulidade do contrato de compra e venda do imóvel por violação de regras imperativas quanto à inexistência de licença de utilização do imóvel no estado edificativo em que se encontrava à data daquele negócio, não é possível dividir esse negócio em duas partes e concluir que uma parte está viciada e outra é válida. Não se verifica, pois, o requisito objetivo (divisibilidade) do negócio nulo para que possa operar a redução do negócio.
O que prejudica a análise do requisito subjetivo, ou seja, aferir se o negócio não teria sido concluído sem a parte viciada.
Em consequência, no caso, não tem aplicação o disposto no artigo 292.º do CC. E, consequentemente, a redução do preço prevista no artigo 902.º do CC.
O que determina a improcedência do pedido formulado sob a alínea A).
Resta, contudo, aferir da possibilidade de sanação da nulidade de que enferma o negócio.
A jurisprudência tem de forma consistente entendido que a falta de licença de construção ou licença de utilização verificada aquando da celebração do contrato-promessa de compra e venda de um imóvel constitui uma nulidade atípica, decorrendo tal do disposto no artigo 410.º, n.º 3, do CC, suscetível de sanação por obtenção posterior daqueles documentos.
No âmbito do contrato de compra e venda – e na falta de norma equivalente à do citado preceito legal – a nulidade em causa reconduz-se, como acima referido, à violação de normas imperativas que visam proteger o interesse público e que constam do já citado artigo 1.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 281/99, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 116/2008, de 04-07.
Em regra, a violação de normas imperativas não podem ser derrogadas, sob pena de se estar a permitir de um modo indireto a violação dessas normas.
Todavia, a derrogação em sede de contrato-promessa nos moldes supra referidos, indicia claramente que a derrogação também é de aplicar ao contrato definitivo nas mesmas condições, ou seja, pela superveniente legalização da construção e correlativa emissão de licença de utilização em conformidade com a referida legalização da construção.
E sempre no pressuposto que a sanação não afetada direitos de terceiros, nem o interesse público em geral que se traduz, nestes casos, essencialmente, no combate à construção clandestina.[10]
No caso em apreço, a edilidade camarária no auto de vistoria onde foi identificada a parte edificada não autorizada, mencionou expressamente (cfr. facto provado 12):
«Apenas será autorizada a manutenção destes dois volumes, com a autorização dos proprietários do imóvel localizado a poente, e sendo o ónus relativo à estrutura e ao incumprimento dos artigos 1360° do Código Civil e 73° do RGEU registado na Conservatória do Registo Predial e após licenciamento das alterações cumprido a legislação técnica aplicável.» (...) Após decisão do ponto acima deverá o requerente proceder ao licenciamento das obras a realizar.»
Ou seja, a sanação da nulidade em causa é passível de ocorrer por esta via.
E é apenas esta aquela que o tribunal, no âmbito desta ação, está em condições de considerar na sua decisão, independentemente de outras possíveis vias jurídicas que existam (aludidas na sentença embora na perspetiva de afastar a redução do preço que, como acima referido, não tem lugar por razão diversa).
Em síntese, atenta a configuração da concreta situação em apreço, entende-se que, não obstante a compra e venda estar ferida de nulidade, a mesma é sanável desde que venham a ser preenchidos os pressupostos que permitam à Câmara Municipal ... autorizar o licenciamento do edificado sem prévia autorização, emitindo, então, a correspondente licença de utilização.
Sendo que tal desfecho não deixa de corresponder aos interesses das partes, pois, nem os Autores nem a Ré pretendem a declaração de nulidade do negócio, o que determina a procedência da primeira parte do pedido subsidiário B), b.1).
Pedem, contudo, os Autores a condenação da Ré a pagar diretamente as despesas de outorga da escritura de constituição da servidão de vistas e do registo do respetivo ónus, que estimam nos artigos 20.º e 22.º da p.i. (segunda parte do pedido B), b.1)) e, ainda, a condenação da Ré a pagar-lhes os danos que estes venham a incorrer na pendência dos presentes autos, dos danos previsíveis futuros, emergentes ou lucros cessantes, na proporção do prejuízo efetivo que venham a apurar e a comprovar, nomeadamente os alegados nos artigos 20.º e 22.º da p.i., ao abrigo, dos artigos 898.º e 899.º do CC (segunda parte do pedido B), b.2)).
Vejamos, então, se estes pedidos devem ou não proceder.
Nos referidos artigo 20.º e 22.º da p.i., os Autores alegaram que o princípio de acordo obtido com todos os proprietários do prédio sito na Rua ..., implicam o dispêndio dos valores ali referidos e que vieram a constar do ponto 17 dos factos provados (€9.000,00 com a pintura exterior daquele prédio; €20.000,00 de indeminização compensatória aos proprietários do ... andar e €2.000,00 pelas despesas com notário e advogado).
Já no artigo 22.º da p.i., os Autores alegaram o dispêndio de quantia não inferior a €5.000,00 com custos da outorga da escritura de constituição da servidão e registo do respetivo ónus, factualidade que não foi dada como provada como consta da alínea c) dos factos não provados.
Ora, improcedendo o pedido formulado na alínea A), a pretensão formulada cumulativamente com esta alínea A) – cfr. alínea B), b.2) – igualmente improcede.
Ficando apenas a sua formulação a título subsidiário em relação à pretensão B), b.1).
Importa, antes de mais, enquadrar juridicamente a pretensão dos Autores em face dos factos provados.
Os mesmos aludem aos artigos 898.º e 899.º do CC para justificar os danos supra referidos, mas é evidente que tais normativos não são aplicáveis à situação em apreço, porquanto os mesmos regulam a indemnização nas situações em que ocorreu uma venda de bens alheios.
Como se mencionou na sentença recorrida, que nesta parte nenhuma censura merece, não existiu qualquer venda de bens alheios, pois o imóvel vendido, tal como o foi, ou seja, com todas as partes que o compõem, incluindo as edificadas sem licença camarária, pertencia à Ré vendedora que, aliás, gozava da correspondente presunção registral (artigo 7.º do C. R. Predial).
Importa, pois, analisar se assiste aos Autores o direito de pedir a condenação da Ré na indemnização que peticionam subsidiariamente no pedido formulado sob a alínea B), b.1).
Os danos aqui invocados decorrem da necessidade de sanar a nulidade do negócio de compra e venda.
Sem descurar este pressuposto jurídico, considerando que o bem vendido não tem as caraterísticas que se encontravam descritas na descrição predial e na demais documentação exigível para a realização da escritura de compra e venda, incluindo a licença de utilização, o que ocorreu foi a venda de coisa defeituosa à qual se aplicam o regime dos artigos 913.º a 922.º do CC, e subsidiariamente as disposições da venda de bens onerados (artigo 913.º, n.º 1, do CC).
Haverá venda de coisa defeituosa se o vendedor entrega ao comprador a coisa devida, mas a coisa sofre de qualquer dos vícios catalogados no artigo 913.º do CC: vício que desvalorize a coisa; vício que impeça a realização do fim a que ela é destinada; falta das qualidades asseguradas pelo vendedor ou falta das qualidades necessárias para a realização do fim a que a coisa se destina.
No caso, a desconformidade do cumprimento (perfeito) do contrato advém da prestação padecer de um defeito que se traduz na falta de coincidência entre a autorização de utilização e a realidade física existente no local.[11]
Ora, a compra e venda de um prédio envolve para o vendedor a obrigação de realização das diligências necessárias ao licenciamento das obras de alteração, como meio de propiciar as condições à coisa vendida para a sua função normal, ou seja, a sua cabal fruição.
Obrigação que se encontra subjacente ao já mencionado artigo 1.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 281/99, que impede a realização de atos de transmissão de propriedade de prédios urbanos sem que se faça prova da existência da correspondente autorização de utilização (devidamente atualizada, como já antes referido), sendo a apresentação de autorização da utilização apenas dispensada se a existência desta estiver anotada no registo predial e o imóvel não tiver sofrido alterações.
Este requisito, com supra dito, é um requisito do próprio negócio imposto por lei, assumindo natureza imperativa e de ordem pública, subtraída, portanto, à disponibilidade das partes.
Está provado que a Ré tinha conhecimento da desconformidade, pois a mesma consta do relatório da avaliação levada a cabo por perito por si incumbido. Porém, não se provou que tenha existido qualquer desconformidade entre a formação da declaração e/ou na manifestação da vontade da Ré, o que afasta o regime dos artigos 247.º e 251.º do CC.
Por outro lado, a existência da desconformidade anterior à aquisição do direito de propriedade sobre o imóvel não pode prejudicar os Autores enquanto terceiros apresentando-se esse negócio em relação aos mesmos como res inter alios acta.
O facto de a peritagem ter sido realizada no âmbito do pedido de empréstimo em nada altera esse conhecimento por a Ré ser, simultaneamente, vendedora e mutuante.
Por sua vez, os Autores só tiveram conhecimento do relatório da avaliação após a venda.
É certo que visitaram o local (cfr. ponto 25) dos factos provados), mas não ficou provado que sabiam que existiam construções não licenciadas ou que essa informação lhes tenha sido facultada pela mediadora (cfr. alínea i) dos factos não provados).
Por outro lado, a documentação existente e que lhes foi entregue pela mediadora, a interveniente S..., LDA (cfr. pontos 31) a 33) dos factos provados), não revelava a ausência de licenciamento de todo o edificado existente, o que pode justificar a confiança e a boa fé que depositaram na Ré ao subscrever uma cláusula do contrato de compra e venda que desresponsabiliza a Ré por essa e todas as demais e eventuais desconformidades existentes, auto responsabilizando-se pela mesmas.
A qual, evidentemente, não tem qualquer valor jurídico em relação à desconformidade entre o edificado e o teor da licença de utilização por não estar na disponibilidade das partes afastarem regras de cariz imperativo e de ordem pública.
Para além de ser uma cláusula completamente desequilibrada na medida em que transfere o risco por todas as desconformidades do imóvel para a esfera jurídica da parte débil em termos contratuais.
Por conseguinte, e também como se refere na sentença recorrida, apesar da coisa vendida não ter as caraterísticas pressupostas no negócio, não se provou que a vontade dos Autores tenha sido formada com base em erro-vício ou erro sobre o objeto, pois, respetivamente, não se provou que, se os Autores tivessem representado adequadamente as circunstâncias, não teriam realizado o negócio ou tê-lo-ia realizado em termos diferentes, como também não se provou que tenham tido uma representação errónea do objeto do negócio.
Ademais, mesmo que as partes tivessem incorrido em erro, o negócio só é anulável quando a outra parte conhecesse ou não devesse ignorar a essencialidade para o declarante do elemento sobre o qual incidiu o erro, nos termos dos artigos 247.º e 251.º, do CC, o que no caso também não se provou.
Por conseguinte, não se tendo provado que a existência de falta ou vícios da vontade, o que resta é a venda de coisa defeituosa nos termos supra referidos, sendo de imputar a respetiva responsabilidade apenas à Ré vendedora.
Realçando-se, ademais, que a Ré agiu neste negócio numa dupla vertente – vendedora e mutuária a favor da qual foi constituído um direito real de garantia (hipoteca) – impendendo sobre a mesma, quer nas negociações, quer no cumprimento dos contratos celebrados o dever de atuar de boa fé (artigos 277.º, n.º 1, e 762.º, n.º 1, do CC) compreendendo tal dever, além do mais, não só o dever de cumprimento da obrigação principal, mas também deveres acessórios de conduta, como sejam, o dever de lealdade, de correção e de proteção da contraparte em ordem a salvaguardar o fim fundamental dos contratos celebrados.
Sendo que na veste de mutuária sobre a Ré igualmente impedem deveres gerais e especiais de informação ao cliente bancário que pretende subscrever um contrato de mútuo e constituir um hipoteca sobre um determinado imóvel, incluindo-se nesse dever a informação sobre o valor da avaliação do imóvel e os critérios utilizados, o que implica, no caso, que os Autores fosse informados que a avaliação não abrangia o edificado não licenciado.
Informação que revelaria claramente a existência do edificado nessas condições.
Ora, no caso, a Ré não só não informou os Autores, como não lhes facultou o relatório da avaliação antes da celebração da escritura de compra e venda (cfr. ponto 19) dos factos provados).
Não se provou, contudo, que a Ré tenha ocultado propositadamente aos Autores e à mediadora que a licença de utilização não se encontrava atualizada (cfr. alínea d) dos factos não provados), o que significa que não agiu de forma dolosa, mas sim negligente, ao não informar os Autores que o imóvel tinham partes edificadas não licenciadas e, consequentemente, não incluídas na licença de utilização.
Em caso de venda de coisa defeituosa, assiste ao comprador o direito à reparação ou substituição nos termos do artigo 914.º do CC.
No caso, a reparação exige a sanação do vício que afeta a compra e venda nos moldes supra referidos, ou seja, exige que sejam expurgados os obstáculos que determinam o defeito do imóvel transacionado. Donde, impende sobre a Ré a obrigação de suportar os custos necessários à obtenção da licença de construção das partes edificadas não licenciadas e subsequente licença de utilização.
Sendo que o valor não foi concretamente apurado (o ponto 17) dos factos provados apenas menciona valores que foram avançados para alcançar um princípio de acordo e não os que venham a ser efetivamente despendidos), pelo que os custos a suportar pela Ré serão os necessários à sanação da nulidade do contrato de compra e venda por reporte aos atos referidos na alínea B), b.1) do pedido.
Nestes termos, também procede o pedido subsidiário formulado sob a segunda parte da alínea B), b.1), ficando prejudicada a apreciação do pedido subsidiário sob a alínea B), b.2), primeira parte, bem como o pedido formulado sobre a alínea C) do petitório.
Em síntese, procede parcialmente o recurso, impondo-se a revogação da sentença recorrida em conformidade com o decidido.

Dado o recíproco decaimento, as custas ficam a cargo dos Apelantes e da Apelante na proporção, respetivamente, de 2/3 e 1/3 (artigo 527.º do CPC), sendo a taxa de justiça do recurso fixada pela tabela referida no n.º 2 do artigo 6.º do RCP.

V- DECISÃO
Nos termos e pelas razões expostas, acordam em julgar parcialmente procedente a apelação, revogando a sentença recorrida em relação à absolvição do pedido subsidiário formulado na alínea B).b. 1) do pedido, ou seja, condenam a Ré a proceder à reconstituição natural, pela prática de todo os atos e respetivos pagamentos necessários, em colaboração com os Autores, com vista à emissão do licenciamento do prédio urbano por aquela vendido, incluindo o pagamento direto das despesas de outorga de escritura de constituição de servidão de vistas e ónus e respetivo registo, a que se refere a parte final do auto de vistoria, junto aqui como Doc. n° 9; no mais mantêm a sentença recorrida.
Custas nos termos sobreditos.
Évora, 27-06-2024
Maria Adelaide Domingos (Relatora)
Manuel Bargado (1.º Adjunto)
José António Moita (2.º Adjunto)
_________________________________________________
[1] Sinal e Contrato Promessa, Almedina, Coimbra, 12.ª ed., 2007, p. 84.
[2] Proc. n.º 886/06.5TBEPS.G2.S1 (Tomé Gomes), em www.dgsi.pt
[3] Proc. n.º 7715/16.0T8STB.E1 (Mário Coelho), em www.dgsi.pt
[4] Direito Civil, Teoria Geral, Vol. III, 1979, p. 699-700.
[5] Teoria Geral do Direito Civil, p. 482.
[6] Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, Tomo I, 3ª ed, p. 878-879.
[7] Ac. STJ, de 11-08-2018, proc. n.º 31488/15.4T8LSB.L1.S2 (Rosa Ribeiro Coelho), em www.dgsi.pt
[8] PEDRO PAIS DE VASCONCELOS, Teoria Geral do Direito Civil, 8.ª ed., p. 660.
[9] Manual dos Contratos em Geral, Refundido e Actualizado, p. 373.
[10] Pressupostos expressamente mencionados no Ac. do STJ, de 28-02-2008, proc. n.º 08A081 (Azevedo Ramos), em www.dgsi.pt
[11] Neste sentido, e em situação semelhante à dos autos, cfr. Ac. RE, de 21-05-2020, proc. n.º 4318/18.8T8STB.E1 (Manuel Bargado), em www.dgsi.pt