DESPEJO
FIADOR
NOTIFICAÇÃO
EXCEPÇÃO DILATÓRIA INOMINADA
CONHECIMENTO OFICIOSO DA EXCEPÇÃO
Sumário


1. A notificação do fiador nos termos dos n.º 5 e 6 do artigo 1041.º do CC, é uma condição específica objetiva de procedibilidade para demandar o fiador para pagar as rendas vencidas e vincendas, mais juros de mora, correspondendo a uma exceção dilatória inominada de conhecimento oficioso.
2. O conhecimento oficioso da mesma pode ocorrer em momento posterior àquele em que deveria ter sido invocada pela parte, como decorre da previsão do n.º 2 do artigo 573.º do CPC, não se verificando aqui qualquer efeito preclusivo.
3. Consequentemente, pode ser invocada ex novo em sede de recurso.
(Sumário elaborado pela relatora)

Texto Integral



Processo n.º 345/23.1T8PTG.E1 (Apelação)
Tribunal recorrido: TJ C..., Juízo de Competência Genérica ...
Apelante: AA
Apelados: BB e CC

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal da Relação de Évora

I – RELATÓRIO
BB e CC intentaram ação de despejo, com processo comum, contra DD e AA, na qualidade de inquilina e na qualidade de fiador, respetivamente, pedindo que seja decretada a resolução do contrato de arrendamento celebrado entre as partes e a 1.ª Ré condenada a despejar o locado, entregando-o aos Autores livre e devoluto de pessoas e bens.
Peticionam, ainda, a condenação solidária dos Réus no pagamento da quantia de €5.320,00 relativa a rendas vencidas e não pagas, assim como no pagamento das rendas que se vencerem na pendência da ação e até efetiva entrega do locado, acrescidas juros de mora, a contar da data do seu vencimento até efetivo e integral pagamento.
Para fundamentarem a sua pretensão, alegaram que foi celebrado entre as partes um contrato de arrendamento tendo por objeto a fração melhor identificada nos autos e que os Réus, pese embora para tanto interpelados, não procederam ao pagamento das rendas referentes aos meses de setembro de 2021 a março de 2023, num total de €5.320,00.

Citados os Réus, nenhum deles contestou.
Perante a revelia absoluta dos Réus, foi proferido despacho que declarou confessados os factos alegados na p.i. e foi notificada a Autora para apresentar alegações.

Foi proferida sentença que decidiu do seguinte modo:
«Pelo exposto, decide o Tribunal julgar a presente ação totalmente procedente e, nesta conformidade:
a) decretar a resolução do contrato de arrendamento celebrado entre BB e DD e AA, relativo à fração autónoma designada pela letra ..., correspondente ao ... do prédio urbano, constituído em propriedade horizontal, sito na Rua ..., ..., em ..., freguesia e concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...62 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...07;
b) condenar a 1.ª Ré, DD a entregar aos Autores a referida fração no estado em que a recebeu, livre e devoluta de pessoas e bens, no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da presente sentença;
c) condenar os Réus, DD e AA no pagamento solidário aos Autores da quantia de €5.320,00, correspondente às rendas vencidas e não pagas referentes aos meses de setembro de 2021 a março de 2023, a que acrescem juros de mora, calculados à taxa legal desde a data de vencimento de cada renda não paga e até efetivo e integral pagamento;
d) condenar os Réus, DD e AA no pagamento solidário aos Autores do valor equivalente ao das rendas que se venceram após a propositura da presente ação e vincendas até entrega efetiva do locado, a que acrescem juros de mora, calculados à taxa legal, desde a data de vencimento de cada renda não paga e até efetivo e integral pagamento;
e) condenar os Réus em custas.»

Inconformado, o 2.º Réu interpôs recurso de apelação apresentando as seguintes CONCLUSÕES:
«A) O ora Apelante não se conformou com a Sentença proferida;
B) Vindo a interpor o devido e competente recurso;
C) Os presentes Autos têm a ver com a imputabilidade também ao ora Apelante na qualidade de fiador, com o incumprimento suscitado pelos A.A.,s no que respeita à não liquidação das rendas no que ao contrato de arrendamento diz respeito e uso do locado;
D) Ou seja, ser este responsabilizado solidariamente com a outra R., esta arrendatária do espaço em causa;
E) Entende o ora Recorrente, salvo devido respeito e melhor opinião, de que o Tribunal, não observou o elemento essencial para a responsabilização e consequentemente para a condenação do R., que foi da notificação efectuada e demonstrada pelos A.A., que melhor constam dos números 5 e 6 do Artigo 1041º do CC;
F) Na verdade, infere-se de tal circunstância que a sanção prevista pelo legislador para a não notificação do fiador por parte do senhorio, no caso dos senhorios, em caso de incumprimento do inquilino, que não faz cessar a mora nos termos do nº 2 deste mesmo artigo 1041º do CC será a da impossibilidade de exigir o cumprimento de tal obrigação em falta junto do fiador;
G) A notificação referida por parte do senhorio ao fiador é condição para poder demandar ao cumprimento da divida afiançada;
H) Estando o exercício deste direito sujeito a prazo certo, definido por lei, são-lhe aplicáveis as regras da caducidade, atento ao disposto no artigo 298 do CC;
I) As rendas no contrato de locação correspondem a prestações periódicas sucessivas, dependentes da duração do contrato e nessa medida a cada novo incumprimento da obrigação, renasce o direito à interpelação, em respeito pelos prazos previstos nos nºs 2, 5 e 6 do Artigo 1041º;
J) Tudo conforme Douto Acórdão proferido no âmbito do Proc. 1242/22.3 T8PRT.P1 de 08.05.2023, proferido pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto e Proc. Nº 2804/18.9 T8CSC.L1-2 de 21 de Maio de 2020 proferido pelo Venerando Tribunal Relação Lisboa;
K) Assim e porque no entender do ora Recorrente, não tendo sido dado lugar pelos senhorios, de tal comunicação, não poderia o mesmo ter sido demandado nos presentes autos;
L) Ou tendo sido o mesmo demandado, como foi, e não tendo sido junto pelos senhorios a prova da notificação efectuada do cumprimento pelos Senhorios à referida disposição legal, não poderia o mesmo ter sido condenado nos termos em que se verificou tal condenação;
M) Tal contradição conduz-nos a uma nulidade da Sentença proferida;
N) O que se requer;
Nestes termos, deve a presente Sentença ser considerada nula, tendo em atenção os factos e fundamentos constantes das presentes Alegações, com as legais consequências.»

Os Autores apresentaram resposta ao recurso defendendo a sua improcedência e a manutenção do decidido.
Os Autores juntaram aos autos um requerimento, em 08-02-2024, onde informam «que a Ré DD procedeu à entrega do locado dos autos, livre e devoluto de pessoas e bens, no final de Janeiro último.»

Foram colhidos os vistos.

II- OBJETO DO RECURSO
Delimitado o objeto do recurso pelas conclusões apresentadas, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (artigos 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1 e 608.º, n.º 2, do CPC), não estando o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3, do CPC), importa decidir:
- Da arguida nulidade da sentença;
- Da responsabilidade do 2.º Réu.

III- OS FACTOS
A 1.ª instância proferiu a seguinte decisão de facto:
FACTOS PROVADOS

«1. A aquisição da propriedade da fração autónoma designada pela letra ..., correspondente ao ... do prédio urbano, constituído em propriedade horizontal, sito na Rua ..., ..., em ..., freguesia e concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...62 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...07, mostra-se inscrita a favor da Autora, por doação, pela ..., de 23.06.1997.

2. Por acordo escrito denominado "Arrendamento Habitacional", datado de fevereiro de 2021, a Autora cedeu o uso e fruição da fração melhor identificada no ponto anterior, para habitação, à Ré, mediante o pagamento da quantia de € 280,00, a pagar até ao 8.º dia útil do mês a que disser respeito, através de transferência bancária para o NIB a indicar pela senhoria.

3. Da cláusula 3.ª desse acordo consta o seguinte: "O arrendamento é feito pelo prazo de duração efetiva de 12 meses, tem início no dia 01 de Março de 2021 e renovar-se-á automaticamente no seu termo e por iguais e sucessivos períodos de tempo, sem prejuízo do direito de as partes se operem à sua renovação, nos termos do disposto na lei e nos números seguintes. (…)".

4. Da cláusula 8.ª do mesmo acordo consta o seguinte: "a) O terceiro outorgante, na qualidade de fiador, sem renunciar ao benefício da excussão prévia, assume solidariamente com a segunda outorgante o cumprimento de todas as cláusulas deste contrato, seus eventuais aditamentos e renovações até efetiva restituição do arrendado, livre de pessoas e bens; b) O fiador declara que a fiança que acabou de prestar subsistirá ainda que se verifiquem alterações da renda agora fixada.”.

5. O acordo identificado sob o ponto 2) foi comunicado ao Serviço de Finanças, tendo sido liquidado o correspondente imposto de selo.

6. A 1.ª Ré não pagou as rendas referentes aos meses de setembro de 2021 a março de 2023, inclusive.

7. Os Autores interpelaram, sem sucesso, a 1.ª e 2.º Réus para procederem ao pagamento das rendas vencidas.»

FACTOS NÃO PROVADOS
Nada foi assinalado.

IV- CONHECIMENTO DAS QUESTÕES COLOCADAS NO RECURSO
O Apelante vem arguir a nulidade da sentença por não ter sido dado cumprimento ao disposto nos n.º 5 e 6 do artigo 1041º, do Código Civil (CC), na redação que lhe foi dada pela Lei nº 13/2019 de 12-02, uma vez que estes normativos determinam que, havendo fiança e o arrendatário não faça cessar a mora, o senhorio deve nos 90 dias seguintes, notificar o fiador dando-lhe conhecimento da existência da mora e das quantias em dívida, só podendo exigir ao fiador a satisfação dos seus direitos de crédito depois de efetuar esta notificação. A qual se apresenta como uma condição para poder ser demandado o fiador.
Não estando demonstrado nos autos a realização da referida notificação, não podia o Recorrente ser demandado e condenado nos termos que constam da sentença, sendo, por essa razão, a mesma nula.
Cumpre apreciar a arguida nulidade.
As nulidades das decisões (em sentido lato, abrangendo a sentença/acórdão e os despachos) encontram-se previstas taxativamente no artigo 615.º do CPC, conjugado com os artigos 613.º, n.º 3, 666.º, n.º 1 e 679.º do mesmo CPC.
Correspondem a vícios formais que afetam a decisão em si mesma, mas não se confundem com erros de julgamento de facto ou de direito, suscetíveis de determinar a alteração total ou parcial da decisão proferida.
Assim, excetuando a falta de assinatura do juiz [alínea a) do n.º 1 do artigo 615º], as alíneas b) a e) do preceito reportam-se à estrutura ou aos limites da sentença.
«Respeitam à estrutura da sentença os fundamentos das alíneas b) [falta de fundamentação] e c) [oposição entre os fundamentos e a decisão e ocorrência de ambiguidades, obscuridades que tornem a decisão ininteligível]. Respeitam aos seus limites os das alíneas d) [omissão ou excesso de pronúncia] e e) [pronúncia ultra petitum].»[1]
Como resulta do elenco despe preceito, está arredado do regime das nulidades das decisões o erro de julgamento ao nível do facto e do direito. Ou seja, se existe fundamento para se impugnar a decisão de facto ou para se questionar a aplicação do direito aos factos provados, a sentença não é, segundo a lei, nula, embora possa vir a ser alterada e/ou revogada.
Por outro lado, as nulidades das decisões também não se confundem com nulidades processuais.
As nulidades processuais «(…) são quaisquer desvios do formalismo processual seguido, em relação ao formalismo processual prescrito na lei, e a que esta faça corresponder – embora não de modo expresso – uma invalidade mais ou menos extensa de aspectos processuais.»[2]
Atento o disposto nos artigos 186.º e seguintes do CPC, as nulidades processuais podem consistir na prática de um ato proibido, omissão de um ato prescrito na lei ou realização de um ato imposto ou permitido por lei, mas sem o formalismo requerido.
Porém, conforme já referia ALBERTO DOS REIS, há nulidades principais e nulidades secundárias,[3] sendo o seu regime diverso quanto à invocação e quanto aos efeitos.
Enquanto as nulidades principais estão taxativamente previstas nos artigos 186.º a 194.º e 196.º a 198.º do CPC, as nulidades secundárias (também ditas irregularidades) são englobadas na formulação geral do artigo 195.º, n.º 1 do CPC estando o seu regime de arguição sujeito ao regime do artigo 199.º do CPC, sanando-se quando não são atempadamente arguidas.
Considerando a alegação do Recorrente, quer na motivação do recurso, quer nas conclusões, o que se verifica é que não menciona qual a nulidade que tinha em mente.
De qualquer modo, seja uma ou outra, ou seja, nulidade processual ou nulidade da sentença, a mesma não se verifica.
A primeira, porque da alegação do recurso nada se infere sobre vícios de natureza formal ao nível da tramitação do processado, a segunda porque o alegado não é subsumível a qualquer das alíneas do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, porquanto o que é alegado é um erro de julgamento ao nível da aplicação do direito e esse, tal como já referido, não tem acolhimento na previsão legal do referido normativo,
Por conseguinte, improcede a arguida nulidade da sentença e como tal improcede o recurso.
Resta acrescentar que a questão que o Recorrente vem colocar no recurso – falta de notificação da mora nos termos dos números 5 e 6 do artigo 1041.º do CC – é uma questão nova, por apenas ter sido colocada nesta sede recursória, uma vez que os Réus não contestaram a ação.
É sabido que, no nosso ordenamento jurídico, os recursos ordinários são meios de impugnação de decisões judiciais que visam a reapreciação da decisão proferida, dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento do seu proferimento, o que significa que o tribunal de recurso não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida, ou sobre pedidos que nela não hajam sido formulados ou sobre questões que não submeteram à atenção do tribunal a quo.
Trata-se de doutrina[4] e jurisprudência consolidada.
Exemplificativamente, veja-se o Acórdão do STJ de 07-04-2005[5]:
«I - Os recursos visam o reexame, por parte do tribunal superior, de questões precedentemente resolvidas pelo tribunal a quo e não a pronúncia do tribunal ad quem sobre questões novas;
II - Só não será assim quando a própria lei estabeleça uma excepção a essa regra, ou quando esteja em causa matéria de conhecimento oficioso.»
Ou o Acórdão do STJ, de 29-09-2020[6], citando ABRANTES GERALDES:
«a natureza do recurso (…) determina (…) apenas poder incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo confrontar-se o tribunal ad quem com questões novas”, de acordo com “um modelo de reponderação que visa o controlo da decisão recorrida, e não um modelo de reexame que permita a repetição da instância no tribunal de recurso”, com o reflexo de as “questões novas” (…), não poderem ser apreciadas no recurso, “quer em homenagem ao princípio da preclusão, quer por desvirtuarem a finalidade dos recursos, pois estes destinam-se a reapreciar questões, e não a decidir questões novas”.»
Só assim não será se a questão for de conhecimento oficioso.
As questões de conhecimento oficioso são aquelas que o tribunal tem obrigação de conhecer independentemente de alegação, isto é, sejam ou não invocadas, e independentemente do concreto conteúdo da decisão recorrida, quer elas digam respeito à relação processual quer à relação material controvertida. Assim, perante uma questão de conhecimento oficioso, o tribunal terá de a conhecer mesmo que ela não tenha sido abordada na decisão recorrida (certo é que se o não foi, devia ter sido, a menos que se trate de questão superveniente) nem tenha sido alegada na impugnação.
A Lei n.º 13/2019, de 12-02 (que entrou em vigor em 13-02-2019, aplicando-se, consequentemente, ao caso dos autos) alterou vários diplomas legais, entre eles o NRAU aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27-02, assumindo o legislador que visou aprovar «Medidas destinadas a corrigir situações de desequilíbrio entre arrendatários e senhorios, a reforçar a segurança e a estabilidade do arrendamento urbano e a proteger arrendatários em situação de especial fragilidade.» (artigo 1.º)
A redação dos números 5 e 6 do artigo 1041.º do CC afiguram-se-nos comungar do mesmo espírito de proteção ao introduzirem uma tutela específica ao fiador do arrendatário e, na medida dessa especificidade, para além de afastarem as regras gerais da fiança, impõem uma específica exigência em relação à notificação do fiador no que concerne ao teor da notificação e ao momento em que a mesma deve ser efetuada.
A propósito desta notificação, diz-se no Acórdão da Relação do Porto de 07-12-2023[7]:
«Conforme refere Pinto Furtado[8], «os n.ºs 5 e 6 preenchem uma lacuna sobre a relação do locador com o fiador, que exista, do locatário, em face da mora deste no pagamento de rendas.
No n.º 5, estabelece-se que o senhorio deve dar-lhe conhecimento da mora e da quantia em dívida “nos 90 dias seguintes”.
A notificação deve, naturalmente, fazer-se desde a primeira mora e se, após a notificação, se cumularem outras rendas que continuem em falta, certamente deverá dar-se imediatamente conta da dívida acumulada.
A notificação é indispensável porque, como se declara no n.º 5, só após ela poderá o senhorio exigir do fiador a quantia em dívida.
Isto era o que já se praticava anteriormente ao aditamento destes n.ºs 5 e 6.
Apenas se acrescentou agora, à prática adotada, um prazo de notificação, talvez com o objetivo moralizador de evitar que o senhorio prolongue a ocorrência da mora para ir avolumando a dívida.»
Assim, caso exista fiança e o arrendatário entre em mora e não a faça cessar no prazo de oito dias a contar do seu começo, o senhorio deve, nos 90 dias seguintes, notificar o fiador da mora e das quantias em dívida, apenas podendo exigir do fiador a satisfação dos seus direitos de crédito depois de efetuar a mencionada notificação.
Por via deste regime legal, a jurisprudência tem entendido que está em causa uma nova condição para a exigibilidade da prestação do fiador, ou dito de outro modo, que «a mora não purgada do arrendatário, enquanto elemento constitutivo da responsabilização do fiador, constitui assim uma condição da ação, ou seja, elemento necessário para a procedência da pretensão deduzida, sendo que a exigibilidade do cumprimento das obrigações a cargo do fiador do arrendatário depende da notificação do senhorio ao fiador a que alude o artigo 1041.º, n.º 5, do Código Civil.»[9]
Ora, a falta da referida condição de exigibilidade da demanda do fiador para obter a condenação do mesmo no pagamento das rendas vencidas e vincendas e demais acréscimos legais, em termos processuais corresponde a uma condição objetiva específica de procedibilidadeda pretensão para demandar o fiador, que deve ser juridicamente enquadrada, com as devidas adaptações, no regime jurídico das exceções dilatórias, no caso, inominadas.
As exceções dilatórias nominadas ou inominadas, em regra e salvo as ressalvadas na lei, são de conhecimento oficioso (artigo 578.º do CPC).
Assim sendo, a falta de notificação do fiador nos termos dos n.º 5 e 6 do artigo 1041.º do CC, corresponde a uma exceção dilatória inominada que constituiu uma causa impeditiva do direito do credor (senhorio) a instaurar ação, a qual é de conhecimento oficioso, por aplicação do artigo 578.º do CPC.
Por outro lado, o conhecimento oficioso da mesma pode ocorrer em momento posterior àquele em que deveria ter sido invocada pela parte, como decorre da previsão do n.º 2 do artigo 573.º do CPC, não se verificando aqui qualquer efeito preclusivo.
Ou seja, e como se verifica no caso dos autos, pode ser invocada ex novo em sede de recurso, sendo que se encontra cumprido o princípio do contraditório por via da resposta às alegações.
Competia aos Autores demonstrar que efetuaram ao 2.º Réu, fiador, a notificação exigida pelo n.º 5 do artigo 1041.º do CC, ónus que sobre si recaía nos termos do disposto no artigo 342.º do Código Civil.
Porém não logrou provar que efetuou essa notificação nos termos previstos na lei, pois o que ficou provado no ponto 7 dos factos provados («7. Os Autores interpelaram, sem sucesso, a 1.ª e 2.º Réus para procederem ao pagamento das rendas vencidas.») não corresponde aos requisitos previsto nos n.ºs 5 e 6 do artigo 1041.º do CC, pois teria de também ser alegado e provado em que momento foi feita a notificação ao fiador dando-lhe a conhecer a situação de mora e quais as quantias em dívida que constam dessa notificação.
Em face do exposto, procede o recurso, e, consequentemente, o Réu fiador, ora recorrente, tem de ser absolvido da instância em relação ao pedido de condenação das rendas vencidas e vincendas e respetivos juros de mora (artigo 278.º, n.º 1, alínea e), do CPC).
Por outro lado, em relação à Ré arrendatária há que atender ao facto superveniente da entrega do locado durante a pendência da causa.
Dado o decaimento, as custas ficam a cargo dos Autores/Apelados (artigo 527.º do CPC), sendo a taxa de justiça do recurso fixada pela tabela referida no n.º 2 do artigo 6.º do RCP.

V- DECISÃO
Nos termos e pelas razões expostas, acordam em julgar procedente a apelação, revogando a sentença recorrida quanto ao Réu AA, o qual vai absolvido da instância, mantendo-se no demais com a menção que os valores referidos nos termos da alínea d) do dispositivo da sentença são devidos até janeiro de 2024 inclusive.
Custas nos termos sobreditos.
Évora, 27-06-2024
Maria Adelaide Domingos (Relatora)
Maria José Cortes (1.ª Adjunta)
José António Moita (2.º Adjunto)
__________________________________________________
[1] LEBRE DE FREITAS et al., Código de Processo Civil Anotado, Almedina, 3.ª ed., 2017, Vol. 2.º, p. 735 (3).
[2] MANUEL DE ANDRADE, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1956, p. 156.
[3] ALBERTO DOS REIS, Comentário ao Código de Processo Civil, Vol. 2.º, Coimbra Editora, 1945, p. 357.
[4] AMÂNDIO FERREIRA, “Manual dos Recurso em Processo Civil”, Coimbra: Almedina, 7.ª ed., 2006, p. 155; RIBEIRO MENDES, “Recursos em Processo Civil”, Coimbra: Coimbra Editora, 2009, p. 51; LEBRE DE FREITAS e RIBEIRO MENDES, “Código de Processo Civil Anotado”, Coimbra: Coimbra Editora, 2,ª ed., Vol. 3.º, p. 8.
[5] Proc. n.º 05B175 (Ferreira Girão), em www.dgsi.pt.
[6] Proc. n.º 909/18.5T8PTG.E1.S1 (Ricardo Costa), em www.dgsi.pt.
[7] Proc. n.º 8632/19.7T8VNG.P1 (Isabel Peixoto Pereira), em www.dgsi.pt.
[8] PINTO FURTADO, Comentário ao Regime do Arrendamento Urbano, Almedina, outubro de 2019, p. 148.
[9] Ac. RL, de 04-07-2023, p. 1202/22.4T8SXL.L1-7 (José Capacete); Ac. RP, de 08-05-2023, proc. n.º 1424/22.3T8PRT.P1 (Fátima Andrade); Ac. RG, de 24-11-2022, proc. n.º 629/21T8CHV.G1 (Joaquim Boavida); Ac. RL, de 21-05-2020, proc. n.º 2804/18.9T8CSC.L1-2 (Carlos Castelo Branco) todos em www.dgsi.pt.
[10] Situação que tem contornos semelhantes ao regime do PERSI (Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25-10) em relação às notificações exigidas por lei para integração do cliente bancário em PERSI e para a extinção deste procedimento legal – cfr., exemplificativamente, AC RE, de 28-06-2018, proc. n.º 2791/17.0T8STB-C.E1 (Mata Ribeiro), em www.dgsi.pt.