IMPUGNAÇÃO PAULIANA
MÁ FÉ
Sumário


I - Aos requisitos gerais da impugnação pauliana - anterioridade do crédito e resultar do ato a impossibilidade ou agravamento da impossibilidade, para o credor de obter a satisfação integral do seu crédito [art. 610º, alíneas a) e b) do Código Civil], acresce, quando de ato oneroso se trate, a exigência de que o devedor e o terceiro adquirente tenham agido de má-fé (art. 612º);
II - A má-fé que se exige e há de verificar-se é a má-fé psicológica ou subjetiva que se traduz na atuação com conhecimento da verificação de prejuízo resultante do contrato sujeito a impugnação, ou seja, com a representação pelo agente do resultado danoso ou consciência do prejuízo.
III - Não estando provado que aquando da celebração da escritura pública de divisão de coisa comum, pela qual a ré FF transmitiu ao réu CC a parcela do bem imóvel que lhe foi transmitida pelo réu AA, aqueles dois primeiros réus tivessem conhecimento da existência da dívida do último réu à autora, bem como que se subtraíssem a referida parcela ao património deste último réu, a autora ver-se-ia impossibilitada de obter a satisfação do seu crédito, pelo menos, integralmente, não se verifica o requisito da má-fé comum a todos os intervenientes no negócio oneroso em apreço, impugnado pela autora.
(Sumário elaborado pelo relator)

Texto Integral



Proc. nº 2964/20.9T8STR.E1

Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora

I - RELATÓRIO
Caixa Geral de Depósitos, S.A. instaurou a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra AA, BB, CC e DD, pedindo que:
a) Seja declarada ineficaz em relação à autora, a transmissão dos bens descritos nos pontos i) a vi) do artigo 69º da P.I., que foram objeto da escritura pública de doação celebrada a 16.12.2015 e o respetivo direito de uso e habitação que foi registado sobre os mesmos;
b) Seja declarada ineficaz em relação à autora, a transmissão de 1/5 do bem, correspondente ao prédio descrito na CRP ... sob o n.º ...94, conforme referido no ponto vii) do artigo 69º da P.I., transmitido por escritura de divisão de coisa comum celebrada a 22.10.2020;
c) Seja declarado o direito de a autora obter a satisfação do seu crédito à custa dos prédios dos réus, praticando os atos de conservação da garantia patrimonial autorizados por lei sobre tal bem, nos termos do artigo 616.º do Código Civil.
Alega, em síntese, que:
- No exercício da sua atividade, a autora celebrou com a sociedade M… SA cinco contratos de abertura de crédito, em 16.04.2014, 27.04.2015, 30.07.2015, 27.04.2016 e 11.02.2019, nos termos dos quais disponibilizou à referida sociedade os montantes de € 3.200.000,00, € 300.000,00, € 400.000,00, € 300.000,00 e € 200.000,00, respetivamente;
- Para garantia dos créditos concedidos, foi constituída uma hipoteca sobre um prédio urbano descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...77, e subscrita, pela dita sociedade, um conjunto de livranças em branco, que foram avalizadas pelo 1º réu;
- A sociedade em apreço foi declarada insolvente, tendo a autora procedido ao preenchimento das livranças que caucionavam os correspondentes créditos;
- A autora reclamou os seus créditos no respetivo processo de insolvência, no âmbito do qual foram apreendidos bens que não garantem o pagamento dos créditos reclamados;
- A autora tomou conhecimento de que os avalistas estão a dissipar o seu património, dissipação que se materializou numa doação em que os 1ºs réus passaram para a esfera dos seus filhos (3º réu e 4ª ré) um conjunto de bens, designadamente imóveis, melhor descritos no art. 61º da P.I., sendo que sobre os imóveis foi reservado o direito de uso e habitação para o 1º réu e 2ª ré;
- O réu não tem atualmente qualquer património que permita a satisfação dos créditos de que a autora é titular;
Os réus contestaram, defendendo que o direito que a autora pretende exercer se mostra extinto por caducidade no que concerne ao pedido formulado sob a alínea a), mais invocando carecerem de legitimidade para serem demandados, pelos fundamentos constantes da contestação apresentada.
Simultaneamente, impugnaram motivadamente parte da factualidade alegada pela autora.
Na sequência de despacho proferido em 13.10.2021, a autora apresentou uma petição inicial aperfeiçoada e requereu que fossem chamados a intervir nos autos EE, FF e Bankinter, S.A. – Sucursal em Portugal.
Na petição aperfeiçoada a autora passou a peticionar que:
a) Seja declarada ineficaz em relação à autora, a transmissão dos bens descritos no artigo 66º da P.I que foram objeto de escritura de doação outorgada no dia 29.07.2019, com exceção do descrito na alínea t);
b) Seja declarado ineficaz em relação à autora a transmissão da transmissão da ré FF ao réu CC de 1/5 do prédio descrito na CRP ... sob o n.º ...94, transmitido por escritura de divisão de coisa comum celebrada a 22.10.2020;
c) Seja declarado ineficaz em relação à autora a constituição do direito de uso e habitação dos prédios identificados no artigo 74º da P.I., constituídos por escritura datada de 16.12.2015;
d) Seja declarado o direito de a autora obter a satisfação do seu crédito à custa dos prédios dos réus, praticando os atos de conservação da garantia patrimonial autorizados por lei sobre tal bem, nos termos do artigo 616.º do CC.
Com fundamentos análogos, a autora instaurou contra os réus EE, FF, AA, BB e CC ação que correu termos sob o nº 2978/20.0T8STR, na qual peticiona que:
a) Seja declarada ineficaz em relação à autora, a transmissão dos bens descritos no artigo 66º da P.I.[1] que foram objeto de escritura de doação outorgada no dia 29.07.2019, com exceção do descrito na alínea t)[2];
b) Seja declarado ineficaz em relação à autora a transmissão da ré FF ao réu CC de 1/5 do prédio descrito na CRP ... sob o n.º ...94, transmitido por escritura de divisão de coisa comum celebrada a 22.10.2020;
c) Seja declarado ineficaz em relação à autora a constituição do direito de uso e habitação dos prédios identificados no artigo 74º da P.I.[3], constituídos por escritura datada de 16.12.2015;
d) Seja declarado o direito de a autora obter a satisfação do seu crédito à custa dos prédios dos réus, praticando os atos de conservação da garantia patrimonial autorizados por lei sobre tal bem, nos termos do artigo 616.º do CC.
Os réus contestaram, em termos rigorosamente idênticos aos que constam dos autos principais.
Na sequência de despacho proferido a 22.09.2021 no âmbito da ação a que corresponde o nº 2978/20.0T8STR, a autora requereu que fosse chamado a intervir nos autos a instituição de crédito Bankinter, S.A. - Sucursal em Portugal, a qual, após ter sido citada, apresentou contestação, impugnando a factualidade alegada pela autora.
Por despacho proferido em 02.02.2022, foi determinada a apensação aos presentes autos da ação que corria termos sob o nº 2978/20.0T8STR, após o que se realizou audiência prévia, no âmbito da qual foi proferido despacho saneador que julgou improcedentes as arguidas exceções de ilegitimidade e caducidade, com subsequente identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas da prova.
Realizada a audiência final, foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente.
Inconformada, a autora recorreu do assim decidido, tendo este Tribunal da Relação, proferido acórdão em 28.09.2023, com o seguinte dispositivo:
«Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Évora em julgar parcialmente procedente o presente recurso de apelação e anular a sentença recorrida, na parte objecto de recurso, nos termos acima expostos, proferindo-se sentença em que seja fixada, também, a factualidade omitida, e acima mencionada, motivando a decisão de facto, nos termos sobreditos, fundamentando, ainda, nos termos legais, o ponto factual julgado não provado, com base na prova produzida, nas gravações efectuadas ou através de repetição da produção da prova, conhecendo de todas as questões suscitadas e de todos pedidos formulados nos autos principais, ordenando-se, consequentemente, o reenvio dos autos à 1.ª instância, com vista à sanação dos indicados vícios, se possível pelo mesmo juiz a quo.»
Baixados os autos à 1ª instância, foi proferida nova sentença, em cujo dispositivo se consignou:
«Nestes termos, julgo a presente acção parcialmente procedente e, em consequência, decido:
a) Declarar ineficaz, em relação à autora, a doação dos seguintes bens, realizada por escritura lavrada em 29 de Julho de 2019, supra referida:
- 1/5 da fracção autónoma designada pelas letras ..., correspondente ao ..., loja ..., do prédio urbano sito em ..., na Avenida ..., actualmente união de freguesias ... e Vila ... e concelho ..., descrito na CRP ... sob o n.º ...10, da freguesia ..., inscrito na matriz predial urbana da união de freguesias ... e Vila ... sob o artigo ...10;
- 1/5 do prédio rustico composto de vinha, oliveiras e cultura arvense, denominada por ..., sito em ..., da freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...96 da referida freguesia, inscrito na matriz predial rustica da freguesia ... sob o artigo ...9, da secção I;
- 1/5 do prédio rustico composto de solo subjacente, cultura arvense olival, denominado por ..., sito em ..., da freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...04 da referida freguesia, inscrito na matriz predial da freguesia ... sob o artigo ...40, da secção F;
- 1/3 do prédio rustico composto de solo subjacente, cultura arvense olival, sito em ..., da freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...43 da referida freguesia, inscrito na matriz predial sob o artigo ...8, da secção 1 G;
- 1/3 do prédio rustico composto de solo subjacente, cultura arvense olival, sito em ..., da freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...44 da referida freguesia, inscrito na matriz predial sob o artigo ...4, da secção 1 G;
- 1/3 do prédio rustico composto de solo subjacente, cultura arvense olival, sito em ..., da freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...45 da referida freguesia, inscrito na matriz predial sob o artigo ...5, da secção 1 G;
- 1/3 do prédio rustico composto de solo subjacente, cultura arvense olival, denominado de ..., da freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...57 da referida freguesia, inscrito na matriz predial sob o artigo ...1, da secção 1 B;
- 1/3 do prédio rustico composto de vinha, oliveiras e cultura arvense, denominada por ..., ... de cima e ..., sito em ..., da freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...85 da referida freguesia, inscrito na matriz predial rustica da freguesia ... sob o artigo ...41, da secção;
- 1/3 do prédio rustico composto de vinha, oliveiras e cultura arvense, denominada por ..., sito em ..., da freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...21 da referida freguesia, inscrito na matriz predial rustica da freguesia ... sob o artigo ...41, da secção F;
- 1/3 do prédio rustico composto de vinha, oliveiras e cultura arvense, denominada por ..., sito em ..., da freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...28 da referida freguesia, inscrito na matriz predial rustica da freguesia ... sob o artigo ...1, da secção I;
- 1/3 do prédio rustico composto de vinha, oliveiras e cultura arvense, denominada por ..., sito em ..., da freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...32 da referida freguesia, inscrito na matriz predial rustica da freguesia ... sob o artigo ...4, da secção O;
- 1/3 do prédio rustico composto de vinha, oliveiras e cultura arvense, denominada por ..., sito em ..., da freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...31 da referida freguesia, inscrito na matriz predial rustica da freguesia ... sob o artigo ...3, da secção O;
- 1/3 do prédio rustico composto de vinha, oliveiras e cultura arvense, denominada por ..., sito em ..., da freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...21 da referida freguesia, inscrito na matriz predial rustica da freguesia ... sob o artigo ...2, da secção O;
- 1/3 do prédio rustico composto de vinha, oliveiras e cultura arvense, denominada por ..., sito em ..., da freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º...30 da referida freguesia, inscrito na matriz predial rustica da freguesia ... sob o artigo ...1, da secção O;
- 1/3 do prédio rustico composto de vinha, oliveiras e cultura arvense, denominada por ..., sito em ..., da freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...39 da referida freguesia, inscrito na matriz predial rustica da freguesia ... sob o artigo ...89, da secção I;
- 1/3 do prédio rustico composto de vinha, oliveiras e cultura arvense, denominada por ..., sito em ..., da freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º...20 da referida freguesia, inscrito na matriz predial rustica da freguesia ... sob o artigo ...0, da secção O;
- 1/3 do prédio rustico composto de vinha, oliveiras e cultura arvense, denominada por ..., sito em ..., da freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...19 da referida freguesia, inscrito na matriz predial rustica da freguesia ... sob o artigo ...98, da secção I;
- 1/10 do prédio rustico composto de vinha, oliveiras e cultura arvense, denominada por ..., sito em ..., da freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...82 da referida freguesia, inscrito na matriz predial rustica da freguesia ... sob o artigo ...44, da secção F; - 1/3 do prédio misto composto de vinha, oliveiras e cultura arvense, denominada por ..., sito na Rua ..., da freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...34 da referida freguesia, inscrito na matriz predial rustica da freguesia ... sob o artigo ...4, da secção L, e na matriz predial urbana sob o artigo ...86;
- 1/3 do prédio misto composto de vinha, oliveiras e cultura arvense, denominada por ..., sito em ..., da freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...18 da referida freguesia, inscrito na matriz predial rustica da freguesia ... sob o artigo ...7, da secção I, e na matriz predial urbana sob o artigo ...39;
b) Declarar ineficaz, em relação à autora, a constituição, através de escritura de 16 de Dezembro de 2015, supra referida, do direito de uso e habitação sobre os seguintes bens:
- Fracção autónoma designada pelas letras ..., correspondente ao ..., loja ..., do prédio urbano sito em ..., na Avenida ... actualmente união de freguesias ... e Vila ... e concelho ..., descrito na CRP ... sob o n.º ...10, da freguesia ..., inscrito na matriz predial urbana da união de freguesias ... e Vila ... sob o artigo ...10;
- Prédio rustico composto de vinha, oliveiras e cultura arvense, denominada por ..., sito em ..., da freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...96 da referida freguesia, inscrito na matriz predial rustica da freguesia ... sob o artigo ...9, da secção I;
- Prédio rustico composto de solo subjacente, cultura arvense olival, denominado por ..., sito em ...,da freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...04 da referida freguesia, inscrito na matriz predial da freguesia ... sob o artigo ...40, da secção F;
c) Declarar que a autora tem o direito obter a satisfação do seu crédito à custa dos bens discriminados em a) e b), praticando os actos de conservação da garantia patrimonial autorizados por lei sobre os mesmos;
d) Absolver os réus da restante parte do pedido;
e) Condenar a autora e os réus no pagamento das custas a que deram causa, na proporção do decaimento.»

Inconformada, a autora apelou do assim decidido, finalizando as alegações com a formulação das conclusões que a seguir se transcrevem:
«A. A sentença agora proferida continua ferida de nulidade, porquanto o tribunal a quo não se pronunciou sobre todos os pedidos formulados.
B. No requerimento junto pela Autora a 02/11/2021, não é junta uma petição inicial aperfeiçoada.
C. O que a Autora fez foi responder às questões suscitadas pelo douto tribunal e esclarecer que parte dos negócios tinham sido atacados numa outra acção, que corria os seus termos sob o n.º 2978/20.9T8STR, juntando cópia da petição inicial para melhor esclarecimento.
D. Ação esta que foi posteriormente apensada aos presentes autos.
E. Pelo que mal andou o tribunal ao considerar e agora manter, que a Autora tinha feito um aperfeiçoamento da petição inicial, suprindo, desta forma todo o pedido que a Autora tinha feito na ação originária.
F. O que originou que o Tribunal ocorresse numa omissão de pronuncia na sentença proferida, porquanto não tomou posição quanto a parte do pedido formulado pela Autora.
G. Os pedidos formulados pela Autora, no âmbito das duas ações, foram devidamente condensados no despacho saneador que foi proferido.
H. Ficou e continua em falta a pronuncia do Tribunal quanto ao pedido de declaração de ineficácia do negócio de doação da nua propriedade com reserva do direito de uso e habitação dos RR. AA e BB aos RR. DD e CC, outorgada em 16.12.2015 dos seguintes bens:
- 2/5 do prédio urbano, descrito na CRP ... sob o n.º ...94, da referida freguesia, inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... sob o artigo ...20, e o respectivo direito de uso e habitação;
- 2/5 da fracção autónoma designada pelas letras ..., do prédio urbano descrito na CRP ... sob o n.º ...10, da freguesia ..., inscrito na matriz predial urbana da união de freguesias ... e Vila ... sob o artigo ...10 e o respectivo direito de uso e habitação;
- 2/5 do prédio rustico, descrito na CRP ... sob o n.º ...96 da referida freguesia, inscrito na matriz predial rustica da freguesia ... sob o artigo ...9, da secção I e o respectivo direito de uso e habitação;
- 2/5 do prédio rústico composto de solo subjacente, cultura arvense olival, denominado por ..., sito em ..., da freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...04 da referida freguesia, inscrito na matriz predial da freguesia ... sob o artigo ...40, da secção F e o respectivo direito de uso e habitação;
- Fracção autónoma designada pela letra ... do prédio urbano, descrito na CRP ... sob o n.º ...42 da freguesia ..., inscrito na matriz predial da união de freguesias ... e Vila ... sob o artigo ...42, com o valor patrimonial declarado de € 6.422,13 e o respectivo direito de uso e habitação;
- Fracção autónoma designada pela letra ..., do prédio urbano descrito na CRP ... sob o n.º ...42 da freguesia ..., inscrito na matriz predial da união de freguesias ... e Vila ... sob o artigo ...42 e o respectivo direito de uso e habitação.
I. O Tribunal a quo também se demitiu de emitir pronúncia quanto aos pedidos de ineficácia formulados pela A. quanto aos atos praticados pelos RR na escritura pública de divisão de coisa comum e mútuo com hipoteca celebrada em 22.10.2020 que a R. DD transmitiu ao R. CC 1/5 do prédio urbano, descrito na CRP ... sob o n.º ...94, da referida freguesia, inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... sob o artigo ...20, outorgada;
J. E, do pedido de declaração de ineficácia dos direitos de uso e habitação constituídos sobre os imóveis doados na escritura de 16.12.2015 pelos RR. AA e BB.
K. Pelo que, a sentença proferida é nula, ao abrigo do disposto na alínea d), do n.º 1 do artigo 615.º do CPC
L. Pelo que, deve o processo baixar novamente à 1.ª instância para que seja proferida decisão sobre os pedidos formulados pela Autora cuja decisão está em falta.
M. O Tribunal a quo concluiu a sentença proferida absolvendo os RR da restante parte do pedido formulado, resultando dos factos não provados um único facto.
N. Pelo que, estão em falta factos essenciais para a discussão dos autos.
O. Era essencial que o Tribunal se pronunciasse sobre o facto dos RR que celebraram a escritura de divisão de coisa comum e renuncia ao direito de uso e habitação terem conhecimento da situação financeira dos RR. EE e AA.
P. Este tema foi fixado no despacho saneador proferido e era o facto que levava à decisão de existência ou inexistência de má-fé das partes na celebração do negócio.
Q. Tal facto era essencial à apreciação do objecto da acção e foi omitido pelo Tribunal na sentença proferida.
R. Estamos, assim, perante a existência de mais uma nulidade da sentença, prevista nos termos da alínea d), do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.
S. Pelo que, deve o tribunal pronunciar-se sobre os factos omitidos com a respetiva fundamentação, de forma a permitir à Autora a devida defesa nos autos.
T. Também a sentença proferida padece de nulidade por falta de fundamentação da decisão proferida.
U. Porquanto, na sentença o Tribunal apenas refere que não estão verificados os pressupostos da impugnação pauliana quanto ao negócio jurídico que se traduziu numa divisão de coisa comum, outorgada na escritura de 22/10/2020.
V. Não fundamentou nem de facto nem de direito, no entanto, tal decisão.
W. Pelo que, estamos perante uma nulidade da sentença, prevista na alínea b), do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.
X. Devendo a sentença ser julgada nula por omissão de fundamentação de facto e de direito.
Y. Dos autos constam factos e prova que permitem concluir que o tribunal devia ter decidido em sentido diverso.
Z. A celebração da escritura de doação, onde foi transmitida a nua propriedade de vários bens, celebrada a 16.12.2015, dificultou a recuperação do crédito da Autora.
AA. A doação sendo um negócio gratuito não implica a prova da existência de má-fé.
BB. Não foi feita qualquer prova que permitisse concluir que os RR AA e EE fossem detentores de património para liquidar os créditos que assumiram perante a Autora.
CC. A constituição dos direitos de uso e habitação sobre os imóveis, além de não serem suscetíveis de penhora, têm repercussões no património uma vez que desvalorizam o direito de propriedade.
DD. Pelo que, deverá ser revogada a sentença proferida, sendo julgado procedente a declaração de ineficácia dos atos de doação e respetivas constituições de direito de uso e habitação sobre os bens:
- 2/5 do prédio urbano, descrito na CRP ... sob o n.º ...94, da referida freguesia, inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... sob o artigo ...20, e o respetivo direito de uso e habitação;
- 2/5 da fração autónoma designada pelas letras ..., do prédio urbano descrito na CRP ... sob o n.º ...10, da freguesia ..., inscrito na matriz predial urbana da união de freguesias ... e Vila ... sob o artigo ...10 e o respetivo direito de uso e habitação;
- 2/5 do prédio rustico, descrito na CRP ... sob o n.º ...96 da referida freguesia, inscrito na matriz predial rustica da freguesia ... sob o artigo ...9, da secção I e o respetivo direito de uso e habitação;
- 2/5 do prédio rústico composto de solo subjacente, cultura arvense olival, denominado por ..., sito em ..., da freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...04 da referida freguesia, inscrito na matriz predial da freguesia ... sob o artigo ...40, da secção F e o respetivo direito de uso e habitação;
- Fração autónoma designada pela letra ... do prédio urbano, descrito na CRP ... sob o n.º ...42 da freguesia ..., inscrito na matriz predial da união de freguesias ... e Vila ... sob o artigo ...42, com o valor patrimonial declarado de € 6.422,13 e o respetivo direito de uso e habitação;
- Fração autónoma designada pela letra ..., do prédio urbano descrito na CRP ... sob o n.º ...42 da freguesia ..., inscrito na matriz predial da união de freguesias ... e Vila ... sob o artigo ...42 e o respetivo direito de uso e habitação.
EE. Relativamente ao imóvel descrito na CRP ... sob o n.º ...94, resultou demonstrado, que os RR FF, DD e CC tinham perfeita consciência e conhecimento que os RR EE e AA, dissipavam todo o seu património através das transmissões de património que lhes faziam.
FF. Nunca os RR. BB e AA tiveram intenção de deixarem de ser detentores dos imóveis ou não teriam reservado para si os direitos de uso e habitação dos imóveis transmitidos.
GG. Foi produzida prova, quer documental quer testemunhal, que as dificuldades da empresa remontam ao ano de 2014.
HH. Foi igualmente produzida prova quer documental quer testemunhal que os RR DD e CC tinham perfeito conhecimento do estado das empresas da família participando inclusivamente das mesmas.
II. Foi também produzida prova de que também a R, FF tinha ligação com a empresa.
JJ. A escritura de divisão de coisa comum, que se impugna, foi celebrada em data posterior à data de recusa do PER e declaração de insolvência da empresa M...S.A, pelo que tratando-se de uma empresa familiar não podiam os RR. Desconhecer a situação.
KK. Pelo que, errou o tribunal a quo ao não dar como provado que os RR FF, DD e CC, tinham perfeito conhecimento da situação financeira dos Réus AA e AA.
LL. Pelo que, impõe-se que seja alterada a factualidade dada como provada, inserindo-se o facto supra, que terá obviamente de levar a decisão diversa da proferida.
MM. Para a prolação da decisão devia o tribunal ter recorrido às regras da experiência e à normalidade dos factos, o que lhe permitiria concluir que os RR conheciam porque não podiam desconhecer a situação da empresa e dos respetivos avalistas, bem como do motivo porque tal património era doado.
NN. Pelo que, apenas se poderá concluir que se encontram verificados os pressupostos da impugnação pauliana quando a todos os negócios impugnados.
OO. Perante todo o exposto, deve o recurso interposto ser julgado procedente, sendo revogada a sentença proferida em conformidade com o exposto.
Nestes termos e nos demais de direito deverá ser concedido provimento ao recurso interposto pela Apelante, devendo:
a) ser reconhecidas as nulidades invocadas;
b) ser julgado procedente o recurso no que diz respeito à matéria recorrida e na qual houve decaimento por parte da Recorrente, revogando-se a decisão recorrida e substituindo-se por outra que tenha em consideração o procedimento total do recurso apresentado.»

Contra-alegaram os réus, pugnando pela confirmação do julgado, requerendo, subsidiariamente, a ampliação do âmbito do recurso, formulando a este respeito as seguintes conclusões:
«A) Sendo procedente a conclusão H- “declaração de ineficácia do negócio de doação da nua propriedade com reserva do direito de uso e habitação dos RR AA e BB aos RR DD e CC, outorgada em 16.12.2015”, dos bens ali elencados e caso tal questão venha a ser objeto de apreciação:
a. Terá, então, de ser apreciado o fundamento invocado pela defesa para a improcedência deste pedido, quando menos, quanto á Ré/Apelada BB porquanto esta Apelada não é devedora da Apelante, nem aliás esta invoca sobre ela qualquer credito, não tem, nem assumiu, qualquer responsabilidade perante a Apelante, pelo que era àquela data totalmente livre para dispor do seu património, em que se inclui a sua quota parte, na proporção de metade, do direito cuja ineficácia a Apelante pretende;
b. De facto a doação da nua propriedade e a constituição do direito de uso e habitação objeto da escritura publica de 16/12/2015 inclui a quota/meação da Apelada BB que, como referido, não é nem devedora nem por qualquer forma responsável perante a Apelante por qualquer valor, nem sequer pela comunicabilidade da divida que alias não foi sequer alegada pela Apelante, pelo que a disposição da sua quota parte não pode ser abrangida pela ineficácia da transmissão que venha a ser decidida sobre a quota parte do seu cônjuge, o Réu Apelado AA;
B) Sendo procedente a conclusão I- “pedidos de ineficácia …quanto aos atos praticados pelos RR na escritura publica de divisão de coisa comum e mútuo com hipoteca celebrada a 22.10.2020 que a R. DD transmitiu ao R. CC 1/5 do prédio urbano…” e caso tal questão venha a ser objeto de apreciação:
a. Terá, então, de ser apreciado o fundamento invocado pela defesa para a improcedência deste pedido porquanto a Ré/Apelada DD não é devedora da Apelante, nem aliás esta invoca sobre ela qualquer crédito, não tem, nem assumiu, qualquer responsabilidade perante a Apelante, pelo que era àquela data totalmente livre para dispor daquele seu património constituído não por 1/5 mas por uma quota de 2/5 do prédio ali identificado, devendo concluir-se pela improcedência de tal pedido;
C) Sendo procedente a conclusão J- “declaração de ineficácia dos direitos de uso e habitação constituídos sobre os imoveis doados na escritura de 15.12.2015 pelos RR AA e BB.” e caso tal questão venha a ser objeto de apreciação, dão-se por reproduzidas as alíneas a. e b. da A) supra, devendo concluir-se pela improcedência de tal pedido quanto aos direitos de uso e habitação constituídos pela Ré/Apelada BB na escritura de 15.12.2015;
D) Sendo procedente a conclusão DD- “declaração de ineficácia dos atos de doação e respetivas constituições de direito de uso e habitação sobre os bens”, ali elencados e caso tal questão venha a ser objeto de apreciação:
a. Terá, então, de ser apreciado o fundamento invocado pela defesa para a improcedência deste pedido quanto á quota parte de que é titular a Ré/Apelada BB, na proporção de metade, sobre a quota dos 2/5 e a totalidade da propriedade sobre os bens elencados naquela conclusão, porquanto, conforme supra já referido, esta Apelada não é devedora da Apelante, nem aliás esta invoca sobre ela qualquer credito, não tem, nem assumiu, qualquer responsabilidade perante a Apelante, nem sequer pela comunicabilidade da divida que alias não foi sequer alegada pela Apelante, pelo que a disposição da sua quota parte – doação e constituição do respetivo direito de uso e habitação realizados por escritura pública de 15.12.2015- não pode ser abrangida pela ineficácia que venha a ser decidida sobre doação e constituição do respetivo direito de uso e habitação efetuada pelo seu cotitular, e seu cônjuge, o Réu Apelado AA, devendo concluir-se pela improcedência de tal pedido quanto à doação e constituição de direito de uso e habitação sobre a quota parte, na proporção de metade, de que é titular a Ré/Apelada BB, efetuada por escritura publica de 15.12.2015».

Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II – ÂMBITO DO RECURSO
Sendo o objeto do recurso delimitados pelas conclusões das alegações, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso (arts. 608º, nº 2, 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do CPC), as questões essenciais a decidir consubstancia-se em saber:
- se a sentença enferma das nulidades invocadas pela recorrente;
- se deve ser alterada a decisão sobre a matéria de facto;
- se deve ser reconhecida a ineficácia de todos os negócios jurídicos em causa nos autos.
- neste último caso e considerando a ampliação do objeto do recurso pelos réus, aferir dos fundamentos da defesa para a improcedência dos pedidos identificados nas conclusões das contra-alegações supra transcritas.

III – FUNDAMENTAÇÃO FÁCTICO-JURÍDICA
Na 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos[4]:
1 – No exercício da sua atividade comercial creditícia, a autora celebrou com a sociedade M...S.A, representada pelo ora réu EE, um contrato de abertura de crédito, no dia 16/04/2014 (art. 6º da petição inicial).
2 – Nos termos do referido contrato a CGD disponibilizou à referida sociedade o montante de 3.200.000,00 € (três milhões e duzentos mil euros) (art. 7º da petição inicial).
3 – O referido empréstimo destinava-se a investimento – instalação de nova unidade de moagem de cereais e fabricação de farinha (art. 8º da petição inicial).
4 – O referido contrato foi celebrado pelo prazo global de 120 meses, com período de carência de capital de 12 meses, seguido de um período de amortização de 96 meses (art. 9º da petição inicial).
5 – Ficou ainda determinado que o empréstimo concedido venceria juros à taxa contratual e restantes condições enumeradas nas clausulas do referido contrato, sendo a mesma acrescida de 3 pontos percentuais, em caso de mora, em caso de mora, a título de cláusula penal, e reservando-se o banco mutuante na possibilidade de capitalizar os juros remuneratórios, adicionando-os ao capital em divida (art. 10º da petição inicial).
6 – Em caução e garantia do pontual pagamento da quantia mutuada, respetivos juros remuneratórios e moratórios, despesas judiciais e extrajudiciais e demais encargos resultantes do contrato celebrado, foram prestadas as seguintes garantias:
- Hipoteca sobre o prédio urbano, sito na Quinta ..., Freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz predial urbana sob os artigos ...35 e ...36, descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...77 da referida freguesia.
- Penhor sobre os equipamentos pertencentes à sociedade M...S.A;
- Livrança em branco, subscrita pela sociedade M...S.A e avalizada por GG, EE e AA (art. 11º da petição inicial).
7 – Os referidos avalistas autorizaram a CGD a preencher a referida livrança, quando tal se mostrasse necessário, no que se refere às datas de emissão e de vencimento, local de pagamento e valor, o qual corresponderá aos créditos que a CGD seja titular por força do contrato em causa (art. 12º da petição inicial).
8 – O supra referido contrato foi objeto de várias alterações ao longo dos anos, nomeadamente:
- 27/11/2015 - Alteração da taxa de juro;
- 06/04/2016 - Alteração de prazos;
- 26/01/2017 - Alteração de taxa de juro e forma de pagamento;
- 11/10/2017 - Alteração de prazos, taxa de juro, TAE, forma de pagamento, condições de reembolso antecipado e comissões;
- 29/06/2018 - Alteração do método de pagamento do capital e dos juros (art. 13º da petição inicial).
9 – A empresa M...S.A. foi declarada insolvente, no dia 03/06/2020, encontrando-se o processo de insolvência a correr os seus termos no Tribunal Judicial da Comarca ..., Juízo de Comércio ..., J..., sob o n.º 2788/20.3T8STB (art. 14º da petição inicial).
10 – Pelo que, a CGD, ora autora, procedeu ao preenchimento da livrança que caucionava o valor devido por força do vencimento do contrato celebrado, pelo valor de 2.803.952,43 € (dois milhões oitocentos e três mil novecentos e cinquenta e dois euros e quarenta e três cêntimos), com data de vencimento de 25/11/2020 (art. 15º da petição inicial).
11 – No exercício da sua atividade comercial creditícia, a autora celebrou com a sociedade M…S.A., um contrato de abertura de crédito com hipoteca e pacto de preenchimento de livrança, no dia 27/04/2015 (art. 18º da petição inicial).
12 – Nos termos do referido contrato, a CGD disponibilizou à referida sociedade o montante de 300.000,00 € (trezentos mil euros), do qual a mesma se confessou devedora (art. 19º da petição inicial).
13 – O referido empréstimo destinava-se a apoiar a parte devedora nas suas necessidades temporárias de tesouraria (art. 20º da petição inicial).
14 – O referido contrato foi celebrado pelo prazo de 6 meses, sendo automaticamente prorrogado por períodos iguais e sucessivos até que fosse denunciado (art. 21º da petição inicial).
15 – Ficou ainda determinado que o empréstimo concedido venceria juros à taxa contratual e restantes condições enumeradas nas clausulas do referido contrato, sendo a mesma acrescida de 3 pontos percentuais, em caso de mora, em caso de mora, a título de cláusula penal, e reservando-se o banco mutuante na possibilidade de capitalizar os juros remuneratórios, adicionando-os ao capital em divida (art. 22º da petição inicial).
16 – Em caução e garantia do pontual pagamento da quantia mutuada, respetivos juros remuneratórios e moratórios, despesas judiciais e extrajudiciais e demais encargos resultantes do contrato celebrado, foram prestadas as seguintes garantias:
- Hipoteca sobre o prédio urbano, sito na Quinta ..., Freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz predial urbana sob os artigos ...35 e ...36, descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...77 da referida freguesia.
- Livrança em branco, subscrita pela sociedade M…SA e avalizada por GG, EE e AA (art. 23º da petição inicial).
17 – Os referidos avalistas autorizaram a CGD a preencher a referida livrança, quando tal se mostrasse necessário, no que se refere às datas de emissão e de vencimento, local de pagamento e valor, o qual corresponderá aos créditos que a CGD seja titular por força do contrato em causa (art. 24º da petição inicial).
18 – Com a declaração de insolvência da empresa M…SA, a CGD, ora autora procedeu ao preenchimento da livrança que caucionava o valor devido por força do vencimento do contrato celebrado, pelo valor de 323.511,09 € (trezentos e vinte e três mil, quinhentos e onze euros e nove cêntimos), com data de vencimento de 25/11/2020 (art. 25º da petição inicial).
19 – No dia 30 de Julho de 2015, a autora celebrou com a sociedade M...S.A, um contrato de abertura de crédito com hipoteca e pacto de preenchimento de livrança (art. 28º da petição inicial).
20 – Nos termos do referido contrato, a CGD disponibilizou à referida sociedade o montante de 400.000,00 € (quatrocentos mil euros), do qual a mesma se confessou devedora (art. 29º da petição inicial).
21 – O referido empréstimo destinava-se a apoiar a parte devedora nas suas necessidades temporárias de tesouraria através do pagamento à CLF do que for devido a esta ao abrigo do contrato de gestão de pagamentos (art. 30º da petição inicial).
22 – O referido contrato foi celebrado pelo prazo de 6 meses, sendo automaticamente prorrogado por períodos iguais e sucessivos até que fosse denunciado (art. 31º da petição inicial).
23 – Ficou ainda determinado que o empréstimo concedido venceria juros à taxa contratual e restantes condições enumeradas nas clausulas do referido contrato, sendo a mesma acrescida de 3 pontos percentuais, em caso de mora, em caso de mora, a título de cláusula penal, e reservando-se o banco mutuante na possibilidade de capitalizar os juros remuneratórios, adicionando-os ao capital em divida (art. 32º da petição inicial).
24 – Em caução e garantia do pontual pagamento da quantia mutuada, respetivos juros remuneratórios e moratórios, despesas judiciais e extrajudiciais e demais encargos resultantes do contrato celebrado, foram prestadas as seguintes garantias:
- Hipoteca sobre o prédio urbano, sito na Quinta ..., Freguesia ..., concelho ..., inscrito na matriz predial urbana sob os artigos ...35 e ...36, descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...77 da referida freguesia.
- Livrança em branco, subscrita pela sociedade M...S.A e avalizada por GG, EE e AA (art. 33º da petição inicial).
25 – Os referidos avalistas autorizaram a CGD a preencher a referida livrança, quando tal se mostrasse necessário, no que se refere às datas de emissão e de vencimento, local de pagamento e valor, o qual corresponderá aos créditos que a CGD seja titular por força do contrato em causa (art. 34º da petição inicial).
26 – A 15/04/2016 foi celebrada uma alteração ao referido contrato (art. 35º da petição inicial).
27 – Com a declaração de insolvência da empresa M...SA, a CGD, ora autora, procedeu ao preenchimento da livrança que caucionava o valor devido por força do vencimento do contrato celebrado, pelo valor de 632.428,49 € (seiscentos e trinta e dois mil quatrocentos e vinte e oito euros e quarenta e nove cêntimos), com data de vencimento de 25/11/2020 (art. 36º da petição inicial).
28 – No dia 27/04/2016, a autora celebrou com a sociedade M...S.A, um contrato de abertura de crédito ao abrigo da Linha de Crédito PME Crescimento 2015 (art. 39º da petição inicial).
29 – Nos termos do referido contrato, a CGD disponibilizou à referida sociedade o montante de 300.000,00 € (trezentos mil euros), do qual a mesma se confessou devedora. (art. 40º da petição inicial).
30 – O referido empréstimo destinava-se ao reforço do fundo de maneio ou dos capitais permanentes (art. 41º da petição inicial).
31 – O referido contrato foi celebrado pelo prazo de 84 meses, a contar da data da perfeição do contrato, sendo os primeiros 12 meses de carência de capital e o restante de amortização (art. 42º da petição inicial).
32 – Ficou ainda determinado que o empréstimo concedido venceria juros à taxa contratual e restantes condições enumeradas nas clausulas do referido contrato, sendo a mesma acrescida de 3 pontos percentuais, em caso de mora, em caso de mora, a título de cláusula penal, e reservando-se o banco mutuante na possibilidade de capitalizar os juros remuneratórios, adicionando-os ao capital em divida (art. 43º da petição inicial).
33 – Em caução e garantia do pontual pagamento da quantia mutuada, respetivos juros remuneratórios e moratórios, despesas judiciais e extrajudiciais e demais encargos resultantes do contrato celebrado, foi entregue à CGD uma livrança em branco, subscrita pela sociedade M...S.A e avalizada por GG, EE e AA (art. 44º da petição inicial).
34 – Foi ainda concedida uma garantia autónoma que garantia até ao montante de 50% do capital em divida a cada momento do empréstimo (art. 45º da petição inicial).
35 – Os referidos avalistas autorizaram a CGD a preencher a referida livrança, quando tal se mostrasse necessário, no que se refere às datas de emissão e de vencimento, local de pagamento e valor, o qual corresponderá aos créditos que a CGD seja titular por força do contrato em causa (art. 46º da petição inicial).
36 – Com a declaração de insolvência da empresa M...S.A, a CGD, ora autora, procedeu ao preenchimento da livrança que caucionava o valor devido por força do vencimento do contrato celebrado, pelo valor de 116.114,32 € (cento e dezasseis mil cento e catorze euros e trinta e dois cêntimos), com data de vencimento de 25/11/2020 (art. 47º da petição inicial).
37 – No dia 11/02/2019, a autora celebrou com a sociedade M…SA, um contrato de abertura de crédito, constituição de hipoteca e pacto de preenchimento de livrança (art. 50º da petição inicial).
38 – Nos termos do referido contrato, a CGD disponibilizou à referida sociedade o montante de 200.000,00 € (duzentos mil euros), do qual a mesma se confessou devedora (art. 51º da petição inicial).
39 – O referido empréstimo destinava-se exclusivamente ao financiamento das necessidades de tesouraria da devedora (art. 52º da petição inicial).
40 – O referido contrato foi celebrado pelo prazo de 3 anos (art. 53º da petição inicial).
41 – Ficou ainda determinado que o empréstimo concedido venceria juros à taxa contratual e restantes condições enumeradas nas clausulas do referido contrato, sendo a mesma acrescida de 3 pontos percentuais, em caso de mora, em caso de mora, a título de cláusula penal, e reservando-se o banco mutuante na possibilidade de capitalizar os juros remuneratórios, adicionando-os ao capital em divida (art. 54º da petição inicial).
42 – Em caução e garantia do pontual pagamento da quantia mutuada, respetivos juros remuneratórios e moratórios, despesas judiciais e extrajudiciais e demais encargos resultantes do contrato celebrado, foi constituída hipoteca em sétimo grau, a favor das 3 entidades sobre o prédio urbano sito na Quinta ... ou Quinta ..., na freguesia ... (HH, concelho ..., inscrito na respectiva matriz predial urbana sob os artigos ...35 e ...36, descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...77 da freguesia ... (HH), tendo ainda sido entregue à CGD uma livrança em branco, subscrita pela sociedade M…SA e avalizada por GG, EE e AA (art. 55º da petição inicial).
43 – Foi ainda concedida uma garantia autónoma que garantia até ao montante de 50% do capital em divida a cada momento do empréstimo (art. 56º da petição inicial).
44 – Os referidos avalistas autorizaram a CGD a preencher a referida livrança, quando tal se mostrasse necessário, no que se refere às datas de emissão e de vencimento, local de pagamento e valor, o qual corresponderá aos créditos que a CGD seja titular por força do contrato em causa (art. 57º da petição inicial).
45 – Com a declaração de insolvência da empresa M...SA, a CGD, ora autora, procedeu ao preenchimento da livrança que caucionava o valor devido por força do vencimento do contrato celebrado, pelo valor de 110.182,46 € (cento e dez mil cento e oitenta e dois euros e quarenta e seis cêntimos), com data de vencimento de 25/11/2020 (art. 58º da petição inicial).
46 – A autora reclamou os seus créditos decorrentes das operações referidas, celebradas com a M...SA, no respetivo processo de insolvência, no valor total de 3.996.684,73 € (três milhões novecentos e noventa e seis mil seiscentos e oitenta e quatro euros e setenta e três cêntimos) (art. 61º da petição inicial).
47 – No âmbito do processo de insolvência foi junta aos autos a relação de créditos reconhecidos e não reconhecidos, nos termos que resultam da certidão, junta aos presentes autos em 26/12/2012, extraída dos autos de insolvência que correm termos no Juízo de Comercio de Setúbal (J...) sob o n.º 2788/20.3T8STB, cujo teor se considera integralmente reproduzido (art. 62º da petição inicial).
48 – Nos referidos autos de insolvência foram apreendidos bens móveis no valor de 129.075,00 € (cento e vinte e nove mil e setenta e cinco euros) e o bem imóvel, sobre o qual incidiam as hipotecas supra descritas, com o valor patrimonial de 1.129.210,00 € (um milhão cento e vinte e nove mil duzentos e dez euros), sendo que de acordo com o mapa de rateio (parcial) aí apresentado a ora autora irá receber o montante global de 347.004,55 € (trezentos e quarenta e sete mil e quatro euros e cinquenta e cinco cêntimos) decorrente da venda do património apreendido (art. 63º da petição inicial).
49 – Os avalistas, mormente o réu EE não detêm, atualmente, bens para responder pelo pagamento da divida (arts. 64º e 97º da petição inicial).
50 – Por escritura lavrada em 29 de julho de 2019, o réu EE declarou doar à sua esposa FF os seguintes bens:
a) 1/5 do prédio urbano sito em ..., na Rua ..., da freguesia ..., concelho ..., descrito na CRP ... sob o n.º ...94, da referida freguesia, inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... sob o artigo ...20, o qual tem um valor patrimonial declarado na escritura de 21.788,80 €;
b) 1/5 da fração autónoma designada pelas letras ..., correspondente ao ..., loja ..., do prédio urbano sito em ..., na Avenida ..., atualmente união de freguesias ... e Vila ... e concelho ..., descrito na CRP ... sob o n.º ...10, da freguesia ..., inscrito na matriz predial urbana da união de freguesias ... e Vila ... sob o artigo ...10 com um valor patrimonial declarado na escritura de 2.678,54 €;
c) 1/5 do prédio rustico composto de vinha, oliveiras e cultura arvense, denominada por ..., sito em ..., da freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...96 da referida freguesia, inscrito na matriz predial rustica da freguesia ... sob o artigo ...9, da secção I com um valor patrimonial declarado na escritura de 49,10 €;
d) 1/5 do prédio rustico composto de solo subjacente, cultura arvense olival, denominado por ..., sito em ..., da freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...04 da referida freguesia, inscrito na matriz predial da freguesia ... sob o artigo ...40, da secção F, com um valor patrimonial declarado na escritura de 35,84 €;
e) 1/3 do prédio rustico composto de solo subjacente, cultura arvense olival, sito em ..., da freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...43 da referida freguesia, inscrito na matriz predial sob o artigo ...8, da secção 1 G, com um valor patrimonial declarado na escritura de 115,24 €;
f) 1/3 do prédio rustico composto de solo subjacente, cultura arvense olival, sito em ..., da freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...44 da referida freguesia, inscrito na matriz predial sob o artigo ...4, da secção 1 G, com um valor patrimonial declarado na escritura de 88,44 €;
g) 1/3 do prédio rustico composto de solo subjacente, cultura arvense olival, sito em ..., da freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...45 da referida freguesia, inscrito na matriz predial sob o artigo ...5, da secção 1 G, com um valor patrimonial declarado na escritura de 36,91 €;
h) 1/3 do prédio rustico composto de solo subjacente, cultura arvense olival, denominado de ..., da freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...57 da referida freguesia, inscrito na matriz predial sob o artigo ...1, da secção 1 B, com um valor patrimonial declarado na escritura de 27,61 €;
i) 1/3 do prédio rustico composto de vinha, oliveiras e cultura arvense, denominada por ..., ... de cima e ..., sito em ..., da freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...85 da referida freguesia, inscrito na matriz predial rustica da freguesia ... sob o artigo ...41, da secção E com um valor patrimonial declarado na escritura de 604,27 €;
j) 1/3 do prédio rustico composto de vinha, oliveiras e cultura arvense, denominada por ..., sito em ..., da freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...21 da referida freguesia, inscrito na matriz predial rustica da freguesia ... sob o artigo ...41, da secção F com um valor patrimonial declarado na escritura de 194,56 €;
k) 1/3 do prédio rustico composto de vinha, oliveiras e cultura arvense, denominada por ..., sito em ..., da freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...28 da referida freguesia, inscrito na matriz predial rustica da freguesia ... sob o artigo ...1, da secção I com um valor patrimonial declarado na escritura de 210,29 €;
l) 1/3 do prédio rustico composto de vinha, oliveiras e cultura arvense, denominada por ..., sito em ..., da freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...32 da referida freguesia, inscrito na matriz predial rustica da freguesia ... sob o artigo ...4, da secção O com um valor patrimonial declarado na escritura de 91,50 €;
m) 1/3 do prédio rustico composto de vinha, oliveiras e cultura arvense, denominada por ..., sito em ..., da freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...31 da referida freguesia, inscrito na matriz predial rustica da freguesia ... sob o artigo ...3, da secção O com um valor patrimonial declarado na escritura de 54,75 €;
n) 1/3 do prédio rustico composto de vinha, oliveiras e cultura arvense, denominada por ..., sito em ..., da freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...21 da referida freguesia, inscrito na matriz predial rustica da freguesia ... sob o artigo ...2, da secção O com um valor patrimonial declarado na escritura de 52,07 €;
o) 1/3 do prédio rustico composto de vinha, oliveiras e cultura arvense, denominada por ..., sito em ..., da freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º...30 da referida freguesia, inscrito na matriz predial rustica da freguesia ... sob o artigo ...1, da secção O com um valor patrimonial declarado na escritura de 252,42 €;
p) 1/3 do prédio rustico composto de vinha, oliveiras e cultura arvense, denominada por ..., sito em ..., da freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...39 da referida freguesia, inscrito na matriz predial rustica da freguesia ... sob o artigo ...89, da secção I com um valor patrimonial declarado na escritura de 58,75 €;
q) 1/3 do prédio rustico composto de vinha, oliveiras e cultura arvense, denominada por ..., sito em ..., da freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º...20 da referida freguesia, inscrito na matriz predial rustica da freguesia ... sob o artigo ...0, da secção O com um valor patrimonial declarado na escritura de 441,30 €; r) 1/3 do prédio rustico composto de vinha, oliveiras e cultura arvense, denominada por ..., sito em ..., da freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...19 da referida freguesia, inscrito na matriz predial rustica da freguesia ... sob o artigo ...98, da secção I com um valor patrimonial declarado na escritura de 215,47 €;
s) 1/10 do prédio rustico composto de vinha, oliveiras e cultura arvense, denominada por ..., sito em ..., da freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...82 da referida freguesia, inscrito na matriz predial rustica da freguesia ... sob o artigo ...44, da secção F com um valor patrimonial declarado na escritura de 56,03 €;
t) 1/3 do prédio misto composto de vinha, oliveiras e cultura arvense, denominada por ..., sito em ..., da freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...33 da referida freguesia, inscrito na matriz predial rustica da freguesia ... sob o artigo ...43, da secção F com um valor patrimonial declarado na escritura de € 314,44, e na matriz predial urbana sob o artigo ...17 com um valor patrimonial declarado na escritura de 12.906,67 €;
u) 1/3 do prédio misto composto de vinha, oliveiras e cultura arvense, denominada por ..., sito na Rua ..., da freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...34 da referida freguesia, inscrito na matriz predial rustica da freguesia ... sob o artigo ...4, da secção L com um valor patrimonial declarado na escritura de 232,49 €, e na matriz predial urbana sob o artigo ...86 com um valor patrimonial declarado na escritura de 4.239,32 €;
v) 1/3 do prédio misto composto de vinha, oliveiras e cultura arvense, denominada por ..., sito em ..., da freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...18 da referida freguesia, inscrito na matriz predial rustica da freguesia ... sob o artigo ...7, da secção I com um valor patrimonial declarado na escritura de 595,03 €, e na matriz predial urbana sob o artigo ...39 com um valor patrimonial declarado na escritura de 9.919,93 € (art. 66º da petição inicial).
51 – Negócio esse que foi registado sob a AP. ...28 de 2019/09/25 (art. 67º da petição inicial).
52 – O prédio urbano sito em ..., na Rua ..., da freguesia ..., concelho ..., descrito na CRP ... sob o n.º ...94, da referida freguesia, inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... sob o artigo ...20, foi objeto de divisão de coisa comum através de escritura lavrada em 22 de Outubro de 2020, tendo a ré FF transmitido ao réu CC a parcela do bem que lhe foi transmitida pelo réu EE (documento nº1 junto com a contestação do interveniente Bankinter, cujo teor se considera integralmente reproduzido) (art. 72º da petição inicial).
53 – Por escritura de doação lavrada em 16 de dezembro de 2015, em que intervieram os réus AA, BB, EE, CC, DD e FF, foi constituído a favor dos réus AA e BB o direito de uso e habitação dos seguintes prédios:
a) Prédio urbano sito em ..., na Rua ..., da freguesia ..., concelho ..., descrito na CRP ... sob o n.º ...94, da referida freguesia, inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... sob o artigo ...20;
b) Fração autónoma designada pelas letras ..., correspondente ao ..., loja ..., do prédio urbano sito em ..., na Avenida ... atualmente união de freguesias ... e Vila ... e concelho ..., descrito na CRP ... sob o n.º ...10, da freguesia ..., inscrito na matriz predial urbana da união de freguesias ... e Vila ... sob o artigo ...10;
c) Prédio rustico composto de vinha, oliveiras e cultura arvense, denominada por ..., sito em ..., da freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...96 da referida freguesia, inscrito na matriz predial rustica da freguesia ... sob o artigo ...9, da secção I;
d) Prédio rustico composto de solo subjacente, cultura arvense olival, denominado por ..., sito em ..., da freguesia ..., concelho ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...04 da referida freguesia, inscrito na matriz predial da freguesia ... sob o artigo ...40, da secção F (art. 74º da petição inicial).
53-A – Na mesma escritura aludida em 53, os réus AA e BB declararam doar aos réus CC, DD, reservando para si o correspondente direito de uso e habitação, os seguintes imóveis:
a) Fração autónoma designada pela letra ... do prédio urbano, descrito na CRP ... sob o n.º ...42 da freguesia ..., inscrito na matriz predial da união de freguesias ... e Vila ... sob o artigo ...42;
b) Fração autónoma designada pela letra ..., do prédio urbano descrito na CRP ... sob o n.º ...42 da freguesia ..., inscrito na matriz predial da união de freguesias ... e Vila ... sob o artigo ...42.
54 – Ao direito (uso e habitação) aludido em 53, os réus atribuíram, na escritura o valor total de 67.207,80 € (sessenta e sete mil duzentos e sete euros e oitenta cêntimos) (art. 76º da petição inicial).
55 – Este direito encontra-se registado sob a Ap. ...5 de 2016/01/16 (art. 78º da petição inicial).
56 – O réu CC pagou às rés DD e FF as tornas decorrentes da divisão de coisa comum a que se alude em 52 (arts. 46 e 48ºº da contestação).
57 – Pela escritura pública de 22 de Outubro de dois mil e vinte referida em 52 (denominada “RENÚNCIA DO DIREITO DE USO E HABITAÇÃO, DIVISÃO DE COISA COMUM E MÚTUO COM HIPOTECA), exarada e outorgada no Cartório Notarial a cargo do notário ..., na Rua ..., Edifício ..., em ... - exarada a fls 4 C e seguintes do Livro nº ...4-C, o aqui réu CC declarou que se confessava então devedor do banco interveniente da quantia de oitenta e oito mil e oitocentos euros, que desta entidade bancária recebeu a título de empréstimo, obrigando-se a cumprir todas as obrigações para si decorrentes desse empréstimo, designadamente a restituição do respetivo capital mutuado, dos respetivos juros remuneratórios, dos juros moratórios, das comissões ou outros encargos, tudo conforme as cláusulas constantes do documento complementar elaborado ao abrigo do nº 2 do artigo sessenta e quatro do Código do Notariado, que passou a fazer parte dessa mesma escritura pública, como sua parte integrante (art. 3º da contestação do interveniente Bankinter).
58 – E, para caução e garantia do pagamento da quantia mutuada de 88.000,00 € (oitenta e oito mil e oitocentos euros), da taxa de juro do empréstimo que foi fixada em 1,100% na base de 360 dias, durante os primeiros vinte e quatro meses, e, após o decurso destes, juros tendo por base a média aritmética simples das cotações diárias da Euribor a 12 meses, observada no mês anterior ao início do período de contagem de juros, na base 360 dias, arredondada à milésima, acrescida de um spread base de 1,00%”, e, das despesas resultantes da execução do contrato, que o banco houver de fazer no seu próprio interesse ou no do mutuário, designadamente as respeitantes a prémios de seguros, taxas e impostos, as quais, tão somente para efeitos de registo, forma comutadas em 3.552,00 euros, e tudo no montante máximo de capital e acessórios de 103.767,24 €, aquele CC constituiu então hipoteca a favor do banco mutuante sobre o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...94 (arts. 4º e 5º da contestação do interveniente Bankinter).
59 – A dita hipoteca foi aceite pelo representante da entidade bancária mutuante, a qual de imediato a levou a registo, a seu favor, hipoteca essa que se mantém até ao dia de hoje (art. 6º da contestação do interveniente Bankinter).

E foi considerado não provado que:
- A constituição do uso e habitação a que se alude em 53 tinha como fim impedir a satisfação dos créditos decorrentes dos contratos referenciados nos pontos 28 e 37 (art. 84º da petição inicial).

Da nulidade da sentença
Diz a recorrente que a sentença recorrida enferma de uma série de nulidades, as quais se reconduzem, no essencial, à nulidade prevista na alínea d) do artigo 615º do CPC.
De acordo com este preceito, a sentença é nula «Quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento»; tal normativo está em consonância com o comando do nº 2 do art. 608º do CPC, no qual se prescreve que «O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras».
Segundo a recorrente, a sentença enferma da referida nulidade, por manter a omissão de pronuncia quanto ao pedido por si formulado na ação apensa a estes autos, com o nº 2978/20.9TSTR.
Mas não tem razão. Senão vejamos:
Os pedidos formulados na referida ação são os seguintes:
1 - Seja declarada ineficaz em relação à autora, a transmissão dos bens descritos no artigo 66º da P.I. que foram objeto de escritura de doação outorgada no dia 29.07.2019, com exceção do descrito na alínea t);
2 - Seja declarado ineficaz em relação à autora a transmissão da ré FF ao réu CC de 1/5 do prédio descrito na CRP ... sob o n.º ...94, transmitido por escritura de divisão de coisa comum celebrada a 22.10.2020;
3 - Seja declarado ineficaz em relação à autora a constituição do direito de uso e habitação dos prédios identificados no artigo 74º da P.I., constituídos por escritura datada de 16.12.2015;
4 - Seja declarado o direito de a autora obter a satisfação do seu crédito à custa dos prédios dos réus, praticando os atos de conservação da garantia patrimonial autorizados por lei sobre tal bem.
Ora, lendo o dispositivo da sentença, facilmente se verifica que os pedidos formulados sob os nºs 1, 3 e 4 foram analisados e objeto da decisão enunciada sob as alíneas a), b) e c), daquele dispositivo.
Quanto ao pedido formulado sob o nº 2, resulta claramente da sentença recorrida, no seu ponto “2.4. Enquadramento jurídico”, que o entendimento do Tribunal a quo, foi que esse pedido não merece provimento, porquanto sendo um ato oneroso e considerando os factos dados como provados não se enquadra no Direito aplicável, designadamente porque, como se diz na sentença, quanto a este ato não se provou que o mesmo fosse realizado dolosamente com o intuito de impedir a satisfação do credito de que a ora recorrente é titular, nos termos que resultam dos nºs 1 e 2 do artigo 612º do Código Civil.
Sustenta igualmente a recorrente que a sentença recorrida enferma de nulidade por o Tribunal não ter apreciado e tomado posição sobre factos por si alegados na petição inicial.
Ora, como bem se aduz no despacho de admissão do recurso, «os factos dados como provados e que, nessa medida, podem ser apreciados pelo Tribunal na fundamentação jurídica, são aqueles que resultam da prova produzida. Não existe assim qualquer omissão de pronúncia, mas sim omissão de produção de prova por quem tinha o ónus de a produzir».
Com efeito, o entendimento da recorrente parece esquecer que a factualidade em causa não foi provada por documentos, testemunhas ou por qualquer outro meio de prova, sendo certo que sobre a autora/recorrente impendia o respetivo ónus da prova, por se tratar de facto constitutivo do direito invocado, ónus que a recorrente não cumpriu.
Ademais, como bem observam os réus na resposta ao recurso, também não logrou a recorrente provar a matéria de facto alegada nos artigos 97º e 98º quanto aos presentes autos e 108º e 109º da petição inicial da ação apensa.
Por último, defende a recorrente que a sentença recorrida enferma de nulidade por omissão da fundamentação de facto e de direito no que respeita à decisão de julgar improcedente o pedido da autora da ineficácia dos atos de disposição da escritura de divisão de coisa comum de 22.10.2020, mas também aqui sem razão.
Na verdade, resulta da conjugação da fundamentação de direito da sentença com o elenco dos factos dados como provados, designadamente os factos vertidos nos pontos 56, 57 e 58, que o Tribunal recorrido considerou que não se verificam os pressupostos da impugnação pauliana no caso.
Em suma, a sentença recorrida não enferma de nenhuma das nulidades invocadas pela recorrente.

Da impugnação da matéria de facto
Como resulta do artigo 662º, nº 1, do CPC, a decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação se os factos tidos como assentes e a prova produzida impuserem decisão diversa.
Do processo constam os elementos em que se baseou a decisão do tribunal de primeira instância sobre a matéria de facto: prova documental, depoimentos das testemunhas e declarações das partes, registados em suporte digital.
Considerando o corpo das alegações e as suas conclusões, pode dizer-se que a recorrente cumpriu formalmente os ónus impostos pelo artigo 640º, nº 1, do CPC, pelo que nada obsta ao conhecimento deste na parte atinente à impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
No que respeita à questão da alteração da matéria de facto face à incorreta avaliação da prova produzida, cabe a esta Relação, ao abrigo dos poderes conferidos pelo artigo 662º do CPC, e enquanto tribunal de 2ª instância, avaliar e valorar (de acordo com o princípio da livre convicção) toda a prova produzida nos autos em termos de formar a sua própria convicção relativamente aos concretos pontos da matéria de facto objeto de impugnação, modificando a decisão de facto se, relativamente aos mesmos, tiver formado uma convicção segura da existência de erro de julgamento da matéria de facto.
Foi auditado o suporte áudio e, concomitantemente, ponderada a convicção criada no espírito do Sr. Juiz a quo, o qual tem a seu favor o importante princípio da imediação da prova, que não pode ser descurado, sendo esse contacto direto com a prova testemunhal que melhor possibilita ao julgador a perceção da frontalidade, da lucidez, do rigor da informação transmitida e da firmeza dos depoimentos prestados, levando-o ao convencimento quanto à veracidade ou probabilidade dos factos sobre que recaíram as provas.
Infere-se das alegações/conclusões da recorrente que esta discorda da decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal a quo, relativamente ao facto dado como não provado, ou seja, que «[a] constituição do uso e habitação a que se alude em 53 tinha como fim impedir a satisfação dos créditos decorrentes dos contratos referenciados nos pontos 28 e 37 (art. 84º da petição inicial)».
Na sentença recorrida fundamentou-se a decisão de dar como não provada a factualidade em causa, considerando que «não é do conhecimento das testemunhas, arroladas pela autora, que foram inquiridas em sede de audiência final[5] - II, JJ, KK, - sendo certo que não foram carreados para os autos quaisquer outros elementos probatórios, designadamente de ordem documental, que demonstrem o acervo factual a que se fez referência.»
Sustenta a recorrente que os réus/recorridos DD, FF e CC «tinham perfeita consciência e, por isso, conhecimento que os Réus EE e AA dissipavam todo o seu património através das transmissões de património que lhes faziam».
À semelhança do que foi entendido na sentença recorrida, entendemos que a autora/recorrente não logrou fazer a prova deste facto, nem tão-pouco de que os referidos réus tivessem consciência de que tais atos causavam prejuízo à autora.
Na verdade, nenhuma das testemunhas convocadas pela recorrente - JJ, II e LL -, afirmou ter conhecimento direto que os réus DD, FF e CC soubessem da situação económica e financeira da sociedade M....SA, e ademais, como bem referem os réus na resposta ao recurso, «o conhecimento que importa á analise da questão não é da situação das dificuldades da empresa M..., SA mas sim e tao só se, no âmbito da escritura de divisão de coisa comum de 22/10/2020, os Réus/Apelados DD, FF e CC agiram de má-fé ou seja se tinham consciência do prejuízo que esse acto causa à Apelante».
Analisados os depoimentos das referidas testemunhas, nenhum deles aponta nesse sentido. Senão vejamos.
A testemunha II afirmou que só em novembro de 2019 teve conhecimento direto da situação da sociedade M..., S.A., que tinha entrado em incumprimento em outubro de 2019, tendo participado em algumas reuniões de negociação no âmbito do PER, referindo que os réus DD, FF e CC nunca participaram nessas reuniões.
A testemunha JJ, que também só teve conhecimento direto da situação da dita sociedade em dezembro de 2019, referiu que nas reuniões havidas, apenas estiveram presentes os réus AA e EE, evidenciando conhecer que o réu AA era unicamente avalista, não pertencia á administração nem era acionista, assim como esclareceu que os réus DD, FF e CC não participaram nessas reuniões nem faziam parte da “…fábrica das farinhas…” .
É certo que a testemunha referiu que a filha DD, aquando do PER, era a secretária da mesa da assembleia ou da mesa onde foi feita a reunião onde a empresa decidiu que ia sujeitar-se ao PER, tendo assinado a carta juntamente com o pai «e estaria com certeza ao corrente das dificuldades que a empresa estava a passar”, e que o filho, “o Sr. CC fez parte da empresa mas foi pouco tempo, no concelho fiscal, penso que era vogal entre 2013 e 2014”, esclarecendo, porém, que «aquilo que sabemos, era mais pelo que o pai nos falava, (…) o AA».
Por último, a testemunha LL, referiu que a ré DD nunca esteve na gestão da sociedade, referindo «que eu a visse lá a trabalhar nunca trabalhou, atualmente ela trabalha numa empresa do grupo, atualmente».
Dos depoimentos das referidas testemunhas não pode, pois, concluir-se que os réus DD, FF e CC, agiram, no âmbito da escritura de divisão de coisa comum de 22.10.2020, com a consciência de que os respetivos atos de disposição causavam prejuízo à ora recorrente.
A prova produzida não evidencia de forma alguma que os referidos réus «…tinham perfeito conhecimento do estado das empresas da família,…» ou tinham «…conhecimento da situação financeiras dos réus EE e AA», isto porque, por um lado, não foi feita prova de que a sociedade M...SA fosse uma empresa da família, resultando até o contrário do depoimento da testemunha JJ, que disse que o réu AA era unicamente avalista e, por outro lado, porque os réus DD, FF e CC não participaram nas reuniões nem faziam parte da “…fábrica das farinhas…” , porque na realidade nunca trabalharam na sociedade M...SA nem desempenharam qualquer função relacionada com a gestão da empresa.
Também não logrou a autora provar que os réus CC, DD, FF e BB conheciam a existência das livranças e do aval prestados pelos réus AA e EE, sendo que de acordo com as regras da experiência comum, «resulta consistente e no âmbito da normalidade a escritura de divisão de coisa comum, pela qual o Réu/Apelado CC adquire a propriedade total do imóvel para nele instalar a sua residência própria e permanente, para o que paga as devidas contrapartidas, no caso tornas, ás demais consortes, através de um muto contratado com instituição bancária a quem dá de garantia o próprio imóvel, através de hipoteca, conforme resulta dos factos dados como assentes sob os nºs 52,56, 57, 58 e 59», como bem aduzem os réus na resposta ao recurso
No que concerne à ré BB, nada se provou que de uma forma ou de outra a ligasse à dita sociedade, não resultando igualmente provada a comunicabilidade da dívida, o que nem sequer foi alegado pela autora, pelo que a disposição da sua quota parte nunca poderia ser abrangida pela ineficácia da transmissão da quota parte do seu cônjuge, o réu AA.
Resulta, pois, do exposto que não se vislumbra uma desconsideração da prova produzida, mas sim uma correta apreciação da mesma, não se patenteando a inobservância de regras de experiência ou lógica, que imponham entendimento diverso do acolhido. Ou seja, no processo da formação livre da prudente convicção do Tribunal a quo não se evidencia nenhum erro que justifique a alteração da decisão sobre a matéria de facto, designadamente ao abrigo do disposto no artigo 662º do CPC.
Assim, teremos de concluir que, perante a prova produzida, bem andou o Sr. Juiz a quo na decisão sobre a matéria de facto, dando como não provado que a constituição do uso e habitação a que se alude no ponto 53 dos factos provados tinha como fim impedir a satisfação dos créditos decorrentes dos contratos referenciados nos pontos 28 e 37.

Do mérito da decisão
Permanecendo incólume a decisão do tribunal a quo quanto à matéria de facto dada como provada e não provada, nenhuma censura há a fazer à decisão recorrida, onde se fez uma correta subsunção dos factos ao direito.
Com é sabido, a procedência da impugnação pauliana depende da verificação cumulativa dos requisitos enunciados nos artigos 610.º e 612.º do Código Civil [CC], os quais constituem, verdadeiramente, os elementos integrantes da respetiva causa de pedir, e que a jurisprudência e a doutrina[6] têm catalogado nos seguintes termos:
a) – a existência de determinado crédito na titularidade do impugnante anterior ao ato impugnado, ou mesmo posterior, quando este ato for praticado com dolo específico - art.º 610º, alínea a), do CC;
b) – a verificação do ato impugnado que envolva diminuição da garantia patrimonial do crédito em causa, seja por redução do ativo do devedor, seja por aumento do seu passivo;
c) – a impossibilidade ou agravamento para a situação integral do crédito;
d) – o nexo de causalidade entre o ato impugnado e a referida impossibilidade ou agravamento;
e) – a má-fé do devedor e do terceiro adquirente, se o ato sendo posterior ao crédito, for oneroso, considerando-se má-fé a consciência do prejuízo que o ato oneroso causa ao credor; todavia se o ato impugnado for anterior ao crédito, exige-se já o dolo específico.
Como se diz no acórdão do STJ, de 14.04.2015[7], «o requisito da má fé, nos actos onerosos, reveste, pois, o sentido de repressão de propósitos fraudulentos».
Dentro deste quadro normativo, segundo o disposto no artigo 612º do CC, em particular nos casos de ato oneroso, não se exige, no plano da má fé, a concertação entre o devedor e o terceiro adquirente, dispensando-se, portanto, o chamado consilium fraudis[8].
Escreve a este propósito Almeida Costa[9]:
«Entende-se por má fé a consciência do prejuízo que o acto causa ao credor (art.º 612., n.º 2). Não se reclama, deste modo, a intenção de prejudicar ou o conhecimento da situação de insolvente do devedor. Trata-se de fórmulas que correspondem a realidades diversas. Repare-se que pode existir a consciência do prejuízo que o acto causa aos credores, sendo o mesmo realizado, todavia, sem o intuito de lhes produzir dano; assim como essa consciência do prejuízo não pressupõe, necessariamente, que se reconheça ou exista a situação de insolvência do devedor e vice-versa.»
Também o já citado acórdão do STJ, de 14.04.2015, afastando-se da tese de que “o acto que cai na previsão pauliana é um acto finalisticamente destinado a prejudicar o credor”, seguiu a orientação mais corrente de que:
«(…) a má fé, enquanto requisito da impugnação pauliana, com ressalva da situação em que o acto a atacar for anterior à constituição do crédito, consiste na consciência do prejuízo que o negócio questionado causa ao credor, ou seja, na diminuição da garantia patrimonial do crédito, não sendo, por isso, necessário demonstrar a intenção de originar tal prejuízo.»
E, no mesmo aresto, se precisa que:
«(…) a concretização da má fé basta-se, de acordo com a definição do artigo 612.º, n.º 2, do CC, com a “consciência do prejuízo que o acto causa ao credor”, o que requer, tão-só, a verificação do elemento intelectual, comum ao dolo eventual e à negligência consciente, ou seja, a mera representação da possibilidade da produção do resultado danoso, em consequência da conduta do agente, e não já do elemento volitivo, isto é, o sentido subjectivamente, atribuído pelo agente à sua conduta e, portanto, o facto de, ao realizá-lo, ele confiar ou não em que o resultado venha a produzir-se.»
Em resumo, «quando se trate de ato posterior ao crédito, basta a consciência ou a previsão efetiva do dano que para os credores deriva do ato impugnado. Tal conhecimento, na maioria dos casos, será provado com base em elementos indiciários que, segundo a experiência comum, permitam induzir esse conhecimento»[10].
Por outro lado, é pacificamente aceite pela jurisprudência que, de acordo com o preceituado no artigo 611º do CC, basta ao credor fazer prova do montante do seu crédito, impendendo sobre o devedor o ónus de demonstrar que o seu património é composto por bens suficientes para garantir essa satisfação, o que se justifica pela maior facilidade que aquele tem em efetuar essa prova. Assim, provado pelo impugnante o montante do crédito, presume-se a impossibilidade da respetiva satisfação ou o seu agravamento, por via do ato impugnado[11].
Escreveu-se com total acerto na sentença recorrida:
«Aplicando o quadro normativo exposto aos factos provados, temos como certo, salvo melhor opinião, que o negócio jurídico que se traduziu no conjunto de doações que vem corporizado na escritura datada de 29 de Julho de 2019 (cf. ponto 50 dos factos assentes) é ineficaz perante a autora, dado que estão preenchidos, à saciedade, os requisitos da impugnação pauliana, nos precisos termos que resultam do regime em vigor.
Com efeito, provou-se que o réu EE dou à sua esposa, e ora ré, FF as quotas que detinha nos imóveis descritos nos autos, numa altura em que já estavam constituídos os créditos de que a autora é titular, sendo que do acto impugnado (considerando os montantes dos débitos e a inexistência de outro património relevante na titularidade dos avalistas) resulta a impossibilidade de a autora obter a satisfação integral dos valores em causa.
Recorde-se que não foi demonstrado – prova que incumbia aos réus (art. 611º do Código Civil, já citado) – que os devedores possuam bens penhoráveis que permitam satisfazer o crédito existente na titularidade da ora demandante.
A única restrição que deve ser feita relativamente à doação ocorrida em 29/7/2019 prende-se com o imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...94 (cf. ponto 50, alínea a), dos factos assentes), dado que em relação ao mesmo foi posteriormente celebrado um negócio que, em nosso entender, como veremos, não é passível de impugnação.

**
Relativamente aos restantes negócios impugnados, há que fazer distinções.
No que diz respeito ao direito de uso e habitação que foi constituído por escritura lavrada em 16/12/2015, é certo que à data ainda não tinham sido celebrados os contratos referenciados nos pontos 28 e 37 dos factos assentes, o que impede que possa ser formulado um juízo no sentido de que o negócio impugnado teve em vista impedir a satisfação do direito do futuro credor.
No entanto, a essa data (16/12/2015), já tinham celebrados, como sabemos, três contratos, em 16/4/2014, 27/4/2015 e 30/7/2015, respectivamente, que importavam a constituição de créditos de valor avultado, créditos esses que não foi possível satisfazer, em grande parte, dada a inexistência de património para o efeito.
A constituição do direito de uso e habitação foi, indiscutivelmente, um acto gratuito que tem repercussões no património que poderia responder pelo pagamento dos créditos, uma vez que desvaloriza o direito de propriedade que se encontra na titularidade do respectivo avalista.
Deste modo, também se encontram verificados os requisitos da impugnação pauliana em relação aos actos de disposição gratuita que se encontram materializados na escritura de 16/12/2015, o que deverá ser declarado, com excepção dos que se referem às fracções, designadas pelas letras ... e ... do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...42 (fracções que não estão em causa nos presentes autos) e com excepção do direito (uso e habitação) referente ao prédio descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...94, uma vez que o mesmo se encontra extinto na sequência da renúncia operada pelo respectivo titular aquando da celebração da escritura outorgada em 22/10/2020 (cf. o respectivo documento).
No que concerne ao negócio jurídico que se traduziu numa divisão de coisa comum corporizada na aludida escritura de 22/10/2020, estamos perante um acto oneroso em relação ao qual não estão minimamente verificados os pressupostos da impugnação (pauliana) […], pelo que o pedido da autora, nesta parte, não merece provimento.» (sublinhado nosso).
Por conseguinte, o recurso improcede.
Uma vez que não foram acolhidas por este Tribunal da Relação as questões suscitadas pela recorrente na apelação, não há que conhecer da ampliação do recurso requerida pelos réus (art. 636º, n 2, do CPC).
Vencida no recurso, suportará a autora/recorrente as custas respetivas (art. 527º, nºs 1 e 2, do CPC).

IV – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
*
Évora, 27 de junho de 2024
Manuel Bargado (Relator)
Francisco Xavier
Elisabete Valente
__________________________________________________
[1] Petição inicial aperfeiçoada, dado que o articulado que introduziu o feito em juízo fazia referência ao art. 61º.
[2] Petição inicial aperfeiçoada.
[3] Petição inicial aperfeiçoada, dado que no articulado primitivo fazia-se referência ao art. 69º.
[4] 5 A factualidade em apreço reporta-se à petição aperfeiçoada.
[5] Não sendo, igualmente, do conhecimento das restantes testemunhas inquiridas - LL, MM e NN.
[6] Cfr., por todos, Almeida Costa, Direito das Obrigações, 11ª Edição, 2008, Almedina, pp. 860-864.
[7] Proc. 593/06.9TBCSC.L1.S1, in www.dgsi.pt, citando Almeida Costa, in Introdução ao Estudo do Direito e Elementos de Direito Civil, 1967, p. 225.
[8] Cfr. Acórdão do STJ de 14.07.2016, proc. 377/09.2TBACB.L1.S1, in www.dgsi.pt, que aqui seguimos de perto.
[9] Ob. cit., p. 866, citando Vaz Serra, in Responsabilidade patrimonial, BMJ n.º 75, pp. 212 e seguintes.
[10] Cfr. o citado acórdão do STJ de 14.07.2016.
[11] Entre muitos, vide acórdãos do STJ de 11.09.2018, proc. 10729/15.3T8SNT.L1.S1 e de 23.05.2019, proc. 436/16.5T8LRA.C1.S2,ambos disponíveis in www.dgsi.pt.