JUNÇÃO DE DOCUMENTO
RECURSO DE APELAÇÃO
CONTRATO MISTO
PACTO DE PERMANÊNCIA
CLÁUSULA PENAL
Sumário


I – Não é admissível a junção de documentos com as alegações de recurso se os mesmos se referem diretamente ao objeto da ação, a parte os poderia e deveria ter junto anteriormente à decisão recorrida, e apenas face ao desfecho que lhe foi desfavorável os pretende juntar.
II – É de qualificar como contrato misto, de formação profissional e de promessa de contrato de trabalho, aquele celebrado entre a autora e a ré, em que esta se obrigou, finda a formação, a exercer a atividade profissional resultante da formação ministrada por conta daquela.
III – Mas não constando desse contrato os requisitos mencionados no artigo 103.º do Código do Trabalho, designadamente a concreta atividade a exercer e a correspondente retribuição, é nula a promessa de trabalho.
IV – Contudo, tendo na sequência desse contrato sido celebrado um contrato de trabalho, onde se clausulou um pacto de permanência, a nulidade da promessa de trabalho não afeta o pacto de permanência.
V – As “despesas avultadas” inscritas no artigo 137.º, n.º 1, do Código do Trabalho, deverão ser despesas que ultrapassam a formação corrente do trabalhador e ser definidas em função do caso concreto, atendendo, nomeadamente, ao custo efetivo de formação para o formador/empregador, a retribuição auferida pelo trabalhador, o volume de negócios do empregador, a retribuição mínima mensal garantida e os usos e costumes do empregador, bem como do sector de atividade, à data da formação.
VI – É de qualificar como “despesa avultada”, para efeitos do artigo 137.º, n.º 1, do Código do Trabalho, a importância mínima de € 8.709,32 por custos de formação profissional suportados pela formadora, depois empregadora, em que a trabalhadora/ré adquiriu competências para integrar o mercado de trabalho, o que passou a fazer ao serviço da empregadora/autora e, sendo à data o valor da retribuição mínima mensal garantida de € 600,00, passou a auferir a retribuição mensal de € 719,00.
VII – A fixação pelas partes de uma cláusula penal para o caso de incumprimento do pacto de permanência por parte do trabalhador, não impede que, por excessivo, o seu valor venha a ser reduzido, conforme estipulado no artigo 812.º do Civil.
VIII – O sentido de um pacto de permanência é de garantir a “amortização” ou “retorno” para um investimento particularmente significativo em formação.
IX – Por isso, a fim de evitar um enriquecimento sem causa do empregador, tendo em conta a excecionalidade de que se reveste a admissão legal do pacto de preferência, se a duração deste não é cumprida, a restituição pelo trabalhador das despesas de formação profissional deve limitar-se à proporção do tempo que faltou para o seu cumprimento.
(Sumário elaborado pelo relator)

Texto Integral


Proc. n.º 2321/22.2T8STR.E1

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1]:

I. Relatório
Oramix – Sistemas de Informação, S.A., intentou, no Juízo do Trabalho ... – Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca ..., a presente ação declarativa de condenação, sob a forma comum, contra AA, pedindo a condenação desta a pagar-lhe (i) a quantia de € 4.901,71 pelo incumprimento da cláusula 13.ª, n.º 4, alínea b), do contrato de trabalho que celebraram, (ii) a quantia de € 178,88 a título de juros de mora, (iii) e ainda a quantia de € 9.000,00 pelo incumprimento da cláusula 13.ª, n.º 5, alínea b) do mesmo contrato de trabalho.
Alegou, para o efeito e muito em síntese, que celebrou com a ré um acordo de formação, no qual se obrigou a suportar despesas com a formação inicial técnica e especializada da ré, com vista a prepará-la para ingressar no mercado de trabalho, e esta, por seu turno, se obrigou, finda tal formação, a celebrar um contrato de estágio e, posteriormente, contrato de trabalho com a autora.
Acrescentou que celebraram este contrato, mas que a ré não respeitou o pacto de permanência de três anos, constante daquele, e, por isso, se obrigou a reembolsar a autora em 50% do custo de formação por esta suportada e ainda a indemnizá-la em € 9.000,00 a título de cláusula penal acordada.

A ré contestou a ação, sustentando, ao fim e ao resto, nada dever à autora, pois a formação ministrada visou apenas o interesse da autora em colocar e dar formação à ré para trabalhar para si junto de um cliente, e em reconvenção pediu a condenação da ré no pagamento de créditos salariais.

Os autos prosseguiram os trâmites legais, tendo-se realizado a audiência de discussão e julgamento, após o que foi proferida sentença, que julgou improcedente a ação e, em consequência, absolveu a ré do pedido, e julgou procedente a exceção de prescrição dos créditos reclamados pela ré/reconvinte e, em consequência, absolveu a autora/reconvinda do pedido reconvencional.

Inconformada com o assim decidido, a autora interpôs recurso para este tribunal, tendo nas alegações apresentadas formulado as seguintes (extensas) conclusões:
«(i) Vem o presente recurso interposto da Sentença de fls..., que concluiu pela nulidade do pacto de permanência previsto na cláusula 13.ª do contrato de trabalho celebrado entre a Recorrente e a Recorrida e por isso entendeu não ser devido pela trabalhadora qualquer montante pelo incumprimento do pacto de permanência referido, sendo uma decisão “desligada” da realidade material que subjaz ao caso destes autos e forçada no sentido de desculpar a posição em abuso de direito da Recorrida.
(ii) A Recorrente recorre da Sentença proferida pelo Tribunal a quo, quer quanto à decisão aí proferida sobre a matéria de facto, quer quanto às soluções das questões de Direito e que culminaram na absolvição da Recorrida de todos os pedidos.
(iii) Em concreto e quanto à matéria de facto, a Recorrente entende que se fez prova suficiente e são relevantes para a boa decisão da causa um conjunto de factos que a Sentença não acolheu, e foram incluídos no acervo fáctico um conjunto de factos parcialmente incorretos e outros até contraditórios com a matéria de facto provada todos igualmente relevantes para boa decisão da causa.
(iv) Desde logo, a Sentença ora em crise não deu como provado os pontos c) e d) da matéria de facto não provada, entendendo não ter sido feita prova (a) sobre se os cursos/módulos dados na Academia Oracle 2019 corresponderem a cursos/módulos certificados Oracle que permitem capacitar participantes com conhecimentos necessários nessa tecnologia, e (b) se os respetivos conteúdos são muito valorizados pelo mercado nacional e internacional, permitindo uma célere integração dos consultadores informáticos no mercado de trabalho.
(v) Estes dois pontos têm relevância para a boa decisão da causa, tendo sido produzida prova testemunhal, bem como documental sobre esses factos, além de que alguma informação a esse respeito é pública. (vi) Ora, de acordo com o doc. n.º 1 junto com a Contestação, e com a informação institucional pública existente, é claro que a Recorrente assenta a sua estratégia comercial na prestação de serviços de administração de bases de dados com recurso a tecnologia Oracle, sendo “Oracle Premium Partner”.
(vii) Através de informação igualmente pública e facilmente acessível a todos, a Oracle, proprietária da tecnologia usada pela Recorrente, é uma empresa cotada em bolsa norte-americana, de dimensão mundial na área das tecnologias de informação, e que em 2020 foi considerada a terceira maior empresa no mundo por volume de negócio e quota de mercado, destacando-se pela comercialização de produtos de gestão de bases de dados – doc. n.º 1.
(viii) A A..., entidade que deu a formação na Academia Oracle 2019 à Recorrida, é uma empresa de formação certificada pela DGERT e cujos formadores certificados têm mais de 20 anos de experiência em formações Oracle, sendo, também, uma empresa “Oracle Premimum Partner” – cfr. doc. n.º 2.
(ix) Na Academia Oracle 2019 organizada pela Recorrente e em que participou a Recorrida foram dados vários cursos/módulos Oracle conforme Anexo I do acordo de formação (cfr. ponto 7 da matéria de facto provada), por conta do interesse da Recorrente em recrutar talentos jovens dada a escassez de técnicos na área e especializados na tecnologia em questão, conforme resultou de forma clara do depoimento da testemunha BB (a partir do minuto ... e depois a partir do minuto ...).
(x) Na dita academia, a Recorrida teve oportunidade de receber formação especializada, através de empresa certificada, dotando-a com informações e conhecimentos técnicos para a sua atividade profissional futura, não ensinados em instituição de ensino superior (factos provados n.º 3, 4 e 5 da matéria de facto provada).
(xi) A testemunha CC esclareceu de forma clara no que é que consistiu a Academia Oracle 2019 e porque é que os seus conteúdos não são dados nas faculdades, a dificuldade de recrutar profissionais especializados em Oracle, a particular relevância dessa especialização em Oracle no mercado, a relevância da empresa Oracle, e indicou ainda o valor estimado dessas academias Oracle como situado entre os EUR 10,000 e EUR 20,000 (a partir dos minutos ..., ..., ..., ...).
(xii) Do atual sítio eletrónico da A... é possível verificar que, a soma do preço de alguns dos cursos/módulos referidos listados no ponto 7 da matéria de facto provada, em concreto, Database 12c: Administration Workshop & Multitenant, Oracle Database 12c: Install and Updagrade Workshop, Oracle Database 12c: Backup and Recovery Workshop, Golden Gate Administration e Oracle Weblogic Server 12c: Administration I, ascendem a EUR 14.500 por pessoa. (xiii) Pelo que cumpre concluir que o depoimento em particular da testemunha CC é totalmente coincidente com toda a informação trazida ao processo a respeito da Academia Oracle 2019 e da sua relevância para o negócio da Recorrente e dos formandos, incluindo da Recorrida, que selecionou para depois integrarem os quadros, não se mostrando compreensível as razões que levaram ao Tribunal considerar não provados os pontos acima indicados.
(xiv) Assim, e por serem relevantes para a boa decisão da causa, devem ser aditados à matéria de facto dada como provada, os factos c) e d) da lista de matéria de facto não provada com a seguinte redação:
“5-A - A formação referida nos pontos 6. a 10. dos factos provados, correspondem a cursos/módulos certificados Oracle (empresa multinacional de tecnologia e informática norte-americana, especializada no desenvolvimento e comercialização de hardware e softwares e de banco de dados), e permite capacitar os participantes com os conhecimentos necessários em tecnologia Oracle.
5-B - Os respetivos conteúdos formativos são muito valorizados e requisitados pelo mercado nacional e internacional em matéria de gestão de base de dados, permitindo uma célere integração dos consultores informáticos no mercado de trabalho.”
(xv) Adicionalmente, que ter em conta os certificados de formação emitidos pela A... em nome da Recorrida referentes à Academia Oracle 2019 (cfr. ponto 11 da matéria de facto provada; juntos sob o doc. n.º 10 da p.i.), o que apenas por desleixo ou desinteresse não terão sido requeridos (não se fez qualquer prova desses pedidos…) e incluídos no seu currículo profissional por culpa própria.
(xvi) Depois, o Tribunal a quo deu como provado a celebração pela Recorrente e pela Recorrida de um acordo de formação prévio à relação laboral e de um contrato de trabalho com um pacto de permanência na cláusula 13.ª, no âmbito dos quais entendeu que tudo foi explicado à Recorrida a respeito dos dois documentos, incluindo a celebração do dito pacto de permanência (cfr. pontos 6, 7, 8, 14, 15 e 16 da matéria de facto provada), porém, deu como não provado o ponto f) da lista de matéria de facto não assente de onde consta que “Sem olvidar o teor do acordo de formação celebrado previamente ao contrato de trabalho, na Cláusula Décima-Terceira do referido contrato de trabalho, a A. e a R. acordaram num pacto de permanência.”.
(xvii) Para tanto, nas páginas 22 e 23 da Sentença de que se recorre, é dito pelo Tribunal a quo que não se fez prova que a empresa e trabalhadora acordaram o pacto de permanência da cláusula 13.ª do contrato de trabalho por referência ao acordo de formação celebrado previamente àquele, por conta do depoimento da testemunha BB que terá indicado, segundo o Tribunal, “que a formação referida na dita cláusula consistia na parte prática da formação Oracle garantida em contexto do contrato de trabalho, através do acompanhamento e supervisão prestados à Ré pelo DD, funcionário da Autora, no seguimento da formação teórica que a Ré realizou no âmbito da Academia Oracle-19”.
(xviii) Ora, a conclusão a que chegou o Tribunal a quo mostra-se não verdadeira e grave, pois, do depoimento da testemunha em questão não resulta tal afirmação, notando-se um claro esforço de dobrar a realidade e reenquadrá-la de forma desligada da verdade – isto quando o Tribunal a quo fez perguntas diretas sobre o tema à mesma testemunha.
(xix) A testemunha BB explicou de forma clara no que é que consistia a Academia Oracle 2019 e a importância do investimento realizado pela Recorrente, que permitiu aos formandos, como a Recorrida, obterem os conhecimentos teóricos em tecnologia Oracle e depois celebrarem um contrato de trabalho sem termo com a empresa onde, por conta da sua inexperiência profissional, e apenas num primeiro momento, ainda teriam uma formação prática em contexto de trabalho acompanhados de um tutor designado pela empresa por conta de esta ter recorrido à medida IEFP “Contrato-Empregado”, que era regulada pela Portaria n.º 34/2017, de 18 de janeiro, atenta a complexidade e responsabilidade inerente à atividade de gestão de base de dados de clientes da Recorrente (a partir dos tempos ..., ..., ...).
(xx) Adicionalmente, e também em resposta às questões colocadas pelo Tribunal, a mesma testemunha BB esclareceu, por mais do que uma vez, de forma clara, expressa e evidente que o pacto de permanência do contrato de trabalho referia-se à formação acordada no acordo de formação anterior ao contrato de trabalho, sob pena de não assegurar qualquer retorno económico pelo investimento realizado com a formação especializada dada à Recorrida (a partir dos tempos ..., ..., ...).
(xxi) Por isso, deve dar-se o ponto f) da matéria de facto não assente como provado e aditar à matéria de provada o mesmo com a seguinte redação:
15-A “No seguimento do acordo de formação celebrado previamente ao contrato de trabalho, na Cláusula Décima-Terceira do referido contrato de trabalho, a A. e a R. acordaram num pacto de permanência relativamente à formação ministrada pela primeira à última na Academia Oracle 2019.”
(xxii) Nesta senda, o Tribunal a quo esteve também mal ao colar factos de forma a deturpar a verdade material do caso, como sucede no Ponto 10 da matéria de facto provada quando dá por assente que a Recorrente indicou à A..., terá indicado também uma pessoa externa, a Senhora EE, para participar na Academia Oracle 2019, tendo esta participado a título particular e pago EUR 5.625 com a sua formação.
(xxiii) Tal conclusão não resulta da prova documental ou testemunhal produzida nos autos, pois, da correspondência incompleta junta no doc. n.º 2 com a Contestação constata-se que apenas existiu interação entre a Senhora EE e o Diretor da A..., o Senhor FF, que terão combinado entre si os termos de participação extraordinária na Academia Oracle 2019, tendo essa inclusão sido um pedido daquele Diretor à Recorrente, tendo isso sido esclarecido pelas testemunhas da Recorrente, a Senhora BB (tempos a partir de ... e ...) e o Senhor CC (tempo a partir de ...).
(xxiv) Assim, e dado que o Tribunal a quo destacou a forma colaborante e escorreita com que ambas as testemunhas indicadas prestaram depoimento, resulta claro que o ponto 10 da matéria de facto tem de ser alterado nos seguintes termos:
10. “A A. indicou, inicialmente, à A..., Lda. que participariam oito pessoas na Academia Oracle de 2019, tendo, contudo, apenas participado na formação os seguintes seis formandos, incluindo a aqui R.: GG, AA, HH, II, JJ e KK.”.
(xxv) E, adicionalmente, acrescentar um novo ponto da matéria de facto provada com a seguinte redação:
10.-A Na Academia Oracle 2019, e a pedido pessoal do Diretor da A..., o Senhor FF, a A. aceitou a participação da Senhora EE na mesma academia enquanto externa e a título particular, tendo a Senhora EE suportado a expensas suas os custos com a formação recebida na academia, tendo pago um valor acordado com o Senhor FF, num total de € 5.625,00.
(xxvi) Quanto à matéria de Direito, na apreciação da licitude do pacto de permanência acordado na cláusula 13.ª do contrato de trabalho celebrado entre a Recorrente e a Recorrida, o Tribunal a quo concluiu pela nulidade da dita cláusula, por entender que aquela não tinha qualquer conexão com a formação especializada ministrada pela empresa à trabalhadora no âmbito de acordo de formação celebrado antes do início da relação laboral.
(xxvii) A interpretação dos vários elementos de prova trazidos ao processo e da lei resultaram numa decisão manifestamente errada por parte do Tribunal a quo.
(xxviii) No dia 17.07.2019, foi celebrado o dito acordo de formação através do qual a empresa obrigou-se a prestara formação Oracle descrita no seu Anexo I, no valor de EUR 18.800, através de uma entidade externa (a A..., Lda.), tendo a trabalhadora assumido o compromisso de concluir essa formação com aproveitamento para depois celebrar um contrato de estágio e/ou celebrar um contrato de trabalho com a Recorrente, sob pena de ter de reembolsar a empresa do investimento realizado com a formação (cfr. pontos 6 a 9, da matéria de facto provada).
(xxix) Isso resulta claro dos considerandos e clausulado do acordo de formação celebrado e junto sob o doc. n.º 1 com a p.i., sendo de destacar que o considerando d) referia expressamente que a Recorrente estaria disponível para suportar os encargos inerentes a esta formação, desde que tivesse a possibilidade de amortizar esse investimento numa eventual subsequente relação profissional a estabelecer com a Recorrida e que esta aceitou.
(xxx) Em 15.11.2019 a Recorrente e Recorrida celebraram contrato de trabalho sem termo, e acordaram na cláusula 13.ª um pacto de permanência com o conteúdo descrito e dado como provado no ponto 15 da matéria de facto provada.
(xxxi) O Tribunal a quo argumenta que, por conta da redação da cláusula 13.ª n.º 1 do contrato de trabalho (“A Primeira Contraente ao início do presente contrato ministrou, tendo suportado…”) a mesma não tem qualquer conexão com a formação ministrada em momento anterior à relação laboral entre Recorrente e Recorrida, até porque sustenta que a Recorrente não fez prova de que ao início da relação laboral ministrou formação profissional certificada à Recorrida em matérias tecnicamente complexas e relevantes, não evidenciando qualquer valor despendido, e muito menos avultado, colando este raciocínio ao facto de a empresa ter recorrido à medida “Contrato-Emprego” do IEFP.
(xxxii) A medida “Contrato-Emprego” conferia o direito a contrapartidas económicas às empresas contra a obrigação de ministrarem formação aos trabalhadores que contratassem, numa das seguintes modalidades à sua escolha: (i) formação em contexto de trabalho, pelo período mínimo de 12 meses, mediante acompanhamento de um tutor designado pela entidade empregadora; ou (ii) formação, em entidade formadora certificada, com uma carga horária mínima de 50 horas, e realizada preferencialmente, durante o período normal de trabalho.
(xxxiii) Ora, tal como provado, a Recorrente deu formação profissional especial prévia ao contrato de trabalho à Recorrida com vista a muni-la de conhecimentos técnicos relevantes e complexos para as suas funções na tecnologia Oracle, sendo que a empresa suportou os custos com essa formação e não o IEFP. Adicionalmente, não tendo a Recorrida experiência para desenvolver com autonomia as suas tarefas junto de clientes, através da medida do IEFP, a Recorrente prestou formação em contexto de trabalho, cabendo a um dos seus trabalhadores, o Senhor DD, assumir a responsabilidade de tutor da Recorrida.
(xxxiv) O recurso à medida IEFP pela Recorrente nada teve que ver com o pacto de permanência acordado no contrato de trabalho, sendo que esse tal pacto visava assegurar à empresa um retorno com o investimento feito com a Recorrida por conta da formação ministrada antes da relação laboral no âmbito da Academia Oracle 2019, aqui relevando o depoimento da testemunha BB sobre este tema e que aqui se dá por reproduzido (tempos ..., ..., ..., ..., ... e ...).
(xxxv) Tendo o Tribunal a quo dado como provada (a) a celebração do acordo de formação em 17.07.2019 e os conteúdos da Academia Oracle 2019, (b) a existência das faturas emitidas pela A... à Recorrente referentes à academia, (c) a emissão dos certificados de formação à Recorrente relativamente a cada um dos cursos/módulos da Academia 2019, (d) a celebração de contrato de trabalho com pacto de permanência em 15.11.2019 (30 dias depois do fim da Academia Oracle 2019), (e) que a Recorrente explicou os conteúdos dos documentos à Recorrida, (f) que a Recorrida, querendo sair da empresa, nos e-mails de 02.09.2020 e 08.07.2021 solicitou à Recorrente que prescindisse do pacto de permanência identificando-o na cláusula 13.ª (cfr. pontos 6 a 9, 11, 14 a 16, 22 e 24 da matéria de facto assente), como pôde chegar à conclusão que o pacto de permanência do contrato de trabalho não tinha que ver com a formação prestada no acordo de formação prévio e no âmbito da Academia Oracle 2019?
(xxxvi) É incompreensível tal decisão do Tribunal por ser notório o relacionamento intrínseco e cronológico dos factos dados como assentes, fazendo uma má aplicação dos artigos 236.º, n.º 1, 237.º e 238.º, n.º 1, todos do Código Civil por se quedar por uma interpretação muito superficial e errada dos factos provados ignorando todos os elementos documentais e prova testemunhal produzida, quando deveria ter adotado uma interpretação integrativa dos factos para perceber o conteúdo objetivo e vontade subjetiva inerente aos acordos e contratos celebrados entre Recorrente e Recorrida.
(xxxvii) Desde logo, cumpre recordar que no acordo de formação, mais precisamente nos seus Considerandos c) a e), é dito expressamente que pelo investimento avultado realizado com a formação da Recorrida, a Recorrente tinha a intenção lógica e legítima de amortizar o mesmo através de relação profissional a estabelecer com aquela, e que a Recorrida aceitou não só no acordo de formação mas também no próprio contrato de trabalho atenta a declaração feita na parte final do n.º 1 da cláusula 13.ª do mesmo contrato.
(xxxviii) Por isso, nos termos dos artigos 352.º, 355.º, n.º 4, 357.º, n.º 1 e art.º 358.º, n.º 2, todos do Código Civil, o assumido e aceite pela Recorrida perante a Recorrente, quer no acordo de formação, quer no contrato de trabalho, deve valer como confissão tendo esta força probatória plena. O mesmo aproveita aos emails enviados pela trabalhadora em 02.09.2020 e 08.07.2021.
(xxxix) Se de acordo com a tese interpretativa do Tribunal a quo o que resultava do acordo de formação era a mera obrigação de a Recorrida celebrar contrato de trabalho com a Recorrente sob pena de restituir o valor pago pela última com a dita formação, afinal, que retorno teria a Recorrente se não fosse a celebração de um pacto de permanência? Se assim não fosse, bastaria que a trabalhadora denunciasse o contrato na mesma data em que o assinasse para que a empresa ficasse privada de obter qualquer retorno económico do investimento realizado naquela!
(xl) Este entendimento é profundamente desrazoável e desvaloriza um investimento superior a EUR 10,000 feito por uma empresa com um mero candidato a emprego em que decidiu apostar para ter nos seus quadros.
(xli) Mas existe alguma empresa que faça tamanho investimento em jovens candidatos a emprego e que depois se “contente” como retorno económico a celebração de um contrato de trabalho sem garantias de permanência mínima na empresa? Não, pois tal seria absurdo.
(xlii) É verdade que o n.º 1 da cláusula 13.ª do contrato de trabalho celebrado entre as partes emprega termos que parecem equívocos…, mas é só isso, uma mera aparência que fica plenamente esclarecida com a leitura dos termos constantes do acordo de formação, mormente, os seus considerados que dão contexto à vontade das partes.
(xliii) O dito n.º1 refere efetivamente que “A Primeira Contraente ao início do presente contrato ministrou, tendo suportado a totalidade dos encargos, no valor de € 18 000 (dezoito mil euros), formação profissional certificada ao Segundo Contraente em matérias tecnicamente complexas e relevantes, conhecendo este que a referida formação constitui uma fonte de valorização importante”…
(xliv) Não achou estranho o Tribunal a quo, quando analisou o n.º 1 e n.º 2 da cláusula 13.ª, o uso e expressões no tempo passado como “ministrou”, “tendo suportado”, “despesas suportadas”? Atendendo ao custo elevado de formação aí referido (EUR 18,000), e as expressões no tempo passado, terá o Tribunal a quo achado plausível que uma formação desse valor pudesse ter sido dada na data do início do contrato? E que data considerou o Tribunal a quo para o efeito? O dia da assinatura do contrato? O primeiro dia de execução do contrato? A primeira semana?
(xlv) Não faz sentido, nem tão pouco é verosímil que uma formação com um custo tão elevado pudesse ser dada em apenas um dia, quando tantas outras formações de custo elevado demoram meses ou até anos para serem concluídas!
(xlvi) Ainda que se utilize no contrato a expressão “ao início do presente contrato”, não ocorreu ao Tribunal a quo que as partes se pudessem estar a referir ao período de formação do contrato, anterior à data da sua formalização? Nos considerandos do acordo de formação, resulta de forma expressa qual foi a intenção das partes, bem como foi isso relevado pela testemunha BB no seu depoimento, a partir do minuto ... e que se transcreveu acima e aqui se dá por integralmente reproduzido.
(xlvii) O mesmo quanto ao valor aposto no pacto de permanência: dada a proximidade de valores, EUR 18,800 no acordo de formação, EUR 18,000, no contrato de trabalho, não ocorreu ao Tribunal a quo, que poderia tratar-se de um lapso de escrita, facilmente revelado e resolvido através da leitura do acordo de formação? Parece evidente, sobretudo se se pensar que entre o fim da formação e a celebração do contrato de trabalho passaram 30 dias!
(xlviii) Portanto, uma interpretação atenta e cuidada dos factos assentes, bem como de todos os documentos juntos ao processo, teria o Tribunal a quo compreendido, de forma fácil e simples, qual foi a vontade das partes aquando da celebração do acordo de formação e depois do contrato de trabalho com o pacto de permanência, e concluído que, afinal, o pacto de permanência não estava desligado da formação ministrada previamente ao mesmo no âmbito da Academia Oracle 2019.
(xlix) O Tribunal a quo não podia ignorar que a Recorrida conhecia perfeitamente qual a vontade real da Recorrente no contexto e sequência dos documentos celebrados entre ambas, devendo ter aplicado o disposto no n.º 2 do artigo 236.º do Código Civil que prevê que “sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida”.
(l) A mesma conclusão se alcança com a aplicação conjugada dos n.ºs 1 e 2 do artigo 238.º do Código Civil.
(li) Considerando tratar-se de um caso duvidoso, e sendo um negócio oneroso, perante todo o exposto, o Tribunal a quo, à luz do disposto no artigo 237.º do Código Civil, deveria seguir os princípios gerais de favor negotii e interpretar as declarações de ambas as partes no sentido que conduzisse ao maior equilíbrio entre as prestações.
(lii) Mas mesmo através do artigo 239.º do Código Civil, que o Tribunal a quo não aplicou apesar de ter tecido considerações sobre que redação deveria ter estado no contrato de trabalho dado que este não referia à formação dada anteriormente à Recorrida, a solução sempre diversa à da Sentença em crise, pois, determina esse normativo que “na falta de disposição especial, a declaração negocial deve ser interpretada de harmonia com a vontade que as partes teriam tido se houvessem previsto o ponto omisso…”.
(liii) Tão pouco tem cabimento o argumento de que a Cláusula 16.ª do contrato de trabalho revogou e substituiu quaisquer entendimentos, acordos, comunicações ou expectativas anteriores, pois a partir do momento em que as partes incluíram e concretizaram no contrato de trabalho um pacto de permanência com base no valor de formação dada na Academia Oracle 2019 (ainda que com uma diferença de EUR 800), em cumprimento dos considerandos e pressupostos do acordo de formação, a cláusula que o Tribunal refere não afeta aquela que foi a intenção e expectativa inicial das partes quanto ao tema.
(liv) Conta o que as partes quiseram colocar no contrato que regulou a sua relação laboral sem esquecer o contexto e pressupostos que antecederam a sua celebração, até porque o acordo de formação esgotou os seus efeitos com a celebração do contrato de trabalho entre as partes.
(lv) Por todo o exposto, cabe concluir que sim as partes quiseram e acordaram no pacto de permanência nos termos da cláusula 13.ª do contrato de trabalho, sendo expectável que isso assim sucedesse em consequência da conclusão com aproveitamento da formação dada na Academia Oracle 2019 que foi prévia à seleção e recrutamento da Recorrida pela Recorrente para celebrar contato de trabalho.
(lvi) Quanto ao tema das discrepâncias do valor da formação indicado no acordo de formação, no contrato de trabalho e resultante da soma dos valores das faturas da A... pagas pela Recorrente, é também evidente que o Tribunal a quo ignorou os documentos juntos aos autos e cujo teor foi dado como assente na matéria de facto.
(lvii) No acordo de formação, mais concretamente no seu Anexo I, consta o programa da Academia Oracle 2019, é indicado que a formação teria um custo de EUR 18,800, sendo que na cláusula 13.ª, n.º 1, do contrato de trabalho celebrado entre a Recorrente e a Recorrida, consta que o valor da formação ministrada foi de EUR 18,000, e das faturas relativas à Academia Oracle 2019 emitidas pela A... e pagas pela Recorrente resulta um valor total de EUR 56,646 + 13,028.58 (IVA a 23%).
(lviii) Ora, estando claro que as partes quiseram e celebraram um pacto de permanência no contrato de trabalho, então, há que verificar qual o valor efetivamente suportado pela Recorrente por candidato que integrou a Academia Oracle 2019 (que foram apenas seis) face às faturas que constam dos autos cuja existência e veracidade não foi posta em causa.
(lix) Pela formação, a Recorrente, excluindo o subsídio de formação de EUR 250 durante a Academia a cada formando, incluindo a Recorrida, suportou EUR 69,674.58 que foi pago à A..., no que se traduz num custo de EUR 11,612.43 por formando, devendo ter sido, efetivamente, esse o valor a constar do n.º 1 da cláusula 13.ª do contrato de trabalho.
(lx) Não obstante a diferença de valores, não podem restar dúvidas que se tratou de uma formação de valor avultado e que foi inteiramente suportado pela Recorrente.
(lxi) Para densificação do conceito de “despesas avultadas” certa doutrina tem-se socorrido das normas penais que definem valor elevado, nomeadamente o artigo 202.º, alínea a) do Código Penal, sendo que um valor que excela 50 UC’s (EUR 5,100) já se pode considerar uma despesa avultada para efeitos do artigo 137.º do Código do Trabalho.
(lxii) Em alternativa, existe jurisprudência que tem defendido que as despesas avultadas remetem para a noção de formação extraordinária, como no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 26 de junho de 2019, Proc. n.º 2051/18.0T8VFX.L1-4: “VII – O conceito indeterminado de “despesas avultadas” contido no nº 1º do artigo 137º do CT/2009 pode e deve ser definido atendendo à consciência jurídica da comunidade, variando de caso para caso, nomeadamente em função do custo efectivo da formação para o empregador, do valor da retribuição recebida pelo trabalhador, do volume de negócios da empresa, do valor da retribuição mínima garantida e dos usos e costumes do empregador e do sector à data da formação.”
(lxiii) Adotando este critério, também não se poderá deixar de considerar que tal formação se subsume ao previsto no artigo 137.º do Código do Trabalho.
(lxiv) Se considerarmos o salário mínimo nacional em Portugal no ano de 2019, que era de EUR 600, concluímos que a Recorrente suportou um valor equivalente a 19,35 salários mínimos com a formação dada à Recorrida na Academia Oracle 2019. Considerando o salário mensal auferido pela Recorrida nessa data, verificamos que a Recorrente suportou uma despesa avultada equivalente a 16,15 vezes esse salário.
(lxv) Sendo a indicação do custo efetivo da formação suportada pelo empregador um elemento-chave para a validade do pacto de permanência, um erro na aposição do valor no contrato de trabalho não pode determinar, por si só, a invalidade total do dito pacto.
(lxvi) Nos termos do artigo 249.º do Código Civil está previsto que o erro de escrita que seja revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que a declaração é feita permite a sua retificação.
(lxvii) O que se mostra aplicável neste caso, pois, de todos os documentos juntos aos autos, é possível apurar o valor efetivamente pago pela Recorrente com a formação individual de cada um dos formandos, sendo esse o valor a considerar no pacto de permanência em discussão nos autos.
(lxviii) Não obstante, e seguindo as diretrizes do direito civil do favor negotii, a conclusão seria a mesma através da aplicação quer do instituto da redução (artigo 292.º do Código Civil), quer do instituto da conversão (artigo 293.º do Código Civil), sanando-se o vicio da declaração da Recorrente no pacto de permanência celebrado com a Recorrida, até porque a vontade das partes seria sempre a de celebrar um pacto de permanência para que a Recorrente tivesse retorno económico do investimento feito com a formação da Recorrida, o que só se alcançaria com a permanência da trabalhadora na empresa até ao máximo legal possível dado o forte investimento inicial feito pela empresa com aquela!
(lxix) Essa era a expectativa e intenção das partes desde sempre!
(lxx) Por esse motivo, tendo em consideração o valor das despesas avultadas pela empresa com cada formando com a formação ministrada na Academia Oracle 2019 (EUR 11.612,43), e seguindo o critério comunicado pela Recorrente à Recorrida sobre o valor de formação profissional a restituir por ter cessado o contrato após 12 meses de vigência do seu contrato de trabalho (em proporção, desde 01.09.2021, tendo por referência o período de contrato até ao fim do pacto de permanência), então, a Recorrida teria de pagar à Recorrente um montante equivalente a EUR 3.507,91.
(lxxi) Porém, dado que foi descontado dos créditos finais à Recorrida um montante liquido equivalente a EUR 1.692,02, então, a Recorrida estará em dívida para com a Recorrente, devendo pagar um montante de EUR 1.815.90.
(lxxii) A decisão do Tribunal a quo não se pode manter sob pena de assim se validar uma atuação da Recorrida em evidente abuso de direito (censurável, desde logo, nos termos do artigo 334.º do Código Civil) com o objetivo de se excluir do cumprimento dos compromissos contratuais e legais que assumiu perante a Recorrente.
(lxxiii) Isso é evidente quando a Recorrida, de forma absurda, alega na sua contestação que, entre outras coisas, não quis ou negociou a formação de custo avultado que recebeu, que não teve interesse em receber a mesma, que a mesma não era relevante, mas “olvidou-se” que, depois de esclarecer as suas dúvidas quanto ao conteúdo dos documentos que assinou com a Recorrente, sobretudo quanto às obrigações de permanência na empresa por certo período, assinou um acordo de formação com a Recorrente e cujos considerandos são claros quanto ao contexto e pressupostos em que o mesmo foi celebrado, “esqueceu-se” que ao assinar o contrato de trabalho com o pacto de permanência declarou reconhecer a importância do mesmo (cl.ª 13.ª, n.º 1, in fine, do contrato)…
(lxxiv) … e sabendo disso, a Recorrida, por duas vezes, em 05.09.2020 e em 08.07.2021 transmitiu à empresa a sua intenção de sair pedindo que a Recorrente prescindisse do cumprimento do pacto de permanência que identificou estar na já referida cláusula 13.ª do seu contrato de trabalho…
(lxxv) … para além de que a Recorrida se “esqueceu” do forte entusiasmo com que encarou e aceitou a oportunidade de formação e profissional oferecida pela Recorrente quando celebrou quer o acordo de formação, quer o contrato de trabalho no seguimento daquele, e isso foi expresso reiteradamente pelo depoimento da sua mãe enquanto testemunha.
(lxxvi) Razão pela qual a Sentença é material e juridicamente errada!
(lxxvii) E nem se chame à colação a situação da Senhora EE porquanto esta contratou diretamente com a A... a sua integração na Academia Oracle 2019, tendo a mesma suportado a suas expensas um certo montante por essa mesma formação, desconhecendo a Recorrente os termos concretos em que essas partes negociaram o preço da formação.
(lxxviii) Não foi revelado ou sequer demonstrado nestes autos o processo negocial havido entre a testemunha EE e a A..., sendo evidente essa intenção ao apenas ter-se junto correspondência incompleta sob o doc. n.º 2 junto com a Contestação - veja-se que no canto inferior direito, podemos ver que essa cadeia de emails terá 10 páginas, mas só foram juntas as páginas 5 a 7 -, para além de ser notório existir um trato informal entre os intervenientes nessa correspondência, o que indicia uma relação de proximidade que se desconhece.
(lxxix) Também o Tribunal a quo errou na qualificação jurídica, e, por conseguinte, na determinação da sua nulidade, da cláusula penal acordada pelas partes na alínea b) do n.º 5 da cláusula 13.ª do contrato de trabalho.
(lxxx) A cláusula penal acordada na alínea b) do n.º 5 da cláusula 13.ª do contrato de trabalho tem natureza de cláusula penal compulsória e não de cláusula compensatória, sendo uma cláusula que ultimamente protegeria a Recorrente, por visar dissuadir a Recorrida de eventualmente incumprir o pacto de permanência. Assim, o que foi acordado pela Partes foi que em caso de incumprimento pela Recorrida, esta teria de, cumulativamente, reembolsar a empresa de parte dos custos de formação e pagar a sanção acordada.
(lxxxi) Por essa razão, não tem aplicação os artigos 810.º e 811.º do Código Civil. Neste sentido, veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido no Proc. n.º 81/1998.C1.S1, datado de 27.09.2011 (disponível em www.dgsi.pt).
(lxxxii) Estando esclarecida a natureza da cláusula penal acordada na cláusula 13.ª, n.º 5, do contrato de trabalho, e dado que a Recorrente suportou o pagamento de EUR 11,612.43 com a formação da Recorrida no âmbito da Academia Oracle 2019, excluindo os subsídios mensais de formação no valor de EUR 250, então, o valor da cláusula penal acordado no n.º 5 da referida cláusula 13.ª do contrato de trabalho deverá ser de EUR 5.806,22, cabendo, afinal, concluir-se pela sua plena validade sendo devida pela Recorrida à Recorrente, até porque não se mostra excessiva ou desrazoável no seu valor atento ao contexto e objetivos que subjazem à mesma.
(lxxxiii) Num caso semelhante a este, envolvendo a Recorrente e um seu trabalhador recrutado no âmbito de uma Academia, bem assim a A... enquanto entidade formadora, mudando apenas o conteúdo da formação e o seu valor, foi no passado dia 03.01.2024 proferida pelo Tribunal Judicial da Comarca ... – Juízo do Trabalho ... – Juiz ..., no âmbito do no Proc. n.º 2/23...., uma decisão totalmente favorável à Recorrente, decidindo-se pela plena validade do pacto de permanência aí discutido – cfr. doc. n.º 2.
(lxxxiv) E por tudo isto às questões colocadas a decidir no âmbito deste recurso deve ser dada uma resposta afirmativa e por isso ser revertida a Sentença proferida pelo Tribunal a quo, tendo a Recorrente e a Recorrida acordado num pacto de permanência plenamente válido nos termos do artigo 137.º do Código do Trabalho, o qual teve por base a formação especializada e avultada ministrada à Recorrida no âmbito da Academia Oracle 2019, a qual foi organizada e os custos inteiramente suportados pela Recorrente.
Nestes termos,
Com o douto suprimento de V. EXAS., deverá dar-se provimento à presente apelação e, em consequência, revogar-se a Sentença recorrida e, à luz da aplicação dos normativos referidos nestas Alegações de Recurso, determinar condenação da Recorrida no pagamento (a) da quantia correta e apurada de EUR 1.815,90 pelo incumprimento da Cláusula 13.ª n.º 4 b) do contrato de trabalho, (b) no pagamento da quantia correta e apurada de EUR 5.806,22 pelo incumprimento da Cláusula 13.ª n.º 5 b), todas do contrato de trabalho celebrado com a Recorrente, (c) e em juros de mora vincendos à taxa legal, com as inerentes consequências, como é de plena e inteira JUSTIÇA!
JUNTA: 2 documentos (que se tornaram necessários juntar tendo em conta a decisão da Sentença, nos termos do artigo 651.º, n.º 1, in fine».

Contra-alegou a recorrida, a pugnar pela improcedência do recurso, assim concluindo:
«1. O recurso de apelação objeto de resposta, veio interposto da Douta Sentença de fls..., que concluiu (e muito bem) pela nulidade do pacto de permanência previsto na cláusula 13.ª do contrato de trabalho celebrado entre as partes, declarando não ser devido pela recorrida, à recorrente qualquer montante a este titulo, face à denuncia do contrato de trabalho.
2. Inconformada a Recorrente recorreu, alegando que Tribunal a quo, fez uma análise errada dos seus vários elementos, proferindo decisão “desligada” da realidade material, omissa em pontos que influenciam a análise do caso, e não correspondentes com a prova produzida.
3. Recorreu da matéria de facto, no tocante a 3 questões. A saber: a formação certificada Oracle e sua valorização no mercado; a celebração de contrato de trabalho com pacto de preferência e; juízos errados constantes da matéria de facto.
4. No tocante à formação certificada Oracle e sua valorização no mercado, a recorrente nas suas alegações, requer que os pontos c) e d) da matéria dada como não provada, passem a constar por aditamento como pontos 5-A e 5-B da matéria provada.
5. Acontece, todavia, como ficou à saciedade demonstrado nos autos e vertido na douta Sentença em crise, a formação ministrada no âmbito da Academia Oracle 2019, teve por objetivo atrair novos talentos na área da informática e programação.
6. Nessa medida, foi a Recorrente que propôs à Recorrida, a frequência de tal academia em 2019, quando esta ainda frequentava o 2.º ano da Licenciatura ..., tendo, à data, 19 anos de idade.
7. O curso/Academia Oracle 2019, foi constituído por módulos da exclusiva responsabilidade da Recorrente, selecionados por esta, de acordo com as suas necessidades do seu segmento de mercado atendendo ao seu negócio, ao seu mercado, à sua carteira de clientes, perspetivando até o aumento de quadros na empresa e não com o propósito de enriquecimento curricular da Recorrida, preocupação que não merece qualquer ponderação pela Recorrente.
8. Os conteúdos ministrados e o custo da formação, foram da responsabilidade de recorrente, negociado por esta, com a entidade formadora – A.... A entidade formadora/A... e a recorrente, são habituais parceiros de negócio. A recorrente é Oracle Premium Partner.
9. As universidades não lecionam este tipo de conteúdos, por ser muito específico e só ter aplicabilidade prática numa faixa muito restrita do mercado de trabalho, na esfera de atividade desenvolvida pela Recorrente, como a mesma admite.
10. A Recorrida nunca discutiu com a Recorrente o custo da referida Academia Oracle 2019. Isso foi matéria de domínio exclusivo da entidade formadora e da recorrente.
11. A testemunha EE, inscreveu-se a título individual na mesma Academia, frequentou-a, efetuou a mesma formação presencialmente, nas mesmas instalações, com os mesmos módulos e números de horas de formação e pagou o valor de EUR 5.650,00.
12. A Recorrente, depois de realizado o julgamento no âmbito dos presentes autos, vem em sede de recurso “emendar à mão” o valor inicialmente peticionado, na PI (EUR 18.000), confessando nos termos que resultam na sua conclusão nº 59: “…Academia a cada formando, incluindo a Recorrida, suportou EUR 69,674.58 que foi pago à A..., no que se traduz num custo de EUR 11.612,43 por formando (seis formandos), devendo ter sido, efetivamente, esse o valor a constar do n.º 1 da cláusula 13.R do contrato de trabalho…” e não os EUR 18.000, peticionados.
1[3]. Sem conceder sobre a invalidade do pacto de permanência, apesar de emenda, facto é que a recorrente peticionou nos autos (Petição Inicial) um valor que não suportou, sendo que ainda assim e após retificar o valor inicial, este ainda constitui cerca do dobro do valor pago, pela formanda e testemunha senhora EE.
14. A conclusão da referida Academia Oracle 2019 com aproveitamento, conferia aos formandos o direito a certificado, todavia, nenhum formando obteve o mesmo, dada a retenção destes por parte da recorrente, apesar de solicitados diversas vezes, pela recorrida e pela testemunha senhora EE, à responsável dos recursos humanos da recorrente senhora BB, mas nunca procedeu à sua entrega.
15. A Recorrida, nunca utilizou tais conhecimentos fora do âmbito do trabalho que desenvolveu na recorrente, tão pouco os conseguiu documentar, por falta de entrega de certificado.
16. A Recorrida, não utilizou, nem necessitou dos conhecimentos ministrados na Academia Oracle 2019, para ingressar no mercado de trabalho. Tais conhecimentos nunca foram requisitados ou valorizados, nomeadamente quando ingressou na B... com as funções de IT service analist, como resulta provado do doc. 6 junto com a contestação, datado de 05/09/2022; “Mais declaramos que para o exercício desta função no âmbito do referido projeto, não era requerida experiência profissional prévia.”
17. A Recorrida apenas usou esse acervo de conhecimento, quando desempenhava funções na empresa Recorrente e, mormente, não o incluiu no seu currículum vitae – vide factos provados n.º 33, 34 e 35 da douta Sentença em crise.
18. A alegação da Recorrente nestes pontos nada revela quando à sustentação dos motivos da discordância que fundamenta a decisão de recorrer. De facto, trata-se de um aspeto acessório de somenos importância, considerando que a entidade formadora foi escolhida pela Recorrente, existindo entre ambas relações de parcerias e ligações empresarias internas afloradas no decurso da discussão em sede de audiência de julgamento).
19. Resulta pois manifestamente claro que o digníssimo Tribunal a quo, não podia, dar como provado os pontos c) e d) supra referidos, aditando-os como pontos 5-A e 5- B, porquanto, os mesmos não se sustentam em elementos probatórios juntos aos autos, como se apresentam de manifesta irrelevância, para a boa decisão da causa.
20. No tocante à celebração de contrato de trabalho com pacto de preferência vem a recorrente em sede de alegações, dizer que deve ser dado como provado o ponto f) da matéria de facto não provada, sugerindo o seu aditamento como ponto 15-A à matéria assente,
21. Não se compreende a pertinência da argumentação da recorrente, quanto ao ponto em apreço, pois, resulta claro da matéria provada nos pontos 6, 7 e 8 dos factos provados, assim como 14 e 15 dos mesmos, a distinção clara entre os dois momentos contratuais, primeiramente a celebração de um acordo de formação (17/07/2019) e depois a celebração de um contrato e trabalho (15/11/2019).
22. A recorrente alega, com a pretensão de misturar os dois momentos contratuais distintos, pretensão que falece quando se percebe que o contrato de trabalho, inclui condições que não podem retroagir ao contrato de formação, mormente quanto a um pacto de permanência que apenas poderia vigorar para formação e no âmbito desse contexto contratual.
23. A pretendida ligação, não tem aqui cabimento, desde logo, pelo facto de ser condição carecer de aproveitamento na formação, e por outro lado, no caso da testemunha EE, que não tendo celebrado acordo de formação, acabou por integrar os quadros da Recorrente.
24. Com o cumprimento do acordo de formação, Autora e Ré, alcançaram as respetivas pretensões: a Ré beneficiou da formação ministrada a expensas da Autora e a Autora beneficiou do conhecimento técnico obtido pela Ré, retendo, em seu benefício o talento desta, através da celebração com ela de um contrato de trabalho, esgotando-se aí as obrigações assumidas por ambas no acordo de formação.
25. A única dependência (a expressão “sem olvidar” que consta do ponto f) dos factos não provados) é o facto de in casu, o aproveitamento na formação frequentada ao abrigo do respetivo contrato de formação, ser dependência para a convenção do NOVO contrato, este de natureza laboral – o contrato e trabalho.
26. E censurável a conotação que resulta do arrazoado das alegações da recorrente, no tocante à suspeição lançada sobre a presidência do Tribunal, corporizada pela Mma. Juiz do julgamento.
27. Na verdade, a testemunha BB, entra em contradição ao longo do seu depoimento, adaptando o mesmo à medida que perceciona a intenção do condutor da instância, na tentativa clara de fazer valer a pretensão da recorrente, sua empregadora. Segundo esta, num momento, a academia Oracle 2019, foi formação teoria e a formação prática foi a formação em contexto de trabalho learn by doing e on job, acompanhada por um colaborador sénior, já em momento subsequente, a formação resume-se à academia Oracle 2019, que está na origem do pacto de permanência. A confusão e contradição é notória.
28. Certo é o expresso no nº 1 da cláusula 13ª do contrato de trabalho, com a epígrafe “formação/pacto de permanência, que estabelece: “A primeira contraente ao início do presente contrato ministrou, tendo suportado a totalidade dos encargos, no valor de 18.000 EUR, formação profissional certificada ao segundo contraente…” ;
29. Na data de início do contrato trabalho em 15/11/2019, não foi ministrada qualquer formação, muito menos uma formação com custos no valor de 18.000 EUR.
30. A alegação da recorrente, para que passa a constar da matéria de facto provada um ponto 15-A, constitui um notório desvio da realidade dos autos. Tal situação não foi provada em juízo, nem por prova testemunhal, nem por prova documental, pois o contrato de trabalho assinado pelas partes - contrato de trabalho escrito – é expresso em sentido contrário – “ao início do presente contrato ministrou… formação…”. A recorrente, não pode alterar o teor, nem o sentido da declaração escrita. É o que resulta do texto, ao início do presente, ou seja, do dia 15/11/2019 em diante.
31. Em momento algum se poderá ser dado como assente o pretendido ponto 15-A, do qual resultaria o absurdo de, no seguimento do Acordo de Formação celebrado (sem contexto laboral), previamente à celebração do Contrato de Trabalho (que não se sabia viria a ser celebrado) , na cláusula decima-terceira do referido contrato trabalho, A e R. acordaram num pacto de permanência relativamente à formação ministrada pela primeira à última na academia Oracle 2019, ou seja, com eficácia retroactiva penalizadora para a trabalhadora, sendo que na ocasião inicial nenhuma indicação o faria prever.
32. Não resulta do Acordo de Formação a ulterior necessidade de permanecer 3 anos na Recorrida!
33. A Recorrida não deu esse assentimento, não assinou o contrato trabalho com essa convicção, pelo que tal aditamento à matéria de facto nunca poderá ser aceite, porque assim não resulta da prova carreada para os autos, mormente prova documental (contrato de trabalho outorgado pelas partes) e prova testemunhal (testemunha da A. BB) que se demonstrou incoerente, parcial e inconstante.
34. A douta Sentença em crise dá como provado o ponto 10 da matéria de facto: “ A A. indicou, inicialmente, à A..., Lda. que participariam oito pessoas na Academia Oracle de 2019, tendo, contudo, apenas participado na formação os seguintes seis formandos, incluindo a aqui R.: GG, AA, HH, II, JJ e KK; bem assim uma pessoa externa, EE, que frequentou a formação a título particular, tendo a própria suportado os custos com essa formação, no valor total de € 5.625,00;”
35. Alega a recorrente que, a parte destacada a negrito, do referido ponto 10 da matéria de facto provada, não tem cabimento, porquanto a recorrente não indicou a senhora EE para frequentar, ainda a titulo particular, a academia Oracle 2019.
36. Ora, da simples leitura do referido ponto, resulta que a A., aqui recorrente indicou à entidade formadora que participariam, oito pessoas na Academia Oracle 2019, contudo, apenas acabaram por participar seis pessoas na referida formação, a saber; GG, AA, HH, II, JJ e KK. Ainda participou na referida formação, uma pessoa externa - EE, que frequentou a formação a título particular, tendo a própria suportado os custos com essa formação, no valor total de € 5.625,00.
37. O referido ponto 10 da matéria de facto provada, encontra-se dividido em 2 orações, separadas por ponto e virgula(;). O ponto e vírgula (;) é um sinal de pontuação utilizado para indicar uma pausa que seja maior que a vírgula e menor que o ponto final. Geralmente é usado na separação de orações extensas, em discursos que já contém grande número de vírgulas e nas listas.
38. Do mesmo não resulta o sentido que a recorrente lhe quer atribuir, tentando descredibilizar a modo de formação da convicção do Tribunal e a fundamentação da sentença em crise, pelo que bem andou o Tribunal a quo, em dar como provado o referido ponto da matéria de facto, porquanto o mesmo, em nada se encontra desviado da verdade.
39. Demonstra-se irrelevante o facto da EE ter integrado a Academia Oracle, a pedido da A..., que em nada influi na decisão em crise. Relevante é, só e apenas, para a decisão da causa em concreto, que a senhora EE, frequentou a mesma academia, nos mesmos moldes que os restantes formandos, nas mesmas datas, com aos mesmos módulos, números de horas, mas com um custo de cerca de metade do peticionado, corrigido e agora imputado à aqui recorrida!
40. A faculdade de junção de documentos em fase de recurso é de natureza excecional e a presente junção não nem cabimento nem justificação enquadrável na previsão da norma do art.º. 651º, nº 1 do CPC, sendo de manifesta inutilidade para a discussão da matéria dos autos, em sede do objeto do recurso interposto pela Recorrente e ora contraditado.
41. No caso concreto a alegação do recorrente versa sobre um pacto de permanência celebrado no âmbito de um Contrato de Trabalho, com efeitos forçosamente e inequivocamente para o futuro, como resulta desde logo da sua eficácia contratual (dado que o contrário significaria impor uma condição sobre uma realização consumada) e depois, do texto da clausula 13ª do contrato de trabalho objeto dos autos
42. Ora como é resultado dos documentos juntos aos autos, refletido nos factos provados 6º e 15º, trata-se de dois momentos contratuais distintos, cujas obrigações embora suscetíveis se sucederem no tempo, não se confundem.
43. Como se percebe e resulta da cláusula sexta do Contrato de Formação, as consequências do incumprimento do plano de formação nesse contexto contratual estão expressas no clausulado do mesmo (Cláusula sexta, nº 3).
44. Não faz qualquer sentido debater um “pacto de permanência” como consequência imprevista e retroativa no âmbito de um contrato de trabalho, por referência a um contrato de formação com previsão de cominações em caso de incumprimento.
45. Trata-se de momentos contratuais diferentes, tendo o contrato de formação terminado e sendo cumprindo na integra pela recorrida, com a consequente desvinculação. O momento contratual posterior convenciona uma obrigação laboral típica, em contexto de trabalho, cujas cláusulas foram acordadas e cujas obrigações para as partes se balizam no seu contexto contratual e temporal.
46. No que diz respeito à particular questão da interpretação e efeitos jurídicos da clausula 13ª do contrato de trabalho a “interpretação profundamente ancorada na redação da cláusula 13ª do contrato de trabalho” é, em toda a latitude das possíveis interpretações a única possível, dado o manifesto e inequívoco sentido da sua letra. Não só faz sentido, como é inequivocamente o único possível!
47. Ǫualquer conteúdo cede perante a inequivocidade da leitura que resulta do texto da cláusula 13º do contrato de trabalho. A expressão “ao início do PRESENTE contrato” não é passível de qualquer outra interpretação! Não é ao início do contrato de formação, nem ao início do contrato de estágio, nem outro texto qualquer! É ao início do contrato de trabalho, que se iniciou em 15/11/2019 e é esse o conteúdo expresso resultante da vontade das partes
48. Ainda, não faz sentido perorar sobre o valor da formação, e a sua natureza “avultada” ou não, dado que a recorrente não fez prova nos autos de qualquer dispêndio de formação com a recorrida, no contexto do contrato de trabalho.
49. Desde logo afirme-se que em momento algum se poderá firmar pacto de permanência, no sentido preciso no artigo 137º do Código do Trabalho, sem que as partes tenham adquirido a qualidade de trabalhador e empregador, ou seja; antes da celebração do vínculo laboral conformado pelo contrato de trabalho.
50. Por outro lado, não se encontram nos autos qualquer elemento probatório que sustente uma formação profissional suportada pelo empregador após o momento em que adquiriu essa qualidade.
51. A Recorrente não demonstrou que, pelas suas características, a formação em apreço fosse «extraordinária» ou para além do cumprimento da sua parte das suas obrigações perante a Recorrida, como sua entidade empregadora, nomeadamente em termos de lhe ministrar formação profissional adequada a desenvolver a sua qualificação e, assim, contribuir para a elevação da produtividade e empregabilidade do trabalhador (nem com isso se preocupou pois, até esta data, a Recorrida ainda não tem na sua posse o respetivo certificado!).
52. Não estando verificados os competentes pressupostos de que depende a sua validade jurídica, o pacto de permanência em apreço é, desde logo, nulo nos termos do disposto no artigo 280º do Código Civil.
53. A matéria não exige especial esforço interpretativo: o acordo de formação não tem natureza laboral, não impondo como condição a celebração de um contrato de trabalho, mencionando aliás um “estágio”. Por outro lado, claramente não é integrável no contexto de um contrato de trabalho exigir ao trabalhador um pacto de permanência sobre formação ministrada quanto ainda o não era nem sabia se o iria ser!
54. O argumento sobre a interpretação “enunciativa” a que a recorrente se socorre, invocando as normas de interpretação (e integração) pela invocação das normas aplicáveis aos negócios jurídicos em geral, carece de se subjugar às especificidades da relação contratual laboral e da “interpretação conforme com a ordem laboral”.
55. Conclua-se, portanto, que a interpretação do clausulado, se porventura suscitasse duvida, mereceria sempre um tratamento mais favorável ao trabalhador, de harmonia com os princípios gerais do ordenamento jurídico-laboral.
56. É razoável concluir que o instituto da integração de negócios jurídicos é aqui manifestamente irrelevante e inútil. Trata-se, isso sim, da pretensão da Recorrente de fabricar uma vontade alternativa e pretender que o Tribunal a “encontre” sustentando-a, sem qualquer base probatória ou factual, enunciando uma interpretação criativa, pelo apelo às regras da integração de pontos omissos, como se o alcance do pacto de permanência fosse omisso.
57. A vontade expressa da trabalhadora/Recorrida é a que resulta do acordo das partes formalizado pelo contrato de trabalho celebrado entre as partes, com o alcance que do seu texto se retira de modo inequívoco.
58. A alegação da recorrente é manifestamente insustentada e improcedente, mantendo-se a decisão final corporizada pela douta sentença final do Tribunal a quo, sem qualquer afetação.
59. Muito respeitosamente, a Recorrente mais parece pretender retificar a sua Petição Inicial que propriamente recorrer da douta sentença, o que deflui de todo o argumentário constante das 39 páginas das suas (não obstante doutas) alegações. Fá-lo relativamente ao valor da formação, repete-o quando afirma que invoca factos novos, quando vem juntar sentenças em outros processos (ignorando as mais basilares regras do nosso ordenamento jurídico), desculpa-se com lapsos de escrita, olvida a natureza laboral do objeto dos autos, invoca aspetos de facto que não levou ao julgamento, entre todas as incompreensíveis confusões e contradições que resultam das alegações.
60. O valor da formação profissional em contexto do Contrato de Trabalho não só não é dispendioso, como se verifica que não foi invocado nos autos.
61. Concordando-se com a douta Sentença em crise, o credor não pode exigir cumulativamente, com base no contrato, o cumprimento coercivo da obrigação principal e o pagamento da cláusula penal, salvo se esta tiver sido estabelecida para o atraso da prestação (mora); qualquer outra estipulação em contrário é nula – art. 811/1. Do CC».

O recurso foi admitido na 1.ª instância, como de apelação, com subida imediata, nos autos, e efeito devolutivo.

Subidos os autos a esta Relação, neles a exma. procuradora-geral adjunta emitiu douto parecer, no qual se pronunciou pela improcedência do recurso.
Ao referido parecer respondeu a recorrente, a manifestar a sua discordância e a reiterar, ao fim e ao resto, o constante das alegações de recurso anteriormente apresentadas.

Elaborado projeto de acórdão, colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

II. Objeto do recurso
É consabido que são as conclusões das alegações de recurso que delimitam o objeto deste (artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.º 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho).

No caso, face às conclusões formuladas pela recorrente são as seguintes as questões a decidir:
(1) da impugnação da matéria de facto;
(2) se a cláusula 13.ª do contrato de trabalho celebrado entre as partes configura um pacto de permanência, nos termos consignados no artigo 137.º do Código do Trabalho;
(3) se esse pacto de permanência teve por base ou conexão o “acordo de formação” anteriormente celebrado entre as partes (em 17-07-2019), e a validade e relevância do mesmo, assim como se as despesas suportadas pela autora com essa formação são de considerar “despesas avultadas”, no dizer do artigo 137.º, n.º 1, do compêndio legal em referência;
(4) em função da resposta dada às questões anteriores, se assiste jus à recorrente/autora quanto à peticionada condenação da recorrida/ré.

Porém, antes de prosseguirmos, considerando que com o recurso a recorrente juntou dois documentos, impõe-se emitir desde já pronúncia sobre a admissibilidade ou inadmissibilidade dos mesmos.
De acordo com a recorrente, os documentos tornaram-se «(…) necessários juntar tendo em conta a decisão da Sentença, nos termos do artigo 651.º, n.º 1, in fine, do Código do Processo Civil».
Do documento n.º 1, encimado com os dizeres «A... Formação Cursos Calendário» consta, além do mais, que se trata de um “Oracle Premium Partner”, Centro de Formação em Tecnologias de Informação, com vasta experiência, além do mais, em sistemas de informação suportados por tecnologia Oracle.
Em relação ao documento n.º 2, reporta-se a uma sentença da 1.ª instância, de uma Comarca diferente da que julgou os presentes autos, em que foi ré/recorrida a aqui autora/recorrente e em que estava em causa, entre o mais, um pacto de permanência com alguma similitude com o que se discute nos autos, tendo a decisão sido favorável à aqui autora/recorrente.

De acordo com o disposto no artigo 63.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, «[c]om os articulados, devem as partes juntar os documentos, apresentar o rol de testemunhas e requerer quais outras provas».
Todavia, por aplicação subsidiária do Código de Processo Civil (artigo 1.º, n.º 2, alínea a) do Código de Processo do Trabalho), mais concretamente dos seus artigos 651.º, n.º 1, 423.º e 425.º, as partes podem juntar documentos às alegações.
Tratam-se de situações excecionais que exigem a alegação e prova pelo interessado nessa junção de uma de duas situações: (i) não possibilidade de apresentação do documento no momento anterior determinado na lei; (ii) a apresentação do documento se tenha tornado necessária em virtude de ocorrência posterior.
Na primeira situação, estão em causa situações atendíveis de superveniência objetiva (produção posterior do documento) ou subjetiva (possibilidade de acesso ao documento posteriormente) que a parte não controla; já na segunda situação, é necessário que a decisão da 1.ª instância tenha introduzido na ação um elemento de novidade que torne necessária a consideração de prova documental adicional.
Mas, como já advertia Antunes Varela (et alii), no âmbito do anterior Código de Processo Civil (Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, Coimbra Editora, 2.ª Edição, págs, 533-534), nesta última situação «(…) a lei não abrange a hipótese de a parte se afirmar surpreendida com o desfecho da ação (ter perdido, quando esperava obter ganho de causa) e pretender, com tal fundamento, juntar à alegação documento que já poderia e deveria ter apresentado em 1.ª instância. O legislador quis manifestamente cingir-se aos casos em que, pela fundamentação da sentença ou pelo objeto da condenação, se tornou necessário provar factos com cuja relevância a parte não podia razoavelmente contar antes de a decisão ser proferida».
Também Abrantes Geraldes sustenta, já no âmbito do atual Código de Processo Civil (Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, Almedina, pág. 184), que «[p]odem ainda ser apresentados documentos quando a sua junção apenas se tenha revelado necessária por virtude do julgamento proferido, maxime quando este se revele de todo surpreendente relativamente ao que seria expectável em face dos elementos já constantes do processo»; e logo a seguir acrescenta (excluem-se notas de rodapé): «[a] jurisprudência anterior sobre a matéria não hesita em recusar a junção de documentos para provar factos que já antes da sentença a parte sabia estarem sujeitos a prova, não podendo servir de pretexto a mera surpresa quanto ao resultado».
Nesta linha interpretativa, é assertivo o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30-04-2019 (Proc. n.º 22946/11.0T2SNT-A.L1.S2) quanto afirma que «(…) não é admissível a junção de documentos quando tal junção se revele pertinente ab initio, por tais documentos se relacionarem de forma directa e ostensiva com a questão ou as questões suscitadas».

No caso em apreço, a recorrente “limita-se” a fundamentar a junção dos documentos com o disposto no n.º 1, in fine, do artigo 651.º do Código de Processo Civil, o que nos remete para a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento da primeira instância.
Ora, o que sempre esteve em causa na ação foi o “acordo de formação”, a formação ministrada à ré/recorrida, o contrato de trabalho e o pacto de permanência, com as consequências legais daí decorrentes; no âmbito da referida formação, tendo em conta o pedido e causa de pedir, sempre esteve em causa a qualidade e relevância da mesma.
Por isso, o documento n.º 1 – onde consta, basicamente, a experiência e qualificação de quem ministrou a formação –, relacionando-se diretamente com o objeto da decisão recorrida, devia ter sido junto no momento oportuno (ou seja, com o articulado onde foram alegados os factos a ele referentes): não pode é a parte, agora, perante uma decisão que lhe foi desfavorável, mostrar-se surpreendida e pretender juntar o mesmo à alegação de recurso.
Já em relação ao documento junto sob o n.º 2 (sentença da 1.ª instância, em que que a aqui recorrente era parte e em que foi apreciada a validade e relevância de um pacto de permanência), sendo embora certo que o documento/sentença é posterior aos articulados, pois a sentença foi proferida em 29-12-2023, não o é menos que não se trata de um parecer de um jurisconsulto – caso em que seria admissível a sua junção nos termos do n.º 2 do referido artigo 651.º –, e que não se descortina qualquer relevância jurídica do documento para os presentes autos, não só porque este tribunal não está vinculado a uma decisão de um tribunal da 1.ª instância, como também porque a matéria de facto não é de todo coincidente em ambas as ações.
Por tal motivo, não poderão os documentos ser admitidos, devendo, por consequência, ser desentranhados e devolvidos à apresentante, condenando-se a mesma em multa pelo incidente a que deu causa, no valor de 1 UC (artigo 7.º, n.ºs 4 e n.º 8, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela II anexa), o que será ordenado a final.

III. Matéria de facto
A) Na 1.ª instância foi dada como provada a seguinte matéria de facto:
1. A A. é uma empresa que se dedica à prestação de serviços de preparação, instalação e reparação de equipamentos informáticos e outros, representação, comercialização de produtos e equipamentos eletrónicos, designadamente para telecomunicações, programas e sistemas informáticos; realização de projetos e a prestação de serviços de consultadoria e análise nas áreas de eletrónica, informática e de comunicações; desenvolvimento e comercialização de produtos lógicos.
2. Em 2019, a R. frequentava o 2.º ano da Licenciatura ..., tendo, à data, 19 anos de idade.
3. A A. propôs à R. a sua integração no programa “Academia Oracle 2019”, conciliável com os seus estudos.
4. As “Academias Oracle” são promovidas pela A., designadamente, junto de instituições de ensino superior de renome na área das tecnologias de informação, com vista a atrair talentos na área de informática e programação com potencial elevado de crescimento e desenvolvimento de carreira.
5. Estas academias/programas proporcionam uma formação especializada, através de empresas certificadas, em determinadas áreas tecnológicas, dotando os formandos com informações e conhecimentos técnicos para a sua atividade profissional futura, não ensinados em instituição de ensino superior, tendo a A. evidente interesse em poder contratar para os seus quadros os jovens que participem nas academias promovidas por si.
6. A R. aceitou a proposta da A., com vista a adquirir experiência profissional de modo a construir uma carreira promissora, tendo ambas, no dia 17/07/2019, subscrito um documento intitulado de “Acordo de Formação”, no qual, figurando a A. como primeira contraente e a R. como segunda contraente, consta, com relevo, o seguinte:
«[...]
Considerando que:
(a) A Primeira Contraente selecionou o Formando, relativamente a quem está disponível para ministrar formação;
(b) A formação servirá para proporcionar e dotar o Formando com relevantes informações e conhecimentos técnicos;
(c) A formação referida nos considerandos anteriores constitui um investimento avultado na preparação e enriquecimento profissional do Formando, que o valorizará e qualificará profissionalmente, quer no contexto profissional da Oramix, quer no mercado tecnológico em geral, potenciando o desenvolvimento da sua atividade profissional futura;
(d) A Primeira Contraente está disponível para suportar os encargos inerentes a esta formação, desde que tenha a possibilidade de amortizar esse investimento numa eventual subsequente relação profissional a estabelecer com o Formando;
(e) O Formando declara estar interessado e ter vontade de integrar e participar de forma ativa e empenhada na referida formação, estando ciente do valor económico e profissional da mesma, bem como do pressuposto constante do considerando anterior.
É livremente e de boa fé celebrado o presente Acordo de Formação (o “Acordo”) nos termos e condições constantes das cláusulas seguintes:
PRIMEIRA (OBJECTO)
1. A Entidade Formadora ministrará ao Formando ação formativa com os conteúdos e objetivos identificados no Anexo I (“Formação”).
2. A responsabilidade exclusiva pela Formação, incluindo a possível realização de provas ou exames, ficando a cargo da Entidade Formadora.
3. O custo da Formação consta do Anexo I, sendo suportado pela Entidade Formadora, ressalvadas as situações de reembolso, total ou parcial, previstas no presente Acordo.
4. A participação na ação da formação não é, por si só e de forma automática, apta a gerar qualquer vínculo ou expectativa de vínculo, de natureza laboral ou de qualquer outra natureza, entre o Formando e a Oramix, para além do presente Acordo.
(...) QUARTA
(CONTRATO DE ESTÁGIO/CONTRATO DE TRABALHO)
1. Concluída a participação do Formando na Formação, os resultados serão comunicados ao mesmo pela Entidade Formadora, a qual, tendo em conta, nomeadamente, os resultados obtidos pelo Formando, poderá formalizar convite para celebração de contrato de Estágio Profissional subsequente ao termo da Formação.
2. O Formando não deverá recusar o convite à celebração de contrato de Estágio Profissional que lhe seja dirigido, devendo diligentemente colaborar no sentido da sua célere concretização.
3. Concluída a Formação e o Estágio, tendo em conta nomeadamente os resultados obtidos pelo Formando, a Oramix poderá, de acordo com as vagas disponíveis, formalizar convite para a celebração de contrato de trabalho nos 30 dias subsequentes ao termo do Estágio.
4. O Formando não deverá recusar o convite à celebração de contrato de trabalho que lhe seja dirigido, devendo diligentemente colaborar no sentido da sua célere concretização.
4. A não celebração de contrato de estágio e posterior celebração de contrato de trabalho por decisão da Oramix não confere ao Formando qualquer direito a ser compensado ou indemnizado.
QUINTA
(APOIO À FORMAÇÃO)
1. Ao abrigo da rubrica de subsídio de refeição e subsídio de transporte, o Formando irá auferir de um apoio pecuniário no valor de € 250,00 (duzentos e cinquenta euros) por cada mês completo de Formação. Esse valor será pago por transferência bancária para o IBAN do Formando.
SEXTA
(EXCLUSÃO DO FORMANDO / DEVOLUÇÃO / PAGAMENTO DA FORMAÇÃO)
1. A Entidade Formadora poderá, a todo o tempo, excluir o Formando, caso o mesmo, nomeadamente, venha a:
(a) evidenciar falta de assiduidade ou pontualidade;
(b) evidenciar desinteresse ou falta de diligência;
(c) incumprir qualquer outro dever previsto no presente Acordo.
2. O Formando fica obrigado a restituir à Entidade Formadora o valor do subsídio de formação já recebido, deixando de ser devido qualquer valor vincendo, nos seguintes casos:
(a) Abandono injustificado da Formação;
(b) Violação dos seus deveres de assiduidade, pontualidade, empenho e diligência;
(c Recusa em integrar e/ou celebrar estágio e contrato de trabalho nos termos a apresentar pela Oramix.
3. O Formando, para além do previsto na cláusula anterior, fica obrigado a devolver total ou parcialmente à Entidade Formadora o montante suportado por esta última com a Formação, nos seguintes termos:
(a) 25% do valor suportado pela Entidade Formadora com a formação, constante do Anexo I ponto 2., quando a abandone ou informe a Entidade Formadora de que não pretende integrar e/ou celebrar contrato de trabalho com esta, nos primeiros 15 dias de Formação;
(b) 50% do valor suportado pela Entidade Formadora com a formação constante do Anexo I ponto 2, quando a abandone ou informe a Entidade Formadora de que não pretende integrar e/ou celebrar contrato de trabalho com esta, após os primeiros 15 dias de Formação e durante todo o período de estágio subsequente. [...]».
7. Do Anexo I do referido Acordo de Formação, com o título “TERMOS E CONDIÇÕES DA FORMAÇÃO”, com relevo, consta o seguinte:
«1. CONTEÚDO E OBJETIVOS DA FORMAÇÃO

Academia
Oracle 2019
      Programa da Academia
Duração
      Desenho do Modelo Relacional
18 horas
      Oracle Database: Introduction to SQL
27 horas
      Linux para DBAs
21 horas
Oracle Database 12c: Administration Workshop & Multitenant 30 horas
Oracle Database 12c: Install and Upgrade Workshop 18 horas
Oracle Data base 12c: Backup and Recovery Workshop 12 horas
Golden Gate Administration 18 horas
Oracle DBCloud for DBAs (Autonomous DB, Backup, Data Integration) 18 horas
Oracle Weblogic Server 12c: Administration I 30 horas
Cloud Applications Integration (Java container, Digital assitant, APIs) 27 horas
ODI 24 horas
Projeto Final 27 horas

2. Custo de Formação
€ 18.800 (DEZOITO MIL E OITOCENTOS euros).
3. Duração da Formação
47 dias, com início em 29/07/2019 e termo em 15/10/2029.
4. Apoios à formação
(a) Bolsa referente a subsídio de refeição e transporte: € 250,00 (duzentos e cinquenta euros) mensal. [...]».


8. No momento da assinatura do acordo de formação, a A. teve ocasião de explicar à R. o respetivo conteúdo, designadamente as cláusulas relacionadas com a obrigação de celebrar o contrato de estágio e ou de trabalho se tal fosse proposto pela A., e esclarecidas as consequências para o incumprimento da obrigação de celebração do contrato de estágio e ou de trabalho.
9. A referida formação foi ministrada pela sociedade A..., Lda., que, emitiu, em nome da A., as seguintes faturas, com a descrição “1. Academia Oracle – Oramix Julho 2019, Agosto 2019, Setembro 2019 e Outubro 2019”, respetivamente, e cujos valores foram pagos pela A.:
- Fatura n.º ...86, datada de .../.../2019, no valor de € 14.161,50 + iva;
- Fatura n.º ...89, datada de .../.../2019, no valor de € 14.161,50 + iva;
- Fatura n.º ...98, datada de .../.../2019, no valor de € 14.161,50 + iva;
- Fatura n.º ...05, datada de .../.../2019, no valor de € 14.161,50 + iva.
10. A A. indicou, inicialmente, à A..., Lda. que participariam oito pessoas na Academia Oracle de 2019, tendo, contudo, apenas participado na formação os seguintes seis formandos, incluindo a aqui R.: GG, AA, HH, II, JJ e KK; bem assim uma pessoa externa, EE, que frequentou a formação a título particular, tendo a própria suportado os custos com essa formação, no valor total de € 5.625,00. (este facto é alterado infra)
11. A empresa A..., Lda. emitiu em nome da R. doze certificados de formação, datados de .../.../2019, .../.../2019; .../.../2019, .../.../2019, .../.../2019, .../.../2019, .../.../2019, .../.../2019, .../.../2019 e .../.../2019.
12. Uma vez concluída a formação pela R., com aproveitamento, a A. não lhe entregou os referidos certificados de formação.
13. A A. não apresentou à R. proposta para contrato de estágio, propondo-lhe a imediata celebração de contrato de trabalho, considerando os resultados obtidos na formação.
14. No dia 15/11/2019, A. e R. celebraram um contrato de trabalho sem termo, para trabalhar sob as ordens e direção da A., exercendo as funções inerentes à atividade de Consultora Informática, contra o pagamento da quantia mensal ilíquida no valor de € 719,00, paga 14 vezes ao ano, incluindo assim o subsídio de Natal, a remuneração das férias e o respetivo subsídio, acrescida de subsídio de refeição diário.
15. No referido contrato de trabalho, reduzido a escrito, no qual, figurando a A. como primeira contraente e a R. como segunda contraente, consta, entre o mais, o seguinte:
«[...]
É, livremente e de boa-fé, celebrado o presente Contrato de Trabalho por Tempo Indeterminado em Regime de Tempo Integral (o “Contrato”), o que se regerá pelas cláusulas seguintes, que as partes reciprocamente aceitam:
(...)
DÉCIMA-TERCEIRA
(FORMAÇÃO / PACTO DE PERMANÊNCIA)
1. A Primeira Contraente ao início do presente Contrato ministrou, tendo suportado a totalidade dos encargos, no valor de € 18.000 (dezoito mil euros), formação profissional certificada ao Segundo Contraente em matérias tecnicamente complexas e relevantes, reconhecendo este que a referida formação constitui uma fonte de valorização profissional importante.
2. O Segundo Contraente, como contrapartida das referidas despesas suportadas pela Primeira Contraente com a sua formação profissional, fica obrigado a prestar serviços na Primeira Contraente, no âmbito do presente contrato de trabalho, por um período mínimo de 3 (três) anos, nele não se incluindo eventuais períodos de suspensão do contrato de trabalho por motivo imputável ou respeitante ao Segundo Contraente.
3. Durante o período referido no número anterior, o Segundo Contraente deverá:
(a) abster-se de cessar a sua relação laboral com a Primeira Contraente, de facto ou de Direito, nomeadamente por abandono, denuncia ou resolução ilícita; e,
(b) abster-se de dar causa à cessação da relação laboral por iniciativa da Primeira Contraente nomeadamente pela prática de ilícitos disciplinares que motivem o seu despedimento por justa causa.
4. O Segundo Contraente apenas poderá validamente desobrigar-se da obrigação de permanência desde que, em simultâneo com a comunicação de cessação da relação laboral, por uma via válida e em cumprimentos dos respetivos requisitos legais, restitua total ou parcialmente à Primeira Contraente o montante suportado com a referida formação, previsto no número um da presente cláusula, nos seguintes termos:
(a) 100% do valor suportado pela Primeira Contraente com a formação profissional quando a cessação ocorra nos primeiros 12 (doze) meses de duração do Contrato;
(b) 50 % do valor suportado pela Primeira Contraente com a formação profissional quando a cessação seja comunicada após o decurso dos 12 (doze) meses iniciais de vigência do Contrato.
5. Em caso de incumprimento, total ou parcial, pelo Segundo Contraente, do previsto nos números 2 e 3 da presente Cláusula, bem como no caso de não cumprimento pontual das regras de desoneração previstas no anterior número quatro, o mesmo ficará sujeito ao seguinte regime:
(a) restituição, integral ou parcial, à Primeira Contraente do montante previsto no número um da presente Cláusula, consoante a data em que ocorra o incumprimento pelo Segundo Contraente, de acordo com o previsto no número quatro da presente Cláusula; e,
(b) pagamento de uma importância equivalente a 50% do montante referido no número um da presente Cláusula, a título de cláusula penal, a qual não obstará à exigência de um eventual dano excedente.
6. A obrigação de restituição à Primeira Contraente vence-se e torna-se exigível no dia imediatamente subsequente ao da cessação do contrato de trabalho, autorizando o Segundo Contraente que a respetiva importância seja deduzida ao valor dos créditos salariais que lhe sejam devidos por força da cessação do contrato de trabalho.
(...)
DÉCIMA-SEXTA VONTADE DAS PARTES
1. O presente Contrato contém todo o acordado relativamente à relação contratual entre as partes, revogando e substituindo quaisquer entendimentos, acordos, comunicações ou expectativas anteriores, transmitidos verbalmente ou por escrito, incluindo quaisquer ofertas de trabalho.
2. Na eventualidade de alguma das disposições do presente Contrato ser considerada inválida ou ineficaz, tal não afetará a validade ou eficácia das demais disposições, as quais se manterão em vigor. [...]».
16. A A. teve ocasião de explicar à R. o conteúdo do disposto na referida cláusula Décima-Terceira, i.e., as condições e consequências de eventual incumprimento do Pacto de Permanência acordado entre as partes, na sequência das questões apresentadas pela R. sobre o alcance desta cláusula.
17. No dia 18/11/2019, a A. apresentou no Instituto do Emprego e de Formação Profissional, I.P. candidatura à medida “Contrato-Emprego”.
18. A referida medida foi criada com vista a obter apoio financeiro aos empregadores que celebrassem contratos de trabalho sem termo ou a termo certo, por prazo igual ou superior a 12 meses, com desempregados inscritos no Instituto do Emprego e da Formação Profissional, I.P., com a obrigação de proporcionarem formação profissional aos trabalhadores contratados, ajustada às competências requeridas pelo posto de trabalho, numa das seguintes modalidades: (i) formação em contexto de trabalho, pelo período mínimo de 12 meses, mediante acompanhamento de um tutor designado pela entidade empregadora; ou (ii) formação, em entidade formadora certificada, com uma carga horária mínima de 50 horas, e realizada preferencialmente, durante o período normal de trabalho.
19. A candidatura da A. foi aprovada pelo IEFP, I.P., no dia 27/12/2019, para a criação de dois postos de trabalho, num montante global de apoio de € 10.196,78, sendo um dos postos de trabalho o da R..
20. Desde novembro de 2019 e até março de 2020 (até à obrigatoriedade de confinamento ocasionado pela Covid-19) a R. desempenhou as funções de DBA/Consultora informática para cliente da A., “...”, sob o acompanhamento de DD.
21. Entre março e setembro de 2020, a R. permaneceu em teletrabalho.
22. No dia 02/09/2020, na vigência do contrato de trabalho, a R. enviou um e-mail à A., remetido à Dra. LL, Chief Operations Officer da A., dando conta da sua desmotivação e estagnação profissional, disponibilizando-se a resolver o contrato de trabalho de forma amigável desde que não fosse obrigada a cumprir a cláusula 13.ª do contrato de trabalho ou a adoção de outra solução que lhe permitisse evoluir a nível profissional.
23. A A., com vista a procurar solucionar as preocupações expressadas pela R., alocou-a a outo cliente, IEFP, I.P., e aumentou-lhe a retribuição para o valor mensal ilíquido de € 1.000,00, tendo a R. aceitado permanecer na empresa nessas condições.
24. No dia 08/07/2021, a R. enviou um e-mail à A., remetido à Dra. LL, Chief Operations Officer da A., dando conta que, não obstante a sua alocação a outro cliente, continuava a sentir-se desmotivada a estagnada, e, manifestando gratidão pela primeira experiência de trabalho tida na A., mas tendo recebido uma proposta de trabalho de outra empresa atrativa e com perspetiva de evolução, solicitou a rescisão do contrato de trabalho de forma amigável, com dispensa do cumprimento da cláusula décima terceira e com efeitos a partir do dia 01 de setembro de 2021.
25. Por carta datada de 16/07/2021, recebida pela A. no dia 19/07/2021, a R. comunicou à A. a denuncia do contrato de trabalho com efeitos a partir do dia 01/09/2021.
26. Por carta datada de 18/08/2021, registada com AR, e recebida pela R. no dia 23/08/2021, a A. deu conta da receção da comunicação da denúncia do contrato de trabalho com cumprimento do prazo do pré-aviso legal e solicitou que, no prazo de cinco dias, informasse do modo pretendido para cumprimento do estabelecido na cláusula 13.ª do contrato de trabalho, podendo desvincular-se da mesma pagando a quantia de € 4.901,71, sob pena de ainda incorrer no pagamento da cláusula penal também aí estabelecida.
27. Por carta datada de 27/08/2021, recebida pela A. no dia 30/08/2021, em resposta àquela missiva da A., a R. transmitiu à A., em síntese, que, para além da cláusula 13.ª do contrato de trabalho ser abusiva, o valor indicado é arbitrário, sem qualquer sustentação documental, não tendo beneficiado de qualquer formação no início do contrato que justifique o seu pagamento.
28. Por carta datada de 03/09/2021, registada com AR, e recebida pela R. no dia 05/09/2021, em resposta à referida carta da R., a A., em síntese, reiterou ser devido pela R. o pagamento da quantia de € 4.901,71 a título de despesas com a formação profissional ministrada, fazendo referência à formação ministrada no âmbito da “Academia Oracle 2019”, bem como reiterou o pagamento da quantia de € 9.000,00 a título de cláusula penal, resultante do disposto no n.º 5, al. b) da Cláusula 13.ª do Contrato de Trabalho, acrescidas de juros de mora à taxa legal de 4% ao ano.
29. Mais aí referiu que, por força da cessação do contrato de trabalho, venceram-se os proporcionais de remuneração de férias, subsídio de férias e de Natal, no valor global líquido de € 1.692,02, o qual, contudo, não seria pago, mas descontado ao valor em dívida pela R., a título de compensação de créditos, resultando, assim, em dívida pela R. o valor de € 12.209,69.
30. Após ter sido chamada pela A. aos seus escritórios localizados em ..., a R., por forma a colocar termo à situação, subscreveu um escrito apresentado pela funcionária da A. MM, intitulado “Declaração de Quitação”, datado de 03/09/2021, do qual consta que a R. declara ter recebido da A. a quantia de € 344,54, através de transferência bancária, na sequência da denuncia do contrato de trabalho por sua iniciativa, para pagamentos dos créditos vencidos, declarando ainda renunciar todos os outros eventuais créditos ou direitos que sobre a A. pudesse ter, de qualquer natureza, mais declarando e reconhecendo nada mais ter a receber da A. em virtude da relação laboral ocorrida e na sequência da sua cessação.
31. Uma vez que a R. cessou o contrato de trabalho por sua iniciativa, em 31/08/2021, não foi atingida a duração total do apoio dado à A. pelo IEFP, I.P., pelo que foi pago à A., no âmbito do apoio referido em 17., 18. e 19. dos factos provados, apenas o valor total de € 4.461,09 pela contratação da R..
32. Na candidatura apresentada pela A. no IEFP, I.P. não foi apresentada documentação que comprove ter sido realizada formação certificada ministrada por entidade externa, mas apenas indicação da realização de formação em contexto de trabalho.
33. Do curriculum vitae da R. não consta formação em “Oracle”.
34. Não obstante, antes da referida formação ser ministrada, a R. não apresentava no seu curriculum vitae experiência profissional na área, apenas indicando conhecimentos de JAVA e XML.
35. Após a cessação do contrato de trabalho celebrado com a A., a R. celebrou contrato de trabalho com B..., no âmbito de um “...”, que vigorou entre 06/09/2021 e até 05/09/2022, para exercer as funções de IT Service Analyst, para as quais não era necessária experiência profissional prévia.
36. A Ré apresentou Contestação/Reconvenção no dia 10/10/2022 e enviada notificação eletrónica à Autora no dia 17/10//2022.

B) A 1.ª instância deu como não provada a seguinte factualidade:
a) O valor de mercado da formação referida nos pontos 6. a 10. dos factos provados, à altura e por aluno, era de € 18.800,00.
b) O preço pago pela A. referido no ponto 9. dos factos provados foi ligeiramente inferior ao que custaria caso a R. quisesse beneficiar dessa formação a título individual.
c) A formação referida nos pontos 6. a 10. dos factos provados, correspondente a um curso certificado pela Oracle (empresa multinacional de tecnologia e informática norte-americana, especializada no desenvolvimento e comercialização de hardware e softwares e de banco de dados), permite capacitar os participantes com os conhecimentos necessários para a obtenção de certificação Oracle. (este facto é dado como provado infra)
d) Os respetivos conteúdos formativos são muito valorizados pelo mercado nacional e internacional, permitindo uma célere integração dos consultores informáticos no mercado de trabalho. (este facto é dado parcialmente provado infra)
e) Os trabalhadores com certificação Oracle apresentam uma evidente vantagem de mercado em comparação com os demais profissionais na área, sendo vistos como profissionais com perfil muito qualificado, sendo aptos a integrar qualquer empresa do setor tecnológico e de informação com relativa facilidade.
f) Sem olvidar o teor do acordo de formação celebrado previamente ao contrato de trabalho, na Cláusula Décima-Terceira do referido contrato de trabalho, a A. e a R. acordaram num pacto de permanência. (este facto é eliminado infra)

IV. Fundamentação
Delimitadas supra, sob o n.º II, as questões essenciais decidendas, é o momento de analisar e decidir, de per se, cada uma delas.

1. Da impugnação da matéria de facto
1.1. A recorrente impugna diversos factos, que considera incorretamente julgados, indica os concretos meios probatórios em que funda tal impugnação, sendo que quanto à prova gravada indica com exatidão as passagens da gravação em que funda o recurso, e indica também a decisão que deve ser proferida quanto a tais factos, pelo que se entende mostrar-se cumprido o ónus da recorrente quanto a tal impugnação, nada obstando, pois, ao conhecimento da mesma (cfr. artigo 640.º do Código de Processo Civil).
Para tanto procedemos à audição dos depoimentos (com dificuldade de audição em relação aos depoimentos prestados em 08-10-2023!), na parte indicada como relevante, assim como à análise da diversa documentação junta aos autos.

1.2. Quanto à concreta impugnação
1.2.1 Quanto aos factos dados como não provados sob as alíneas c) e d)
Recorde-se que tais factos são do seguinte teor:
«c) A formação referida nos pontos 6. a 10. dos factos provados, correspondente a um curso certificado pela Oracle (empresa multinacional de tecnologia e informática norte-americana, especializada no desenvolvimento e comercialização de hardware e softwares e de banco de dados), permite capacitar os participantes com os conhecimentos necessários para a obtenção de certificação Oracle.
d) Os respetivos conteúdos formativos são muito valorizados pelo mercado nacional e internacional, permitindo uma célere integração dos consultores informáticos no mercado de trabalho».
De acordo com a recorrente, tais factos devem ser dados como provados, sob os n.ºs 5-A e 5-B, com o seguinte teor:
“5-A - A formação referida nos pontos 6. a 10. dos factos provados, correspondem a cursos/módulos certificados Oracle (empresa multinacional de tecnologia e informática norte-americana, especializada no desenvolvimento e comercialização de hardware e softwares e de banco de dados), e permite capacitar os participantes com os conhecimentos necessários em tecnologia Oracle.
5-B - Os respetivos conteúdos formativos são muito valorizados e requisitados pelo mercado nacional e internacional em matéria de gestão de base de dados, permitindo uma célere integração».
Ancora-se para a pretendida alteração na diversa documentação junta aos autos, bem como no depoimento das testemunhas BB (Diretora de Recurso Humanos da Ré) e de CC (trabalhador da ré, responsável pela base de dados).
Já no entendimento da recorrida, bem como da exma. senhora procuradora-geral adjunta no seu douto parecer, inexiste fundamento para a pretendida alteração.
Analisemos.

A 1.ª instância motivou a resposta a tais factos – de não provado – nos seguintes termos:
«A par, qualquer prova foi feita que a formação referida nos pontos 6. a 10. dos factos provados, correspondente a um curso certificado pela Oracle (empresa multinacional de tecnologia e informática norte-americana, especializada no desenvolvimento e comercialização de hardware e softwares e de banco de dados), permite capacitar os participantes com os conhecimentos necessários para a obtenção de certificação Oracle. Com efeito, qualquer documento foi junto nesse sentido, mas apenas que a formação que a R. frequentou era denominada de Oracle, existindo módulos com essa designação.
Para além da alegação feita pela A. na petição inicial, declarada pelo seu legal representante, prova alguma foi trazida aos autos que os conteúdos formativos ministrados à R. são muito valorizados pelo mercado nacional e internacional, permitindo uma célere integração dos consultores informáticos no mercado de trabalho e que os trabalhadores com certificação Oracle apresentam uma evidente vantagem de mercado em comparação com os demais profissionais na área, sendo vistos como profissionais com perfil muito qualificado, sendo aptos a integrar qualquer empresa do setor tecnológico e de informação com relativa facilidade».

De acordo com a matéria de facto provada, a autora/recorrente é uma empresa que se dedica à prestação de serviços de preparação, instalação e reparação de equipamentos informáticos e outros, representação, comercialização de produtos e equipamentos eletrónicos, sendo as “Academias Oracle” promovidas por aquela junto de instituições de ensino superior de renome na área das tecnologias de informação, com vista a atrair talentos na área de informática e programação com potencial elevado de crescimento e desenvolvimento de carreira.
Estas academias/programas proporcionam uma formação especializada, através de empresas certificadas, em determinadas áreas tecnológicas, dotando os formandos com informações e conhecimentos técnicos para a sua atividade profissional futura, não ensinados em instituição de ensino superior.
A autora/recorrente mostrou interesse em poder contratar para os seus quadros os jovens que participem nas academias promovidas por si, tendo proposto à ré/recorrida – que em 2019, com 19 anos de idade, se encontrava a frequentar o 2.º ano da Licenciatura ..., a sua integração no programa “Academia Oracle 2019”, visando aquela formação especializada, conciliável com os seus estudos.
A ré/recorrida aceitou a proposta da autora/recorrente, com vista a adquirir experiência profissional de modo a construir uma carreira promissora, tendo ambas, no dia 17-07-2019, subscrito um documento intitulado de “Acordo de Formação”.
Cremos que da matéria de facto provada – maxime dos seus n.ºs 4 a 10 –, já resulta, ainda que de forma implícita uma resposta positiva ao que consta de essencial no facto dado como não provado sob a alínea c): com efeito, o que está em causa é uma formação específica, para a obtenção de uma certificação Oracle, relacionada com base de dados.
De resto, isso foi também confirmado pelas testemunhas BB e CC.
De igual modo, o certificado emitido por A..., junto com a petição inicial sob documento n.º 10, aponta também nesse sentido.
Por isso, entende-se que o facto dado como “não provado” sob alínea c), deverá passar a “provado”, sob n.º 5-A, com a seguinte redação:
«A formação referida nos pontos 6. a 10. dos factos provados, correspondem a cursos/módulos certificados Oracle (empresa multinacional de tecnologia e informática norte-americana, especializada no desenvolvimento e comercialização de hardware e softwares e de banco de dados), e permite capacitar os participantes com os conhecimentos necessários em tecnologia Oracle».
Porém, o mesmo já não entendemos em relação ao facto dado como não provado sob a alínea d), quanto aos conteúdos formativos serem muito valorizados e requisitados pelo mercado nacional e internacional em matéria de gestão de base de dados.
Por um lado, não se vislumbra que tal seja facto notório, de conhecimento geral (cfr. artigo 412.º, n.º 1, do Código de Processo Civil); por outro, independentemente de páginas eletrónicas onde constam esses cursos e os seus méritos, ou da sua afirmação pelas testemunhas/trabalhadores da recorrente, tal não se afigura, por si só, suficiente para dar como provado os mesmos: é sabido que atualmente existe uma grande oferta de trabalho em áreas que se prendem com sistemas de informação, base de dados, cibersegurança, etc., mas daí não parece legítimo retirar-se que os que aqui estão em causa sejam muito valorizados e requisitados.
Aliás, se assim fosse, e perante tanta procura no mercado de profissionais nessa área, mal se harmonizaria que a ré tivesse sido contratada em 2019 para auferir de remuneração base mensal ilíquida de € 719,00 (cfr. anexo I ao contrato de trabalho), pouco superior à remuneração mínima mensal garantida (vulgo salário mínimo nacional) nesse ano (no montante de € 600,00 – Decreto-Lei n.º 117/2018, de 27 de dezembro), e passados alguns meses, perante a insatisfação manifestada por aquela, aumentada para € 1.000,00.
O que resulta da prova produzida, quanto ao facto que foi dado como não provado sob a alínea d), é apenas que os cursos/módulos em causa permitem aos destinatários que neles obtêm aproveitamento uma célere integração no mercado do trabalho que utiliza sistemas de informação com recurso a tecnologia Oracle.
Prova disso é que a ré logo após a frequência do curso com aproveitamento, apenas com um pequeno interregno motivado pela assinatura de um apoio com o IEFP, assinou contrato de trabalho com a autora.
Por consequência, o facto que consta da alínea c) como não provado passará a provado, sob o n.º 5-A, e o facto dado como não provado sob a alínea d) será dado como provado com o referido conteúdo restrito.

1.2.2. Quanto ao facto dado como não provado sob a alínea f)
Atente-se que este facto é do seguinte teor:
«Sem olvidar o teor do acordo de formação celebrado previamente ao contrato de trabalho, na Cláusula Décima-Terceira do referido contrato de trabalho, a A. e a R. acordaram num pacto de permanência».
Face ao que consta dos factos provados sob os n.ºs 6, 7, 8, 13, 14 e 16, sustenta a recorrente que deve o facto em causa ser dado como provado.

Adiante-se, desde já, que se entende que o alegado facto, tal como se encontra formulado, não deve constar, seja da matéria de facto provada seja da matéria de facto não provada.
Aliás, da referida alínea f) nem sequer resulta uma formulação clara e objetiva (“sem olvidar o acordo de formação …”): poder-se-ia fazer constar, por exemplo, que o pagamento da importância de 50% referido na cláusula 13.ª, n.º 4, alínea b) e n.º 5, alínea b) do contrato de trabalho foi, ou não, decorrente do anterior acordo de formação celebrado entre as partes.
Porém, nos termos em que se encontra, pouco explícito e com conceptualização jurídica (pacto de permanência), o (alegado) facto não pode subsistir.
Como já se identificou supra, sob o n.º II, e é também referido pela própria recorrente, duas das questões essenciais decidendas consistem em saber se a cláusula 13.ª do contrato de trabalho celebrado entre as partes configura um pacto de permanência, nos termos consignados no artigo 137.º do Código do Trabalho e se esse pacto de permanência teve por base o “acordo de formação” anteriormente celebrado entre as partes (em 17-07-2019), e a validade e relevância do mesmo.
Ora, o pacto de permanência é um conceito jurídico, tal como se mostra definido no artigo 137.º do Código do Trabalho.
E, como é sabido, só os acontecimentos ou factos concretos podem integrar a matéria de facto relevante para a decisão, admitindo-se, contudo, que sejam de equiparar a factos os conceitos jurídicos geralmente conhecidos e utilizados na linguagem comum, mas desde que não se reconduzam à mera formulação de um juízo de valor sobre matéria que integra o thema decidendum.
No contexto em que está em causa a existência e validade de um pacto de permanência, a afirmação referida na alínea f) dos factos não provados, nos termos em que se encontra formulada, responde diretamente a tais questões, o mesmo é dizer que constitui o thema decidendum da ação, envolvendo, por isso, uma questão de direito que não pode ser diretamente resolvida através da matéria de facto.
Esta é, de resto, a posição que tem sido afirmada reiteradamente pelo Supremo Tribunal de Justiça [vejam-se, a título exemplificativo, os acórdãos de 07-02-2007 (Proc. n.º 3538/06 – 4.ª Secção), 14-02-2007 (Processos n.º 3955/06 e n.º 4195/06, ambos da 4.ª Secção), e de 12-03-3008 (Proc. n.º 3668/07 – 4.ª Secção), todos sumariados em disponíveis em www.stj.pt].
Por isso, por envolver questão de direito que integra a questão essencial a decidir, elimina-se o que consta da alínea f) dos factos não provados.

1.2.3. Quanto ao facto dado como provado sob o n.º 10
Este facto é do seguinte teor:
«A A. indicou, inicialmente, à A..., Lda. que participariam oito pessoas na Academia Oracle de 2019, tendo, contudo, apenas participado na formação os seguintes seis formandos, incluindo a aqui R.: GG, AA, HH, II, JJ e KK; bem assim uma pessoa externa, EE, que frequentou a formação a título particular, tendo a própria suportado os custos com essa formação, no valor total de € 5.625,00».
No entendimento da recorrente, o facto, tal como se encontra, “deturpa” a verdade material, já que não foi ela/ recorrente que indicou a senhora EE para frequentar a formação a título particular, pois como resulta da própria fundamentação da matéria de facto da sentença recorrida, EE «(…) referiu que, tendo interesse em frequentar a referida academia, inscreveu-se e pagou pela formação a quantia global de € 5.650,00, em duas parcelas. Recordou que, na referida informação, participaram 9 formandos, incluindo a sua pessoa, tendo dois deles não concluído a formação por sua iniciativa (…)», o que indicia que não foi por solicitação da autora/recorrente que aquela frequentou a formação.
Além disso, do documento n.º 2 junto com a contestação resulta a troca de correspondência entre o senhor FF “CEO” da A... e a referida EE tendente a que aquela frequentasse a formação, sem que se denote qualquer intervenção nesse sentido da aqui recorrente.
Finalmente, também do depoimento dos referidos BB e CC resulta que foi a pedido de FF que a aqui recorrente aceitou que EE integrasse a formação.
Assim, indo ao encontro do pretendido pela recorrente, o facto n.º 10 passará a ter a seguinte redação:
«A A. indicou, inicialmente, à A..., Lda. que participariam oito pessoas na Academia Oracle de 2019, tendo, contudo, apenas participado na formação os seguintes seis formandos, incluindo a aqui R.: GG, AA, HH, II, JJ e KK».
E acrescenta-se um facto, sob o n.º 10-A, com o seguinte teor:
«Na Academia Oracle 2019, e a pedido pessoal do Diretor da A..., a A. aceitou a participação da Senhora EE na mesma academia enquanto externa e a título particular, tendo a Senhora EE suportado a expensas suas os custos com a formação recebida na academia, tendo pago um valor acordado com o Senhor FF, num total de € 5.625,00».

1.2.4. Em conclusão, quanto à matéria de facto impugnada:
(i) o facto que consta sob a alínea c) dos factos não provados passará a facto provado, sob n.º 5-A, com a seguinte redação:
«A formação referida nos pontos 6. a 10. dos factos provados, correspondem a cursos/módulos certificados Oracle (empresa multinacional de tecnologia e informática norte-americana, especializada no desenvolvimento e comercialização de hardware e softwares e de banco de dados), e permite capacitar os participantes com os conhecimentos necessários em tecnologia Oracle»;
(ii) o facto dado como não provado sob a alínea d), passará a provado, sob o n.º 5-B, com a seguinte redação:
«os cursos/módulos em causa permitem aos destinatários que neles obtêm aproveitamento uma célere integração no mercado do trabalho que utiliza sistemas de informação com recurso a tecnologia Oracle».
(iii) é eliminada a alínea f) dos factos não provados;
(iv) o facto n.º 10 passará a ter a seguinte redação:
«A A. indicou, inicialmente, à A..., Lda. que participariam oito pessoas na Academia Oracle de 2019, tendo, contudo, apenas participado na formação os seguintes seis formandos, incluindo a aqui R.: GG, AA, HH, II, JJ e KK».
(v) adita-se à matéria de facto, sob o n.º 10-A, o seguinte facto:
«Na Academia Oracle 2019, e a pedido pessoal do Diretor da A..., a A. aceitou a participação da Senhora EE na mesma academia enquanto externa e a título particular, tendo a Senhora EE suportado a expensas suas os custos com a formação recebida na academia, tendo pago um valor acordado com o Senhor FF, num total de € 5.625,00».
Por consequência, procedem, parcialmente e nesta parte, as conclusões das alegações de recurso.

2. Quanto a saber se a cláusula 13.ª do contrato de trabalho celebrado entre as partes configura um pacto de permanência, nos termos consignados no artigo 137.º do Código do Trabalho
Recorde-se o teor da cláusula:
«1. A Primeira Contraente ao início do presente Contrato ministrou, tendo suportado a totalidade dos encargos, no valor de € 18.000 (dezoito mil euros), formação profissional certificada ao Segundo Contraente em matérias tecnicamente complexas e relevantes, reconhecendo este que a referida formação constitui uma fonte de valorização profissional importante.
2. O Segundo Contraente, como contrapartida das referidas despesas suportadas pela Primeira Contraente com a sua formação profissional, fica obrigado a prestar serviços na Primeira Contraente, no âmbito do presente contrato de trabalho, por um período mínimo de 3 (três) anos, nele não se incluindo eventuais períodos de suspensão do contrato de trabalho por motivo imputável ou respeitante ao Segundo Contraente.
3. Durante o período referido no número anterior, o Segundo Contraente deverá:
(a) abster-se de cessar a sua relação laboral com a Primeira Contraente, de facto ou de Direito, nomeadamente por abandono, denuncia ou resolução ilícita; e,
(b) abster-se de dar causa à cessação da relação laboral por iniciativa da Primeira Contraente nomeadamente pela prática de ilícitos disciplinares que motivem o seu despedimento por justa causa.
4. O Segundo Contraente apenas poderá validamente desobrigar-se da obrigação de permanência desde que, em simultâneo com a comunicação de cessação da relação laboral, por uma via válida e em cumprimentos dos respetivos requisitos legais, restitua total ou parcialmente à Primeira Contraente o montante suportado com a referida formação, previsto no número um da presente cláusula, nos seguintes termos:
(a) 100% do valor suportado pela Primeira Contraente com a formação profissional quando a cessação ocorra nos primeiros 12 (doze) meses de duração do Contrato;
(b) 50 % do valor suportado pela Primeira Contraente com a formação profissional quando a cessação seja comunicada após o decurso dos 12 (doze) meses iniciais de vigência do Contrato.
5. Em caso de incumprimento, total ou parcial, pelo Segundo Contraente, do previsto nos números 2 e 3 da presente Cláusula, bem como no caso de não cumprimento pontual das regras de desoneração previstas no anterior número quatro, o mesmo ficará sujeito ao seguinte regime:
(a) restituição, integral ou parcial, à Primeira Contraente do montante previsto no número um da presente Cláusula, consoante a data em que ocorra o incumprimento pelo Segundo Contraente, de acordo com o previsto no número quatro da presente Cláusula; e,
(b) pagamento de uma importância equivalente a 50% do montante referido no número um da presente Cláusula, a título de cláusula penal, a qual não obstará à exigência de um eventual dano excedente.
6. A obrigação de restituição à Primeira Contraente vence-se e torna-se exigível no dia imediatamente subsequente ao da cessação do contrato de trabalho, autorizando o Segundo Contraente que a respetiva importância seja deduzida ao valor dos créditos salariais que lhe sejam devidos por força da cessação do contrato de trabalho».

De acordo com o disposto no artigo 137.º, n.º 1 do Código do Trabalho, «[a]s partes podem convencionar que o trabalhador se obriga a não denunciar o contrato de trabalho, por um período não superior a três anos, como compensação ao empregador por despesas avultadas feitas com a sua formação profissional».
Daqui decorre que se o empregador tiver assumido as despesas inerentes à formação profissional do trabalhador é admissível a celebração de um pacto de permanência, de forma a compensar aquele pelo investimento realizado.
Mas a celebração desse pacto deverá obedecer a dois requisitos:
(i) que o período de duração não seja superior a três anos;
(ii) que se destine à compensação de despesas avultadas.
Como escreve Monteiro Fernandes (Direito do Trabalho, 22.ª Edição, Almedina, pág. 358), «(…) o pacto de permanência actua na vigência do contrato e destina-se a garantir que ele dure o suficiente que certas despesas importantes do empregador fiquem compensadas.
(…)
A garantia de duração da relação de trabalho joga aqui, não em prol da estabilidade do emprego, mas a favor de uma pretensão razoável do empregador, que é a de tirar proveito suficiente do investimento que fez em formação».
E mais adiante, ainda na mesma página, conclui o mesmo autor:
«O pacto de permanência é, em suma, um compromisso de estabilidade assumido pelo trabalhador perante o empregador, como contrapartida do acréscimo de empregabilidade de que o primeiro beneficia, e como garantia de “amortização” de um investimento de grande valor realizado pelo segundo. Esse compromisso – que se considera constitucionalmente legítimo é consolidado por uma obrigação de restituição “do montante correspondente às despesas nele referidas” pelo empregador na formação do trabalhador (art. 137.º/2).
No âmbito do artigo 147.º do Código do Trabalho de 2003, o Supremo Tribunal de Justiça afirmou que a celebração de um pacto de permanência não contraria o disposto no artigo 58.º da Constituição da República Portuguesa – que consagra o princípio do direito ao trabalho –, uma vez que é razoável a proteção do empregador na situação em que realizou despesas extraordinárias de formação de que resultou a valorização profissional do trabalhador, sendo que este sempre poderá desvincula-se unilateralmente desde que restitua ao empregador a importância por ele despendida na formação (cfr. acórdão de 30-06-2011, proc. n.º 2779/07.0TTLSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt) .

No caso em apreço, afigura-se incontroverso que na cláusula 13.ª do contrato de trabalho foi estipulado entre as partes um pacto de permanência, tendo em conta que, por um lado, nele se alude a que a empregadora suportou um custo de € 18.000,00 com a formação da trabalhadora e, por outro, que esta se obriga a prestar “serviços” no âmbito do contrato de trabalho, por um período mínimo de 3 anos.
Face à resposta positiva quanto à existência de um pacto de permanência (adiante se analisarão a qualificação ou não das despesas suportadas com a formação como “despesas avultadas” a que alude o artigo), importa agora analisar a questão subsequente, supra equacionada.

3. Quanto a saber se o pacto de permanência teve por base o “acordo de formação” anteriormente celebrado entre as partes (em 17-07-2019)
A 1.ª instância respondeu negativamente a tal questão, no que merece o aplauso da recorrida, bem como da exma. procurador-geral adjunta no seu douto parecer.
Para tanto, respiga-se da sentença recorrida a seguinte fundamentação:
«De acordo com a factualidade provada, mostra-se evidenciado que ORAMIX – SISTEMAS DE INFORMAÇÃO, S.A. e AA, no dia 17/07/2019, celebraram um acordo de formação, através do qual aquela obrigou-se a prestar a esta ação formativa com os conteúdos e objetivos identificados no Anexo I do respetivo acordo, através da empresa A..., Lda., obrigando-se a Ré, por seu turno, a cumprir a referida ação formativa e, uma vez esta concluída, a realizar estágio e a celebrar um contrato de trabalho com a Autora, caso esta a convidasse para o efeito, sob pena de ter de reembolsar a Autora do subsídio de formação pago pela Autora no decurso do ação formativa e ainda do montante suportado pela Autora com a formação, no valor fixado no anexo ao referido acordo de formação, isto é, no valor de € 18.800,00.
Ou seja, e conforme considerandos do referido acordo de formação, a formação ministrada pela Autora visou proporcionar e dotar a Ré de conhecimentos informáticos e técnicos tidos por relevantes para a atividade desenvolvida pela Autora, constituindo um investimento feito pela Autora na formação da Ré, obrigando-se a Autora a suportar os encargos com a respetiva formação, com possibilidade de amortizar esse investimento através da celebração de um contrato de trabalho com a Ré, caso assim o pretendesse após conclusão da formação. Por seu turno, enquanto beneficiária da formação suportada pela Autora, a Ré obrigou-se a celebrar o referido contrato de trabalho, caso a Autora o propusesse uma vez finda a formação.
Mais se provou que AA concluiu com aproveitamento a referida ação formativa e a Autora, com vista a retirar proveito do investimento feito, isto é, retendo o talento da Ré em seu benefício, dirigiu-lhe convite para a celebração de um contrato de trabalho, sem necessidade da prévia realização de estágio, face aos bons resultados obtidos pela Ré na formação, o que foi acatado por ela.
Pelo que, nos termos do acordo de formação outorgado com a Autora, a Ré cumpriu as obrigações aí assumidas, desvinculando-se, por conseguinte, da obrigação de reembolsar a Autora do subsídio de formação que recebeu da Autora durante a ação de formação, bem assim do valor suportado pela Autora na formação, obrigação que teria de cumprir caso se recusasse a celebrar o referido contrato de trabalho (cfr. cláusula 4.ª e cláusula 6.ª, n.ºs 2 de 3 do acordo de formação).
Com o cumprimento do acordo de formação, quer pela Autora, quer pela Ré, as partes alcançaram as respetivas pretensões: a Ré beneficiou da formação ministrada a expensas da Autora e a Autora beneficiou do conhecimento técnico obtido pela Ré, retendo, em seu benefício o talento da Ré, através da celebração com ela de um contrato de trabalho, nos termos convencionados, esgotando-se aí as obrigações no acordo de formação.
Com efeito, mais se evidenciou que, posteriormente, no dia 15/11/2019, Autora e Ré outorgaram um contrato de trabalho sem termo, reduzido a escrito, para a Ré trabalhar sob as ordens e direção da Autora, exercendo as funções inerentes à atividade de Consultora Informática, contra o pagamento da quantia mensal ilíquida, inicialmente estipulada no valor de € 719,00, paga 14 vezes ao ano, incluindo, assim, o subsídio de Natal, a remuneração das férias e o respetivo subsidio, acrescida de subsidio de refeição diário. E que o contrato de trabalho cessou com efeitos a partir do dia 01/09/2021, por denuncia da Ré comunicada à Autora por carta datada de 18/01/2021 e rececionada por esta no dia 19/07/2021.
No âmbito desse contrato de trabalho, de acordo com a respetiva cláusula 13.ª, a Ré obrigou-se a trabalhar para a Autora por um período mínimo de 3 anos como contrapartida de despesas suportadas pela Autora pela formação profissional certificada ministrada ao início do contrato de trabalho, no valor de € 18.000,00. Mais aí se estipulou que a Ré poderia validamente desobrigar-se da referida obrigação de permanência, restituindo à Autora 100% do referido valor, caso a cessação do contrato ocorresse nos primeiros 12 (doze) meses de duração do Contrato, ou 50 % do referido valor caso a cessação ocorresse após o decurso dos 12 (doze) meses iniciais de vigência do Contrato, sendo que, em caso de incumprimento da obrigação de permanência e/ou do pagamento do referido valor, a Ré teria que proceder ao seu pagamento acrescido da quantia equivalente a 50% desse montante, a título de cláusula penal, e sem prejuízo de um eventual dano excedente.
Sucede que, a Autora não fez prova que, no decurso do contrato de trabalho, mais concretamente, no seu início, conforme estipulado na referida cláusula 13.ª, ministrou formação profissional certificada à Ré em matérias tecnicamente complexas e relevantes, fonte de valorização profissional importante, sequer evidenciando qualquer valor despendido a respeito, muito menos avultado».

Desta transcrição decorre que a 1.ª instância concluiu que o pacto de permanência constante do contrato de trabalho se reportava à formação profissional ministrada já no âmbito do mesmo.
Adiante-se, desde já, que não se sufraga tal entendimento.
Desde logo, a redação da cláusula 13.ª do contrato de trabalho alude a algo que já aconteceu: «A Primeira Contraente ao início do presente Contrato ministrou, tendo suportado…».
Reconhece-se que esta redação pode dar azo a algumas dúvidas, ficando a ideia que, certamente por lapso, faltou na frase (a seguir a contraente) um advérbio, como, por exemplo, “anteriormente” ou “previamente”: todavia, o pretérito perfeito utilizado no verbo (“ministrou”), assim como a expressão “tendo suportado” remete-nos para algo já passado, verificado, pelo que é de afastar, de todo, qualquer interpretação que remeta para a referência da cláusula a qualquer formação a realizar já na vigência do contrato de trabalho, designadamente através do IEFP.
Além disso, a sequência lógica, e cronológica, da matéria de facto aponta para a estreita conexão/ligação entre o “acordo de formação” e o posterior contrato de trabalho celebrado.
Assim é que:
(i) logo sob o n.º 8 se indica que que no momento da assinatura do acordo de formação, a autora/recorrente explicou à ré/recorrida o respetivo conteúdo, designadamente quanto às cláusulas relacionadas com a obrigação de, posteriormente, celebrar contrato de estágio ou contrato de trabalho se por ela (autora) lhe fosse proposto, e esclarecidas as consequências para o incumprimento de tal obrigação;
(ii) tendo a ré concluído o curso com aproveitamento, a ré propôs-lhe a imediata celebração de contrato de trabalho, o que se verificou em 15-11-2019 (n.º 13 e 14);
(iii) nesse contrato foi estipulado, sob a cláusula 13.ª, a “Formação/Pacto de Permanência), tendo a autora explicado à ré o conteúdo da referida cláusula, maxime no que às condições e consequências do eventual incumprimento do pacto de permanência dizia respeito, na sequência das questões apresentadas pela ré sobre o alcance da cláusula (n.º 16);
(iv) no dia 02-09-2020, na vigência do contrato de trabalho, a ré enviou um email à autora, dando conta da sua desmotivação e estagnação profissional e visando a resolução do contrato de trabalho de forma amigável, sem obrigação de cumprir a cláusula 13.ª do contrato de trabalho;
(v) e no dia 08-07-2021 enviou novo email à ré, a manifestar desmotivação e estagnação na carreira, informar ter recebido uma proposta de trabalho de outra empresa “atrativa e com perspetiva de evolução”, e a solicitar a “rescisão” do contrato de forma amigável, com dispensa do cumprimento da cláusula 13.ª e com efeitos a partir de 01-09-2021 (n.º 24);
(vi) finalmente, por carta 16-07-2021 comunicou à autora a denúncia do contrato de trabalho com efeitos a partir do dia 01-09-2021 (n.º 25).
Ora, como é sabido, a declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele (n.º 1 do artigo 236.º do Código Civil); mas se o declaratário conhece a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida (n.º 2 do mesmo artigo).
No caso em apreço, tendo entre as partes sido celebrado um acordo de formação, posteriormente um contrato de trabalho, com inserção de uma cláusula de pacto de permanência, onde a autora explica à ré o conteúdo da cláusula e consequências do seu incumprimento, vindo a ré, sem sucesso, a solicitar à autor a denúncia do contrato sem arcar com as consequências do não cumprimento do pacto de permanência, afigura-se-nos inequívoca a conclusão de que a cláusula 13.ª do contrato de trabalho tem por referência o anterior acordo de formação, onde se estipulava, além do mais, a obrigação do formando devolver à entidade formadora o valor do subsídio de formação recebido caso se recusasse a celebrar contrato de trabalho.
Dito de forma direta: existe uma relação de proximidade e dependência entre o acordo de formação e o contrato de trabalho.
Aliás, se bem se retira de alguns depoimentos prestados, designadamente da testemunha NN, mãe da ré, essa foi também a conclusão que extraíram da cláusula 13.ª do contrato de trabalho, confiando, todavia, que a ré podia cumprir os 3 anos de permanência ao serviço da autora e, assim, não incorrer na obrigação de indemnização por incumprimento do contrato.
De acordo com a sentença recorrida, com o «cumprimento do acordo de formação, quer pela Autora, quer pela Ré, as partes alcançaram as respetivas pretensões: a Ré beneficiou da formação ministrada a expensas da Autora e a Autora beneficiou do conhecimento técnico obtido pela Ré, retendo, em seu benefício o talento da Ré, através da celebração com ela de um contrato de trabalho, nos termos convencionados, esgotando-se aí as obrigações no acordo de formação».
Ressalvado o devido respeito, não podemos acompanhar tal interpretação: se assim fosse, qual seria o benefício obtido pela autora/formadora com a celebração do contrato de trabalho?
Isto porque logo após a celebração do contrato (por exemplo, no dia seguinte) o trabalhador podia pôr termo ao mesmo, sem quaisquer consequências no que ao seu incumprimento diz respeito…o que significa que a formadora/empregadora teria despendido significativa quantia com a formação da ré, mas não teria daí retirado qualquer benefício!
Tal interpretação não só não se harmoniza com a descrita sequência factual, como também, afigura-se, afasta-se das regras da normalidade e experiência comum: se uma empresa “investe” na formação de alguém que ainda não é seu trabalhador será com vista a, no futuro, rentabilizar esse “investimento” através da prestação da atividade por aquele, e não apenas com vista à celebração de um contrato de trabalho, que logo no dia seguinte o trabalhador pode denunciar e, assim, não há qualquer atividade prestada pelo trabalhador e, por consequência, não há qualquer “retorno” do investimento; só através da prestação da atividade durante um determinado período de tempo por parte do trabalhador é que o empregador obtém retorno dos custos de formação suportados com aquele.
Entende-se que só com este enquadramento pode ser lido e interpretado o acordo de formação e, posteriormente, o contrato de trabalho com inclusão do pacto de permanência.
Nesta sequência, independentemente da validade ou não do acordo de formação, tem-se por adquirido que o pacto de permanência constante do contrato de trabalho teve por base, ou, se se quiser, por seu fundamento, a formação ministrada, e despesas inerentes, no âmbito do acordo de formação.

A questão que ora se coloca consiste em apurar da validade e consequências de tal acordo de formação.
A jurisprudência tem qualificado como contrato misto, de formação profissional e de promessa de trabalho, aquele celebrado entre as partes, em que uma parte, o formando, se obrigou, finda a formação, a exercer a atividade profissional resultante da formação ministrada por conta da outra parte [cfr., por todos, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30-06-2011 (proc. n.º 2779/07.0TTLSB.L1.S1) e do Tribunal da Relação de Lisboa de 18-12-2019 (proc. n.º 1160/19.2T8LSB-A.L1-4), disponíveis em www.dgsi.pt].
O regime legal da promessa de contrato de trabalho encontra-se regulado no artigo 103.º do Código do Trabalho, e do mesmo decorre, além do mais, a forma escrita e o dever de conter a atividade a prestar e a correspondente retribuição [alínea c)].
Faltando no caso tal menção, haverá que considerar nula essa promessa de contrato de trabalho (cfr. artigo 220.º do Código Civil).
Contudo, como se viu, é no contrato de trabalho que a ré se obrigou ao pacto de permanência de 3 anos ao serviço da autora.
E como se escreveu no referido acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 18-12-2019, a nulidade da promessa não determina, necessariamente, a invalidade do pacto de permanência: «[s]empre que o contrato misto se traduza numa simples justaposição ou contraposição de elementos pertencentes a contratos distintos, deve, em princípio, aplicar-se a cada um dos elementos integrantes da espécie a disciplina que lhe corresponde dentro do respetivo contrato típico. (Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 4ª Ed., 240 e 250).
Assim, resultando do texto subscrito que ambas as partes se vincularam, por um lado à formação, e, por outro, que uma delas, se obrigou a permanecer ao serviço da outra durante certo período caso fosse celebrado contrato de trabalho – o que aconteceu-, não pode concluir-se que este contrato não está conexionado com a formação e deve concluir-se que, embora nula a promessa por inobservância de forma legal, daí não advém qualquer consequência negativa para o pacto de permanência.
É que a nulidade ou anulação parcial não determina a invalidade de todo o negócio, salvo quando se mostre que este não teria sido concluído sem a parte viciada (Artº 292º do CC), circunstância esta não evidenciada».
No caso que nos ocupa já se concluiu que o contrato misto está conexionado com a cláusula de permanência estabelecida no contrato de trabalho: ora, pese embora, face ao disposto no artigo 103.º do Código do trabalho, a promessa unilateral de contrato por parte da ré seja nula, o certo é que o contrato de trabalho foi assinado e foi nele que foi inscrito o pacto de permanência, pelo que este não se mostra afetado pela nulidade daquela promessa; diferente seria se o contrato de trabalho não fosse assinado: aí, sim, teria relevância jurídica a nulidade da promessa de contrato de trabalho.

Questão que agora importa decidir prende-se com as despesas suportadas pela autora com a formação da ré.
Pergunta-se então: a autora suportou “despesas avultadas”, no dizer da lei, com a formação profissional da ré?
Trata-se de um conceito indeterminado que, como se escreveu no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26-06-2019 (proc. n.º 2051/18.0T8VFX.L1-4, disponível em www.dgsi.pt) deve corresponder a despesas de formação para além das abrangidas pela alínea d) do artigo 127.º e do artigo 131.º, ambos do Código do Trabalho, e que «(…) pode e deve ser definido atendendo à consciência jurídica da comunidade, variando de caso para caso, nomeadamente em função do custo efectivo da formação para o empregador, do valor da retribuição recebida pelo trabalhador, do volume de negócios da empresa, do valor da retribuição mínima garantida e dos usos e costumes do empregador e do sector à data da formação».
No acórdão do mesmo tribunal, de 06-03-2024, (proc. n.º 2878/20.2T8CSC.L1-4, disponível em www.dgsi.pt), discorrendo em torno do conceito de “despesas avultadas” afirma-se que «[o] empregador não tem que provar as despesas efectivamente feitas com a formação do trabalhador, bastando demonstrar que ultrapassam a formação corrente a que está obrigado».
No caso, pouco se sabe a este respeito, para além de que estava em causa a formação em sistema de informação “Oracle”, que na sequência da mesma foi celebrado um contrato de trabalho entre as partes, em que a ré exerceu tais “competências” decorrentes daquela formação, mediante a retribuição mensal de € 719,00, que no contrato de trabalho a autora mencionou que suportou o encargo de € 18.000,00 com a formação da ré, mas que apenas se provou (factos n.ºs 9 e 10) ter suportado o encargo total de € 69.674,58 que seria por 8 formandos (o que corresponderia a um encargo/despesa de € 8.709,32 em relação a cada um deles), e que, a final, apenas participaram 6 formandos (o que dará um encargo de € 11.612,43 por cada um deles).
Ora, tendo em conta estes elementos, maxime o valor da retribuição mínima mensal garantida em 2019 (€ 600,00), que a ré passou a auferir a importância mensal de € 719,00 e que o custo de formação se situou, no mínimo, em € 8.709,32, entende-se que o valor suportado pela autora com a formação profissional da ré é de qualificar, nos termos previstos no artigo 137.º, n.º 1, como “despesa avultada”.
Acresce que se tratou de uma formação específica, que a não ré não possuía (cfr. facto n.º 34), e que adquiriu (durante 47 dias e durante número significativo de horas), para passar a integrar o mercado de trabalho, como efetivamente sucedeu ao serviço da autora, independentemente de posteriormente na atividade profissional continuar a utilizar ou não, de forma direta, esses concretos conhecimentos adquiridos.
Procedem, por isso, nesta parte, as conclusões das alegações de recurso.

4. Das consequências legais do pacto de permanência tendo em conta o pedido da autora/recorrente
Recorde-se que no n.º 4, alínea b) da cláusula 13.ª acordou-se, no que ora releva, que em caso de cessação comunicada após o decurso dos 12 meses iniciais de vigência do contrato a ré poderia desobrigar-se da permanência ao serviço da autora mediante a restituição de 50% do valor suportado por esta com a formação profissional.
E no n.º 5, alínea b), consignou-se que em caso de incumprimento do prazo de permanência de 3 anos ao serviço da autora, a autora suportaria o pagamento da importância equivalente a 50% do montante de € 18.000,00, mencionado no n.º 1 da cláusula 13.ª; ou seja, em tal situação a ré pagaria uma importância de 50% do custo da formação suportada pela autora (custo esse que quantificou em € 18.000,00), mais 50% deste custo de formação a título de cláusula penal.
Vejamos.

Como se assinalou no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 24-02-2010 (proc. n.º 556/07.7TTALM.S1), posteriormente reafirmado no acórdão do mesmo tribunal de 13-10-2010 (proc. n.º 185/08.8TTSTR.E1.S1), ambos disponíveis em www.dgsi.pt – a jurisprudência foi no âmbito do artigo 147.º do Código do Trabalho de 2003, mas, segundo se entende, é transponível, mutatis mutandis, no âmbito do artigo 137.º do atual Código do Trabalho –, aquela norma visa «(…) proteger o legítimo interesse do empregador no reembolso das despesas efectuadas e compatibilizar essa protecção com o princípio da liberdade de trabalho, nada dispõe no sentido de impedir a redução de eventual cláusula penal — matéria que não é, directamente, objecto da norma —, quando esta se apresente manifestamente excessiva e designadamente se a obrigação assumida, quanto à estabilidade do contrato, tiver sido parcialmente cumprida.
Vem a propósito referir que o estabelecimento da cláusula penal se destina, principalmente, a evitar dúvidas futuras quanto à determinação da indemnização, funcionando a pena convencionada, na falta de estipulação em contrário, como limite máximo do ressarcimento do dano adveniente do incumprimento da correlativa obrigação (artigos 810.º, n.º 1, e 811.º do Código Civil), não podendo, no entanto, porque a tal se opõem fortes razões de ordem moral e social, ser entendida como sanção irredutível (pena fixa), ainda que a vontade das partes se dirija nesse sentido, quando o onerado não observar o comportamento a que estava obrigado (…)».
E o referido acórdão de 13-10-2010 é assertivo quando conclui que «(…) o nosso ordenamento jurídico permite a redução equitativa da cláusula penal, quando a indemnização estabelecida for manifestamente excessiva, ainda que por causa superveniente e, bem assim, no caso de a obrigação ter sido parcialmente cumprida, conforme o estipulado nos n.os 1 e 2 do artigo 812.º do Código Civil».
De acordo com o disposto no n.º 2 do artigo 137.º do Código do Trabalho, o trabalhador pode desobrigar-se do cumprimento do pacto de permanência mediante pagamento do montante correspondente às despesas nele referidas.
Mas, como adverte Monteiro Fernandes (obra citada, pág. 359), «(…) a restituição devida, nos termos do art. 137º/1, in fine, não pode deixar de medir-se pela proporção do tempo em falta relativamente à duração do contrato que foi garantido pelo pacto []. O sentido próprio do pacto de permanência é o de uma garantia de “amortização” ou de “retorno” para um investimento particularmente significativo em formação. Segundo esta mesma lógica, a hipótese de pagamento pelo trabalhador do montante total do investimento feito pelo empregador, em caso de violação do pacto em qualquer momento, poderia configurar um enriquecimento sem causa – ou, se se preferir, a atribuição de “uma dupla e infundada vantagem” ao empregador, contraposta a um “desproporcionado gravame imposto ao trabalhador”[].. Ao avaliar a situação, não pode perder-se de vista a excepcionalidade de que se reveste a admissão legal do pacto de preferência, como limitação à liberdade do trabalho, nem o facto de a realização de um investimento importante em formação do trabalhador ser, necessariamente, impelida por razões de interesse do empregador.
A realização deste interesse opera-se pelo retorno do investimento feito, isto é, pelo benefício recolhido com a utilização dos serviços do trabalhador especialmente qualificado [].
A garantia deste retorno é o único factor de legitimação possível para cerceamento da liberdade de trabalho em que redunda o pacto. Qualquer efeito adicional já terá que considerar-se fora da “margem de tolerância” do princípio constitucional. Assim, e em suma, se a duração estipulada não é cumprida, a restituição deve limitar-se à proporção do tempo em falta”.
Esta transcrição, que se subscreve integralmente, explicita, de forma que se entende clara, objetiva e esclarecera, o porquê de em caso de existência de um pacto de permanência e de não ter sido cumprido o tempo mínimo previsto para o contrato de trabalho, a compensação ao empregador pelas despesas de formação ser proporcional ao tempo de serviço prestado pelo trabalhador.
Daí que, volvendo ao caso em apreço, nessa parte a cláusula 13.ª do contrato de trabalho, por manifestamente excessiva, terá que ser reduzida nos termos do artigo 812.º do Código Civil.

Nesta sequência, impõe-se então apurar qual o montante da compensação devida pela ré à autora.
Já se viu que esta mencionou na cláusula que suportou € 18.000,00 em despesas com a formação da ré.
Todavia, apenas se provou que a autora suportou o encargo total de € 69.674,58 que seria por 8 formandos (o que corresponderia a um encargo/despesa de € 8.709,32 em relação a cada um deles), mas que, a final, apenas participaram 6 formandos (o que dará um encargo de € 11.612,43 por cada um deles).
Do que se extrai dos autos, a circunstância de apenas terem participado no curso 6 formandos, quando estava previsto que fossem 8, é totalmente alheia à ré, pelo que não pode a mesma ser penalizada por tal facto: diremos que o mesmo só à autora pode ser imputado, v.g. tendo em conta a seleção que fez dos formandos.
Assim, haverá que dividir o encargo total suportado pela autora por 8 formandos, o que dá um encargo individual de € 8.709,32 (€ 69.674,58: 8).
O contrato iniciou-se em 15-11-2019, tenha um pacto de permanência de 3 anos, pelo que este se completaria em 15-11-2022: como cessou em 31-08-2021, faltaram 14 meses e meio para atingir o seu termo, pelo que o montante das despesas de formação a suportar pela ré é proporcional a esse período, ou seja corresponde a € 3.507,92 (€ 8.709,32:36 meses x14,5 meses).
Todavia, considerando que a autora, através da compensação de créditos, já descontou a dívida da ré no montante de € 1.692,02 (facto n.º 29), o valor efetivamente devido pela ré à autora é de € 1.815,90 (€ 3.507,92 - € 1.692,02).
Sobre a referida quantia são devidos juros de mora, à taxa legal, desde a cessação do contrato (31-08-2022) até integral pagamento (artigo 805.º, n.º 2, alínea b) e 806.º, n.º 1, do Código Civil).

5. Tendo ambas as partes ficado vencidas no recurso, cada uma delas deverá suportar as custas, na proporção do respetivo decaimento (artigo 527.º do Código de Processo Civil).
V. Decisão
Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em:
1. não admitir os documentos apresentados com o recurso, pelo que se ordena o seu desentranhamento e devolução à apresentante/recorrente, condenando-se a mesma em 1 (uma) UC pelo incidente processual;
2. conceder parcial provimento ao recurso e, em consequência, condena-se a ré/recorrida a pagar à autora/recorrente a quantia de € 1.815,90 (mil oitocentos e quinze euros e noventa cêntimos), acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde 31-08-2022 até integral pagamento.
Custas pela recorrente e pela recorrida, na proporção do decaimento.
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Évora, 27 de junho de 2024
João Luís Nunes (relator)
Mário Branco Coelho
Emília Ramos Costa
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[1] Relator: João Nunes; Adjuntos: (1) Mário Branco Coelho, (2) Emília Ramos Costa.