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CONTRA-ORDENAÇÃO LABORAL
TAXA DE JUSTIÇA
NOTIFICAÇÃO
Sumário
I – Tendo a recorrente impugnado a decisão da autoridade administrativa, e não tendo previamente liquidado a coima, é devido o pagamento de taxa de justiça (artigo 8.º, n.º 7, do RCP); II - Esta deve ser autoliquidada nos 10 dias subsequentes à notificação à recorrente da data da marcação da audiência de julgamento ou do despacho que a considere desnecessária; III – Caso a impugnante não proceda ao pagamento da taxa de justiça no referido prazo, deve ser notificada para, em 10 dias, proceder ao seu pagamento e da respetiva multa, sob pena de desentranhamento da peça processual de impugnação, e se mesmo assim não cumprir, o juiz deve decidir no sentido do aludido “desentranhamento” da impugnação judicial. IV – Em conformidade com as proposições anteriores, não resultando dos autos, de forma expressa e inequívoca, qualquer notificação à recorrente da marcação da data da audiência ou do despacho que a considere desnecessária, não pode ter-se por iniciado o prazo para pagamento da taxa de justiça, autoliquidada, e, consequentemente, carece de fundamento legal o desentranhamento da impugnação judicial, por falta de pagamento tempestivo da taxa de justiça. (Sumário elaborado pelo relator)
Texto Integral
Proc. n.º 1372/23.4T8TMR.E1 Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1]:
I. Relatório
A arguida A..., Lda., impugnou judicialmente a decisão de 07-06-2023 da ACT - Autoridade para as Condições do Trabalho (Unidade de Apoio ao ... da ... e ...) que lhe aplicou a coima única de € 5.000,00, e a condenou ainda no pagamento de contribuições em dívida à Segurança Social, bem como de créditos salariais em dívida aos trabalhadores.
Remetidos os autos à 1.ª instância, no que ora importa em 22-09-2023 a exma. julgadora a quo proferiu o seguinte despacho: «Arguida invoca a aplicação do CCT publicado no BTE n.º 22, de 15/06/2008, celebrado entre a APED e a FEPCES. Este CCT apenas lhe será aplicável caso seja associada da APED ou por aplicação da PE n.º 1454/2008, de 16712 e PE 55/2017, de 06/02. Para a aplicação por efeito das portarias de extensão é necessário que disponha de uma área de venda contínua, de comércio a retalho alimentar, igual ou superior a 2000 m² (o que apenas se verifica em relação às grandes superfícies) e/ou pertencentes a empresa ou grupo que detenha, a nível nacional, uma área de venda acumulada, de comércio a retalho alimentar, igual ou superior a 15 000 m². Dos elementos dos autos apenas resulta que a arguida terá 4 lojas e não se afigura que nenhuma delas seja uma instalação que corresponda a grande superfície. Contudo, tendo em conta a defesa da arguida, e sendo certo que a aplicação do CCT por si invocado não pode ser provado por prova testemunhal, determino a sua notificação para, no prazo de 10 dias, documentar que é associada da APED e, neste caso, desde que data e/ou que a loja inspecionada possui área igual ou superior a 2000 m2 ou que pertence a empresa ou grupo que detenha, a nível nacional, uma área de venda acumulada, de comércio a retalho alimentar, igual ou superior a 15 000 m2. Face ao despacho proferido, não se designa data para o julgamento».
Posteriormente, em 31-10-2023, proferiu o seguinte despacho: «A arguida não respondeu ao solicitado, nem nada justificou ou veio dizer. Contudo e ainda assim, determino que se notifique a APED para, no prazo de dez dias informar se a arguida é sua associada e, em sentido afirmativo, desde que data e qual o número de sócia».
Em 09-11-2023 foi a arguida notificada pela secretaria do tribunal a quo para proceder ao pagamento da taxa de justiça devida, no montante de 1 UC (€ 102,00), «(…) sendo esta autoliquidada no prazo de 10 dias a contar da presente notificação – art.º 8.º n.º 7 e 8 do regulamento das Custas Processuais».
Em 06-12-2023, a exma. julgadora a quo proferiu o seguinte despacho: «Notifique a arguida para, no prazo de 10 dias, informar se aceita que seja dado como assente que a loja inspecionada não possui área igual ou superior a 2000 m2 ou que pertence a empresa ou grupo que detenha, a nível nacional, uma área de venda acumulada, de comércio a retalho alimentar, igual ou superior a 15.000 m2».
Em 26-01-2024 foi emitida uma guia para pagamento pela arguida da taxa de justiça, acrescida de multa de igual montante, no valor global de € 204,00 (contendo a indicação de € 102,00 por “Multa - art. 642º CPC” e de outros € 102,00 por “Taxa de Justiça Penal”), contendo a data limite de pagamento de 08-02-2024.
A arguida efetuou o pagamento da referida guia em 09-02-2024, tendo disso dado conhecimento ao tribunal em 15-02-2024.
No prosseguimento dos autos, em 21-02-2024 foi proferido o seguinte despacho: «A arguida foi notificada para efetuar o pagamento da taxa de justiça devida, nos termos do artigo 8.º, n.º 8 do RCP por comunicação certificada em 09/11/2023. Perante essa omissão, em 29/01/2024 foi cumprido o artigo 642.º, n.º 1 do CPC. O prazo para pagamento terminava em 08/02/2024. Em 09/02/2024 a arguida efetuou o pagamento de valor correspondente ao da taxa de justiça e da multa através de depósito autónomo, o que documentou em 15/02/2024. Porquanto, a guia não foi paga e ainda que se pudesse considerar o depósito autónomo, o pagamento realizado foi feito mas, extemporaneamente. Assim, nos termos do artigo 642.º, n.º 2 do CPC ex vi artigo 4.º do CPP, artigo 41.º, n.º 1 do DL 433/82, de 27/10 e artigo 60.º da L 107/2009, de 14/09, determino o desentranhamento da impugnação judicial, com a sua entrega à arguida, deixando-se cópia simples no seu lugar. Custas do desentranhamento a cargo da arguida, que fixo em 1 UC, nos termos do artigo 7.º n.º 4 e tabela II do RCP. Notifique.».
A arguida interpôs recurso deste último despacho, tendo na respetiva motivação formulado as seguintes conclusões: «1.ª – Vem este recurso interposto do douto despacho proferido nos autos à margem identificados em 04/03/2024 [verifica-se aqui lapso na indicação da data do despacho, pois como resulta supra o mesmo é de 21-02-2024]. 2.ª – Despacho no qual, a Mmª ordenou o desentranhamento da impugnação judicial por ter considerado que a taxa de justiça não tinha sido autoliquidada. 3.ª – Ora, no dia 09/11/2023 a arguida é notificada pela secretaria para liquidar a taxa de justiça devida, no montante de 1 UC. 4.ª – No dia 26/11/2024 é notificada pela secretaria para efectuar o pagamento da taxa de justiça devida, acrescida de uma multa de igual valor, com data limite até 08/02/2024. 5.ª – No dia 09/02/2024 foi efectuado o pagamento por depósito autónomo no valor de 204,00, erradamente, pois nada era devido. 6.ª – No dia 04-03-2024 é notificada do douto despacho, o qual ordena o desentranhamento da impugnação judicial, apresentada, pelo motivo de não ter sido autoliquidada a taxa de justiça, nos termos do artigo 8.º, n.º 8 do RCP. 7.ª – Ora, tendo em conta as circunstâncias previstas no art. 8.º, n.º 8 do regulamento geral das Custas, não se compreende a ordem geral desentranhamento. 8.ª – Pois, nunca foi o arguido notificado da data de marcação da audiência de julgamento ou do despacho que a considere desnecessária. 9.ª – Desde Logo, não se poderá considerar que o arguido não procedeu ao pagamento da taxa de justiça, pois a mesma não era devida. 10.ª – Em face do exposto, o douto despacho recorrido violou, salvo o devido respeito, o disposto no citado art.º 8.º, n.º 8, do RCP. Nestes termos, deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se o douto despacho recorrido como se propugna nas conclusões (…)».
O recurso foi admitido na 1.ª instância, com subida imediata, nos autos e efeito meramente devolutivo.
Recebidos os autos neste tribunal, neles a exma. procuradora-geral adjunta emitiu douto parecer, que não foi objeto de resposta, em que, em síntese, concluiu que o recurso merece provimento uma vez que não houve qualquer ato processual que determinasse o início do prazo de pagamento da taxa de justiça.
Elaborado projeto de acórdão e colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II. Objeto do recurso e factos
O objeto dos recurso é delimitado pelas conclusões que o recorrente extrai da respetiva motivação, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso – artigos 403.º e 412.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal, ex vi do artigo 41.º, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro (RGCO) e 50.º, n.º 4 e 60.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro.
Assim, tendo em conta as conclusões da motivação de recurso apresentadas pela recorrente, a questão essencial decidenda centra-se em determinar se existe fundamento legal para o desentranhamento da impugnação judicial; com vista a essa decisão haverá que apurar previamente se a arguida/recorrente não procedeu ao pagamento da taxa de justiça no prazo fixado legalmente.
A matéria a atender é a que consta do relatório supra, que aqui se dá por reproduzida.
III. Fundamentação
Como resulta do relatório supra, a recorrente impugnou judicialmente a decisão da autoridade administrativa.
Recebidos os autos no tribunal a quo, foi, no que ora releva, proferido despacho a solicitar à arguida informação se era associada da APED, tendo a final do mesmo despacho se feito constar que «[f]ace ao despacho proferido, não se designa data para o julgamento».
No seguimento, perante o silêncio da arguida, foi determinada a notificação da APED para informar se a arguida era sua associada.
Ainda sequencialmente, e no que ora importa, em 09-11-2013 a secretaria veio a notificar a arguida para, no prazo de 10 dias, proceder ao pagamento da taxa de justiça, autoliquidada.
De acordo com o disposto no artigo 8.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais (RCP), é devida taxa de justiça pela impugnação das decisões de autoridades administrativas, no âmbito de processos contraordenacionais, quando a coima não tenha sido previamente liquidada, no montante de 1 UC, podendo ser, a final, corrigida pelo juiz.
E de acordo com o n.º 8 do mesmo artigo, a taxa de justiça é autoliquidada no prazo de 10 dias subsequentes à notificação ao arguido da data da marcação da audiência de julgamento ou do despacho que a considere desnecessária; nos termos do mesmo preceito, a referida notificação deve indicar, além do montante da taxa de justiça a pagar, o prazo e modos de pagamento da mesma.
Caso o impugnante não proceda ao pagamento da taxa de justiça no referido prazo, acompanha-se o entendimento de Salvador da Costa (As Custas Processuais, Análise e Comentário, 2023-9.ª Edição, Almedina, pág. 116), de que se aplica o disposto no artigo 642.º, n.º 1 e 2, do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 60.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro (que aprovou o Regime Processual Aplicável às Contraordenações Laborais e da Segurança Social), artigo 41.º, n.º 1 do RGCO e artigo 4.º do Código de Processo Penal, pelo que «(…) deve (o impugnante) ser notificado fim de, em 10 dias, proceder ao seu pagamento e da respetiva multa, sob pena de desentranhamento da peça processual de impugnação, e se mesmo assim não cumprir, o juiz deve decidir no sentido do aludido “desentranhamento” e extinção da instância de impugnação por impossibilidade superveniente da lide».
Tendo em vista a resolução da questão decidenda, importa ainda ponderar que de acordo com o disposto no artigo 32.º e segts. da referida Lei n.º 107/2009, a decisão da autoridade administrativa de aplicação de coima é suscetível de impugnação judicial, dirigida ao tribunal de trabalho competente, a quem compete conhecer da mesma.
O juiz decide do caso mediante audiência de julgamento ou através de simples despacho (n.º 1 do artigo 39.º da referida lei); o juiz decide por despacho quando não considere necessária a audiência de julgamento e o arguido ou o Ministério Público não se oponham, podendo então ordenar o arquivamento do processo, absolver o arguido ou manter ou alterar a condenação (n.ºs 2 e 3 do mesmo artigo).
Assim, do referido normativo legal decorre que o juiz só pode decidir por despacho se, cumulativamente: (i) considerar desnecessária a realização da audiência; (ii) o arguido e o Ministério Público se não opuserem à decisão do recurso por despacho.
Como parece medianamente aceite, os casos em que o juiz pode/deve decidir por despacho serão aqueles em que a decisão final não dependa da realização de diligências de prova, devendo, em caso contrário, ter lugar a realização da audiência.
Perante a notificação que decorre do disposto no artigo 39.º, n.º 2, da Lei n.º 107/2009, o recorrente e/ou o Ministério Público podem ter uma de três posições: (i) oposição à decisão por simples despacho; (ii) anuência à decisão por simples despacho; (iii) não expressarem qualquer posição.
Pergunta-se então: no caso houve despacho a determinar que a decisão iria ser proferida por despacho ou mediante audiência de julgamento?
No despacho que em 03-04-2024 admitiu o recurso, a exma. julgadora a quo entende que sim, que do despacho de proferido em 22-09-2023 resultam os “fundamentos e a posição de não marcação de julgamento”.
Ressalvado o devido respeito, não sufragamos esse entendimento.
É certo que no despacho se afirma que face ao mesmo “não se designa data para o julgamento”.
Contudo, considerando, por um lado, que as decisões judiciais hão-de ser interpretadas com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do seu conteúdo (artigo 236.º do Código Civil), e, por outro, como se referiu supra, que o juiz só pode decidir mediante despacho quando considerar desnecessária a realização da audiência e o arguido e o Ministério Público se não opuserem à decisão do recurso por despacho, não extraímos da menção“não se designa data para julgamento” que a decisão final iria ser proferida por despacho e, por consequência, que nos 10 dias subsequentes deveria ser paga a taxa de justiça.
Aliás, no contexto em que tal menção se encontra – após se ordenar a notificação da arguida para prestar determinada informação –, a mesma parece apontar especificamente para a data/momento em que foi proferida, ou seja, que naquela data não era designada data para julgamento, podendo vir a sê-lo posteriormente em face dos elementos solicitados.
De outro modo, não só era desprezado o constante do n.º 2 do artigo 39.º da Lei n.º 107/2009 – que, reafirma-se, determina que o juiz decide mediante despacho quando, além do mais, o arguido ou o Ministério Público não se oponham –, como não se vislumbra o porquê de não ter sido afirmado, de forma expressa e inequívoca, que o julgamento da impugnação iria ser por mero despacho.
Como bem salienta a exma. procuradora-geral adjunta no seu douto parecer, do despacho de 22-09-2023 não consta que a decisão final seria proferida por despacho, «(…) e do segmento decisório que ordena a realização de diligência também não se pode extrair tal conclusão. Sendo que uma decisão sobre a não realização de julgamento não pode ser implícita de outros despachos, tendo de ser expressa nessa matéria».
Nesta sequência, impõe-se concluir que não tendo havido notificação à arguida a designar data para audiência de julgamento, ou despacho, expresso e inequívoco, a afirmar que a decisão final iria ser proferida por mero despacho, não se iniciou o prazo de 10 dias para a arguida autoliquidar a taxa de justiça, nos termos previstos no artigo 8.º, n.º 8, do RCP.
E, assim sendo, como se entende, inexiste fundamento legal para determinar o desentranhamento da impugnação judicial.
Refira-se, a finalizar e en passant, que a circunstância de, posteriormente, em 09-02-2024, a arguida/recorrente ter pago a taxa de justiça e multa para além do prazo que lhe foi fixado (08-02-2024), irreleva para a decisão, uma vez que também em tal situação falta o requisito necessário para o início do prazo de pagamento da taxa de justiça, rectius, notificação à arguida da data de marcação da audiência de julgamento ou do despacho que a considere desnecessária.
Aqui chegados, só nos resta concluir pela procedência das conclusões da motivação de recurso, pelo que deve revogar-se o despacho recorrido que ordenou o desentranhamento da impugnação judicial.
V. Decisão
Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em conceder provimento ao recurso, e, em consequência, revoga-se o despacho recorrido, que ordenou o desentranhamento da impugnação judicial.
Sem tributação.
(Documento elaborado e integralmente revisto pelo relator)
Évora, 27 de junho de 2024 João Luís Nunes (relator) Paula do Paço Emília Ramos Costa
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[1] Relator: João Nunes; Adjuntas: (1) Paula do Paço, (2) Emília Ramos Costa.