CONTRATO DE SEGURO
ÓNUS DE ALEGAÇÃO E PROVA
MORTE
Sumário


I - Sendo a actividade seguradora uma actividade de risco, facilmente se compreende a importância que tem para a seguradora o conhecimento de todos os factos que possam aumentar ou diminuir esse risco, e que uma das obrigações fundamentais do tomador do seguro ou do segurado seja a declaração de risco. Daí que a lei estabeleça que o tomador do seguro ou o segurado está obrigado, antes da celebração do contrato, a declarar com exactidão todas as circunstâncias que conheça e razoavelmente deva ter por significativas para a apreciação do risco pelo segurador.
II - Em sede de declaração inicial do risco, a obrigação de esclarecimento e verdade a cargo do segurado não se dirige tão só para as respostas a dar em face de um eventual questionário que lhe tenha sido fornecido pela seguradora, antes tem a mesma por objecto também todas as circunstâncias que conheça e que razoavelmente deva ter por significativas para a apreciação do risco pelo segurador, ainda que não integrantes de qualquer questionário.
III - Cabe à seguradora o ónus de alegar os factos impeditivos da validade do contrato de seguro que considere verificados – tendo de alegar e demonstrar que foram efectivamente prestadas declarações omissivas acerca de determinada patologia que, já então, afectava o segurado e que, se a seguradora a tivesse oportunamente conhecido, não teria, segundo a sua prática comercial, contratado nos termos em que o fez, não assumindo consequentemente os riscos cuja cobertura lhe é exigida através da acção.
IV - Tendo a seguradora aceitado o seguro, garantindo o risco de morte do segurado, e concluindo-se não terem sido prestadas declarações inexactas ou omissivas pelo segurado sobre o seu estado de saúde, integrantes da previsão dos n.ºs 1 e 2 do artigo 24º do RJCS, ocorrendo a morte do segurado ficou a seguradora obrigada ao pagamento da prestação convencionada.
(Sumário elaborado pelo relator)

Texto Integral



Recurso de Apelação n.º 1057/21.6T8STB.E1

Acórdão da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora

I – Relatório
1. AA e BB intentaram acção de processo comum contra a AEGON Santander Portugal Vida – Companhia de Seguros de Vida, S.A., pedindo, na procedência da acção, a condenação da Ré nos seguintes pedidos:
a) No pagamento a favor dos Autores, do valor correspondente a todas as prestações pagas ao Banco Santander, no âmbito do contrato de crédito à habitação identificado neste articulado que em 30/09/2020 correspondia ao montante de € 10 887,57 (dez mil oitocentos e oitenta e sete euros e cinquenta e sete euros), e cujo valor global será quantificado em sede de liquidação até ao trânsito em julgado da decisão que ponha termo à presente lide, nos termos e para os efeitos do artigo 358.º do Código de Processo Civil;
b) No pagamento do capital seguro, directamente ao beneficiário da apólice do seguro de vida, o Banco Santander Totta, correspondente ao valor remanescente do capital em dívida, deduzidas que estejam as prestações que foram pagas para amortização do crédito subscrito entre esta entidade bancária e a pessoa segura e cujo valor efectivo será quantificado em sede de liquidação até ao trânsito em julgado da decisão que ponha termo à presente lide, nos termos e para os efeitos do artigo 358.º do Código de Processo Civil;
c) No pagamento a favor de cada um dos Autores de quantia de € 3 500,00 (três mil e quinhentos euros) a título de indemnização por danos não patrimoniais;
d) No pagamento dos juros, vencidos e vincendos, que incidam sobre todas as quantias já pagas e as que venham a ser pagas pelos Autores na pendência desta acção, desde a data do respectivo vencimento e até integral pagamento pela Ré, assim como a sua condenação em custas de parte.
e) Ou em alternativa, e a ser reconhecida validade jurídica à causa de exclusão da regularização do sinistro suscitada pela Ré, deve esta ser condenada a restituir aos Autores a totalidade do valor dos prémios do seguro respeitante à apólice identificada nestes autos, desde a data da sua celebração em 06/12/2017 que corresponde ao montante global de € 25 085,82 (vinte e cinco mil oitenta e cinco euros e oitenta e dois cêntimos) e ainda no valor dos prémios que forem pagos após a data da entrada da presente acção em juízo, valor este a ser quantificado em sede de liquidação até ao trânsito em julgado da decisão que ponha termo à presente lide, nos termos e para os efeitos do artigo 358.º do Código de Processo Civil e ainda nos juros, vencidos e vincendos, que incidam sobre estas quantias até integral pagamento.

2. Para tanto, alegaram, em síntese, que o falecido CC celebrou com a Ré um contrato de seguros do ramo vida tendo por objecto a cobertura/garantia de morte e invalidez total ou permanente, que na vigência desse contrato veio a ocorrer o seu óbito, e que a Ré veio a declinar a sua responsabilidade contratual e a proceder à anulação do contrato, invocando que o falecido omitiu informações importantes para avaliação do risco, o que não corresponde à verdade.

3. Devidamente citada a Ré veio no seu articulado de contestação invocar a anulabilidade do contrato de seguro por prestação de falsas declarações por parte do falecido que alteraram a apreciação do risco, na medida em que omitiu que padecia de aterosclerose, concluindo pela improcedência da acção, com a inerente absolvição da Ré dos pedidos.

4. Findos os articulados foi proferido despacho saneador e procedeu-se à identificação do objecto do litígio e enunciação dos temas da prova.
Terminada a fase de instrução do processo, realizou-se audiência final, com observância do formalismo legal.
No decurso da audiência de julgamento vieram os Autores proceder à ampliação do valor dos pedidos formulados nos artigos 61.º e 62.º, 65.º e 66.º da petição inicial e nas alíneas a) e e) do pedido final inserto nesse articulado, conforme se segue:
“a) Pagamento a favor dos Autores, do valor correspondente a todas as prestações pagas ao Banco Santander, desde a data do falecimento de CC, no âmbito do contrato de crédito à habitação identificado neste articulado que em 30/03/2022 correspondia ao montante de € 23 552,28 (vinte e três mil quinhentos e cinquenta e dois euros e vinte e oito cêntimos) e cujo valor global será quantificado em sede de liquidação até ao trânsito em julgado da decisão que ponha termo à presente lide, nos termos e para os efeitos do artigo 358.º do Código de Processo Civil;
e) Ou em alternativa, e a ser reconhecida validade jurídica à causa de exclusão da regularização do sinistro suscitada pela Ré, deve esta ser condenada a restituir aos Autores a totalidade do valor dos prémios do seguro respeitante à apólice identificada nestes autos, desde a data da sua celebração em 06/12/2017 e que, em 14/06/2022, corresponde ao montante global de € 30 556,70 (trinta mil quinhentos e cinquenta e seis euros e setenta cêntimos) e ainda no valor dos prémios que forem pagos após esta data, valor este a ser quantificado em sede de liquidação até ao trânsito em julgado da decisão que ponha termo à presente lide, nos termos e para os efeitos do artigo 358.º do Código de Processo Civil e ainda nos juros, vencidos e vincendos, que incidam sobre estas quantias até integral pagamento.”
A ampliação do pedido foi admitida.

5. Após, veio a ser proferida sentença, na qual se decidiu:
«… julgo a presente acção parcialmente procedente e, em consequência da anulação do contrato de segura, condena-se a Ré a restituir aos Autores a quantia de € 30.556,70, acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação até integral pagamento.»

6. Inconformados recorreram os Autores, nos termos e com os fundamentos seguintes [segue transcrição das conclusões do recurso]:
1.ª O presente recurso incide sobre a matéria julgada improcedente inserta nos pedidos principais formulados pelos Apelantes nas alíneas a) a d) apresentados na sua Petição Inicial;
2.ª Caso V. Exas entendam aderir à posição do Tribunal “a quo” vertida na Sentença Recorrido, deve manter-se a procedência do pedido alternativo (alínea e) da Petição Inicial) devendo a Apelada ser condenada na restituição do valor total dos prémios que resultaram pagos durante o período em que vigorou o contrato de seguro de vida, conforme estatuído na Sentença Recorrida;
3.ª O Tribunal Recorrido fez um julgamento incorrecto dos factos insertos nos números 3), 4), 5), 6), 9), 17), 18), 19), 24) da Matéria de facto Provada da sentença recorrida e nas alíneas a), b), c) e d) dos factos não provados da sentença recorrida.
4.ª O Tribunal Recorrido incorre em erro de julgamento, tanto da matéria de facto, como na análise dos elementos probatórios juntos aos presentes autos, quando interpretados na sua plenitude.
5.ª Com base, essencialmente, no teor dos pontos 3), 4), 17), 18) e 19) dos factos provados e alínea a) dos factos não provados, o Tribunal Recorrido entende estarem preenchidos os pressupostos da invalidade do contrato de seguro, por via da anulabilidade e considera que o falecido CC omitiu factos relevantes acerca do seu estado de saúde o que influiu a Apelada sobre a sua decisão de contratar, estando a declaração negocial eivada em erro-vicio da vontade.
6.ª No que concerne concretamente à questão n.º 00116 do questionário clínico junto à proposta de seguro – “Sofre de doença de sangue?” - (pontos 3 e 4 dos factos provados), a testemunha DD, defendeu que o Sinistrado respondeu não a essa questão e que caso a resposta tivesse sido afirmativa, o questionário activaria um conjunto de outros quesitos nos quais se perguntaria se sofre de aterosclerose (cfr. acta de julgamento de 13/07/2022 – depoimento gravado das 10h06m45s às 10h51m04s - Passagens relevantes para a presente matéria do recurso: gravação de 00:34:50 a 00:39:12).
7.ª Esta testemunha (responsável pela área de contratação da Apelada não teve qualquer participação na fase inicial da contratação e subscrição da apólice (cfr. acta de julgamento de 13/07/2022 – depoimento gravado das 10h06m45s às 10h51m04s - Passagens relevantes para a presente matéria do recurso: gravação de 00:01:40 a 00:04:45).
8.ª A testemunha declarou que seria o mediador ou apresentante da proposta que ia perguntando ao segurado e ia preenchendo o questionário em função das respostas fornecidas por este (cfr. acta de julgamento de 13/07/2022 – depoimento gravado das 10h06m45s às 10h51m04s – Passagens relevantes para a presente matéria do recurso: gravação de 00:34:50 a 00:39:12).
9.ª Não resulta demonstrado por via do depoimento desta testemunha, nem por nenhum outro depoimento prestado nestes autos, que o falecido CC tenha sido devidamente esclarecido sobre o que é uma doença de sangue e se lhe foram exibidas as sub-questões supostamente existentes no ponto 00116 do questionário, nas quais, alegadamente, estaria incluído um quesito sobre a existência de aterosclerose.
10.ª Não tendo sido ouvido o mediador ou a pessoa, que, em representação da seguradora apresentou a proposta de seguro (no documento n.º 4 junto à PI, encontra-se mencionado que a proposta de seguro foi apresentada por EE), não é possível provar que tenha havido da pessoa segura uma resposta omissiva e culposa à questão 00116 e em relação ao seu estado de saúde, concretamente em relação à existência ou não de aterosclerose.
11.ª A questão “Sofre de doença de sangue?” - assume um pendor genérico e não encerra a identificação de uma concreta patologia de saúde, não sendo matéria de conhecimento óbvio.
12.ª Segundo a Federação Portuguesa de Cardiologia e a Sociedade Portuguesa de Aterosclerose, a aterosclerose é uma doença cardiovascular que decorre da deposição de placas de ateroma (gordura) nos nossos vasos sanguíneos (cfr. informação disponibilizada por estas duas entidades em http://www.fpcardiologia.pt/aterosclerose/ehttps://www.spaterosclerose.org/aterosclerose-o-que-e.html ).
13.ª Tal definição dessa doença é compartilhado pelo profissionais médicos, ouvidos em julgamento, FF (cfr. acta de julgamento de 25/01/2022 – depoimento gravado das 09h37m14s às 10h07m19s - Passagens relevantes para a presente matéria do recurso: gravação de 00:10:01 a 00:16:30; 00:22:31 a 00:26:45) e GG (cfr. acta de julgamento de 13/07/2022 – depoimento gravado das 10h51m17s às 11h25m09s - Passagens relevantes para a presente matéria do recurso: gravação de 00:08:06 a 00:09:10).
14.ª Em resultado dos supra referidos depoimentos dos profissionais médicos arrolados como testemunhas nestes autos e da informação clínica recolhida nos supra referidos sítios da internet da área da cardiologia, resulta demonstrado que a aterosclerose é uma doença cardiovascular e não uma doença de sangue.
15.ª Não está provado que o Segurado tenha sido devidamente esclarecido do que é uma doença de sangue, assim como não resulta demonstrado que lhe tenham sido exibidas as múltiplas opções, que segundo a testemunha DD, estariam insertas no ponto 00116 do questionário.
16.ª Contrariamente ao disposto na fundamentação de facto da Sentença Recorrida, não emerge, ao longo do depoimento da testemunha HH, que o ponto 00016 do questionário contenha questão sobre a aterosclerose e que esta patologia seja designada por doença de sangue (cfr. depoimento da testemunha HH - cfr. acta de julgamento de 13/07/2022 – depoimento gravado das 11h32m03s às 12h07m33s).
17.ª Com base na resposta ao ponto 00116 do questionário, a Sentença Recorrida não podia concluir que o falecido CC tenha omitido que sofria de aterosclerose.
18.ª Não resulta da responsabilidade do então segurado qualquer omissão, no que à informação complementar à diabetes respeita (documento de fls 29 dos autos), relativamente à aterosclerose, atendendo ademais ao teor dos pontos 5 e 6 dos factos provados.
19.ª A informação complementar à diabetes foi preenchida e subscrita pelo médico assistente que acompanhava o falecido CC, tendo este feito fé em tal informação clínica.
20.ª O falecido CC não omitiu que sofria de aterosclerose, tanto no que concerne às respostas prestadas no questionário clínico inserto na proposta de seguro, como no âmbito da informação complementar à diabetes outorgada pelo seu médico assistente.
21.ª Parte da matéria respeitante ao ponto 17 dos factos provados, em particular aquela que refere que o Segurado sabia que padecia de aterosclerose, não resulta evidenciada através dos elementos de prova juntos aos autos.
22.ª Não subsiste nenhum elemento de prova, documental ou testemunhal, que ateste que o Segurado sabia que padecia de Aterosclerose.
23.ª “(...) o segurado não tem de saber aspectos médicos, pelo que é solicitado informação médica ao médico que está mais dentro da situação (...)” (cfr. depoimento da testemunha HH - cfr. acta de julgamento de 13/07/2022 – depoimento gravado das 11h32m03s às 12h07m33s - Passagem relevante para a presente matéria do recurso: gravação de 00:07:00 a 00:07:39).
24.ª O falecido CC era pessoa altamente responsável, cuidadosa e não era pessoa de ocultar informação acerca do seu estado de saúde, caso tivesse conhecimento da mesma (cfr. depoimentos das testemunhas II [cfr. acta de julgamento de 25/01/2022 – depoimento gravado das 10h52m59s às 10h01m21s - Passagens relevantes para a presente matéria do recurso: gravação de 00:03:36 a 00:05:20; 00:05:21 a 00:07:29], JJ [cfr. acta de julgamento de 25/01/2022 – depoimento gravado das 11h09m28s às 11h18m08s - Passagem relevante para a presente matéria do recurso: gravação de 00:05:40 a 00:08:26], KK [cfr. acta de julgamento de 25/01/2022 – depoimento gravado das 10h42m09s às 10h52m56s – Passagem relevante para a presente matéria do recurso: gravação de 00:07:01 a 00:07:59] e LL [cfr. acta de julgamento de 25/01/2022 – depoimento gravado das 11h01m49s às 11h09m26s - Passagem relevante para a presente matéria do recurso: gravação de 00:04:54 a 00:06:35].
25.ª Todos os profissionais médicos que foram ouvidos, referiram que a aterosclerose é consequência da diabetes (Depoimento da testemunha HH - cfr. acta de julgamento de 13/07/2022 – depoimento gravado das 11h32m03s às 12h07m33s – passagens relevantes para a presente matéria do recurso: gravação de 00:08:31 a 00:10:25; 00:11:16 a 00:13:24; 00:15:00 a 00:16:33; 00:24:00 a 00:31:10), (Depoimento da testemunha GG - cfr. acta de julgamento de 13/07/2022 – depoimento gravado das 10h51m17s às 11h25m09s - Passagem relevantes para a presente matéria do recurso: gravação de 00:05:00 a 00:06:50; 00:06:51 a 00:08:05; 00:18:00 a 00:19:35), (Depoimento da testemunha FF - cfr. acta de julgamento de 25/01/2022 – depoimento gravado das 09h37m14s às 10h07m19s – Passagens relevantes para a presente matéria do recurso: gravação de 00:10:01 a 00:16:30; 00:26:48 a 00:30:07).
26.ª Segundo o depoimento da testemunha HH, não obstante todo o diabético ter doença aterosclerótica, pode, porém, a mesma ser ignorada através de um bom controlo da diabetes e acrescentou ainda que tal patologia de natureza vascular pode não ser sintomática e não ser significativa em termos clínicos (cfr. depoimento da testemunha HH - cfr. acta de julgamento de 13/07/2022 – depoimento gravado das 11h32m03s às 12h07m33s – Passagens relevantes para a presente matéria do recurso: gravação de 00:10:30 a 00:11:15 e 00:11:16 a 00:13:24).
27.ª Não se revelou nestes autos, qual o estado evolutivo da aterosclerose do falecido CC à data da subscrição da apólice de seguro.
28.ª A testemunha HH, falou somente do agravamento da aterosclerose por via do processo de hemodiálise a que o segurado passou a ser submetido a partir de 2014, ou seja, dois anos após a outorga do contrato de seguro e tendo somente dito, genericamente, que num doente diabético o processo de evolução da aterosclerose é um processo acelerado (cfr. acta de julgamento de 13/07/2022 – depoimento gravado das 11h32m03s às 12h07m33s - Passagens relevantes para a presente matéria do recurso: gravação de 00:24:00 a 00:31:10 e 00:31:58 a 00:32:52).
29.ª A aterosclerose do Segurado podia ainda nem sequer ser sintomática à data da outorga do contrato, pelo que o falecido CC podia não saber que padecia de tal patologia.
30.ª Não tendo o seu médico assistente indicado tal patologia, no relatório complementar ao questionário clínico, a pessoa segura não tinha a obrigação de saber que padecia também dessa doença.
31.ª A conjugação dos depoimentos das testemunhas ora referenciados, com a análise dos elementos probatórios carreados para os autos e referidos nestas alegações em relação à reapreciação dos pontos 3) e 4) da factualidade, permite concluir como não provado que o falecido sabia que padecia de aterosclerose.
32.ª Não afastando na íntegra o teor do ponto 17 dos factos provados, uma vez que a documentação clínica apresentada atesta que o Segurado padecia de aterosclerose, o mesmo deve, porém, ser objecto de modificação devendo o seu teor passar a ser o seguinte: 17) No momento em que foi subscrita a proposta de seguro, o falecido padecia de aterosclerose.
33.ª Os pontos 18 e 19 não devem subsistir na matéria de facto provada da sentença Recorrida e a alínea a) dos factos não provados deve ser dado como assente.
34.ª Emerge do ponto 9 dos factos provados, atendendo à circunstância do falecido CC sofrer da diabetes, o agravamento do prémio da apólice do seguro para um valor anual de € 3 500,36, o que corresponde a um prémio mensal de € 291,69, representando um agravamento de 150%
35.ª A testemunha HH considerou inclusive que a avaliação inicial do risco inerente à subscrição do seguro constituiu uma “apreciação pesada”, tendo implicado o agravamento do prémio de seguro em 150%, relativamente ao risco “morte” e resultado recusada a cobertura de invalidez permanente (cfr. depoimento da testemunha HH - cfr. acta de julgamento de 13/07/2022 – depoimento gravado das 11h32m03s às 12h07m33s - Passagem relevante para a presente matéria do recurso: gravação de 00:08:00 a 00:08:30).
36.ª Os profissionais médicos GG, FF e HH ouvidos em sede de julgamento, transmitiram que a aterosclerose, não obstante ser uma condição que afecta a todas as pessoas, é passível de constituir uma patologia que é susceptível de ser agravada por via da diabetes, constituindo uma patologia clínica de alto risco (Depoimento da testemunha GG - cfr. acta de julgamento de 13/07/2022 – depoimento gravado das 10h51m17s às 11h25m09s - Passagem relevante para a presente matéria do recurso: gravação de 00:15:34 a 00:17:43); (Depoimento da testemunha FF - cfr. acta de julgamento de 25/01/2022 – depoimento gravado das 09h37m14s às 10h07m19s - Passagem relevante para a presente matéria do recurso: gravação de 00:26:48 a 00:30:07); (Depoimento da testemunha HH - cfr. acta de julgamento de 13/07/2022 – depoimento gravado das 11h32m03s às 12h07m33s - Passagem relevante para a presente matéria do recurso: gravação de 00:24:00 a 00:31:10).
37.ª O falecido CC, enquanto diabético, não constituiria uma excepção de doente diabético susceptível de potenciar doença aterosclerótica, conforme se concluem do supra referidos depoimentos.
38.ª A Seguradora ao ter aceitado outorgar um seguro de saúde com o falecido CC, tinha plena consciência e conhecimento do risco, atendendo a que estava a contratar um seguro de vida com um doente que padecia de Diabetes Mellitus tipo II.
39.ª A seguradora tinha perfeito conhecimento de que estava a conceder um seguro de vida a um homem de 54 anos, com obesidade (do questionário clínico consta um peso de 125 kg), diabético há 10 anos e insulino dependente, ou seja, com elevados factores de risco associados.
40.ª A Seguradora, dotada de um corpo clínico altamente especializado, sabia e sabe que o Sr. CC, ao ser diabético, sofria também de aterosclerose e tinha uma esperança de vida encurtada em pelo menos 10 anos, comparativamente à esperança de vida de uma pessoa saudável.
41.ª Foi com base em tal conhecimento que resultou imposto o substancial agravamento do prémio anual do seguro a pagar pelo segurado para o montante anual de € 3 500,36.
42.ª Também foi com base nesse conhecimento que foi recusada a cobertura respeitante à invalidez permanente.
43.ª A Apelada não viu aumentar o risco decorrente do seguro que foi outorgado com o falecido CC, atendendo ao prémio de seguro que aplicou.
44.ª A Seguradora anteviu, ou devia antever, quais as possíveis consequências da diabetes, nomeadamente o agravamento da aterosclerose e as consequências que acabaram por estar associadas ao falecimento do Sr. CC.
45.ª Ao ter aceitado a proposta de seguro nos termos apresentados, a Seguradora demonstrou que estava satisfeita com o diagnóstico clínico e com o risco perfeitamente calculado, atendendo ao prémio de seguro que iria cobrar e aos termos e condições contratuais que resultaram impostos ao segurado.
46.ª Contrariamente ao que resulta vertido na Sentença Recorrida, não se pode conceder que, perante a ocorrência do falecimento do segurado e com base num raciocínio de prognose póstuma, seja admitido que a Apelada não teria aceite celebrar o contrato de seguro nos termos em que o fez, justificando-se assim, conforme emerge do aresto recorrido, a anulação do contrato.
47.ª Tendo por base os elementos documentais juntos aos autos, em particular o questionário clínico a que o segurado respondeu, a informação complementar à diabetes, o relatório de autópsia e o relatório clínico outorgado pela Testemunha GG (Docs. n.ºs 2, 4 e 17 juntos à PI), assim como o depoimento das testemunhas FF, GG e HH, impõe-se que resulte afastado dos factos provados o teor do ponto n.º 19 da matéria de facto da Sentença Recorrida.
48.ª Já o ponto 18), deve ser modificado e obedecer à seguinte redacção: 18) A Seguradora tinha pleno conhecimento de que o Segurado sofria de Diabetes e anteviu quais as possíveis consequências dessa doença, nomeadamente o previsível agravamento da aterosclerose e foi com base em tal conhecimento que a Ré tomou a decisão de aceitar celebrar o contrato de seguro do ramo vida nos termos e condições em que o fez.
49.ª E a matéria da alínea a) do facto não provados deve passar a constar no rol dos factos provados da Sentença.
50.ª Atento o depoimento da testemunha FF e conforme resulta reconhecido pelo Tribunal Recorrido na fundamentação de facto inserta na Decisão Recorrida, aos factos provados deve ainda ser aditado o seguinte facto:- A diabetes é um factor de risco para o desenvolvimento e agravamento de doença aterosclerótica.
51.ª O facto dado como provado no ponto 24 da factualidade, conjugado com a prova testemunhal produzida em sede de julgamento, impunha ao Tribunal Recorrido dar como provados os factos das alíneas b), c) e d) que constam na matéria de facto não provada da Sentença Recorrida.
52.ª A matéria das alíneas b), c) e d) dos factos não provados resultou demonstrada por via do depoimento das testemunhas MM (cfr. acta de julgamento de 25/01/2022 – depoimento gravado das 10h21m47s às 10h47m07s - Passagens relevantes para a presente matéria do recurso: gravação de 00:12:45 a 00:13:40; 00:14:56 a 00:17:59) e KK (cfr. acta de julgamento de 25/01/2022 – depoimento gravado das 10h42m09s às 10h52m56s - Passagem relevante para a presente matéria do recurso: gravação de 00:08:20 a 00:10:30).
53.ª Destarte, conforme decorre do ponto 24 dos factos provados, a conduta da Apelada, ao ter declinado a responsabilidade pelo pagamento do capital seguro, implicou que os Apelantes, por via de capitais próprios, continuassem a amortizar o pagamento das prestações do crédito mutuário, que estava garantido através do seguro de vida outorgado com a Apelada.
54.ª Conforme afiançaram as testemunhas MM e KK tal constituiu uma clara limitação às actividades da vida diária dos Apelantes e condicionou o bem estar dos mesmos e das suas famílias, tendo, inclusive, retirado aos mesmos o usufruto de períodos de lazer e bem estar e impedido o gozo de férias, de passeios ou viagens aos fins de semana e o convívio com amigos.
55.ª Todo esse circunstancialismo afectou a estabilidade emocional dos Apelantes, com manifestas repercussões no seu bem estar físico e psicológico o que constitui danos de natureza não patrimonial, merecedores da tutela do direito, que o Tribunal Recorrido não podia subvalorizar, mas que se têm por verificados, e que devem ser justamente compensados, conforme resultou peticionado pelos Apelantes nos presentes autos.
56.ª Em consideração aos depoimentos das testemunhas supra identificadas, o teor das alíneas b), c) e d) dos factos não provados, deve passar a constar na matéria de facto provada da Sentença recorrida.
57.ª No que concerne à reapreciação da matéria de facto, a Sentença Recorrida deve assim ser modificada nos seguintes termos:
- Os pontos 17 e 18 dos factos provados devem ser alterados, devendo o seu teor passar a ser o seguinte:
17) No momento em que foi subscrita a proposta de seguro, o falecido padecia de aterosclerose.
18) A Apelada tinha pleno conhecimento de que o Segurado sofria de Diabetes e anteviu quais as possíveis consequências dessa doença, nomeadamente o previsível agravamento da aterosclerose e foi com base em tal conhecimento que a Ré tomou a decisão de aceitar celebrar o contrato de seguro do ramo vida nos termos e condições em que o fez.
- Os factos das alíneas a), b), c) e d) incluídos nos factos não provados da Sentença Recorrida, devem passar a constar nos factos provados do aludido aresto.
- A matéria do ponto 19 deve ser expurgada do rol dos factos provados indicados no aresto recorrido.
À matéria de facto deve ainda ser aditado o seguinte facto:
- A diabetes é um factor de risco para o desenvolvimento e agravamento de doença aterosclerótica.
58.ª Resulta expresso na Sentença recorrida o reconhecimento de não ter o Segurado “ (...) actuado com dolo ou má-fé do interessado, traduzido na deliberada intenção de, através da prestação de declarações inexactas, enganar e prejudicar a seguradora no que concerne à celebração ou ao conteúdo das cláusulas do contrato (...)”.
59.ª A nossa Jurisprudência partilha o entendimento de que “para a invalidade do contrato de seguro não basta a demonstração da declaração inexacta ou reticente, sendo indispensável a prova de que ela influiria sobre a existência ou sobre as condições do contrato, ou seja, a prova da existência de um nexo de causalidade entre a inexactidão e a outorga do contrato ou as suas cláusulas” (cfr. acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 21/10/2021 – P.º n.º 20595/15.3T8SNT.L1- 6 – www.dgsi.pt ).
60.ª E “cabe à ré seguradora o ónus de provar que não teria celebrado o contrato de seguro ou que o teria celebrado noutras condições se tivesse tido conhecimento de factos ou circunstâncias inerentes à saúde do segurado e dele conhecidas que não lhe foram comunicadas” (cfr. acórdão supra citado).
61.ª Atendendo aos factos dados como provados na Sentença Recorrida e à matéria de facto que resulta impugnada e cuja modificação é requerida no presente recurso, é manifesto que o falecido CC não omitiu, nem dolosa nem sequer negligentemente, qualquer dado relevante susceptível de viciar a vontade de contratar pela Ré Seguradora.
62.ª O falecido, atendendo à forma como resultou quesitado o teor do ponto 00116 do questionário clínico da apólice, não ocultou que padecia de aterosclerose.
63.ª Não resultou cabalmente esclarecido sobre o que é uma doença de sangue e não se deu por provado se ao Segurado lhe foram exibidas as sub-questões supostamente existentes no ponto 00116 do questionário, nas quais estaria incluído um quesito sobre a existência de aterosclerose.
64.ª A aterosclerose é doença cardiovascular e tal categoria de doença nem sequer vem descrita no questionário clínico da proposta de seguro.
65.ª Atendendo à definição clínica de “doença de sangue” e não sendo a aterosclerose uma doença de sangue, devemos concluir, em bom rigor, que o falecido CC ao responder “Não” no ponto 00116 não omite que sofre de aterosclerose.
66.ª O falecido CC não omitiu, culposamente, que sofria de aterosclerose, nem subsiste nenhum elemento de prova, documental ou testemunhal, que ateste que o Segurado sabia que padecia de tal patologia.
67.ª A aterosclerose ou o seu agravamento é consequência da diabetes, e esta patologia o Segurado não ocultou.
68.ª Desconhece-se qual o estado evolutivo da aterosclerose à data da subscrição da apólice de seguro e atendendo à informação complementar à diabetes que foi prestada pelo seu médico assistente, o Segurado também não tinha a obrigação de conhecer que sofria de aterosclerose, ao contrário do entendimento do Tribunal Recorrido.
69.ª A pessoa segura não omitiu nem dolosa, nem sequer negligentemente, qualquer dado relevante susceptível de viciar a vontade de contratar pela Ré Seguradora.
70.ª O Segurado declarou todas as circunstâncias que conhecia e que razoavelmente se tinham por significativas para a apreciação do risco pelo seguradora.
71.ª Ainda que se pudesse imputar ao Segurado uma omissão ou declaração inexacta ou reticente, nunca dolosa conforme conclui o aresto recorrido, a verdade é que tal circunstancialismo não se revelou, nem revelaria, passível de afectar ou influenciar a decisão de contratar da Seguradora.
72.ª O falecido CC, não constituía uma excepção de doente diabético que padece de doença aterosclerótica.
73.ª A Seguradora aceitou outorgar um seguro de vida com o Falecido CC, com a plena consciência do risco, atendendo a que estava a celebrar um contrato com um doente diabético insulinodependente, que padecia de obesidade e já contava com 54 anos de idade.
74.ª Com base em tal conhecimento a Seguradora impôs ao Segurado um substancial agravamento do prémio anual do seguro e afastou a cobertura de invalidez permanente, acautelando assim o agravamento do risco emergente do estado de saúde do falecido CC.
75.ª A Seguradora anteviu quais as possíveis consequências da doença de que o falecido CC padecia, designadamente o agravamento da aterosclerose e as consequências que acabaram por estar associadas ao falecimento da pessoa segura.
76.ª A Seguradora ao ter aceitado a proposta de seguro nos termos apresentados, demonstrou que estava satisfeita com o diagnóstico clínico e com o risco perfeitamente calculado, atendendo ao prémio de seguro que iria cobrar e às condições contratuais que aplicou.
77.ª Inexiste nexo de causalidade entre a alegada omissão da existência de aterosclerose e a outorga do contrato e as suas cláusulas, uma vez que a Seguradora acautelou perfeitamente o risco mediante o substancial agravamento do prémio de seguro que impôs ao Segurado.
78.ª Contrariamente ao estatuído na Sentença Recorrida, não se têm por verificados os pressupostos da invalidade do contrato, devendo resultar afastado qualquer fundamento que conduza à anulação do contrato.
79.ª Não pode a Apelada, prevalecer-se e invocar a anulação do contrato, com base em omissão não dolosa de resposta a pergunta do questionário clínico.
80.ª Por aplicação do disposto nos artigos 24,º, n.ºs 1 e 2 e 25.º, n.º 1 da Lei do Contrato de Seguro, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 72/2008 de 16 de Abril, a Douta Decisão Recorrida deve ser modificada segundo o ponto de vista da subsunção dos factos ao direito.
81.ª Não se verificou qualquer pressuposto que justifique a anulação do contrato de Seguro, pelo que a decisão recorrida violou, manifestamente o disposto nos artigos 24.º, n.ºs 1 e 2 e 25.º, n.º 1 da Lei do Contrato de Seguro, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 72/2008 de 16 de Abril.
82.ª A Apelada deve ser condenada no pagamento do capital seguro, calculado à data do óbito do Segurado CC, atento disposto nas alíneas a), d) e e) do n.º 3 do artigo 24.º da Lei do Contrato de Seguro, disposições normativas que resultam igualmente violadas por parte do Tribunal Recorrido.
83.ª Os Apelantes sofreram danos da natureza não patrimonial e que resultaram demonstrados conforme supra enunciado na Impugnação da Matéria de facto e o Tribunal Recorrido omite o preenchimento dos respectivos pressupostos da responsabilidade civil que deve ser imputada à Apelada.
84.ª Resultam demonstrados o facto e a ilicitude que radica na conduta da Apelada não ter cumprido a sua obrigação de pagar o capital seguro.
85.ª Têm-se por verificados os danos resultantes da conduta da Apelada que consistiram no aumento de encargos para os Apelantes e a consequência desses mesmos danos para a vida quotidiana dos mesmos, em particular os efeitos nefastos de cariz emocional.
86.ª Encontra-se demonstrada a relação entre o facto e os referidos danos, conduzindo assim à verificação do nexo de causalidade.
87.ª A Sentença Recorrida devia ter julgado procedente o pedido indemnizatório peticionado pelos Apelantes, a título de danos não patrimoniais sofridos, em obediência ao disposto nos artigos 483, n.º 1, 496.º, n.º 1, 562.º e 563.º do Código Civil, normas que resultaram violadas por parte do Tribunal “A Quo”.
Termos em que ora se requer a V. Exas, VENERANDOS JUÍZES DESEMBARGADORES DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA, se dignem conceder provimento ao presente recurso e em consequência revogar a sentença recorrida e condenar a Apelada AEGON SANTANDER PORTUGAL VIDA – COMPANHIA DE SEGUROS DE VIDA, S.A. no pagamento do capital seguro, calculado à data do falecimento do segurado CC, no seguinte modo:
a) No pagamento a favor dos Apelantes, do valor correspondente a todas as prestações pagas ao Banco Santander, no âmbito do contrato de crédito à habitação identificado nos presentes autos e que em 30/03/2022 correspondia ao montante de € 23 552,28 (vinte e três mil quinhentos e cinquenta e dois euros e vinte e oito cêntimos), e cujo valor global será quantificado em sede de liquidação até ao trânsito em julgado da decisão/acórdão que ponha termo à presente lide, nos termos e para os efeitos do artigo 358.º do Código de Processo Civil;
b) No pagamento do capital seguro, directamente ao beneficiário da apólice do seguro de vida, o Banco Santander Totta, correspondente ao valor remanescente do capital em dívida, deduzidas que estejam as prestações que foram pagas para amortização do crédito subscrito entre esta entidade bancária e a pessoa segura e cujo valor efectivo será quantificado em sede de liquidação até ao trânsito em julgado da decisão que ponha termo à presente lide, nos termos e para os efeitos do artigo 358.º do Código de Processo Civil;
c) No pagamento a favor de cada um dos Apelantes da quantia de € 3 500,00 (três mil e quinhentos euros) a título de indemnização por danos não patrimoniais;
d) No pagamento dos juros, vencidos e vincendos, que incidam sobre todas as quantias já pagas e as que venham a ser pagas pelos Apelantes na pendência desta acção, desde a data do respectivo vencimento e até integral pagamento pela Ré, assim como a sua condenação em custas de parte.
Caso V. Exas, Venerandos Juízes Desembargadores, entendam aderir à posição do Tribunal “a quo” vertida na Sentença Recorrida, deve manter-se a procedência do pedido alternativo (alínea e) da Petição Inicial) devendo a Apelada ser condenada na restituição aos Apelantes do valor total dos prémios que resultaram pagos durante o período em que vigorou o contrato de seguro de vida e que corresponde ao montante global de € 30 556,70 (trinta mil quinhentos e cinquenta e seis euros e setenta cêntimos), conforme estatuído na Sentença Recorrida.

7. Contra-alegou a Ré, pugnando pela improcedência do recurso e confirmação da sentença recorrida, sustentando o seu entendimento nas seguintes conclusões do recurso:
A. Os Autores pretendem a alteração da matéria julgada provada e não provada, com a subsequente revogação da sentença proferida em primeira instância, alegando que não resulta demonstrado que o falecido CC tenha sido devidamente esclarecido sobre o que é uma doença de sangue, nem que lhe haviam sido exibidas as sub-questões do ponto 00116 do questionário clínico, nas quais se incluiria a aterosclerose (cf. conclusão 9 do recurso), consequentemente defendem que o referido falecido CC não respondeu de forma omissiva ao questionário desta seguradora.
Contudo,
B. A defesa que os Autores apresentam em recurso – e que se resume ao incumprimento dos deveres de informação por parte desta Seguradora no esclarecimento do proponente, ou a falta de compreensão deste último do teor do questionário que lhe foi apresentado e/ou o carácter genérico do referido questionário – apesar de inverídico, é questão nova, que não foi alvo de discussão entre as partes no momento adequado, e cuja cognição se encontra, por isso, vedada ao Tribunal a quo e ad quem, sob pena de violação do princípio do dispositivo e dos limites quantitativo e objectivo da condenação plasmados nos artigos 5.º e 609.º, n.º 1 do Código de Processo Civil (CPC), termos em que sempre terá de improceder.
Mas vejamos,
C. Resulta da prova produzida – relatório clínico subscrito pelo Dr. NN (junto com a contestação como Doc. 4), do depoimento daquele mesmo médico e até das regras da experiência e do senso comum – que o tomador do seguro falecido, Sr. CC, já padecia de aterosclerose ou doença vascular periférica desde pelo menos 20.01.2010, ou seja, em momento anterior à contratação do seguro de vida, o que não podia desconhecer.
D. A aterosclerose de que padecia o tomador e proponente CC era tanto mais significativa e patológica que já em 2010 constava autonomizada como doença (!), não podendo ser ignorada ou razoavelmente desconhecida à data da contratação do seguro, a contrário do que pretendem os Autores fazer querer em sede recurso.
E. Esta sua autonomização, já em 2010, atesta o evidente: que esta (aterosclerose) não foi uma mera evolução posterior à data da contratação do seguro, que se encontrava mitigada ou era inexistente ou insignificativa àquela data – a contrário do que os Autores pretendem fazer valer em sede de recurso, cuja argumentação sempre improcederá.
Acresce que
F. Aquando da contratação do contrato de seguro de vida em discussão nos presentes autos, o tomador falecido, Sr. CC, omitiu a referida patologia de aterosclerose, conforme resulta dos questionários clínicos que foram submetidos à apreciação da companhia para avaliação do risco – cf. questionário clínico e o questionário clínico específico para a diabetes, que se encontram juntos aos autos como documento 4 com a petição inicial.
G. Importa sublinhar – a contrário do que pretendem os Autores fazer crer – que não releva para o efeito o facto de o questionário clínico ter sido preenchido pelo funcionário do mediador ou banco, na medida em que as informações ali recolhidas só constam por indicação e de acordo com aquelas que o Sr. CC foi fornecendo.
H. Note-se que não era certamente do conhecimento do mediador: o peso, altura, tensão arterial (máxima e mínima), estado profissional, ou qual a toma de medicamentos que o Sr. CC fazia, não fosse tal informação fornecida pelo próprio. Até porque, a final, o próprio tomador conferia as respostas, declarando “… que as informações por mim prestadas neste questionário correspondem em absoluto à verdade e que não ocultei nenhuma informação que possa vir a influir na decisão da Eurovida-Companhia de Seguros de Vida, SA., venha a tomar acerca das condições em que aceita contratar o presente seguro proposto sob pena de o tornar nulo...” – cf. facto provado n.º 4 (negrito nosso)
Acresce que,
I. A aterosclerose é uma lesão repetida nas paredes das artérias – sejam elas quais forem – que, com o depósito de materiais gordurosos, endurecem, podendo causar obstrução dos vasos sanguíneos – sejam eles quais forem – podendo afectar, por conseguinte, vários órgãos vitais (que vêem os seus vasos de fornecimento de sangue com lesões), como cérebro, coração, rins, pernas…
J. Termos em que, desde logo, é falso que a aterosclerose seja em si mesma uma doença ou patologia cardíaca, e não de sangue como identificada pela Seguradora.
K. Mas ainda, a posição que os Autores pretendem sustentar de que o segurado apenas não respondeu com verdade porque não poderia associar a sua patologia a uma doença de sangue, sempre cairia por terra na medida em que o questionário em apreço previa questões quanto ao facto de o mesmo sofrer de alguma doença ou doenças cardíacas – às quais, contudo, o mesmo respondeu, ainda assim, negativamente (!).
L. Ora, inexistem evidências de que o Sr. CC tenha colocado em causa o teor do questionário que lhe foi apresentado, mormente informando que padecia de outra patologia que não conseguia pretensamente enquadrar nas perguntas que lhe estavam a ser colocadas, sendo certo que – se tal ocorresse – seria certamente esclarecido pelo mediador e a inclusão da patologia de aterosclerose constaria ali, conforme explicou a testemunha DD em depoimento gravado [20220713100643_3645297_2871775 – minutos: 00:31:12, 00:34:55, 00:35:47, 00:37:07, 00:37:51, 00:38:35].
M. Até porque resultou da prova produzida, em particular da documentação junta, que 7 – O CC apôs a sua assinatura no seguro de vida/proposta de seguro onde, consta o seguinte “(…) declara ter recebido as Condições Gerais e Especiais do Seguro, bem como, o Boletim Informativo cujos conteúdos tomou conhecimento. Mais declara que lhe foram facultadas todas as informações que necessitava para a sua compreensão, tendo ficado esclarecido quanto à natureza do produto que vai subscrever. – cf. facto provado n.º 7 da sentença recorrida
Em todo o caso,
N. O questionário clínico apresentado não merece qualquer reprimenda, não estando a seguradora sequer obrigada à contratação com base em questionário de risco, sendo o recurso a tal instrumento facultativo, e não tolhendo o dever de informação quanto a matérias não questionadas.
O. Resulta, assim, evidente que o segurado não respondeu com verdade às questões colocadas, omitindo a totalidade do seu quadro clínico aquando da contratação do seguro de vida em discussão nos presentes autos – quadro clínico que não podia razoavelmente desconhecer que teria importância na aferição do risco e contratação do seguro.
P. A Ré Seguradora logrou ainda comprovar que o desconhecimento da patologia omitida determinou a sua vontade de contratar: tivesse a mesma sabido que o tomador falecido padecia de aterosclerose, não teria celebrado o seguro de vida.
Q. Neste particular, convocam-se os depoimentos das testemunhas DD e HH que sustentaram a posição do Tribunal, que não merece censura – depoimento gravado 20220713100643_3645297_2871775, minutos 00:11:26, 00:12:22, 00:12:36, 00:14:09, 00:17:33, 00:19:19, 00:20:14, 00:24:31 | depoimento gravado 20220713113201_3645297_2871775, minutos 00:15:59, 00:17:00.
R. Termos em que sempre soçobrará a argumentação dos Autores em sede de recurso, julgando o Tribunal ad quem a total improcedência do mesmo, mantendo in totum a decisão proferida em primeira instância que julgou procedente a anulabilidade do contrato de seguro, por omissão e incumprimento por parte do tomador do seguro (Sr. CC) do dever de declaração inicial do risco.
S. Em face da prova testemunhal produzida os Autores lograram provar genericamente que a recusa de assunção de responsabilidade por parte desta Ré Seguradora lhes causou um encargo acrescido (facto provado n.º 24 da sentença recorrida), contudo, a prova documental carreada para os autos, ou a testemunhal ouvida, não permitem concluir que os mesmos deixaram de usufruir períodos de lazer e bem-estar, que contribuíam para a sua estabilidade emocional e dos seus familiares, não tendo podido usufruir de férias ou passeios ou viagens aos fins de semana, assim como limitaram substancialmente o convívio com os amigos, passando a andar tristes e amargurados (pontos b) a d) da matéria não provada).
T. Na verdade e sem prejuízo de parte daquela alegação ser – em parte – conclusiva, percorrendo todo o depoimento das testemunhas, em particular da testemunha MM, nada resulta de teor factual particularmente concreto que permita julgar provada a factualidade que os Autores pretendem reverter em sede de recurso.
U. Termos em que concluiu – e bem – o Tribunal a quo que: no que concerne aos factos tidos por não provados assim foram consignados porquanto, para além do supra assinalado, inexistiram elementos probatórios consistentes e objectivos que os traduzissem – ns. b) a d) – e o restante foi infirmado pela prova produzida. – cf. fundamentação da sentença recorrida (negritos nossos).
V. Ora, considerando a ausência de fundamentação atendível para alteração da matéria julgada provada e não provada, não subsiste qualquer motivo para proceder à alteração da aplicação do direito àqueles factos, conforme pretendem os Autores.
W. Em suma, não resulta violada qualquer regra do direito, até porque é evidente que a companhia de seguros logrou comprovar que (i) existia doença pré-existente à contratação do seguro de vida, (ii) que a mesma era do conhecimento ou não podia ser desconhecida pelo tomador do seguro, (iii) que a não declarou, não obstante ser significativa para apreciação do risco, (iv) e que tal declaração omissiva influiu sobre a existência ou condições do contrato, que não teria sido – sequer – celebrado.
Termos em que, inexistindo qualquer necessidade de produção de prova adicional, cumprirá ao Tribunal ad quem julgar improcedente – por não provado – o recurso interposto pelos Autores, mantendo na íntegra a decisão proferida na primeira instância pelo Tribunal a quo (que não merece censura), por via do disposto no artigo 24.º, 25.º e 26.º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, com todas as devidas e legais consequências, mormente a título de custas de processo, de parte e procuradoria condignas.

8. O recurso foi admitido como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
*
II – Objecto do recurso
O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608º, nº 2, 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil.
Considerando o teor das conclusões apresentadas, importa decidir as seguintes questões:
(i) Da impugnação da matéria de facto;
(ii) Da reapreciação jurídica da causa, no sentido de apurar se não existe, ou não, o fundamento considerado na sentença para a anulação do contrato de seguro.
*
III – Fundamentação
A) - Os Factos
A.1. Na 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos [com destaque a bold das alterações efectuadas no recurso]:
1. No dia 6 de Julho de 2019, faleceu CC, no estado civil de divorciado, natural de freguesia e concelho ..., com residência na Rua ..., em ...,
2. No dia 26/03/2012, CC apôs a sua assinatura no escrito denominado seguro de vida/proposta de seguro, junto como doc. nº. 4 com a petição inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzido, destinado a garantir o empréstimo bancário, nomeadamente capital, juros e demais despesas emergentes do contrato de crédito habitação n.º ...64, que solicitou junto do Banco Popular SA.
3. O CC apôs a sua assinatura no escrito denominado questionário Clínico que faz parte integrante desse escrito denominado seguro de vida/proposta de seguro.
4. Esse Questionário Clínico contem, entre outros, os seguintes dizeres.
“(...)
00103 - Toma Medicamentos? Sim;
00104 - Quais? Insulina;
00107 - Sofre Diabetes? Sim.
(…)
00116 – Sofre de Doença de Sangue? Não.
Declarações
Declaro que as informações por mim prestadas neste questionário correspondem em absoluto à verdade e que não ocultei nenhuma informação que possa vir a influir na decisão da Eurovida-Companhia de Seguros de Vida, SA., venha a tomar acerca das condições em que aceita contratar o presente seguro proposto sob pena de o tornar nulo. Mais declaro que autorizo a mesma entidade a inquirir junto de qualquer pessoa ou entidade que me tenha tratado ou examinado por razões de saúde, pedindo todas as informações que julgar necessárias acerca do meu estado de saúde para fins de análise e aceitação do meu pedido de adesão ou em caso de eventual avaliação de um processo de sinistro coberto pelo contrato de seguro”.
5. O CC apôs a sua assinatura na declaração de autorização de acesso a dados de saúde, que faz parte integrante do seguro de vida/proposta de seguro, onde consta, além do mais, que “(…) autorizo a EuroVida – Companhia de Seguros de Vida, S.A., nos termos do n.º 2 do artigo 7.º da Lei 67/98 de 26 de Outubro, a aceder a todas as informações de natureza clínica relevantes para a avaliação da ocorrência de sinistro no âmbito das coberturas da referida apólice, junto de qualquer pessoa ou entidade, incluindo o acesso a resultados de exames médicos realizados, relatórios de tratamentos, relatório de necropsia, e outros dados respeitantes à origem, causas e evolução de eventual sinistro.”
6. A seguradora solicitou ao CC o preenchimento de um questionário específico para a patologia da diabetes, junto a fls 29 dos autos, que aqui se dá por integralmente reproduzido, devendo tal questionário ser preenchido pelo médico assistente do segurado.
7. O CC apôs a sua assinatura no seguro de vida/proposta de seguro onde, consta o seguinte “(…) declara ter recebido as Condições Gerais e Especiais do Seguro, bem como, o Boletim Informativo cujos conteúdos tomou conhecimento. Mais declara que lhe foram facultadas todas as informações que necessitava para a sua compreensão, tendo ficado esclarecido quanto à natureza do produto que vai subscrever.”;
8. A esta adesão veio a corresponder a apólice n.º ...43, do ramo risco vida que tinham como coberturas contratadas a morte ou invalidez total e permanente e estava associada ao contrato de mútuo n.º ...64, com capital seguro de 150.000,00€, pelo prazo de 250 meses.
9. O prémio de seguro devido pela pessoa segura foi agravado, atendendo à circunstância do falecido CC, sofrer de diabetes, correspondendo à referida apólice um prémio de seguro anual total de € 3 500,36.
10. A apólice contém as condições particulares gerais e especiais e o boletim informativo junto a fls. 21 a 28v dos autos que aqui se dão por integralmente reproduzidas.
11. Nos termos do ponto 3.1º, das Condições Gerais das apólices, “não se encontram cobertos os riscos devidos a situação “(…) não se encontram cobertos os riscos devidos a situações preexistente à celebração do contrato de seguro – incluindo doença ou sequela de acidente, que tenham sido alvo de investigação clínica e/ou tratamento e que sejam do conhecimento da Pessoa Seguro ou do Tomador de Seguro à data do preenchimento da Proposta, bem como as consequências de qualquer lesão provocada por tratamento não relacionado com doença ou acidente coberto por este contrato.”
12. A morte do CC foi de causa natural e devido a enfarte recente do miocárdio que sobreveio como complicação de aterosclerose generalizada, sendo grave nas artérias coronárias.
13. A ocorrência do sinistro morte do segurado foi comunicada à ré e a pretensão de receber as quantias referentes às coberturas negociadas.
14. A Ré solicitou a seguinte informação complementar: Preenchimento do impresso e Relatório do médico assistente do falecido, com informação sobre a eventual existência de antecedentes pessoais com as respectivas datas de diagnóstico, evolução e tratamentos efectuados; Relatório Médico da especialidade com data inicio das queixas, data do diagnóstico, resultados dos exames efectuados, tratamentos e antecedentes pessoais com respectivas datas de diagnóstico, evolução e tratamentos efectuados; Certificado de Óbito; Auto da ocorrência ou descrição do acidente/ da ocorrência (caso aplicável); - Relatório da Autópsia com o resultado do exame toxicológico (caso aplicável); Cópia da Conclusão do Processo Judicial (caso aplicável).
15. Apôs a analise dessa documentação, a Ré enviou ao ilustre mandatário dos Autores a missiva electrónica junto a fls. 38 dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzida e no qual consta além do mais, o seguinte “Com base na informação disponibilizada, lamentamos comunicar-vos a impossibilidade de qualquer pagamento do capital referente à apólice em epígrafe, já que, após avaliação pelo nosso Departamento Clínico de toda a documentação amavelmente enviada, verificamos que o presente sinistro se encontra excluído nas Condições Gerais da Apólice, por existirem doenças prévias à subscrição do contrato directamente relacionadas com a causa do falecimento.”
16. Tal posição foi mais tarde reiterada, por via de missiva electrónica de 28/10/2020, junto a fls. 43 a 45v dos autos, complementada pela informação clínica subscrita pelo médico da Ré com o seguinte teor “Conforme solicitado, procedemos à reavaliação do processo de sinistro do Sr. CC. O nosso cliente sofria de Diabetes Mellitus desde 2002, sendo que em 2010 tinha também patologia arterial periférica por processo de aterosclerose secundário à Diabetes Mellitus. Situação esta que não foi declarada nos questionários médicos e no relatório clínico solicitados na altura da constituição do contrato de seguro. A declaração desta complicação grave da Diabetes Mellitus resultaria na recusa do contrato de seguro. O enfarte de miocárdio, causa de morte do nosso cliente, resulta do mesmo processo de aterosclerose secundário à Diabetes Mellitus diagnosticado em 2010.”
17. No momento em que foi subscrita a proposta de seguro, o falecido sabia que padecia de aterosclerose, doença que havia sido diagnosticado em 2010. [facto alterado no recurso]
18. As menções que constam do questionário clínico sobre o seu estado de saúde foram tidas em conta influenciaram na decisão da Ré de aceitar celebrar o contrato de seguro do ramo vida nos termos em que o fez respectivos termos e condições. [alteração efectuada no recurso]
19. Caso a Ré tivesse conhecimento da existência da patologia da aterosclerose de que o falecido padecia, desde o ano de 2010, a Ré teria recusado a celebração do mencionado contrato de seguro do ramo vida.
20. A data do óbito a divida por conta do empréstimo a habitação era de 106.039,15€.
21. A instituição bancária continua a debitar a prestação do empréstimo aos herdeiros do segurado, após a morte deste.
22. A instituição bancária cobrou desde 1 de Julho de 2019 até a 30 de Março de 2022 pela amortização do crédito à habitação a quantia global de € 23 552,28.
23. O valor total dos prémios de seguro ascende a quantia de € 30 556,70.
24. O facto de a Ré ter declinado a responsabilidade causou um encargo acrescido aos Autores.
25. No dia 27/12/2017, o Banco Popular SA foi adquirido pelo Banco Santander e, posteriormente, a companhia de Seguros Eurovida – Companhia de Seguros Vida SA, foi incorporada no Santander Totta Seguros – Companhia de Seguros Vida SA, actual Aegon Santander – Seguros de Vida SA.
*
A.2. E consideraram-se como não provados os seguintes factos [com destaque a bold das alterações efectuadas no recurso]:
a) A Ré anteviu, ou devia antever, quais as possíveis consequências da doença da diabetes, nomeadamente a consequência que acabou por estar associada ao falecimento do Sr. CC.
b) Os Autores, em consequência da conduta da Ré, para fazerem face ao pagamento do crédito à habitação, deixaram de usufruir de períodos de lazer e bem-estar, que contribuíam para a sua estabilidade emocional e dos seus familiares.
c) Em função desse encargo acrescido, os Autores após o falecimento do seu pai não mais puderam usufruir de férias ou de passeios ou viagens aos fins de semana, assim como limitaram substancialmente o convívio com amigos.
d) Os Autores passaram a andar tristes e amargurados.
e) No momento em que foi subscrita a proposta de seguro, o segurado sabia que padecia de aterosclerose. [facto aditado no recurso em função da alteração do ponto 17 dos factos provados]
*
B) – O Direito
1. Os recorrentes discordam da sentença, na qual, considerando ocorrer fundamento para a anulação do contrato de seguro por declarações inexactas do segurado relevantes para a avaliação do risco pela seguradora, “devidas a inconsideração ou negligência, ainda que manifestas e censuráveis, no momento do preenchimento e subscrição do questionário clínico”, concluiu haver apenas lugar à restituição dos prémios pagos, como a título subsidiário havia sido pedido [na petição fala-se em pedido alternativo, mas os termos em que é formulado resulta manifesto que é a título subsidiário, e assim foi entendido, o que não é questionado].
E a divergência dos AA./Recorrentes para com a sentença começa pela matéria de facto, referindo a este propósito nas conclusões do recurso que “[o] Tribunal Recorrido fez um julgamento incorrecto dos factos insertos nos números 3), 4), 5), 6), 9), 17), 18), 19), 24) da Matéria de facto Provada da sentença recorrida e nas alíneas a), b), c) e d) dos factos não provados da sentença recorrida” (cfr. conclusão 3ª).

2. Antes de passarmos à apreciação das concretas questões colocados, importa referir que, como decorre do disposto no artigo 640º do Código de Processo Civil, quando seja impugnada a decisão da matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados (nº 1, alínea a)); - os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da recorrida (nº 1, alínea b)); e – a decisão que, no seu entender deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (n.º 1, alínea c)).
Acresce que, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na parte respectiva, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes (cf. n.º 2, alínea a)).
Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 29/10/2015 (proc. n.º 233/09.4TBVNG.G1.S1), disponível, como os demais citado sem outra referência, em www.dgsi.pt: «Face aos regimes processuais que têm vigorado quanto aos pressupostos do exercício do duplo grau de jurisdição sobre a matéria de facto, é possível distinguir um ónus primário ou fundamental de delimitação do objecto e de fundamentação concludente da impugnação - que tem subsistido sem alterações relevantes e consta actualmente do n°1 do art. 640° do CPC; e um ónus secundário - tendente, não propriamente a fundamentar e delimitar o recurso, mas a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado pela Relação aos meios de prova gravados relevantes, que tem oscilado, no seu conteúdo prático, ao longo dos anos e das várias reformas - indo desde a transcrição obrigatória dos depoimentos até uma mera indicação e localização exacta das passagens da gravação relevantes (e que consta actualmente do artigo 640°, n°2, al. a) do CPC).»
Relativamente ao sentido e alcance dos requisitos formais de cumprimento dos ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, estabelecidos no artigo 640.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, veja-se a síntese jurisprudencial que nos é dada pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 03/03/2016 (proc. n.º 861/13.3TTVIS.C1.S1).
Assim, como se concluiu no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 16/06/2020 (proc. n.º 8670/14.6T8LSB.L2.S1):
«III- O art. 640.º do CPC estabelece que o recorrente no caso de impugnar a decisão sobre a matéria de facto deve proceder à especificação dos concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, dos concretos meios probatórios que imponham decisão diversa e da decisão que deve ser proferida, sem contudo fazer qualquer referência ao modo e ao local de proceder a essa especificação.
IV - Nesse conspecto tem-se gerado o consenso de que as conclusões devem conter uma clara referência à impugnação da decisão da matéria de facto em termos que permitam uma clara delimitação dos concretos pontos de facto que se consideram incorrectamente julgados, e que as demais especificações exigidas pelo art. 640.º do CPC devem constar do corpo das alegações.» [sumariado em https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2021/05/sumarios_civel_2020.pdf]
Neste sentido, como se diz no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 03/11/2020 (proc. n.º 294/08.3TBTND.C3.S1), «…, se um dos fundamentos do recurso é o erro de julgamento da matéria de facto, entende-se facilmente que os concretos pontos de facto sobre que recaiu o alegado erro de julgamento tenham de ser devidamente especificados nas conclusões do recurso. Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, importa que os pontos de facto por si considerados incorrectamente julgados sejam devidamente identificados nas conclusões, pois só assim se coloca ao tribunal ad quem uma questão concreta e objectiva para apreciar, sendo que, via de regra, apenas sobre estas se poderá pronunciar. Assim, se nas conclusões não forem indicados os pontos de facto que o recorrente pretende impugnar, o tribunal de recurso não poderá tomar conhecimento deles [Cfr. António Santos Abrantes Geraldes, Recursos em processo civil. Novo regime, Coimbra, Almedina, 2008, pp. 141-146; Carlos Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, Volume I, Coimbra, Almedina, 2005, p. 466; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1 de Março de 2007 (Pinto Hespanhol), proc.06S3405; de 13 de Julho de 2006 (Fernandes Cadilha), proc.06S1079; de 8 de Março de 2006 (Sousa Peixoto), proc.05S3823 – disponíveis para consulta in www.dgsi.pt].» (sublinhado nosso).
Importa ainda reter, no que se reporta ao cumprimentos do ónus da alínea c) do n.º 1 do artigo 640º do Código de Processo Civil, que, pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 17/10/2023, proferido no proc. n.º 8344/17.6T8STB.E1-A.S1 (recurso para uniformização de jurisprudência) foi uniformizada a jurisprudência no sentido de que «… o recorrente que impugna a matéria de facto não está vinculado a indicar nas conclusões a decisão alternativa pretendida, desde que a mesma resulte, de forma inequívoca, das alegações».
E, como se salienta no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 18/01/2022 (proc. n.º 701/19.0T8EVR.E1.S1): «[o] Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a pronunciar-se, de forma consistente e reiterada, no sentido de que o cumprimento dos ónus previstos no art. 640.º do CPC deve ser analisado à luz de um critério de proporcionalidade e de razoabilidade. Considerando que esses ónus visam assegurar uma inteligibilidade adequada do fim e do objecto do recurso e, em consequência, facultar à contraparte a possibilidade de um contraditório esclarecido, a rejeição do recurso deve ser uma consequência proporcionada e razoável, ponderando a gravidade da falta do recorrente [cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça e 8 de Julho de 2020 (Nuno Pinto Oliveira), proc. n.º 4081/17.0T8VIS.C1-A.S1.3]. Assim, “a apreciação da satisfação das exigências estabelecidas no art. 640.º do CPC deve consistir na aferição se da leitura concertada da alegação e das conclusões, segundo critérios de proporcionalidade e razoabilidade, resulta que a impugnação da decisão sobre a matéria de facto se encontra formulada num adequado nível de precisão e seriedade, independentemente do seu mérito intrínseco” [ cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Junho de 2020 (Rijo Ferreira), proc. n.º 1519/18.2T8FAR.E1.S1. Vide, inter alia, no mesmo sentido, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 5 de Fevereiro de 2020 (Nuno Pinto Oliveira), proc. n.º 3920/14.1TCLRS.S1; de 8 de Julho de 2020 (Nuno Pinto Oliveira), proc. n.º 4081/17.0T8VIS.C1-A.S1; de 10 de Dezembro de 2020 (Ilídio Sacarrão Martins), proc. n.º 274/17.8T8AVR.P1.S1; de 16 de Dezembro de 2020 (Bernardo Domingos), proc. n.º 8640/18.5YIPRT.C1.S1; de 9 de Fevereiro de 2021 (Maria João Vaz Tomé), proc. n.º 26069/18.3T8PRT.P1.S1; de 11 de Fevereiro de 2021 (Maria da Graça Trigo), proc. n.º 4279/17.0T8GMR.G1.S1. Neste mesmo sentido, vide António Santos Abrantes Geraldes, Recursos em Processo Civil, Coimbra, Almedina, 2020, pp. 199 e ss.].»

3. No caso dos autos, não obstante os recorrentes terem incluído na conclusão 3ª a referência aos factos provados nos pontos 3, 4, 5 e 24, como tendo sido incorrectamente julgados, não resulta das alegações nem das conclusões do recurso que pretendam, efectivamente, impugnar a decisão da matéria de facto quando a estes pontos concretos.
No que se refere aos factos enunciados em 3, 4 e 5, que se reportam ao facto de o segurado ter subscrito o questionário clínico referido em 3, ter dado as respostas mencionadas no ponto 4 e feito a declaração ali referida, e ter assinado a declaração de autorização de acesso aos seus dados de saúde a que se reporta o ponto 5, não resulta das alegações dos recorrentes que estejam a pôr em causa a ocorrência de tais factos.
O que os recorrentes pretendem demonstrar, no essencial, é que tais factos não têm o sentido nem podem ter a valoração que lhes foi dada na sentença, que levou à conclusão de que o segurado havia emitido declarações inexactas quanto ao seu estado de saúde, que vieram a condicionar a decisão da recorrida de aceitar a contratação do seguro em causa, ainda que com agravamento do prémio.
Mas esta é questão a analisar em sede de direito, de subsunção jurídica e interpretação da factualidade provada.
Quanto ao facto enunciado em 24 [o facto de a Ré ter declinado a responsabilidade causou um encargo acrescido aos Autores], também não resulta das alegações argumentação no sentido da sua alteração, sendo que o mesmo é favorável à pretensão indemnizatória dos recorrentes a título de danos não patrimoniais, e é nesse sentido que é invocado a respeito da impugnação dos factos não provados enunciados sob as alíneas b) a d).
Assim, entende-se que o recurso de impugnação da matéria de facto é restrito à matéria constante dos pontos 17, 18 e 19 dos factos provados, e das alíneas a), b), c) e d) dos factos não provados, que são, aliás, os únicos em relação aos quis os recorrentes indicam nas conclusões do recurso (cfr. conclusão 57ª), em consonância com as alegações, qual a decisão pretendida quanto a tal matéria. Isto para além do facto cujo aditamento pretendem.
De todo o modo, sempre se dirá que, ainda que fosse intenção dos recorrentes impugnar os factos provados enunciados em 3, 4, 5 e 24, não se conheceria do recurso nesta parte, posto que não deram cumprimento ao ónus previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 640º do Código de Processo Civil, e a conhecer-se, os factos indicados nos pontos 3, 4 e 5 permaneceriam como provados, desde logo em face da prova documental junta aos autos e não impugnada, o mesmo sucedendo com o facto mencionado no ponto 24, que, além de beneficiar os recorrentes, é evidente que tendo estes passado a suportar o pagamento das prestações do empréstimo tal passou a constituir um encargo acrescido para os mesmos.
Feita a delimitação do objecto do recurso quanto à impugnação da matéria de facto, vejamos, então os concretos factos impugnados.

4. No ponto 17 deu-se como provado que:
«17. No momento em que foi subscrita a proposta de seguro, o falecido sabia que padecia de aterosclerose, doença que havia sido diagnosticado em 2010.»
Os recorrentes discordam e propõem que se altere este ponto factual passando a referir-se apenas que: «17) No momento em que foi subscrita a proposta de seguro, o falecido padecia de aterosclerose».
A este propósito convocam os recorrentes os depoimentos dos profissionais médicos HH, GG e FF, que referiram que a aterosclerose é consequência da diabetes e que, segundo o depoimento da testemunha HH, “não obstante todo o diabético ter doença aterosclerótica, pode, porém, a mesma ser ignorada através de um bom controlo da diabetes”, e acrescentou ainda que “tal patologia de natureza vascular pode não ser sintomática e não ser significativa em termos clínicos”.
Dizem ainda os recorrentes que não se apurou nos autos qual o estado evolutivo da aterosclerose do falecido à data da subscrição da apólice de seguro, sendo que a testemunha HH falou somente do agravamento da aterosclerose por via do processo de hemodiálise que o segurado passou a ser submetido a partir de 2014, ou seja, dois anos após a outorga do contrato de seguro, acentuando que, à data da subscrição da proposta (2012) a aterosclerose podia ainda nem sequer ser sintomática, pelo que o falecido podia não saber que padecia de tal patologia.
Na sentença, com relevância para este facto, na motivação da matéria de facto, apreende-se que se atendeu aos documentos médicos e que o tribunal fez um juízo dedutivo através da análise ponderada e crítica dos depoimentos, como referiu na motivação.
Dos depoimentos que o Tribunal recorrido refere a este respeito, encontra-se na motivação a indicação que, “[a] testemunha DD profissional de seguros, responsável pela área de contratação e sinistros da ré, afirmou que o falecido omitiu, no preenchimento do questionário clinico que lhe foi apresentando, concretamente no ponto 00116, a patologia, que lhe tinha sido diagnosticada no ano de 2010. O falecido sabia do seu estado de saúde e, assim, não podia deixar de fazer menção a essa patologia”, seguida da conclusão de que “… teve-se ainda em conta as regras da experiência e do senso comum para se dar como provado que o falecido não podia razoavelmente ignorar o seu estado de saúde”.
Vejamos:
Do documento n.º 11 (cfr. fls 36v.), emitido pelo Centro de Saúde ..., com data de 21/05/2020, consta que, segundo o sistema informático, o segurado, quando observado pela primeira vez, em 20/01/2010, já apresentava diagnóstico de: “Diabetes não insulino-dependente; - aterosclerose / doença vascular periférica …”.
Portanto, que àquela data constava a indicação daquele diagnóstico é facto que temos por assente, mas daí não se segue que o doente soubesse que padecia de aterosclerose, designadamente porque lhe tivesse sido dado conhecimento de que padecia desta doença.
A informação sobre o referido diagnóstico, concretamente quanto à doença de aterosclerose, foi prestada pelo coordenador da UCSP, que não observou o doente e não era o seu médico de família, e no relatório em causa não se faz menção como se chegou a tal diagnóstico (se foi pela observação clínica e/ou por exames efectuados), nem tão pouco se o doente tomava medicação relacionada com esta patologia.
Lembremos que, àquela data, a fazer fé no mesmo relatório, o segurado padecia de diabetes, mas ainda não era insulino-dependente, pelo que também poderia não estar ainda a tomar qualquer medicação relacionada com a aterosclerose, e também não se sabe se o estado desta patologia, que, no caso, se tem como associada à diabetes, já tinha manifestações que levassem a que o segurado não pudesse desconhecer que já padecia desta concreta doença e que impusesse a comunicação dessa patologia.
A doença de que este padecia e que seguramente sabia ter era a diabetes que, regra geral, ainda que controlada, na maioria dos casos tem complicações associadas, como foi dado nota pelos clínicos ouvidos em audiência.
Porém, no caso do segurado, verificamos que das respostas ao questionário médico datado de 30/03/2012, que foi pedido ao seu médico assistente, em consequência da diabetes, não consta declarado como complicação associada à diabetes a aterosclerose, nem o médico da seguradora disso dá notícia.
Não cremos que, se tal doença existisse ou fosse relevante, a ponto de ter de ser conhecida e declarada, e sabendo o médico assistente o fim a que se destinava o questionário que lhe foi apresentado, não a tivesse declarado em resposta ao dito questionário. E lembremos que o médico assistente era o profissional médico melhor habilitado para elucidar da doença de diabetes de que o doente padecia desde 2002 e das complicações então a ela associadas.
Neste contexto, e na falta de outros meios de prova, não concordamos com a conclusão alcançada na sentença de que o segurado, aquando da resposta ao questionário clínico para efeitos da contratação do seguro, soubesse que tinha aterosclerose.
Como se sabe, os poderes conferidos por lei à Relação quanto ao princípio fundamental da apreciação das provas previsto no artigo 607.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, têm amplitude idêntica à conferida ao tribunal de 1.ª instância, devendo a 2.ª instância expressar a respectiva convicção acerca da matéria de facto impugnada no recurso, e não apenas conferir a lógica e razoabilidade da convicção firmada pelo tribunal a quo, a qual não se funda meramente na prova oral produzida, sendo a mesma conjugada com todos os demais meios de prova que a podem confirmar ou infirmar, e apreciada segundo as regras de experiência e a livre convicção do julgador, de acordo com um exame crítico de todas as provas produzidas.
Deste modo, a Relação aprecia livremente as provas, de acordo com o princípio constante do n.º 5 do artigo 607.º do Código de Processo Civil, valora-as e pondera-as, recorrendo às regras da experiência, aos critérios da lógica, aos seus próprios conhecimentos das pessoas e das coisas, ou seja, a tudo o que possa concorrer para a formação da sua livre convicção acerca de cada facto controvertido.
Por outro lado, não invalida a convicção do tribunal o facto de não existir uma prova directa e imediata da generalidade dos factos em discussão, sendo legítimo que se extraiam conclusões em função de elementos de prova, segundo juízos de normalidade e de razoabilidade, ou que se retirem ilações a partir de factos conhecidos.
Porém, no caso dos autos, não foi produzida prova de que foi dado conhecimento ao segurado do diagnóstico de aterosclerose, nem existem factos provados que, ainda que conjugados com as regras da experiência e do senso comum, permitam firmar a convicção e fundamentar a conclusão de que o segurado sabia que àquela data tinha aterosclerose, mas tão só que tinha diabetes e que tomava insulina, o que declarou.
Mas, ainda que assim se não entendesse, sempre persistiria dúvida fundada quanto à verificação deste facto, o qual, sendo impeditivo do direito a que os AA. se arrogam e integrante do fundamento invocado pela R. para anulação do contrato de seguro, a dúvida resolver-se-ia contra a R., dando-se o facto relativo ao conhecimento da doença como não provado (cf. artigo 414º do Código de Processo Civil e 342º, n.º 1 e 2, do Código Civil).
Por conseguinte, deve a matéria relativa ao conhecimento da doença pelo segurado passar para os factos não provados, sendo o facto impugnado alterado em função do que consta do documento de fls. 36.v., aceitando-se a versão do facto tal como proposto pelos recorrentes (cf. conclusão 57ª).
Assim, o ponto 17 dos factos provados passa a constar com o seguinte teor:
«17. No momento em que foi subscrita a proposta de seguro o falecido padecia de aterosclerose.»
E adita-se ao elenco dos factos não provados que:
«e) No momento em que foi subscrita a proposta de seguro, o segurado sabia que padecia de aterosclerose.»

5. No ponto 18 deu-se como provado que:
«18. As menções que constam do questionário clínico sobre o seu estado de saúde influenciaram a decisão da Ré de aceitar celebrar o contrato de seguro do ramo vida nos termos em que o fez respectivos termos e condições.»
Os recorrentes referem na conclusão 33ª que o ponto 18 não deve subsistir na matéria de facto provada, e considerar-se provada a matéria da alínea a) dos factos não provados, mas na conclusão 57ª concluem que o ponto 18 deve constar com a seguinte redacção: «A Apelada tinha pleno conhecimento de que o Segurado sofria de Diabetes e anteviu quais as possíveis consequências dessa doença, nomeadamente o previsível agravamento da aterosclerose e foi com base em tal conhecimento que a Ré tomou a decisão de aceitar celebrar o contrato de seguro do ramo vida nos termos e condições em que o fez.»
É verdade que a apelada-seguradora tinha conhecimento que o segurado sofria de diabetes, pois este assim o declarou e isso foi confirmado pelo médico assistente.
E também se aceita que, tendo a seguradora um corpo clínico que avalia os questionários médicos e a situação clínica dos segurados, padecendo o segurado da diabetes e sendo dependente de insulina, na avaliação do risco teve que ponderar como possível, a ocorrência e/ou o desenvolvimento de aterosclerose, como consequência da diabetes.
Aliás, resulta dos depoimentos médicos prestados que a diabetes é um dos factores de risco de aterosclerose, assim como a hipertensão arterial a e a obesidade, e o segurado até era obeso, pois, não obstante ter 1,80 mts., pesava 125 Kg à data da celebração do seguro.
E, como foi referido pelo médico FF (coordenador do Gabinete de Medicina Legal de ...), que elaborou o relatório da autópsia do falecido segurado, a diabetes, em si, é uma doença endócrina que afecta o pâncreas, e provoca alterações múltiplas no organismo, uma das mais graves, “acontece quase sempre em todas as pessoas, é efectivamente a degenerescência aterosclerótica”. E explicou como se processa a evolução desta doença.
Mas, uma coisa é essa avaliação abstracta feita pela seguradora da evolução da doença da diabetes e do desenvolvimento de outras doenças a ela associadas, designadamente a aterosclerose, outra, diferente, é a que a seguradora poderia ou deveria ter feito caso soubesse que à data da avaliação o segurado já tinha aterosclerose e conhecesse o seu grau.
De todo o modo, não concordamos que se tenha como provado que as menções que constam do questionário clínico do segurado sobre o seu estado de saúde “influenciaram” a decisão da R. de aceitar o contrato nas condições em que o fez.
Tal palavra encerra, em si, um juízo conclusivo, pois inculpa a ideia de que as respostas foram determinantes para a aceitação do seguro naqueles termos, o que não foi, ou não foi apenas, pois, sendo certo que as respostas dadas pelo segurado foram tidas em conta, também não é menos certo que, em função delas, foi apresentado questionário clínico para ser respondido pelo médico assistente e a situação foi avaliada pelo médico da R., como resulta da prova documental e testemunhal produzida.
Portanto, o correcto é afirmar que as menções constantes do questionário clínico sobre o estado de saúde do segurado “foram tidas em conta” na decisão da R. de aceitar o contrato nas condições em que o fez.
Por conseguinte, altera-se este ponto da matéria de facto, substituindo-se a palavra “influenciaram”, pela expressão “foram tidas em conta”.

6. No ponto 19 deu-se como provado que:
«19. Caso a Ré tivesse conhecimento da existência da patologia da aterosclerose de que o falecido padecia, desde o ano de 2010, a Ré teria recusado a celebração do mencionado contrato de seguro do ramo vida.»
Os recorrentes pretendem que este facto seja eliminado dos factos provados, alegando, em síntese, que a seguradora, dotada de um quadro clínico especializado, tinha consciência e conhecimento do risco, atendendo a que estava a celebrar um contrato com uma pessoa de 54 anos, obesa, com “diabetes mellitus tipo II”, sofrendo desta doença há 10 anos, e insulino-dependente, conhecia os elevados riscos associados, e que, por isso “sofria também de aterosclerose”.
Mas, não é bem assim.
Embora tenha sido referido que todos nós, com o avanço da idade temos naturalmente algum grau de aterosclerose (cf. depoimento do Dr. FF), a aterosclerose de que, no caso, falamos é a que se evidencia já como doença, propriamente dita, e se enquadra relacionada com a diabetes. Mas nem todos os diabéticos têm aterosclerose como doença, embora a maior parte a tenham, e pode ser em maior ou menor grau, como também referiu o Dr. GG.
Por outro lado, a prova produzida impõe que se mantenha tal facto como provado.
Na verdade, não só a testemunha Fernando Correia, profissional de seguros e responsável pela área de contratação e sinistros da R., referiu que tal patologia é significativa para aferição do risco pela seguradora e que o contrato não teria sido celebrado caso a R. tivesse conhecimento dessa doença, como se diz na sentença, como resulta também do depoimento da testemunha HH, que era à data dos seguros (e continua a ser) médico e director clinico do departamento médico da Ré, responsável pela decisão sobre as coberturas abrangidas pelo seguro e indicação de existência, ou não, de motivos para agravamento dos prémios ou recusa da proposta, que, caso fosse conhecida da R. que o segurado já padecia da patologia de aterosclerose à data da formulação da proposta, esta teria teria sido liminarmente recusada, porque a avaliação do risco que tal patologia representava para a vida do segurado é demasiado elevada. E asseverou que a diabetes e as suas complicações são sempre evolutivas, porém, existindo a esta doença associada aterosclerose nem sequer procede a uma avaliação adicional e recusa-se a proposta.
Portanto, sendo este o procedimento que é seguido pela R., asseverado pelo seu responsável clínico máximo, não ocorre fundamento para alteração deste ponto da matéria de facto.

7. E assim, também não ocorre fundamento para alteração da alínea a) dos factos não provados, onde se não deu como não provado que:
«a) A Ré anteviu, ou devia antever, quais as possíveis consequências da doença da diabetes, nomeadamente a consequência que acabou por estar associada ao falecimento do Sr. CC.»
Note-se que a evolução quer da diabetes, quer das doenças a esta associadas, depende de vários factores, designadamente do controlo que se faça da diabetes, e, no caso, em 2012, como se vê das respostas ao questionário dadas pelo médico assistente, o segurado tinha a diabetes controlada, daí que não se possa concluir, sem mais, que a seguradora devia ter perspectivado o desenvolvimento da doença de forma a produzir o resultado catastrófico ocorrido, no caso a morte do segurado 7 anos depois, “por causa natural e devido a enfarte recente do miocárdio, que sobreveio como complicação de aterosclerose generalizada, sendo grave nas artérias coronárias” (cf. ponto 12 dos factos provados).
Como resulta do que já se disse, uma coisa é a avaliação abstracta feita pela seguradora da evolução da doença da diabetes e do desenvolvimento de outras doenças a ela associadas, designadamente a aterosclerose, outra, diferente, é a avaliação que devia ou poderia ser feita caso se conhecesse que o segurado já tinha diagnosticada a doença aterosclerótica associada à Diabetes Mellitius à data da aceitação da proposta de seguro.

8. Ainda relacionado com a doença aterosclerose e a diabetes, pretendem os recorrentes que se adite à matéria de facto provada que: «A diabetes é um factor de risco para o desenvolvimento e agravamento de doença aterosclerótica.»
Tal facto não foi expressamente alegado nem é propriamente essencial à decisão, motivo pelo qual não se vê necessidade de ser aditado à matéria de facto, sem prejuízo de ter sido apurado em audiência e de, enquanto facto instrumental, poder ser considerado em sede de decisão.

9. Sob as alíneas b), c) e d), deu-se como não provado que:
«b) Os Autores, em consequência da conduta da Ré, para fazerem face ao pagamento do crédito à habitação, deixaram de usufruir de períodos de lazer e bem-estar, que contribuíam para a sua estabilidade emocional e dos seus familiares.
c) Em função desse encargo acrescido, os Autores após o falecimento do seu pai não mais puderam usufruir de férias ou de passeios ou viagens aos fins de semana, assim como limitaram substancialmente o convívio com amigos.
d) Os Autores passaram a andar tristes e amargurados.»
Os recorrentes pretendem que esta matéria passe a integrar os factos provados, em face do já provado no ponto 24 e da conjugação com os depoimentos das testemunhas MM e KK.
Ora, no ponto 24 consta como provado que: «O facto de a Ré ter declinado a responsabilidade causou um encargo acrescido aos Autores».
É, pois, certo que, tendo falecido o segurado e tendo os prémios do seguro continuado a ser pagos pelos os AA., filhos do segurado e os únicos herdeiros habilitados como seus sucessores, face à posição assumida pela R., o pagamento dos prémios do seguro passou a constituir um encargo para estes.
Mas daqui não se segue que tal encargo tenha tido as repercussões na vida pessoal e familiar dos AA., como referido nos factos impugnados.
Para que se concluísse que o pagamento dos prémios impediu que os AA. deixassem de usufruir períodos de lazer e bem estar, de usufruir de férias e passeios, bem como de convívios com amigos, passando, por isso, a andar tristes e amargurados, não basta que as testemunhas o tenham dito. Exigia-se uma prova mais consistente, no sentido de demonstrar qual o efectivo impacto económico que tais pagamentos tiveram nos orçamentos familiares dos AA., o que é de todo desconhecido.
Acresce que, do depoimento da testemunha KK (amiga dos AA.), o que se retira é que esta situação os afectou bastante, porque limitou mais a vida pessoal dos AA., que passaram a pagar uma prestação que não previam. Por sua vez, a testemunha MM, sendo casada com a A., referiu o aumento das despesas e algumas contrariedades por que passaram, em especial durante os 6 primeiros meses em que aguardaram a resposta da seguradora, referindo que o facto de a R. ter declinado a responsabilidade causou transtornos e dificuldades em gerir o orçamento familiar face aos encargos acrescidos, tendo também mencionado que no primeiro ano não passaram férias e que passaram a sair menos e também a jantar fora menos vezes.
Mas, foram depoimentos vagos, sem concretização do modo de vida quer económico quer social dos AA., quer no período anterior ao falecimento do segurado, quer no posterior, não permitindo a avaliação do efectivo impacto que o pagamento do empréstimo representou para a vida destes, sendo certo que em relação ao A. BB nada se sabe da sua vida.
Por conseguinte, concordamos com a decisão recorrida, enquanto nela se concluiu inexistirem elementos probatórios consistentes e objectivos concretizadores de tais factos, para que se tenham como provados.
Deste modo, permanecem inalterados os factos não provados constantes das alíneas b) a d).

10. Assim, procede parcialmente o recurso de impugnação da matéria de facto nos pontos acima assinalados, improcedendo quanto ao demais pedido.

11. Com a presente acção pretendiam os AA. a condenação da R. no pagamento das prestações do empréstimo celebrado pelo seu falecido pai com o Banco Popular SA., entretanto adquirido pelo Santander, bem como o pagamento do remanescente do capital mutuado em dívida, com fundamento no contrato de seguro do ramo vida, que o falecido havia celebrado com a Companhia de Seguros Eurovida, entretanto incorporada no Santander Totta Seguros – Companhia de Seguros Vida, SA., actual Aegon Santander – Seguros de Vida, SA., aqui R., destinado a garantir o pagamento do capital, juros e demais despesas do contrato de crédito à habitação que identificam.
Na sentença concluiu-se que estavam verificados os pressupostos da invalidade do contrato, por via da anulabilidade, em virtude de o segurado ter prestado declarações inexactas quanto ao seu estado de saúde, tendo omitido informação relevante à seguradora que, a ser conhecida por esta, era susceptível de influir sobre a sua decisão de contratar, sendo a declaração negocial da seguradora alicerçada em erro-vício de vontade.
No entanto, concluiu-se terem os AA. direito à restituição dos prémios pagos, como também haviam pedido, por, não haver dolo ou má-fé do segurado, traduzido na deliberada intenção de, através da prestação de declarações inexactas, enganar e prejudicar a seguradora no que concerne à celebração ou ao conteúdo das cláusulas do contrato, podendo essas omissões ser devidas a inconsideração ou negligência, no momento do preenchimento e subscrição do questionário clínico.
Os AA./recorrentes discordam, no essencial porque entendem não ter o segurado feito declarações inexactas quanto ao seu estado de saúde, concretamente a omissão da doença de aterosclerose, que nem estava incluída no questionário, designadamente com referência na pergunta: “Sofre de Doenças de Sangue”.
Vejamos:

12. O contrato de seguro é «o contrato pelo qual a seguradora, mediante retribuição pelo tomador do seguro, se obriga, a favor do segurado ou de terceiro, à indemnização de prejuízos resultantes, ou ao pagamento de valor pré-definido, no caso de se realizar um determinado evento futuro e incerto»José Vasques, Contrato de Seguro, 1999, pág. 94.
Isso mesmo resulta do artigo 1º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro (RJCS), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de Abril, e aqui aplicável, onde se estipula que: “Por efeito do contrato de seguro, o segurador cobre um risco determinado do tomador do seguro ou de outrem, obrigando-se a realizar a prestação convencionada em caso de ocorrência do evento aleatório previsto no contrato, e o tomador do seguro obriga-se a pagar o prémio correspondente”.
É um contrato bilateral ou sinalagmático na medida em que dele resultam obrigações para ambas as partes, sendo a prestação da seguradora a assunção do risco, por contrapartida do recebimento do prémio; é ainda um contrato oneroso, pois dele resulta para ambas as partes uma atribuição patrimonial e um correspondente sacrifício patrimonial; e é também aleatório, na medida em que a prestação da seguradora fica dependente de um evento futuro e incerto.
O contrato de seguro é regulado pelas estipulações particulares, gerais e especiais constantes da respectiva apólice e pelas disposições do Regime Jurídico do Contrato de Seguro, pelas normas gerais de direito internacional privado em matéria de obrigações contratuais e, subsidiariamente, pelas disposições da Lei Comercial e do Código Civil (cf. artigos 4º e 5º do RJCS).
A formação do contrato de seguro está intimamente ligada ao risco assumido, o que pressupõe o acesso a um conjunto de elementos para estimar esse risco. A decisão do segurador em contratar e as condições em que aceita fazê-lo, em especial no que respeita à determinação da contraprestação (prémio), depende das informações prestadas na declaração inicial do risco.
É dever do segurado declarar com verdade a extensão do risco, pois, no contrato de seguro, “a seguradora baseia toda a sua prestação nas declarações do tomador do seguro, nas quais deve ter toda a confiança. Apresentam, assim, a maior relevância as omissões e reticências, designadamente quando podem influir sobre as condições do contrato” (José Vasques, Contrato de Seguro, pág. 212).
De facto, sendo a actividade seguradora uma actividade de risco, facilmente se compreende, por um lado, a importância que tem para a seguradora o conhecimento de todos os factos que possam aumentar ou diminuir esse risco, e, por outro, que uma das obrigações fundamentais do tomador do seguro ou do segurado seja a declaração de risco, que, no dizer de José Vasques, é uma declaração de ciência, feita pelo proponente, e que se destina a avaliar o risco e a permitir o cálculo do prémio. O contrato de seguro, segundo este mesmo autor, «conclui-se mediante duas declarações negociais – a proposta contratual e a aceitação (ou declaração de aceitação)».
E é precisamente por a seguradora basear a sua aceitação nas declarações do tomador do seguro ou do segurado que a lei estabelece no n.º 1 do artigo 24º do Regime Jurídico do Contrato de Seguro (RJCS), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de Abril, que “[o] tomador do seguro ou o segurado está obrigado, antes da celebração do contrato, a declarar com exactidão todas as circunstâncias que conheça e razoavelmente deva ter por significativas para a apreciação do risco pelo segurador”, acrescentando-se no seu n.º 2 que “[o] disposto no número anterior é igualmente aplicável a circunstâncias cuja menção não seja solicitada em questionário eventualmente fornecido pelo segurador para o efeito”, estando as consequências relativas à omissão ou inexactidão das declarações prestadas, em caso de dolo ou negligência, reguladas, respectivamente, nos artigos 25º e 26º do mesmo diploma.
A declaração inexacta consistirá na comunicação de elementos não conformes com a realidade; a declaração reticente traduz-se na omissão de factos ou circunstâncias com interesse para a formação da vontade contratual da outra parte.
Como também se diz na sentença, é indispensável que as declarações inexactas ou reticentes influam na existência e nas condições do contrato, de sorte que o segurador não contrataria ou teria contratado em diversas condições, se as conhecesse. A lei impõe que quem está a negociar a realização de um contrato “deve, tanto nos preliminares como na formação dele, proceder segundo as regras da boa-fé, sob pena de responder pelos danos que culposamente causar à outra parte” (cf. artigo 227º do Código Civil).
E também temos por assente que, em sede de declaração inicial do risco, a obrigação de esclarecimento e verdade a cargo do segurado não se dirige tão só para as respostas a dar em face de um eventual questionário que lhe tenha sido fornecido pela seguradora, antes tem a mesma por objecto também todas as circunstâncias que conheça e que razoavelmente deva ter por significativas para a apreciação do risco pelo segurador, ainda que não integrantes de qualquer questionário (cf. neste sentido, Pedro Romano Martinez e Outros Autores, Lei do Contrato de Seguro, anotada, 4ª edição, Almedina, anotação de Arnaldo Costa Oliveira ao artigo 24º). [Em idêntico sentido, cfr. o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 11/02/2014, onde se concluiu que: «O cumprimento do dever de declaração do risco não se esgota no preenchimento do eventual questionário que acompanha a proposta ou com a entrega desta. Ele acompanha toda a fase de formação do contrato e o seu cumprimento terá de aferir-se pelas circunstâncias que venham ao conhecimento do proponente até à conclusão do contrato.»]

13. No caso em apreço, entendeu-se na sentença recorrida que o segurado “aquando das declarações prestadas sobre o seu estado de saúde e ao responder “não” ao ponto 00116 no preenchimento do questionário clinico que lhe foi apresentado prestou uma declaração inexacta, porque não verdadeira, pois que, não podia desconhecer que padecia de aterosclerose, pelo menos desde o ano de 2010”, concluindo-se que, assim, “omitiu informação relevante à ré que a ser conhecida pela seguradora era susceptível de influir sobre a sua decisão de contratar”.
Salvo o devido respeito, e mesmo sem considerar a alteração efectuada à matéria de facto, não se aceita tal conclusão, pois o que se pergunta no referido ponto do questionário clínico é se o segurado “Sofre de doenças de Sangue”, a que este respondeu negativamente, e não vemos que esteja demonstrado que a aterosclerose seja doença de sangue ou como tal qualificada ou assim considerada em termos de homem normal, médio, ou por quem padeça desta patologia.
Tal conclusão da sentença apenas se poderá conceber, mas sem aceitar, em face do depoimento da testemunha DD, que é profissional de seguros e responsável pela área de contratação e sinistros da R., que afirmou que o falecido omitiu, no preenchimento do questionário clinico que lhe foi apresentando, concretamente no ponto 00116, a patologia, que lhe tinha sido diagnosticada aterosclerose no ano de 2010, confirmando que era nesta pergunta que devia estar referida a doença de aterosclerose, e que se tivesse sido respondido “sim” no questionário informático abria-se uma segunda pergunta; ou até em face do depoimento da testemunha HH, médico e director clinico do departamento médico da R., que, como se refere também na sentença, disse que o falecido segurado não deu a conhecer a patologia de aterosclerose de que já padecia, em resposta ao questionário clínico, concretamente no ponto 00116, de onde resulta que, para a seguradora, a aterosclerose se enquadrava na classificação de “doenças de sangue”.
Ou seja, para a sentença o segurado tinha que saber que aterosclerose era uma doença de sangue, o que não está provado e nem vamos sequer discutir tal classificação, ou que a seguradora a tinha classificada como tal para efeitos de resposta ao questionário, o que é inaceitável.
E é também irrelevante, na óptica da presente decisão, saber se a aterosclerose – que em termos correntes mais não é do que um quadro clínico decorrente do depósito de material gorduroso que se desenvolve nas paredes das artérias, reduzindo ou até bloqueando o fluxo sanguíneo ­– é classificada como doença cardíaca, ou não, pergunta em que agora nas contra-alegações se vem invocar que o falecido segurado respondeu negativamente, posto que nem sequer se logrou demonstrar que o segurado padecia daquela patologia.
Por conseguinte, tendo sido alterada a matéria de facto, e não se tendo provado que o segurado, aquando das declarações prestadas sobre o seu estado de saúde, sabia que tinha aterosclerose, não se pode concluir que, ao responder negativamente às perguntas do questionário médico, nas quais, ainda que hipoteticamente, se possa ter por incluída a referência à dita patologia, e ao não ter declarado a dita doença, ainda que não incluída no dito questionário, tenha feito declaração inexacta, como tal configurada nos termos previstos no artigo 24º, n.º 1 e 2, do RJCS.
Não se provou que o segurado soubesse que tinha aterosclerose e por isso não tinha que declarar tal doença.
E, como se se concluiu entre outros, no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02/02/2017 (proc. n.º 349/14.5TBMTA.L1.S1): «Cabe à seguradora o ónus de alegar, no momento próprio (ou seja, ao contestar a pretensão formulada pelo A.) , os factos impeditivos da validade do contrato de seguro que considere verificados – tendo de alegar e demonstrar que foram efectivamente prestadas declarações omissivas acerca de determinada patologia que, já então, afectava o segurado e que, se a seguradora a tivesse oportunamente conhecido, não teria, segundo a sua prática comercial, contratado nos termos em que o fez, não assumindo consequentemente os riscos cuja cobertura o segurado lhe exige através da acção»
E não se diga que razoavelmente devia prever que tinha esta doença, tendo que a declarar, pois não estão provados factos que suportem tal conclusão, nem a mesma pode ser retirada da circunstância de se saber que a aterosclerose é patologia, em regra, associada à diabetes, que o segurado sabia ter, como declarou. Se assim fosse, a seguradora, que é dotada de um corpo clínico especializado, também tinha que prever este facto, pois sabia que o segurado tinha diabetes há mais de 10 anos, tomava insulina e era obeso (pesava 125 kg), e o segurado até lhe concedeu autorização para aceder aos seus dados de saúde, como resulta do ponto 5 dos factos provados, não estando sequer provado que, apesar deste factos serem conhecidos da seguradora, que, para além do questionário para a diabetes, tenha pedido ou mandado fazer quaisquer exames médicos ou submetido o segurado a uma simples consulta clínica.

14. Tendo a R. aceitado o seguro, ainda que com prémio agravado, garantindo o risco de morte do segurado, e concluindo-se não terem sido prestadas declarações inexactas ou omissivas pelo segurado sobre o seu estado de saúde, integrantes da previsão dos n.ºs 1 e 2 do artigo 24º do RJCS, conducentes à anulação do contrato do seguro, manteve-se o mesmo válido e eficaz.
Assim, tendo ocorrido durante a sua vigência do contrato o risco garantido – a morte do segurado – ficou a R., contratual e legalmente obrigada ao pagamento ao beneficiário do seguro, no caso Banco Santander, do capital em dívida à data do falecimento do segurado, e demais encargos garantidos, com referência ao contrato de crédito à habitação n.º ...64, que à data do óbito era de € 106.039,15 (cf. pontos 2 e 20 dos factos provados).
Não o tendo feito e incumprido tal obrigação contratual, por ter declinado a sua responsabilidade, ocorreu a R. em incumprimento contratual gerador de responsabilidade civil, que teve como consequência os prejuízos infringidos aos AA., constituindo-se na obrigação de os indemnizar (cfr. artigo 483º, nº 1, e 562º, do Código Civil).
E não subsistem dúvidas de que a conduta da R., ao declinar a responsabilidade que lhe advinha do contrato de seguro – de pagar o valor em dívida do empréstimo à data do óbito do segurado – levou a que a entidade bancária debitasse as prestações dos empréstimos aos herdeiros do segurado, após a morte deste (cf. ponto 21 dos factos provados), causando-lhes o prejuízo patrimonial correspondente aos valores das prestações que passaram a pagar para amortização do empréstimo contraído pelo seu falecido pai, que, desde a data da morte deste até 30 de Março de 2022, ascendia já a € 23.552,28 (cf. ponto 22 dos factos provados),
Está assim a R. obrigada a pagar aos AA. o valor correspondente às prestações por estes pagas ao Banco Santander, no âmbito do contrato de crédito à habitação identificado nos presentes autos, desde o falecimento do segurado, em 6 de Julho de 2019, até ao trânsito em julgado da presente decisão, a liquidar posteriormente, sendo o valor das prestações vencidas e pagas pelos AA. até 30/03/2022, de € 23.552,28.
Sobre os valores das prestações pagas incidem juros, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento, nos termos do disposto nos artigos 805º, n.º 1 e 806º, n.º 1 e 2, do Código Civil, por ser naquela data que ocorreu a interpelação para pagamento de tais quantias.
Está ainda a R. contratualmente obrigada a pagar ao Banco Santander Totta, o valor correspondente ao remanescente do capital em dívida, com referência ao mesmo empréstimo, deduzido dos valores pagos pelos AA. para amortização do crédito, a apurar em sede de liquidação após o trânsito em julgado da presente decisão.

15. Pedem ainda os AA., uma indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pela conduta da R., em consequência da sua conduta ilícita, que os obrigou aos constrangimentos decorrentes da oneração com o pagamento do empréstimo em causa, que lhes causou os sofrimentos e os incómodos que referem, reclamando o montante de € 3.500,00 para cada um.
Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 496º do Código Civil, “[n]a fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.”
Porém, a jurisprudência e a doutrina têm-se pronunciado no sentido de que este preceito deve ser interpretado por forma a que os simples incómodos ou contrariedades não justifiquem a indemnização por danos não patrimoniais [cf. entre muitos outros, o acórdão da Relação de Lisboa, de 24/11/2022 – proc. n.º 15024/19.6T8LSB.L1-6].
No caso em apreço, não tendo sido alterada a matéria de facto e não se provando que pela conduta da R. os AA. tivessem sofrido restrições na sua vida pessoal e familiar merecedores da tutela lega, não ocorre fundamento para arbitramento da indemnização peticionada a este título.

16. Em face do exposto, procede parcialmente a apelação, nos termos supra referidos, com a consequente revogação da sentença em conformidade.
*
IV – Decisão
Nestes termos e com tais fundamentos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar parcialmente procedente a apelação, revogando-se a sentença recorrida e, em consequência:
1) Condenar a R. a pagar aos AA. o valor correspondente às prestações por estes pagas ou que venham a pagar ao Banco Santander Totta, SA., no âmbito do contrato de crédito à habitação identificado nos presentes autos, desde 6 de Julho de 2019 até ao trânsito em julgado do presente acórdão, a liquidar posteriormente, sendo o valor das prestações vencidas e pagas pelos AA. até 30/03/2022, de € 23.552,28, acrescidas de juros, moratórias à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.
2) A pagar ao Banco Santander Totta, SA., o valor correspondente ao remanescente do capital que ainda permaneça em dívida, com referência ao mesmo empréstimo, deduzido dos valores pagos pelos AA. para amortização do crédito, a apurar em sede de liquidação após o trânsito em julgado do presente acórdão.
Custas em ambas as instâncias a cargo dos Apelantes e da Apelada, na proporção do respectivo decaimento.
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Évora, 27 de Junho de 2024
Francisco Xavier
Maria João Sousa e Faro
Maria Adelaide Domingos
(documento com assinatura electrónica)