ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
REPETIÇÃO DO INDEVIDO
PRESCRIÇÃO
Sumário


I - No artigo 482.º do CC o critério estabelecido é o do conhecimento e não basta da cognoscibilidade do direito.
II - a "repetição do indevido" é simplesmente o corolário de um dever de justiça e consiste em que a quem tiver entregado alguma quantia em dinheiro ou cumprido uma obrigação, no momento em que pensava que ela existia, quando efectivamente ela não existia no momento da prestação, assiste o direito de lhe ser restituída a quantia que tiver entregado.
(Sumário elaborado pela relatora)

Texto Integral



Acordam os juízes da secção cível do Tribunal da Relação de Évora:

1 - Relatório.
CAIXA ECONÓMICA MONTEPIO GERAL, Caixa Económica Bancária, S.A., com número único de matrícula e pessoa colectiva 500792 615, com sede na Rua Castilho 5, 1250-066 Lisboa, instaurou acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra T..., LDA, sociedade por quotas, com o número único de matrícula e identificação fiscal ...90, com sede na ..., Estrada ..., ... – Km 1, ... ....
Pede a autora a condenação da ré no pagamento do montante de 26.634,53 Euros, acrescido de juros à respectiva taxa legal, desde 2021-12-21, até integral pagamento.
Alega para tanto que, tal montante foi pago em duplicado à ré, sem qualquer fundamento judicial ou contratual, por mero lapso dos seus serviços internos, e que, não obstante ter interpelado a ré, esta não procedeu à devolução de tal montante, em consequência do que se verifica um enriquecimento sem causa da ré.
Pessoal e regularmente citada, a ré contestou, no essencial, arguindo a prescrição do alegado crédito reclamado pela autora e impugnando a realização de qualquer pagamento em duplicado a seu favor.
Foi realizada a audiência de julgamento.
Foi proferida sentença, onde foi decidido o seguinte:
«a) CONDENAR a ré a pagar à autora a quantia de 26.634,53 Euros (vinte e seis mil e seiscentos e trinta e quatro euros e cinquenta e três cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal aplicável às operações civis, e que até à data é de 4%, desde 25-03-2022 ate efectivo e integral pagamento; e
b) CONDENAR a ré no pagamento das custas processuais.»
Desta sentença recorreu a Ré tendo formulado as seguintes conclusões (transcrição):
«A. A sentença recorrida é inválida por erro no julgamento da matéria de facto e por Erro de Direito, por violação do disposto no artigo 482.º do Código Civil;
B. O Tribunal a quo ignorou a dimensão normativa do conceito de “conhecimento do direito”, pelo que, não só interpretou e aplicou incorretamente o conceito em causa (cometendo um erro de Direito), mas também não incluiu na decisão da matéria de facto tudo aquilo que resultou provado na instrução da causa e é essencial para apreciar a existência de culpa do Banco Recorrido, para daí se retirarem todas as consequências jurídicas que se impõem in casu;
C. Assim, o Tribunal a quo julgou provados os factos 10), 11), 12) e 15) com incorreções que cumpre corrigir:
D. Quanto ao Facto Provado 10), resultou da prova testemunhal - que o Tribunal considerou (e bem) “convergente e uniforme” - que não foi a Direção de Contencioso que efetuou este pagamento, mas sim a Direção de Serviços e Operações (DSO), a pedido da Direção de Contencioso, porque a Direção de Contencioso não podia realizar pagamento urgentes, como era o caso do pagamento em causa;
E. Neste sentido, cfr. o depoimento da testemunha AA (minutos 5:09 a7:00 e19:00 a 20:10) e o email de 28 de julho de 2021, 19:50 (junto como documento n.º 10 da PI, cfr. primeiro parágrafo);
F. Assim, a redação do facto provado 10) tem de ser corrigida, não só para refletir a verdade, mas também porque se trata de detalhe essencial para a apreciação da culpa do Banco Recorrido e, portanto, para decisão da questão da prescrição;
G. Consequentemente, a redação do facto provado 10) deve corrigir-se para:
10) No cumprimento da referida sentença, a autora, por intermédio da sua Direção de Serviços e Operações (DSO), a pedido urgente da Direção de Contencioso, respondendo às instruções dos Ilustres Mandatários da ré, procedeu à transferência, em 2017-10-18, para o IBAN indicado– ...05, da quantia de 28.930,33Euros.
Quanto aoFactoProvado11), em primeiro lugar, importa corrigir a data mencionada, porque o facto em causa não ocorreu em finais de 2018, mas em abril de 2018 – cfr. depoimento da testemunha BB, minutos 9:51 a 11:20 e email de 28 de julho de 2021, 19:50 (junto como documento n.º 10 da PI, cfr. segundo parágrafo);
I. Em segundo lugar, resulta da prova que não pode aqui constar a menção “desta vez”, pois não foi o atual gerente da ré quem solicitou o primeiro cumprimento ao Banco Recorrido, mas a advogada da Recorrente, à data, (cfr. emails juntos aos autos como documento n.º 7 da PI e o facto provado 10);
J. O gerente da ré limitou-se a contactar o funcionário do Banco (DRC) que geria os casos das suas empresas desde 2014, como a própria testemunha BB declarou (minutos 9:51 a 11:20), o que não pode gerar qualquer estranheza;
K. Portanto, não pode transmitir-se a ideia de que o atual gerente da ré agiu duas vezes, contactando diversas unidades do Banco sobre o tema da sentença, pois isso não sucedeu;
L. Consequentemente, a redação do facto provado 11) tem de ser corrigida para refletir a verdade, passando a ter a seguinte redação:
11) Em abril de 2018, o actual gerente da ré, no âmbito de negociações tendentes à regularização de vários créditos com ele relacionados, directa e indirectamente, interpelou a autora, invocando encontrar-se por cumprir a sentença suprarreferida em
9), dirigindo-se à Direcção de Recuperação de Crédito, Núcleo de Recuperações Especiais;
M. Quanto ao Facto Provado 12), em primeiro lugar, cumpre corrigir o lapso de escrita na alínea a) do facto provado, pois o valor creditado na conta crédito foi €25.610,13 (não € 25.610,33);
N. Em segundo lugar,cumprecorrigiraexpressão“porlapsointernonasuaposteriorvalidação” para “por erro interno na sua anterior validação” pois, por um lado, está aqui em causa um erro da DRC e da Administração do Banco Recorrido, não um mero lapso (cfr. factos a aditar à matéria provada) e, por outro lado, a validação da operação foi anterior - e não posterior - ao pagamento, como prova o email de 28 de julho de 2021, 19:50 (junto como documento n.º 10 da PI, cfr. segundo parágrafo), onde consta a data de aprovação (03-01-2019) e a data de pagamento (17-01-2019, cfr. também facto provado 12));
O. Finalmente, não se pode considerar como provado o alegado pagamento de juros, no valor de € 1.024,40 (alínea b) do facto provado);
P. Por um lado, porque a existência de um depósito numa conta à ordem só se prova com o extrato dessa conta à ordem, ou com avisos de pagamento ou outros documentos bancários – e nada disso foi junto aos autos;
Q. O que foi junto aos autos é apenas o extrato da conta de crédito com PER (documento 1.2 do requerimento de 14/03/2022, referência Citius ...91), que prova apenas os movimentos aí evidenciados;
R. Ora, como explicou a testemunha BB (cfr.minutos 39:34 a39:41,42:14 a42:46 e45:42a45:50),enquantoodocumento1.2éumdocumentoemitidopelosistemadoBanco (extrato da conta de crédito com PER), “sem nenhuma manipulação por parte do operador” (como disse a testemunha CC, cfr. minutos 11:20 a 11:40), já os documentos 1 e 1.1 são meros resumos, elaborados pela testemunha BB, para facilitar a compreensão do complexo documento 1.2;
S. consequentemente, os documentos1e1.1 nada provam sem os respetivos extratos de base, isto é, nada provam além do que refere o extrato da conta de crédito (documento1.2), único emitido pelo sistema do Banco e único extrato apresentado pelo Banco Recorrido;
T. Ora, o documento n.º 1 – único que menciona o pagamento de juros – não é totalmente suportado pelo extrato da conta de crédito (documento 1.2), na medida em que inclui uma operação feita exclusivamente na conta à ordem: o pagamento dos alegados juros, valor que alegadamente foi diretamente transferido para a conta à ordem da Recorrente, sem passar primeiro pela conta de crédito (documento 1.2);
U. Assim, como o extrato da conta de crédito (documento 1.2) não prova o alegado pagamento de juros, o documento n.º 1 (sendo um resumo do documento 1.2) também nada prova a esse respeito;
V. Portanto, o pagamento dos juros foi ilegitimamente incluído no documento n.º 1, na medida em que não é demonstrado/suportado pelo extrato da conta de crédito (documento n. º 1.2), pelo que não pode considerar-se provado;
W. Em suma, o pagamento dos juros só se poderia considerar provado pela análise do extrato da conta à ordem, que é um documento que está na posse do Banco que, por isso, tinha a possibilidade e o ónus de o juntar aos autos, para provar o alegado pagamento de juros (impugnado no artigo 15.º da Contestação) – mas não o juntou;
X. Consequentemente, o pagamento de juros alegado na PI e mencionado no documento n. 1 (junto com o requerimento de 14/03/2022, referência Citius ...91) não tem suporte probatório, pelo que a sua realização não pode ser considerada como provada;
Y. Por outro lado, o próprio valor alegadamente pago a título de juros (€ 1.024,40) prova claramente que o alegado movimento – se efetivamente existiu – certamente não correspondeu ao pagamento de juros ordenado pela sentença;
Z. Isto porque a sentença, como bem refere o facto provado 9), condenou o Banco Recorrido no pagamento do “valor de € 25.610,13, acrescido de juros de mora, à taxa de juros civis, desde 22.07.2014.”, ora, os juros de mora à taxa civil (4%) sobre o capital de € 25.610,13 contados desde 22.07.2014 até à data do alegado pagamento (2019-01-30), totalizam € 4.642,10 – ou seja, mais do quádruplo dos alegados € 1.024,40;
AA. O valor dos juros é um facto incontestável, na medida em deriva de uma operação de mero cálculo aritmético, em que todos os dados base estão provados nos autos;
BB. Assim sendo, não se pode considerar provado qualquer pagamento de juros, não só por total incongruência lógica (matemática) da alegação, mas também por não produção de prova cabal do pagamento, cujo ónus era do Banco Recorrido;
CC. Face a tudo o exposto, impõe-se a correção da redação do ponto12) dos factos provados nos termos seguintes:
12) Os colaboradores da referida Direcção, por erro interno na sua anterior validação, promoveram o solicitado pagamento, creditando, em 2019-01-17, a conta crédito nº ..., titulada pela ré, pelo valor de 25.610,13 Euros;
DD.Quanto ao Facto Provado 15), em primeiro lugar, importa corrigir o lapso na remissão para o ponto 13), pois o facto provado 13) não refere crédito algum, o que torna claro que se trata de um mero lapsus pennae, querendo certamente o Tribunal referir-se ao ponto anterior – o ponto 12) –, que efetivamente refere o crédito em causa neste ponto 15);
EE. Em segundo lugar, conforme exposto no ponto anterior, não pode considerar-se provado o pagamento de juros, pelo que a alínea c) deste facto tem de ser eliminada e, consequentemente, tem de corrigir-se o valor total mencionado para € 25.610,13;
FF. Em terceiro lugar, está cabalmente provado que o que motivou a transferência deste valor foi exclusivamente o cumprimento da sentença referida no facto provado9), não a existência de prestações em atraso;
GG. Isto é demonstrado ,por um lado matematicamente: o valor alegadode€26.634,53éamera soma do valor de capital que o Banco Recorrido foi condenado a pagar (€ 25.610,13), com o alegado valor de juros (€ 1.024,40), portanto, não tem em consideração quaisquer outros valores, como prestações vencidas (trata-se, novamente, de uma mera operação puramente aritmética, que não pode ser contestada);
HH.Por outro lado, o racional do recálculo do PER está expresso (a) no email de 23 de janeiro de 2019, 10:02 (junto como documento n.º 9 da PI) e (b) no documento 1.2 e respetivo resumo feito no documento 1.1 (ambos juntos aos autos com o requerimento de 14/03/2022, referência Citius ...91) e foi (c) confirmado pela testemunha BB (minutos 59:49 a 1:00:10);
II. Face a tudo o exposto, a redação do facto provado 15) tem de ser corrigida, nos termos seguintes:
15) A reformulação/reprocessamento do PER, por via do aumento de capital em dívida, em consequência do crédito referido em 12), levou a que a transferência total de € 25.610,13 Euros, fosse aplicada da seguinte forma: a) 9.130,83 Euros para regularização do PER e, b) o remanescentede16.479,30Euros,posteriormentetransferido,em2019-01-18,diretamente para a conta Depósito à Ordem n.º ..., titulada pela ré.
Acresce que
JJ. O Tribunal a quo não incluiu no elenco dos fatos provados três factos - adiante, Factos a), b) e c) que, por força da prova documental e testemunhal produzida nos autos, e face à matéria de Direito em causa, têm de ser incluídos para apreciação da culpa do Banco Recorrido o que é essencial para boa decisão da causa, designadamente da questão da prescrição;
KK. Facto a) A DSO, por intermédio de AA, entre outubro de 2017 (data do primeiro cumprimento da sentença) e 2021, insistiu várias vezes na regularização entre as contas internas da DSO e da Direção de Contencioso, devida por força do solicitado cumprimento urgente da sentença;
LL. Este facto resultou provado pelas declarações da testemunha AA, que foi o funcionário da DSO do Banco Recorrido que efetuou o débito entre contas internas mencionado no facto provado 17), cfr. minutos 7:27a10:20, 10:50 a11:09(e 22:50 a23:16), 11:52 a 13:57, 20:46 a 22:27, 23:34 a 25:22 e 27:30 a 30:36 do seu depoimento e também pelo email de 7 de julho de 2021 (junto aos autos como documento n.º 10 da PI);
MM. Este facto é relevante porque prova que a necessidade de esclarecer e resolver a questão referidanofactoprovado17) foi um tema constante e conhecido da Direção de Contencioso, que o ignorou até já não o poder fazer mais, face ao lançamento do débito interno;
NN. Isto é muitíssimo importante para demonstrar que o Banco Recorrido tinha a possibilidade e ónus de, em 2019, ter detetado que a sentença já estava cumprida, facto este determinante para análise da questão da prescrição e da culpa do Banco Recorrido;
OO.Facto b) segundo pagamento foi autorizado pela administração do Banco, em3de janeiro de 2019, depois de já aprovado pela Direção de Contencioso.
PP. Este facto resulta cabalmente provado dos emails juntos como documento n.º 10 da PI, dos quais inclusivamente consta como anexo a autorização do Banco, de 03.01.2019, e foi confirmado pela testemunha BB, autor dos emails e funcionário da Direção de Recuperação de Crédito (DRC) que solicitou a autorização (cfr.minutos 16:12 a16:40e 55:49 a 57:00);
QQ.Este facto é essencial porque prova que o segundo cumprimento não foi um ato impulsivo de um funcionário da DRC, nem uma decisão de uma direção isolada, mas sim uma operação que foi sujeita à análise e aprovação da própria Administração do Banco que, naturalmente, tem acesso total a toda e qualquer informação interna que procurar obter e que demorou vários meses a emitir a sua decisão;
RR. Sublinha-se que, antes de solicitar a autorização à Administração do Banco Recorrido, a DRC solicitou a autorização da Direção de Contencioso – ou seja, da Direção que pediu o primeiro cumprimento, cfr. facto provado 10) –, conforme o próprio BB declarou a minutos 12:56 a 13:25;
SS. Ou seja, nem a DRC, nem a Direção de Contencioso, nem a Administração verificaram a situação antes de aprovar e executar o segundo cumprimento da sentença;
TT. Estes factos são muitíssimo importantes, porque demonstram que o Banco Recorrido tinha a capacidade e o poder para, quando aprovou e realizou o segundo pagamento, ter obtido a informação de que a sentença já estava cumprida;
UU.Têm, portanto, de ser aditados à decisão da matéria de facto como factos provados, por serem determinantes para análise da existência de culpa do Banco Recorrido;
VV. Facto c) Foi BB quem negociou com a Recorrente a questão do cumprimento da sentença e que, em janeiro de 2019,efetuou o segundo pagamento e foi também BB quem, em 2021, se apercebeu que a sentença já tinha sido cumprida em 2017;
WW.O primeiro segmento deste facto foi BB quem negociou com a Recorrente a questão do cumprimento da sentença e que, em janeiro de 2019, efetuou o segundo pagamento –resulta provado dos emails juntos comodocumenton.º9 da PI e da “confissão” da testemunha BB (cfr. minutos 16:12 a 16:40 e 56:19 a 56:52);
XX. O segundo segmento do facto – foi também BB quem, em 2021, se apercebeu que a sentença já tinha sido cumprida em 2017 – resulta provado dos emails juntos como documento n.º 10 da PI e do depoimento da testemunha AA – colaborador da DSO– que confirmou que foi a DRC que fez esta averiguação, tal como resulta do documento n.º 10 (cfr. minutos 12:26 a 13:21 e 13:50 a 13:56);
YY. Os emails juntos como documento n.º 10 da PI provam ainda que, como referiu AA, a averiguação ficou concluída logo a seguir à realização do débito interno, mais exatamente, em apenas2dias (BB, quando questionado sobre o documento nº 10, confirmou que tinha feito a análise constante no email de 8 de julho, cfr. minutos 34:03 a 34:33);
ZZ. Relembra-se que BB trabalhava na Direção de Recuperação de Crédito (DRC), quer em 2019, quer em 2021, como resulta da assinatura dos seus emails, juntos como documentos n.º 9 e 10;
AAA. Esta conjugação de factos evidencia que a Direção de Recuperação de Crédito, em 2021, descobriu sozinha, e rapidamente, aquilo que em 2018/2019 não cuidou de indagar, confiando na Direção de Contencioso e na decisão da Administração do Banco;
BBB. Isto é muitíssimo relevante, pois demonstra que a própria DRC tinha, sozinha, todos os meios e condições para em apenas 2 dias descobrir aquilo que, em 2019, quando efetuou o segundo cumprimento, não se preocupou em verificar e era até bastante intuitivo: que uma sentença com 3 anos já tinha sido cumprida;
CCC. E nem se diga que esta descoberta requeria especiais qualidades do funcionário da DRC que averiguou e deslindou o caso em 2021, porque o funcionário era precisamente o mesmo que fez o cumprimento duplicado, em 2019: a testemunha BB;
DDD. Tem, portanto, de ser aditado à decisão da matéria de facto como facto provado, por ser determinante para análise da questão da prescrição e da culpa do Banco Recorrido;
EEE. A alteração da matéria de facto nos termos supra expostos tem como consequência a alteração da decisão de Direito, nos termos seguintes:
FFF.Em primeiro lugar, a medida do enriquecimento/empobrecimento tem de ser reduzida, de € 26.634,53, para € 25.610,13, pois o alegado pagamento de juros (€ 1.024,40) não pode ser considerado como provado;
GGG. Em segundo lugar, tem de se considerar prescrito o direito do Banco Recorrido a reembolso por enriquecimento sem causa, porque não era razoável que o Recorrido, à data do segundo cumprimento da sentença, em 2018/2019, e em face das circunstâncias do caso, ignorasse que já a tinha cumprido em 2017;
HHH. Efetivamente, por força dos fins subjacentes à prescrição e dos princípios da proporcionalidade e da boa-fé (conceção ética da boa-fé subjetiva, que impõe a inexistência de culpa no exercício das posições jurídicas), o conceito de “conhecimento do direito” previsto no artigo 482.º do Código Civil tem de ser interpretado como integrando uma dimensão normativa, implicando a inexistência de um juízo de censura sobre a situação de desconhecimento do direito reclamado (análise de culpa);
III. Como é evidente, se a prescrição visa desproteger alguém porque o considera indigno de proteção jurídica, por inércia negligente, não se pode – por laxismo interpretativo – deixar entrar pela janela o que o legislador proibiu que entrasse pela porta, sob pena de se frustrar completamente o fim da prescrição;
JJJ. Significa isto que a prescrição também se inicia em caso de desconhecimento culposo por parte do lesado do direito que lhe compete (neste sentido, cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 15.06.2018, proferido no processo n.º 835/15.0T8LRA.C3 e Paulo Manuel Leal Lacão);
KKK. Ora, analisando os factos que se impõe serem aditados à decisão da matéria de facto (cfr. conclusões KK, OO e VV), é inevitável concluir que o Banco Recorrido tinha a possibilidade, ónus e até a obrigação de, em 2019, ter verificado que a sentença já tinha sido cumprida;
LLL.Primeiro, porque é uma medida básica de diligência, considerando que está em causa uma sentença com 3 anos (datada de 2016, cfr. facto provado 9);
MMM. Segundo, porque a diretora do departamento jurídico não só sabia do cumprimento (porque o pediu, cfr. facto provado n.º 10), como foi diversas vezes lembrada do assunto ao longo dos anos (facto a aditar B-a)), ao ponto de inclusivamente a DRC ter contactado a Direção de Contencioso em 2019 (facto a aditar B-b)), antes de solicitar a autorização da Administração do Banco;
NNN. Terceiro, porque foi pedida autorização da administração do Banco e a Administração tem obrigação legal de zelo, diligência e competência, pelo que estava obrigada a averiguar plenamente a situação junto de todas as direções, em especial a Direção de Contencioso (que tinha em 2017 solicitado o primeiro pagamento), pois está em causa um processo judicial.
Tendo aprovado a operação sem nada indagar, a Administração do Banco Recorrido claramente incumpriu os seus deveres legais;
OOO. Finalmente, porque a averiguação da situação era simples e rápida, de tal forma que – em 2021 – foi concluída em 2 dias, pelo próprio funcionário que, em 2018/2019, não cuidou de a fazer;
PPP. Face a tudoo exposto, atendendo às muito expressivas circunstâncias docaso, tem de se concluir que o Banco Recorrido não agiu com a diligência de uma pessoa razoável na gestão dos seus assuntos e interesses, nem era de todo razoável que, à data do segundo cumprimento da sentença, em 2018/2019, não cuidasse de averiguar se já a tinha cumprido anteriormente;
QQQ. Muito pelo contrário, todas as Direções envolvidas e a própria Administração agiram de forma displicente, revelando que todo o Banco Recorrido atuou de forma grosseiramente negligente;
RRR. Deve, portanto, o prazo prescricional considerar-se iniciado em 03.01.2019 (data da aprovação pela administração que claramente estava obrigada por lei a indagar a situação) ou, caso assim não se entenda, em17.01.2019 (data do crédito na conta do PER), sendo que, em qualquer dos cenários, o direito prescreveu em janeiro de 2022, antes da citação da Ré no âmbito dos autos e antes mesmo de ser intentada a ação, em março de 2022;
Subsidiariamente e sem conceder,
SSS.Caso não se entenda que está prescrito o direito, impõe-se declarar a existência de Abuso de Direito e Culpa do Lesado in casu, ambos de conhecimento oficioso;
TTT. Está provado à saciedade que o Banco Recorrente foi profundamente negligente ao, em 2019, não ter verificado o cumprimento da sentença, porque tinha a possibilidade, ónus e até obrigação de o fazer - face às circunstâncias do caso, tinha todos os elementos e a capacidade (seja via DRC, seja via Administração) para o efeito -, mas nada fez;
UUU. A conduta do Banco Recorrido é perfeitamente laxista e displicente desde 2017 até 2021, a não ser por um funcionário – AA – que sempre se esforçou por regularizar o tema entre as duas direções do Banco, até em 2021 tomar medidas drásticas para tornar o tema incontornável para a DRC, o que só torna a postura do Banco ainda mais censurável;
VVV. Consequentemente, não só é profundamente condenável a conduta do Banco Recorrido, como lhe é inteiramente imputável o cumprimento duplicado da sentença;
WWW. Assim, mais do que concorrer para o dano sofrido (o alegado empobrecimento) por total e completa negligência não só da DRC, mas também da Direção de Contencioso e – mais grave – da própria Administração (que não cumpriu com a obrigação legal de verificar a situação), o Banco Recorrido causou o seu próprio dano;
XXX. É, assim, incontestável a existência de culpa do lesado, o que deve conduzir in casu à exclusão do direito do Banco Recorrido;
YYY. Por outro lado, o Banco Recorrido não só cumpriu duas vezes a mesma sentença sem cuidar de verificar o que estava a fazer - apesar do longo processo interno de aprovação pela Administração -, como ainda obteve o acordo do Recorrido para que, em substância, incumprisse a sentença, senão vejamos;
ZZZ.A sentença condena o Banco Recorrido a devolver à Recorrente um valor que indevidamente afetou ao serviço da dívida do PER (cfr. documento n.º 6 da PI, junto aos autos pelo requerimento de 09/03/2022, com a referência Citius ...45);
AAAA. Ora, em 2019, em cumprimento desta sentença, o que o Banco Recorrido fez foi afetar esse valor ao serviço da dívida do PER;
BBBB. Como é evidente, reconhecer a existência de um enriquecimento do Recorrente neste contexto viola a boa-fé, na vertente da primazia da materialidade subjacente, pois premeia a negligência grosseira do Recorrente que, cumpriu duas vezes a mesma sentença, e, à segunda, cumpriu de forma enviesada, obtendo o mesmo resultado prático que a sentença procurou evitar: o favorecimento de credor;
CCCC. Por este motivo, tem de bloquear-se o exercício do direito alegado, seja por Abuso de Direito, seja por Culpa do Lesado;
DDDD. A decisão recorrida deve, portanto, ser revogada e substituída por outra que considere provados todos os factos supra indicados nos termos expostos (conclusões G,L,CC,II,KK,OO e VV), concluindo a final pela improcedência da ação, por prescrição do direito invocado ou, caso assim não se entenda, por Abuso de Direito e Culpa do Lesado.
Termos em que, e nos melhores de Direito, deve o presente Recurso ser julgado procedente e ser revogada a sentença recorrida, substituindo-se por outra que:
a) Altere a decisão da matéria de facto nos termos supra expostos (conclusões G, L, CC, II, KK, OO e VV);
E, consequentemente,
b) Declare que a medida do enriquecimento/empobrecimento é de apenas € 25.610,13; e
c) Declare prescrito o direito ao enriquecimento sem causa;»
Foram juntas contra-alegações pelo Autor, tendo o mesmo formulado as seguintes conclusões (transcrição):
« A. Não tem razão a Recorrente quando pretende que seja declarada a prescrição, porquanto o prazo prescricional referido no artigo 482ºCC conta-se da data em que o credor teve conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável.
B. E foi neste sentido que o Tribunal A quo decidiu, e bem, porquanto se verifica que este prazo de prescrição não havia decorrido na data em que a acção judicial deu entrada conforme se explicará:
a) É dado como provado que a Recorrida apenas teve conhecimento da duplicação de pagamentos em Julho de 2021;
b) Que a acção deu entrada em juízo em 01.03.2022;
c) A citação da R. foi realizada em 24.03.2022;
C. A este propósito ouça-se o depoimento da testemunha BB: a. Minuto 37:13 – Advg - (…) estamos em julho de 2021 que é quando o BB se apercebe que já tinha havido um pagamento?
- Test – é nesta altura que nós nos apercebemos sim.
D. Pelo que dúvidas não restarão que o prazo de prescrição referido no artigo 482º CC terminaria em Julho de 2024, data muito posterior á data de entrada da acção ou á data da citação de R.
E. Ainda assim e mesmo que o douto Tribunal considerasse que o prazo de prescrição se iniciasse na data em que ocorreu o 2º pagamento – 17.01.2019 – o que se coloca por mera hipótese académica, o prazo também ainda não se encontrava precludido á data em que a acção deu entrada – 01.03.2022- ou á data da citação da R. – 24.03.2022.
F. Ao abrigo Lei.º 1-A/2020, de 19 de março, alterada pela Lei n.º 4-A/2020, de 6 de abril os prazos de prescrição e de caducidade ficaram suspensos desde 9 de março de 2020 a 03 de junho de 2020, num total de 87 dias – o que resultou numa suspensão de quase 3 meses.
G. Posteriormente, voltou a vigorar um regime de suspensão dos prazos introduzida pela Lei n.º 4-B/2021 de 1 de fevereiro, que vigorou entre 22 de janeiro de 2021 até ao dia 05 de abril de 2021, num total de 74 dias – o que resultou numa suspensão de aproximadamente mais 2 meses e meio.
H. Pelo que, ao prazo de 3 anos deverá, sempre, acrescer 161 dias, porquanto foi este o período em que os prazos de prescrição estiveram suspensos.
I. Veja-se a simulação do prazo de prescrição se se tivesse em consideração a data do 2º pagamento (17.01.2019):
a. Inicio do prazo de prescrição - data do 2º pagamento (17.01.2019);
b. Fim do prazo de prescrição sem suspensão - 17.01.2022
c. Dias de suspensão dos prazos de prescrição – 161 dias (cerca de 5 meses)
d. Fim do prazo de prescrição – 27.06.2022 e. Data de entrada da acção - 01.03.2022; f. Data da citação – 24.03.2022
J. Pelo que se verifica que em nenhuma das hipóteses supra colocadas o prazo de prescrição havia sido ultrapassado, pelo deverá a pretensão da Recorrente improceder.
K. Efectivamente e por questões que não é possível determinar e após a Recorrente ter exigido, despudoradamente, o cumprimento da sentença pela segunda vez o Banco recorrido analisou o processo e submeteu o pagamento á aprovação, o certo é que, por lapso já assumido nos autos, não foi possível apurar logo em 2019 que o pagamento já tinha sido efectuado.
L. A recorrente pede ao Tribunal que altere o facto provado em 10) da sentença no entanto tal alteração mostra-se irrelevante para a discussão da causa por se verificar que o que está em discussão não é qual a direcção interna do Banco procedeu ao pagamento.
M. Ou seja, existiram dois momentos distintos de pagamentos:
a. O 1º realizado em 17.10.2017 para o IBAN indicado – ...05, da quantia de € 28.930,33 - efectuado pela Direção de serviços e operações (DSO) a pedido da Direção de Recuperação de Crédito (DRC);
b. O 2º realizado em 2019.01.17, a conta crédito nº ..., titulada pela ré, pelo valor de € 25.610,33 - realizado através da Direção de Recuperação de Crédito (DRC)
N. Conclui-se que ambos os pagamentos foram realizados pela Recorrida que, dentro da sua organização interna, pediu aos departamentos competentes que cumprissem essa instrução.
O. Aliás tal conclusão é suportada pelo depoimento da testemunha AA refere no seu depoimento: “ Acontece que em 2017 a directora da área jurídica contactou o meu director de operações e pediu (…) se nós podíamos utilizar uma conta interna para fazer este pagamento(…) (minutos 5:16 a 5:40)
P. Logo, considera a Recorrida que nada deverá ser alterado no ponto 10) dos factos provados, mantendo-se tal e qual como está.
Q. Quanto á requerida alteração do ponto 11) encontra-se junta prova nos autos, nomeadamente o doc. 9, onde se pode ler o email datado de 7.12.2018 onde a testemunha BB refere que se encontra em curso a correção decorrente da implementação de uma sentença judicial R. Ainda a este respeito refere a testemunha BB o seguinte:
a) - Minuto 16:15 – É nessa altura que, com o despacho de recusa, eu faço uma proposta…então temos de cumprir a sentença (..) e é isso que dá origem ao email de 07.12 que eu enviei para o Engenheiro DD com o conhecimento do Dr. EE.
S. Também a testemunha FF prestou esclarecimentos quanto a este ponto:
a. Minuto 5:20 – Em final de 2018 o Dr EE contactou me muito aborrecido porque havia uma informação na central de responsabilidade de crédito (…) o banco recusou a proposta e resolveu dar cumprimento á sentença.
T. Conclui-se assim que as negociações com o Sr. EE começaram em meados de abril de 2018, mas que só com a recusa do banco quanto á proposta apresentada pela Recorrente, em dezembro de 2018, é que esta exige o cumprimento da sentença.
U. Assim bem andou o tribunal a quo quando deu como provado que só em finais de 2018 é que a Recorrente exigiu junto da Recorrida o cumprimento da sentença.
V. A Recorrente requer ainda a alteração do ponto 12) dos factos provados pretendendo que o Tribunal a quo dê como provado que o pagamento em duplicado se deveu a erro da Recorrida e não a um mero lapso, sendo que resulta óbvio de todos os elementos carreados aos autos que não estamos aqui perante um erro, mas sim um lapso. que foi gerado pela exigência da Recorrente junto da Recorrida no cumprimento da sentença novamente em finais de 2018.
W. A Recorrente pretende que passe a constar do facto provado que foi um erro da Recorrida o certo é que não justifica em fundamenta o erro que aqui está em causa e para se aferir do erro jurídico haveria necessidade de a Recorrente o alegar, classificar, fundamentar e provar e tal não foi feito pela Recorrente…
X. Sendo bem patente nos autos que a duplicação de pagamentos se tratou de um lapso que, diga-se, foi potenciado pela má-fé da Recorrente que pediu o cumprimento da mesma sentença em dois momentos diferentes, pretendendo ludibriar a Recorrida e que agora, em manifesto abuso de direito, continua a querer tirar proveito dessa situação, imputando á Recorrida uma culpa que não existiu.
Y. Mais alega a Recorrente que o Tribunal a quo não pode dar como provado que o valor de €1.024,40 foi pago a título de juros, mas tal conclusão não pode ser retirada dos autos tendo em conta que foram juntos 3 documentos (Doc. 1, 1.1 e 1.2) e as testemunhas BB, CC e FF explicaram como os documentos haviam sido gerados, que verbas eram as que ali estavam referidas e como tinha sido feita a imputação de valores
Z. Para além disso o extracto bancário que prova o pagamento deste valor ao Recorrente como, e acima de tudo, a testemunha BB veio confirmar que o valor teria sido liquidado a título de juros e explicou de forma clara a sua existência e justificação.
a. Minuto 28.12 – Advog – Dr BB, mas porque é que há aqui remanescente?
Test – o plano financeiro ao ser feito gerou prestações diferentes daquelas que tinham sido, tinham ocorrido na versão inicial do plano. A diferença (…) era uma diferença negativa para o cliente contudo o valor que o banco creditou ao cliente terá sido suficiente para essa diferença.
b) - Minuto 46.34 – Juiz – O plano corrigido foi corrigido por causa do PER e em função do PER?
- Test. – (…) porque estava mal implementado. Nós ao debitarmos aquele valor que faz parte da sentença (…) esse valor saía do PER, e é valor que entra na divida do PER.
c) Minuto 47:20 - Test –“ no fundo é a anulação da cobrança indevida. “
d) Minuto 48:02 – Para além disso a sentença condenava-nos em valor juros de mora e penso que este valor resulta da sentença (…) e também entregamos ao cliente esse valor.
AA. Explicou ainda os valores que foram aplicados ao PER por ordem da sentença transitada em julgado (€ 9.130,83), os valores transferidos para a conta á ordem (€ 16.479,30) e o valor de juros transferido para a conta a ordem ( €1.024,40), bem como a razão da ciência da aplicação destes (depoimento do minuto 44.04 a 45.38).
BB. Acresce a este o facto de a testemunha BB ter também prestado depoimento claro e isento quanto á aplicação de parte do valor ao PER.
a. Minuto 23:53 – Advog. - É correcto então dizer que (…) no fundo tinham acordado que iam fazer a regularização do PER que estava a ser incumprido com o cumprimento da sentença?
- Test - Precisamente.
b. Minuto 01:03:00 – Advg – Então afinal não havia prestações em atraso?
- Test. – estamos a falar aqui á data da implementação estava esta prestação em atraso.
c. Minuto 01:03:25 – “anteriormente (..) estiveram várias prestações em atraso.”
d. Minuto 01:11.05 - Advog - “ o problema que havia no PER (…) é que na pendência do PER foi cobrada uma prestação de 26 mil euros?
Test. – Sim
e. Minuto 01:11:50 – o 1º PER que foi implementado, foi implementado antes da cobrança da prestação.
f. Minuto 01:12:39 – o que foi reclamado ainda não considerava esta cobrança.
g. Minuto 01:14:10 – o que foi feito foi anular aquela cobrança de 2014 e fazer como se a cobrança não tivesse existido” (…)
h. 01.16.20 – “O capital aumenta porque o capital reduz se a cobrança foi feita. Se a cobrança tem de ser devolvida ao cliente então a cobrança de capital não foi feita. A divida aquela data não eram os tal cento e sessenta mil euros (…) a divida era superior.”
i. 01:17:14 - Advg - a implementação do plano era diferente dos valores reclamados no PER pela Caixa económica.
Test - Sim, correcto
PP.Também a testemunha FF prestou o seu depoimento, claro, acerca deste assunto:
c) Minuto 22.40 – Juiz - este valor que o banco cobrou indevidamente era uma prestação este contrato, correcto?
Test – exactamente , era uma prestação deste contrato
Juiz - e tendo feito essa cobrança indevida houve um abatimento no capital, certo?
Test. – certo. (..) se eu tenho de devolver um valor (…) houve uma rectificação do capital.
Juiz – então o capital tem de aumentar porque não sofreu aquela amortização indevida. Isso obriga a reformulação de prestações?
Test – é isso mesmo.
QQ. Ou seja, em 2014 e em momento posterior á reclamação de créditos apresentada em PER, foi indevidamente cobrada uma prestação de cerca de 26 mil euros, e esse valor teve de ser devolvido ao cliente de acordo com a sentença proferida pelo Tribunal e junta á PI como Doc.6, tendo gerado uma necessidade de rectificação dos valores da implementação do PER.
RR. Tal rectificação implicou que se anulasse a referida prestação de 26 mil euros, passando este valor a ser novamente inserido na rubrica de capital em divida, porque efectivamente não foi liquidada, pelo que dúvidas não podem subsistir que o PER se encontrava em situação de incumprimento e que os €9.130,83 foram alocados pela Recorrida para a sua regularização.
SS.Mais, foi dado como provado (facto 13) que á data de 16.12.2018, encontravam-se por regularizar 7 prestações do PER e que tal facto não foi colocado em causa pela Recorrente, devendo dar-se como assente e que (facto provado 15) as aplicações de valores foram efectuadas com conhecimento da recorrente…facto que também não foi colocado em causa pela Recorrente.
TT.Assim, o facto dado como provado em 15) deverá permanecer com a redação que lhe foi dada pelo Tribunal a quo por ser isso que resultou provado nos autos. UU. Vem ainda a recorrente alegar junto de V.Exas que o Tribunal a quo deveria ter dado como provados alguns factos que, alegadamente, interferem na boa decisão da causa, nomeadamente quanto á questão da prescrição, no entanto considera a Recorrida que todos os facto pretendidos aditar são questões ligadas a procedimentos internos do banco que em nada têm a ver com a discussão dos autos.
VV. Nada importa qual foi o departamento que liquidou o valor junto da Recorrente, assim como não é relevante a data de autorização do pagamento.
WW. O que importa, verdadeiramente e que está assente nos autos é que o pagamento foi feito pela Recorrida á Recorrrente….e que junto dos autos se encontram provas irrefutáveis que permitem concluir que os requisitos do enriquecimento sem causa de se encontram preenchidos.
XX.Aliás, analisadas as alegações nada é imputado pela Recorrente que possa impactar com os requisitos do enriquecimento sem causa.
YY.Ao contrário a Recorrente assenta todo o seu recurso numa tese de prescrição que, conforme já se verificou, não está correcta e não pode ser aceite pelo Tribunal.
ZZ.Conclui-se assim que toda a matéria que se pretende aditar é meramente conclusiva e sem qualquer interesse para a discussão da causa, face ao que foi supra descrito, razão pela qual deverá improceder o pedido de aditamento in totum.
AAA. Por último vem a recorrente em sede de recurso requerer a apreciação de questões que não foram por si alegadas em sede de contestação, sendo que, conforme não poderá desconhecer, tal facto não é legalmente admissível
BBB. Refere a Recorrente no ponto D) das alegações que, não se verificando a prescrição alegada deverá recorrer-se ao instituto do Abuso do Direito e Culpa do Lesado, pedindo, subsidiariamente, que o tribunal “bloqueie o direito ao reembolso por Abuso de Direito”
CCC. Á cautela sempre importará referir que o cumprimento da sentença em duplicado foi potenciado pela Recorrida, que, despudoradamente exige à Recorrida que cumpra em 2018 uma sentença que já havia sido cumprida em 2017.
DDD. Em 2018 a Recorrente prestou declarações não sérias, porquanto induziu a Recorrida a acreditar que não havia cumprido a sentença, situação que está consagrada no artigo 245º CC e prevê que nestes casos a Recorrida tem direito a ser indemnizada.
EEE. Face ao exposto conclui-se que não só esta questão não foi objecto de discussão anterior, como também e a bem da verdade, nos autos não existem elementos/ factos provados que permitam a condenação da Recorrida em abuso de direito ou que se declare a existência de culpa do lesado.
FFF. Ao contrário, existem mais do que provas nos autos que a Recorrente agiu de má fé e em latente abuso de direito quando exigiu o cumprimento de uma sentença que já havia sido cumprida em 2017 com o intuito claro de prejudicar a Recorrida e obter para si um incremento patrimonial que bem sabia não lhe ser devido.
GGG. Requer-se assim que se dê como não escrito o ponto D) das alegações e os pontos SSSS a DDDD das conclusões e caso assim não se entenda que se declare que não se verificam as situações de abuso de direito e culpa do Lesado que a Recorrente pretende imputar á Recorrida
Termos em que deve o recurso interposto pelo Recorrente ser julgado improcedente, e, em consequência, ser mantida a decisão recorrida e em conformidade com as alegações e conclusões supra expostas.
Pois só assim se fará a costumada Justiça!!»

Colhidos os vistos legais e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir.
Factos considerados provados na 1ª instância:
1) A ré é uma sociedade comercial que se dedica à produção e comercialização de produtos agrícolas e cultura de frutos.
2) Até 2018-07-19, denominava-se “A..., UNIPESSOAL LDA.”, tendo como gerente GG, cujas funções cessaram em 2019-06-24.
3) GG é casada com EE.
4) No decurso da sua actividade económica, a ré teve necessidade de estabelecer relações de cariz financeiro com a autora, designadamente através de abertura de conta bancária e recurso a crédito, em diversas modalidades, nomeadamente:
a) Contrato de Mútuo e fiança nº 461.36...., celebrado com a ré, pelo valor de 180.000 Euros, com fiança prestada por GG e EE;
b) Livrança no valor de 220.000 Euros, subscrita pela ré e avalizada por GG e EE; e
c) Garantia bancária emitida pela autora a pedido da ré, até ao montante máximo de 160.668,75 Euros.
5) Em 12-04-2014, a ré recorreu ao Processo Especial de Revitalização (ou PER) que correu termos pela Comarca ..., Secção de Comércio, sob o nº 432/14...., Juiz ....
6) Em tal PER, a ré apresentou um plano tendente à sua revitalização, que foi aprovado pelos seus credores, onde se incluía a autora, que votou favoravelmente o mesmo.
7) Posteriormente foi o mesmo homologado por decisão judicial transitada em julgado, proferida em 14-11-2014.
8) À data em que a autora reclamou os seus créditos no referido PER era credora da ré pelo montante global de 344.362,07 Euros, dos quais 183.693,32 Euros como crédito comum e 160.668,75 Euros como crédito sob condição.
9) Por sentença transitada em julgado, proferida em 2016-08-30, no processo que correu termos pela Comarca ..., ... – Inst. Local – Secção Cível – J..., sob o nº 759/15...., foi a autora condenada «a repor na conta de depósito à ordem da A. A..., Unipessoal, Lda, com o n.º ..., o valor de € 25.610,13, acrescido de juros de mora, à taxa de juros civis, desde 22.07.2014, e até à efectiva reposição».
10) No cumprimento da referida sentença, a autora, por intermédio da sua Direcção de Contencioso, respondendo às instruções dos Ilustres Mandatários da ré, procedeu à transferência, em 2017-10-18, para o IBAN indicado – ...05, da quantia de 28.930, 33 Euros.
11) Em finais de 2018, o actual gerente da ré, no âmbito de negociações tendentes à regularização de vários créditos com ele relacionados, directa e indirectamente, interpelou a autora, invocando encontrar-se por cumprir a sentença supra referida em 9), desta vez dirigindo-se à Direcção de Recuperação de Crédito, Núcleo de Recuperações Especiais.
12) Os colaboradores da referida Direcção, por lapso interno na sua posterior validação, promoveram o solicitado pagamento, creditando:
a) em 2019-01-17, a conta crédito nº ..., titulada pela ré, pelo valor de 25.610,33 Euros, e,
b) a conta Depósito à Ordem nº ..., em 2019-01-30, pelo valor de 1.024,40 Euros, a título de juros, no total de 26.634,53 Euros.
13) Uma vez que, à data de 2018-12-16 e com referência ao PER, encontravam-se por regularizar 7 prestações, vencidas entre 2018-05-30 e 2018-11-30, a ré procedeu à sua regularização no dia 2018-12-17.
14) Em 2018-12-30 venceu-se uma nova prestação do PER para a qual a ré já não efectuou qualquer depósito.
15) O montante desta prestação em falta, acrescido do valor que resultou da reformulação/reprocessamento do PER, por via do aumento de capital em dívida, em consequência do crédito referido em 13), levou a que a transferência total de 26.634,53 Euros, fosse aplicada da seguinte forma:
a) 9.130,83 Euros para regularização do PER e,
b) o remanescente de 16.479,30 Euros, posteriormente transferido, em 2019-01-18, directamente para a conta Depósito à Ordem n.º ..., titulada pela ré,
c) 1.024,40 Euros, transferidos para a conta Depósito à Ordem n.º ..., a título de juros.
16) A operação referida em 15) foi efectuada com o conhecimento da ré.
17) Em Julho de 2021, na decorrência de um lançamento a débito numa conta interna, pertencente à aludida Direcção de Recuperação de Crédito (DRC), por outra Direcção da autora, a DSO –Informações Externas, pelo montante de 28.930.33 Euros [1.º pagamento], houve a necessidade de esclarecer o seu racional.
18) Da análise realizada pela autora, à data, através da sua Direcção de Recuperação de Crédito (DRC), conclui esssa pela ocorrência de um pagamento à ré, em duplicado, da quantia de € 26.634,53, sem fundamento judicial ou contratual.
19) Em consonância e visando a sua devolução voluntária, a autora remeteu, em 2021-12-20, carta registada com aviso de recepção, interpelando a ré a proceder ao pagamento voluntário daquela quantia até ao dia 01-01-2022.
20) Apesar da ré ter sido interpelada na morada da sua sede, tal carta foi devolvida pelos CTT com a justificação de “Mudou-se”.
21) Até à presente data, a ré não procedeu a qualquer pagamento por conta do supra referido pagamento em duplicado.

Inexistem factos não provados com relevância para a decisão da causa, não tendo sido considerados os factos repetidos, irrelevantes ou integrantes de matéria de Direito.


2 – Objecto do recurso.
Face ao disposto nos artigos 608º, nº 2, 635º, nº 4, e 639º, nº 1 do Código de Processo Civil, as conclusões das alegações de recurso delimitam os poderes de cognição deste tribunal, pelo que as questões a decidir são:
1ª Questão -Saber se devem ser alterados os factos provados 10,11,12,15 e não provados a),b) e c).
2ª Questão -Saber se a data em que se iniciou o prazo prescricional (se em 03.01.2019 (data da aprovação pela administração que claramente estava obrigada por lei a indagar a situação) ou, caso assim não se entenda, em17.01.2019 (data do crédito na conta doPER)/análise da culpa.
3ª Questão -Saber se existe Abuso de Direito.


3 - Análise do recurso.
1ª Questão -Saber se devem ser alterados os factos provados 10,11,12,15 e não provados a),b) e c).
A recorrente defende que o prazo prescricional se iniciou em 03.01.2019 (data da aprovação pela administração que claramente estava obrigada por lei a indagar a situação) ou, caso assim não se entenda, em17.01.2019 (data do crédito na conta do PER), sendo que, em qualquer dos cenários, o direito prescreveu em janeiro de 2022, antes da citação da Ré no âmbito dos autos e antes mesmo de ser intentada a ação, em março de 2022;
Para tal pretende a alteração da matéria de facto, impugnando os seguintes factos:
10) No cumprimento da referida sentença, a autora, por intermédio da Direção de Contencioso, respondendo às instruções dos Ilustres Mandatários da ré, procedeu à transferência, em 2017-10-18, para o IBAN indicado – ...05, da quantia de 28.930, 33 Euros.
11) Em finais de 2018, o actual gerente da ré, no âmbito de negociações tendentes à regularização de vários créditos com ele relacionados, directa e indirectamente, interpelou a autora, invocando encontrar-se por cumprir a sentença supra referida em 9), desta vez dirigindo-se à Direcção de Recuperação de Crédito, Núcleo de Recuperações Especiais.
12) Os colaboradores da referida Direcção, por lapso interno na sua posterior validação, promoveram o solicitado pagamento, creditando:
a) em 2019-01-17, a conta crédito nº ..., titulada pela ré, pelo valor de 25.610,33 Euros, e,
b) a conta Depósito à Ordem nº ..., em 2019-01-30, pelo valor de 1.024,40 Euros, a título de juros, no total de 26.634,53 Euros.
15) O montante desta prestação em falta, acrescido do valor que resultou da reformulação/reprocessamento do PER, por via do aumento de capital em dívida, em consequência do crédito referido em 13), levou a que a transferência total de 26.634,53 Euros, fosse aplicada da seguinte forma:
a) 9.130,83 Euros para regularização do PER e,
b) o remanescente de 16.479,30 Euros, posteriormente transferido, em 2019-01-18, directamente para a conta Depósito à Ordem n.º ..., titulada pela ré,
c) 1.024,40 Euros, transferidos para a conta Depósito à Ordem n.º ..., a título de juros.
E pede a sua alteração nos seguintes termos:
10) No cumprimento da referida sentença, a autora, por intermédio da sua Direção de Serviços e Operações (DSO), a pedido urgente da Direção de Contencioso, respondendo às instruções dos Ilustres Mandatários da ré, procedeu à transferência, em 2017-10-18, para o IBAN indicado– ...05, da quantia de 28.930,33Euros.
11) Em abril de 2018, o actual gerente da ré, no âmbito de negociações tendentes à regularização de vários créditos com ele relacionados, directa e indirectamente, interpelou a autora, invocando encontrar-se por cumprir a sentença supra referida em 9), dirigindo-se à Direcção de Recuperação de Crédito, Núcleo de Recuperações Especiais;
12) Os colaboradores da referida Direcção, por erro interno na sua anterior validação, promoveram o solicitado pagamento, creditando, em 2019-01-17, a conta crédito nº ..., titulada pela ré, pelo valor de 25.610,13 Euros;
15) A reformulação/reprocessamento do PER, por via do aumento de capital em dívida, em consequência do crédito referido em 12), levou a que a transferência total de € 25.610,13 Euros, fosse aplicada da seguinte forma: a) 9.130,83 Euros para regularização do PER e, b) o remanescentede16.479,30Euros,posteriormentetransferido,em2019-01-18,diretamente para a conta Depósito à Ordem n.º ..., titulada pela ré.
E pede que seja acrescentada a seguinte matéria:
Facto a) A DSO, por intermédio de AA, entre outubro de 2017 (data do primeiro cumprimento da sentença) e 2021, insistiu várias vezes na regularização entre as contas internas da DSO e da Direção de Contencioso, devida por força do solicitado cumprimento urgente da sentença;
Facto b) segundo pagamento foi autorizado pela administração do Banco, em3 de janeiro de 2019, depois de já aprovado pela Direção de Contencioso.
Facto c) Foi BB quem negociou com a Recorrente a questão do cumprimento da sentença e que, em janeiro de 2019, efetuou o segundo pagamento e foi também BB quem, em 2021, se apercebeu que a sentença já tinha sido cumprida em 2017;
Cumpre decidir:
Quanto às alterações pretendidas referentes ao pontos 10, correspondente à substituição da parte “por intermédio da Direção de Contencioso” para “por intermédio da sua Direção de Serviços e Operações (DSO), a pedido urgente da Direção de Contencioso “ e ao ponto 11 retirando a expressão “desta vez” entendemos que são irrelevantes e por isso a sua análise é inútil, já que não poderia conduzir a nenhuma alteração da solução jurídica (sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, antemão, ser inconsequente, o que contraria os princípios da celeridade e da economia processual consagrados nos artigos 2.º n.º 1, 137.º e 138.º).
Com efeito, não é posto em causa que ocorreu um pagamento em duplicado por parte do banco, sendo inócuo o procedimento interno do banco que lhe deu origem.
Quanto à palavra “posterior” que o recorrente pretende alterar para “anterior” para além de não se alcançar a relevância da mesma sempre se dirá que é o facto correspondente ao facto alegado no art. 18º da PI.
De qualquer forma também não se vislumbra de que forma pretendida alteração conduziria a uma alteração da solução jurídica.
O mesmo se diga, aliás à pretendida substituição da palavra “lapso” por “erro” cuja diferença não alcançamos.
No que diz respeito ao facto nº 15, para além do lapso da remissão, que não impede a compreensão do próprio recorrente, a alteração pretendida traduz uma discordância com a aplicação do valor em causa, efectuada internamente pelo banco.
Ora, o enriquecimento tem por base um pagamento duplicado, que não é posto em causa. De que forma essa quantia foi – internamente imputada pelo banco – na situação económica bancário do recorrente é algo que não interfere com o valor pago em duplicado.
Assim se no segundo pagamento o banco pagou a quantia de € 26.634,53, sem fundamento judicial ou contratual é esse o valor do enriquecimento como aliás decorre dos factos nº 16 e 18º que não foram impugnados.
Finalmente, improcede o pretendido aditamento da matéria pois é relativa a procedimentos internos do banco e o que é relevante é que ocorreu uma deslocação patrimonial da esfera do banco para a do recorrente efectuada- por lapso- através dos seus serviços (sejam eles quais forem).
Improcede assim a impugnação de facto.
Sempre se dirá, no entanto, que não partilhamos da construção jurídica defendida pela recorrente, como iremos expor.

2ª Questão -Saber se a data em que se iniciou o prazo prescricional (se em 03.01.2019 (data da aprovação pela administração que claramente estava obrigada por lei a indagar a situação) ou, caso assim não se entenda, em17.01.2019 (data do crédito na conta do PER)/análise da culpa
A recorrente defende que a Direção de Recuperação de Crédito, em 2021, descobriu sozinha, e rapidamente, aquilo que em 2018/2019 não cuidou de indagar, confiando na Direção de Contencioso e na decisão da Administração do Banco, ou seja a DRC tinha, sozinha, todos os meios e condições para em apenas 2 dias descobrir aquilo que, em 2019, quando efetuou o segundo cumprimento, não se preocupou em verificar e era até bastante intuitivo: que uma sentença com 3 anos já tinha sido cumprida tanto mais que o funcionário era o mesmo, o que - fazendo apelo a uma interpretação do conceito de “conhecimento do direito” previsto no artigo 482.º do Código Civil como integrando uma dimensão normativa, implicando a inexistência de um juízo de censura sobre a situação de desconhecimento do direito reclamado (análise de culpa) – conduz à conclusão de que o prazo da prescrição se iniciou por força do desconhecimento culposo por parte do lesado do direito que lhe compete, já que o Banco Recorrido atuou de forma grosseiramente negligente.
Não partilhamos da interpretação jurídica subjacente à mesma.
Com todo o respeito, cremos que o recorrente confunde coisas distintas.
Em causa está o art. Artigo 482.º do CC - (Prescrição):
«O direito à restituição por enriquecimento prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o credor teve conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do enriquecimento. »
A divergência relativa à interpretação da expressão «conhecimento do direito» donde emergem duas concepções: uma dita normativista (segundo a qual a expressão «conhecimento do direito» compreende o conhecimento do direito enquanto direito, ou seja, o conhecimento por parte do lesado de que se encontra juridicamente habilitado a exigir de terceiro o ressarcimento dos danos causados) e outra, de sentido diverso, que se pode designar realista (predominantemente seguida), (segundo o qual «conhecimento do direito» significa o conhecimento dos pressupostos que condicionam a responsabilidade civil, ou seja, por outras palavras, o conhecimento dos factos constitutivos do direito indemnizatório, independentemente da consciência da valoração jurídica que sobre eles impende) traduzem diferentes amplitudes do conhecimento (conhecimento de que tem o direito ou também da extensão integral ou não dos danos), mas esta problemática não se confunde com o critério estabelecido na lei, ou seja, a existência de conhecimento.
É preciso que conheça e não que tenha a possibilidade de conhecer.
Tal como refere Paulo Lacão “A prescrição da obrigação de indemnizar. Notas sobre o artº 498º do CC” Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, p.42: «o critério estabelecido é o do conhecimento, não, portanto, o da cognoscibilidade do direito. Tal significa que enquanto, por um lado, se aceita, nalguma medida, a normativização do critério dito subjetivo, mediante a fixação de um certo padrão de diligência relativo à verificação, pelo lesado, dos factos constitutivos do seu direito, por outro lado, tal padrão não pode ser de tal modo exigente que se baste com a mera possibilidade de conhecimento do direito.»
Afasta-se por isso a aplicação de um conceito de “culpa” defendida pela recorrente.
Por isso o prazo de prescrição deverá ser contado a partir do dia em que a autora tomou consciência de ter efectuado à ré, em duplicado, o pagamento da quantia em cujo pagamento havia sido condenada, sendo que, à luz da decisão de facto, essa data localiza-se já depois de Julho de 2021, por ser nesta altura em que a autora empreendeu diligências que a levaram a tomar consciência da realização de um pagamento em duplicado a favor da ré.
Tendo esta acção dado entrada em juízo em 12-07-2022, claro está, que não se encontra transcorrido o prazo de prescrição de três anos, contrariamente ao argumentado pela ré, como decidiu a sentença recorrida.


3ª Questão -Saber se existe Abuso de Direito.
Como sabemos, nos termos do artigo 334.º do Código Civil há abuso de direito quando o seu titular excede manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo seu fim social ou económico.
No dizer de Coutinho de Abreu, há "abuso do direito quando um comportamento, aparentando ser um exercício de um direito, se traduz na não realização dos interesses pessoais de que esse direito é instrumento e na negação de interesses sensíveis de outrem" (in "Do abuso de Direito", Coimbra, 1983, página 43).
Em anotação ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de outubro de 1978 (RLJ ano 112 a página 132) escreve o Prof. Adriano Vaz Serra:
“(…), aquele que exerça o direito com manifesto excesso dos limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico do direito faz um exercício ilegítimo deste e, por isso, contrário à lei; e cumprindo ao tribunal determinar os limites do direito exercido, ainda que as partes os não aleguem, parece de concluir que o tribunal de revista pode apreciar se o direito é, ou não, exercido abusivamente.”
Representando o abuso do direito a consagração de uma “forma de antijuricidade ou ilicitude” é sempre permitida sua apreciação oficiosa, na medida em que está em causa a violação de princípios de interesse e ordem pública, mesmo quando o manifesto excesso no exercício do direito redunda em violação de interesses individuais.
Não cremos que o Banco tenha agido com abuso de direito.
É curioso a recorrente trazer à colação o “abuso de direito” quando não põe em causa a duplicação de pagamento (teria abusado do direito porque pagou).
Se bem entendemos os seus argumentos esse abuso estaria no facto do Banco ter sido negligente ao, em 2019, não ter verificado o cumprimento da sentença, porque tinha a possibilidade, ónus e até obrigação de o fazer - face às circunstâncias do caso, tinha todos os elementos e a capacidade.
Ora, basta considerar que foi a recorrente quem desplotou a duplicação de pagamento, como decorre dos factos 11 e 12:
11) Em finais de 2018, o actual gerente da ré, no âmbito de negociações tendentes à regularização de vários créditos com ele relacionados, directa e indirectamente, interpelou a autora, invocando encontrar-se por cumprir a sentença supra referida em 9), desta vez dirigindo-se à Direcção de Recuperação de Crédito, Núcleo de Recuperações Especiais.
12) Os colaboradores da referida Direcção, por lapso interno na sua posterior validação, promoveram o solicitado pagamento.
Se alguma negligencia houvesse seria apenas a de ter procedido ao pagamento “confiado” na interpelação feita pela recorrente.
Tanto basta para afastar qualquer “abuso de direito” por parte do banco.
O princípio geral do enriquecimento sem causa consta do artigo 473.º do Código Civil, segundo o qual, por um lado, é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem (n.º 1) e, por outro, ter a obrigação de restituir por enriquecimento sem causa, de modo especial, por objecto aquilo que foi indevidamente recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito não verificado (n.º 2).
São, assim, elementos do instituto em análise o enriquecimento de um património e o correlativo empobrecimento de outro decorrentes do mesmo facto e a ausência de causa justificativa para a concernente deslocação patrimonial por eles envolvida.
Neste sentido, a "repetição do indevido" é simplesmente o corolário de um dever de justiça e consiste em que a quem tiver entregado alguma quantia em dinheiro ou cumprido uma obrigação, no momento em que pensava que ela existia, quando efectivamente ela não existia no momento da prestação, assiste o direito de lhe ser restituída a quantia que tiver entregado. (assim, Antunes Varela in Das Obrigações em Geral, 6.ª edição, 1º volume, página 477 e Menezes Cordeiro in Direito das Obrigações, 1980, 2º volume, página 66).
Impõe-se, pois, a devolução decidida na sentença recorrida, improcedendo totalmente o recurso.

4 – Dispositivo.
Pelo exposto acordam os juízes da secção cível deste Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso e confirmar a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.

Évora, 27.06.2024
Elisabete Valente
Francisco Xavier
Ana Pessoa