DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA
FACTOS-ÍNDICE
ÓNUS DA PROVA
Sumário

1 – A insolvência traduz-se na insusceptibilidade de o devedor satisfazer obrigações que, pelo seu significado no conjunto do passivo do devedor, ou pelas próprias circunstâncias do cumprimento evidenciam a impotência para continuar a satisfazer a generalidade dos seus compromissos.
2 – É incontroverso que a alegação e a prova dos factos cuja verificação faz presumir a situação de insolvência constitui ónus que impende sobre o credor que requeira a declaração de insolvência.
3 – A verificação dos factos-índice permite presumir a situação de insolvência do devedor mas este pode sempre ilidir esta presunção, provando que, não obstante a ocorrência de um ou mais factos do tipo enunciado, a situação de insolvência não se verifica.
4 – Uma vez preenchidos qualquer um dos factos-índice, caso o devedor não demonstre que tem capacidade bastante para assegurar o cumprimento das suas obrigações aquando do vencimento das mesmas, a declaração da insolvência basta-se com a impossibilidade de o devedor cumprir uma ou várias obrigações.
(Sumário do Relator)

Texto Integral

Processo n.º 569/24.4T8BJA.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Beja – Juízo Local de Competência Cível de Beja – J2
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Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:
I – Relatório:
A sociedade “(…) – Agro, SA” veio requerer a declaração de insolvência de “(…) Portugal, Unipessoal, Limitada”, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 3.º, n.º 1, 20.º, n.º 1, alínea b) e 25.º do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas. Uma vez proferida a sentença, a Autora veio interpor recurso da mesma.
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A requerente invocou a existência de uma dívida no valor de cerca de € 20.000,00 e afirma que o passivo da Ré é superior ao seu activo.
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A Ré apresentou contestação, arguindo a sua solvabilidade.
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Realizada a audiência de julgamento, o Tribunal a quo decidiu julgar a acção improcedente e, em consequência, indeferiu o pedido formulado pelo autor.
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Inconformada com tal decisão, a recorrente apresentou recurso e as suas alegações continham as seguintes conclusões:
«i. Veio o Tribunal a quo indeferir o pedido apresentado pela Recorrente, considerando que o alegado na Petição Inicial de declaração de insolvência não se enquadra no conceito legal de insolvência, nem sequer iminente, o que, com todo o devido respeito, que é muito e merecido, não se compreende, nem se aceita, razão pela qual são apresentadas as presentes alegações de recurso.
ii. Tendo julgado os seguintes factos como não provados:
“21. No contexto supra descrito, nomeadamente em decorrência das diligências executivas encetadas pela aqui Requerente, verificou-se a inexistência de bens suficientes na esfera jurídica da Requerida para que esta liquidasse as suas obrigações junto da Requerente.
22. Tanto assim foi que, no decurso da ação executiva, avançou a Requerente com a diligência de penhora de bens móveis, em consequência de não ter sido possível determinar a existência de bens penhoráveis.
28. O que demonstra inequivocamente as dificuldades financeiras que a Requerida passa, bem como que o passivo da Requerida junto da aqui Requerente é superior ao seu ativo.
41. Facto é que, perante o cenário evidente do incumprimento generalizado das suas obrigações, a Requerida já não dispõe de crédito, como já se demonstrou anteriormente.
44. Além da circunstância de à Requerida não lhe ser conhecido património suscetível de responder pelas suas responsabilidades vencidas”.
iii. Factos esses que, no entendimento da Requerente, face aos elementos probatórios juntos com a Petição Inicial e tendo em consideração que a Requerida não logrou ilidir a presunção do artigo 20.º do CIRE, presunção essa – salvo melhor opinião – provada pela Requerente, deveriam ter sido julgados como provados, pelo que andou mal o Tribunal a quo.
iv. A Recorrente detém sobre a Recorrida um crédito no valor de € 21.625,07 (vinte e um mil, seiscentos e vinte e cinco euros e sete cêntimos), acrescido de juros de mora até ao integral pagamento, o qual se encontra judicialmente reconhecido e permanece por liquidar na totalidade.
v. Nesses termos, a Recorrente intentou a competente ação executiva contra a Recorrida, para cobrança coerciva do valor que lhe era devido, originando o processo n.º 1601/23.4T8BJA.
vi. No âmbito do referido processo judicial, e após pesquisas efetuadas pelo Agente de Execução, não foram apurados quaisquer bens penhoráveis nem saldos bancários nas contas da Recorrida, tendo a Recorrente avançado com a diligência de penhora de bens móveis.
vii. Foram penhorados bens na sede da então Executada, aqui Recorrida, sendo que, ulteriormente, por meio de embargos de terceiro, veio a entidade (…), Lda. alegar ser a legal proprietária dos mesmos.
viii. Tendo a Recorrida confessado, na oposição apresentada, que não dispõe de qualquer património para além do penhorado no âmbito do processo executivo, de valor diminuto, e sobre o qual não foram apresentados embargos de terceiro.
ix. À Recorrida não é conhecido qualquer património (entenda-se bens móveis, imóveis e saldos bancários) suscetível de responder pelos seus compromissos, o que indicia a insusceptibilidade de continuar a cumprir a generalidade das suas obrigações.
x. O artigo 20.º do CIRE estabelece presunções ilidíveis da situação de insolvência da devedora, sendo certo que, a verificação de qualquer uma das condições ali previstas é “condição suficiente para a declaração de insolvência”, como aliás refere o Tribunal a quo na Sentença de que se recorre.
xi. A Recorrente logrou comprovar, na sua petição inicial de declaração de insolvência, estarem verificados os pressupostos do artigo 20.º/1, do CIRE.
xii. Nomeadamente, a falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações, situação prevista na alínea b) do artigo 20.º/1, do CIRE.
xiii. Resulta da lista pública de execuções que existiram outros processos executivos a correr contra a Requerida, extintos no presente ano por insuficiência de bens,
xiv. É indubitável a situação de “insuficiência de bens penhoráveis para pagamento do crédito do exequente verificada em processo executivo movido contra o devedor” (alínea e) do artigo 20.º do CIRE).
xv. Por força do referido preceito legal, não sendo tais presunções ilididas, deverá a insolvência requerida ser declarada.
xvi. Em conformidade com a obrigação que impende sobre o devedor, decorrente dos artigos 25.º, n.º 2, ex vi do artigo 30.º, n.º 1 e 30.º, n.º 4, todos do CIRE, caberia à aqui Recorrida fazer prova da sua solvência, demonstrando, desse modo, que não se encontraria em situação de insolvência, e, bem assim, ilidindo as presunções que sobre si recaem e que, conforme demonstrado supra, estão devidamente verificadas no caso concreto.
xvii. O que não se verificou no presente processo, tendo a Recorrida meramente alegado os factos que entendeu serem justificativos da sua situação de solvência, não apresentando para o efeito qualquer meio e prova, quer junto com a oposição, quer em sede de audiência de julgamento.
xviii. No ponto 11. da oposição apresentada, alega a Recorrida ser titular de créditos penhoráveis no valor global superior a € 3.500.000,00 (três milhões e quinhentos mil euros), novamente sem fazer qualquer prova, quer da sua existência, quer de eventuais tentativas de cobrança dos mesmos.
xix. Face ao exposto, a Recorrida não deu cumprimento ao ónus que lhe competia, nos termos dos artigos 25.º, n.º 2, ex vi do artigo 30.º, n.º 1 e 30.º, n.º 4, todos do CIRE.
xx. Não dispôs o Tribunal a quo de elementos suficientes para decidir pela não declaração da insolvência.
xxi. Pela impugnação da matéria de factos feita nos presentes autos, os factos “dados como não provados”, deverão os mesmos ser considerados como provados, considerando toda a factualidade nos presentes autos e da prova carreada no processo.
xxii. Não pode o Tribunal a quo não considerar a inexistência de bens penhoráveis, a incapacidade da devedora de cumprir e liquidar as responsabilidades tidas com a aqui Requerente / Recorrente, o facto do passivo assumido pela Devedora que ascende pelo menos a € 1.946.986,64, o facto da devedora não deter qualquer conta bancária registada em seu nome e a inexistência de saldos bancários e ainda não pode ser ignorado o facto do passivo da devedora ser superior ao ativo, não obstante os alegados créditos a seu favor que em qualquer momento não foram provados, nem existe qualquer prova nos autos relacionados com tais créditos.
xxiii. Tudo isto indicia claramente que a devedora não só tem dificuldades financeiras, como apresenta a sua expressa incapacidade para solver os seus compromissos financeiros e ainda que não exerce qualquer tipo de atividade! Mais,
xxiv. Todos estes factos indiciam a situação de insolvência da devedora e sua incapacidade de cumprir as suas obrigações/ responsabilidades junto dos seus credores,
xxv. Que o seu passivo é superior ao ativo (inexistência de bens), e ainda
xxvi. Não existem dúvidas que a prova junta aos autos indicia a inexistência de qualquer atividade, por parte da devedora, considerando a inexistência de contas bancárias.
xxvii. Tudo isto o Tribunal a quo não poderia não considerar, tal como fez, antes pelo contrário, e a conclusão a ser retirada no sentido da declaração de insolvência da devedora é pela verificação dos indícios da sua declaração de insolvência (taxativos no artigo 20.º do CIRE) e os alegados e provados nos autos constituem, em face das regras da experiência, manifestações da impossibilidade de o devedor cumprir as suas obrigações, pelo que o devedor deverá será considerado em situação de insolvência.
xxviii. Uma vez que se encontram preenchidas as presunções das alíneas b) e e) do n.º 1 do artigo 20.º do CIRE, não tendo as mesmas sido ilididas, cumpria ao Douto Tribunal a quo declarar a insolvência da Recorrida.
xxix. Contudo, o Tribunal a quo decidiu pela não declaração de insolvência, indeferindo assim o pedido da Recorrente, tendo baseado a sua decisão apenas nos factos alegados, ignorando o ónus que legalmente competia à ora Recorrida.
xxx. Assim, com o devido respeito pela decisão proferida, entende a Recorrente que andou mal o Douto Tribunal ao proferir a Decisão Recorrida, pois considerou ilididas as presunções do artigo 20.º, n.º 1, alíneas b) e e), do CIRE sem dispor de meios de prova bastantes para o efeito, devendo por isso a decisão ser devidamente alterada com a substituição da Decisão aqui recorrida e, consequentemente, ser proferida decisão de declaração da insolvência da aqui Recorrida.
Nestes termos e nos demais de direito, que V. Exas. doutamente suprirão, deverá ser dado provimento ao presente recurso, fazendo-se assim a tão costumada Justiça!»
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A requerida não apresentou resposta ao recurso interposto.
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Admitido o recurso, foram observados os vistos legais. *
II – Objecto do recurso:
É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do Tribunal ad quem (artigo 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do mesmo diploma).
Analisadas as alegações de recurso, o thema decidendum está circunscrito a apurar se existe erro de:
i) facto.
ii) direito, na dimensão em que deveria ser julgado procedente o pedido de declaração de insolvência.
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III – Factualidade assente[1]:
3.1 – Matéria de facto provada:
1. A Requerida é uma sociedade comercial por quotas que se dedica à actividade de comércio, importação, exportação, distribuição e representação de produtos hortícolas e de azeite; consultoria comercial; actividades de consultoria, concepção e produção de material publicitário; criação de stands e outras estruturas e locais de exposição e respectiva venda e aluguer; actividades de agentes do comércio por grosso, designadamente comissionamento na intermediação e colocação em contacto de vendedores e compradores.
2. Por seu turno, a Requerente é uma sociedade comercial que tem por objecto social a compra e venda a retalho; importação; exportação; logística; armazenagem; produção; transformação e distribuição de produtos e utensílios para: agricultura, pecuária, jardinagem, pet-care, bricolage, adubos e rações, materiais de construção, casa e lar e lazer, mobiliário, artigos de iluminação, eletrodomésticos, têxteis e a prestação e gestão de serviços conexos. Comércio por grosso de produtos químicos. Comércio a retalho de flores, plantas, sementes, fertilizantes e fitossanitários para plantas e flores; Desinfestações de todos os tipos, limpezas industriais e comerciais. Comércio a retalho de produtos alimentares, biológicos e bebidas. Comércio por grosso de máquinas e equipamentos agrícolas. Comércio a retalho de outros produtos novos, em estabelecimentos especializados.
3. A Requerente, no âmbito da sua actividade comercial, forneceu à Requerida diversos bens do seu comércio que originaram a emissão da factura que infra se descriminará.
4. Não obstante a entrega de todos artigos facturados e melhor identificados na fatura infra, a verdade é que a Requerida não cumpriu a obrigação a que estava adstrita, ou seja, o pagamento do preço dos bens que lhe foram entregues pela Requerente.
5. Face ao exposto, tendo a Requerida incumprido a sua obrigação de pagamento do preço dos bens fornecidos pela Requerente, esta viu-se obrigada a mover os competentes processos destinados à cobrança dos valores que eram devidos pela Requerida à Requerente.
6. Para tanto, a Requerente, em 20 de Junho de 2023, intentou o procedimento de injunção que correu termos sob o processo judicial n.º 73443/23.0YIPRT, conforme documento n.º 1.
7. Nesse procedimento de injunção, a Requerente peticionou o pagamento da factura que ora se junta conforme documentos n.º 2 – Fatura n.º FAC/14121, emitida em 23/12/2022 e vencida em 22/01/2023, no valor de € 20.041,00.
8. A factura supramencionada ascendia ao valor total de capital de € 20.041,00 (vinte mil e quarenta e um euros), tendo ainda sido peticionados os juros de mora respectivos, os quais, à data da apresentação do requerimento de injunção se contabilizavam em € 777,21 (setecentos e setenta e sete euros e vinte e um cêntimos), bem como o montante de € 40,00 (quarenta euros) a título de despesas de cobrança, tal como previsto no Decreto-Lei n.º 62/2013, de 10 de Maio.
9. Sucede que, a Requerida foi devidamente notificada do requerimento de injunção e não apresentou oposição ao mesmo.
10. Pelo que foi aposta fórmula executória ao respetivo requerimento no dia 27 de Setembro de 2023.
11. Face ao exposto, por conta do processo judicial que teve na origem o procedimento de injunção com o n.º 73443/23.0YIPRT, a Requerida ficou devedora da Requerente pela quantia total de € 21.011,21 (vinte e um mil, onze euros e vinte e um cêntimos).
12.Valor que a Requerida não pagou, nem sequer parcialmente.
13. Atento o exposto, a aqui Requerente viu-se obrigada a avançar com a acção executiva destinada à cobrança coerciva dos valores que lhe eram devidos pela Requerida.
14. O que deu origem ao processo executivo com o n.º 1601/23.4T8BJA, que correu termos no Juiz 2 do Juízo Local Cível de Beja – Tribunal Judicial da Comarca de Beja, e no qual a aqui Requerente, ali Exequente, peticionou o pagamento de € 21.625,07 (vinte e um mil e seiscentos e vinte e cinco euros e sete cêntimos).
15. No âmbito dessa acção executiva, a Exequente, procedeu à diligência de penhora de bens móveis, o que fez no dia 30 de Janeiro de 2024.
16. A mencionada diligência ocorreu na Rua (…), Lote 22, Beja, onde a Executada tem a sua sede.
17. Nessa sequência foram penhorados os bens constantes do auto de penhora que ora se junta sob a forma de documento n.º 5.
18. Porém, em momento ulterior, veio a empresa “(…), Lda.” deduzir embargos de terceiro, alegando ser a legal proprietária da maioria dos bens que haviam sido penhorados no âmbito do processo.
19. Deste modo, até à data, a Requerente nada recebeu da Requerida para pagamento da quantia exequenda, permanecendo em dívida, naqueles autos, a quantia de € 21.625,07 (vinte e um mil e seiscentos e vinte e cinco euros e sete cêntimos), acrescida de juros de mora até ao integral pagamento.
21[2]. A requerida não tem bens suficientes para que esta liquidar a dívida contraída junto da Requerente.
28[3] – A “(…) Portugal, Unipessoal, Lda.” apresenta como cinco maiores credores as seguintes entidades: (…) Services, SARL, com um crédito no montante de 1.010.948,60 € (um milhão e dez mil novecentos e quarenta e oito euros e sessenta cêntimos), “Caixa Geral de Depósitos, SA”, com um crédito no montante de € 518.170,83 (quinhentos e dezoito mil, cento e setenta euros e oitenta e três cêntimos); “Agricultura (…) – Prestações e Consultoria, Unipessoal, Lda.”, com um crédito no montante de € 308.703,41 (trezentos e oito mil, setecentos e três euros e quarenta e um cêntimos); “(…), KFT”, com um crédito no montante de € 64.463,60 (sessenta e quatro mil, quatrocentos e sessenta e três euros e sessenta cêntimos) e “(…), Serviços, Lda.”, com um crédito no montante de € 44.700,20 (quarenta e quatro mil e setecentos euros e vinte cêntimos).
36. Ademais, no ano de 2019, a Requerida era detentora de uma quota no valor de € 12.500,00 (doze mil e quinhentos euros) na empresa “Assunto (…), Lda.”, actualmente designada por “(…), Lda.” conforme documento n.º 8.
37. Contudo, no dia 19 de Janeiro de 2023 – três dias antes do vencimento da factura emitida pela Requerente – a Requerida cedeu a respectiva quota à empresa “(…) Fruits, SA”, sediada na Suíça, conforme documento n.º 9.
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3.2 – Matéria de facto não provada[4]:
21. Eliminado[5].
22. Tanto assim foi que, no decurso da acção executiva, avançou a Requerente com a diligência de penhora de bens móveis, em consequência de não ter sido possível determinar a existência de bens penhoráveis.
28. Eliminado[6].
41. Facto é que, perante o cenário evidente do incumprimento generalizado das suas obrigações, a Requerida já não dispõe de crédito, como já se demonstrou anteriormente.
44. Integrado no ponto 21 dos factos provados[7].
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IV – Fundamentação:
4.1 – A alteração da decisão de facto:
Só à Relação compete, em princípio, modificar a decisão sobre a matéria de facto, podendo alterar as respostas a partir da prova testemunhal extractada nos autos e dos demais elementos que sirvam de base à respectiva decisão, desde que dos mesmos constem todos os dados probatórios, necessários e suficientes, para o efeito, dentro do quadro normativo e através do exercício dos poderes conferidos pelo artigo 662.º do Código de Processo Civil.
Em face disso, a questão crucial é a de apurar se a decisão do Tribunal de primeira instância que deu como provados certos factos (e como não demonstrados outros) pode ser alterada nesta sede – ou, noutra formulação, é tarefa do Tribunal da Relação apurar se essa decisão fáctica está viciada em erro de avaliação ou foi produzida com algum meio de prova ilícito e, se assim for, actuar em conformidade com os poderes que lhe estão confiados.
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A recorrente pretende a alteração dos factos provados constantes dos pontos 21[8], 22[9], 28[10], 41[11] e 44[12] dos factos não provados.
Relativamente aos pontos 22 e 44 aquilo que realmente importa mostra-se vertido nos pontos 13 a 18 dos factos provados. No entanto, ainda assim, é possível dar como assente que a requerida não tem bens suficientes para que esta liquidar a dívida contraída junto da Requerente.
Quanto ao facto 28 que, no fundo, corresponde a uma mera conclusão – existência de um passivo superior ao activo –, a interessada faz apelo à lista dos 5 maiores credores prevista no n.º 2 do artigo 30.º do CIRE e que foi apresentada pela requerida, sendo que essa informação implica necessariamente que a decisão de facto seja alterada, ao abrigo da disciplina contida no artigo 662.º[13] do Código de Processo Civil.

Relativamente aos demais factos (impossibilidade recurso ao crédito e intenção subjectiva da requerente ao avançar para a penhora de bens móveis) não existe prova dessa realidade remanescente.
E, assim, em substituição daquilo que consta dos factos não provados, introduzem-se dois factos com a seguinte redacção:
22 – A requerida não tem bens suficientes para que esta liquidar a dívida contraída junto da Requerente.
28 – A “(…) Portugal, Unipessoal, Lda.” apresenta como cinco maiores credores as seguintes entidades: (…) Services, SARL, com um crédito no montante de € 1.010.948,60 (um milhão e dez mil e novecentos e quarenta e oito euros e sessenta cêntimos), “Caixa Geral de Depósitos, SA”, com um crédito no montante de € 518.170,83 (quinhentos e dezoito mil, cento e setenta euros e oitenta e três cêntimos); “Agricultura (…) – Prestações e Consultoria, Unipessoal, Lda.”, com um crédito no montante de € 308.703,41 (trezentos e oito mil e setecentos e três euros e quarenta e um cêntimos); “(…), KFT”, com um crédito no montante de € 64.463,60 (sessenta e quatro mil, quatrocentos e sessenta e três euros e sessenta cêntimos) e “(…), Serviços, Lda.”, com um crédito no montante de € 44.700,20 (quarenta e quatro mil e setecentos euros e vinte cêntimos).
A alteração é feita na correspondente secção e evidenciada a negrito para facilitar a detecção da modificação da decisão de facto.
Deste modo, na sequência da alteração acima determinada, a decisão de facto mostra-se assim consolidada e é com base nesses factos que será realizada a apuração de subsunção subsequente.
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4.2 – Do erro de direito:
O processo de insolvência é uma execução colectiva ou universal. Nesta execução universal intervêm todos os credores do insolvente e na mesma é atingido, em princípio, todo o património deste devedor, tal como se retira da interpretação integrada dos artigos 1.º[14], 47.º[15], n.ºs 1 a 3, 128.º[16], n.ºs 1 e 3 e 149.º[17], n.ºs 1 e 2, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
Em função disto, tal como decorre do estabelecido no n.º 1 do artigo 3.º[18] do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, perante a impossibilidade de assumir o cumprimento de todas as suas obrigações vencidas, todos os credores podem reclamar os seus créditos e todo o património do devedor responde pelas suas dívidas.
A avaliação de uma situação de insolvência deve ser balizada de acordo com o recorte normativo presente no artigo 20.º[19] do referido diploma. E assim impõe-se perguntar se os factos provados revelam (i) um quadro de suspensão generalizada do pagamento das obrigações vencidas (ii) de falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações ou representa (iii) ou se se verifica outra situação que se inscreva no conceito em discussão?
Os factos enunciados na norma do n.º 1 do artigo 20.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas são indícios ou sintomas da situação de falência (factos-índice). É através deles que, normalmente a situação de insolvência se manifesta ou se exterioriza. Por isso, a verificação de qualquer deles permite presumir a situação de insolvência do devedor mas este pode sempre ilidir esta presunção, provando que, não obstante a ocorrência de um ou mais factos do tipo enunciado, a situação de insolvência não se verifica[20].
Carvalho Fernandes e João Labareda sublinham que aquilo que verdadeiramente releva para a insolvência é a insusceptibilidade de satisfazer obrigações que, pelo seu significado no conjunto do passivo do devedor, ou pelas próprias circunstâncias do incumprimento, evidenciam a impotência, para o obrigado, de continuar a satisfazer a generalidade dos seus compromissos. Nesta linha de raciocínio «pode até suceder que a não satisfação de um pequeno número de obrigações ou até de uma única indicie, só por si, a penúria do devedor, característica da sua insolvência actual»[21].
Na visão de Menezes Leitão a insolvência corresponde à impossibilidade de cumprimento pontual das obrigações, e não à mera insuficiência patrimonial, correspondente a uma situação líquida negativa, uma vez que o recurso ao crédito pode permitir ao devedor suprir a carência de liquidez para cumprir as suas obrigações[22].
Nesta ordem de ideias, à verificação do estado de insolvência está subjacente o conceito de solvabilidade, podendo acontecer que:
- o passivo é superior ao activo, mas não se verificar a situação de insolvência por existir facilidade de recurso ao crédito para satisfazer as dívidas excedentárias;
- o activo é superior ao passivo vencido, mas o devedor encontra-se em situação de insolvência por falta de liquidez do seu activo[23].
Assim, o que releva para a insolvência é a insusceptibilidade de o devedor satisfazer obrigações que, pelo seu significado no conjunto do passivo do devedor, ou pelas próprias circunstâncias do cumprimento evidenciam a impotência para continuar a satisfazer a generalidade dos seus compromissos.
Complementarmente, a lei equipara ainda a situação de insolvência iminente à situação de insolvência actual como fundamento de apresentação à insolvência, como ressalta da leitura do n.º 4 do artigo 3.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
A iminência da insolvência caracteriza-se pela ocorrência de circunstâncias que, não tendo ainda conduzido ao incumprimento em condições de poder considerar-se situação de insolvência já actual, com toda a probabilidade a vão determinar a curto prazo, exactamente pela insuficiência do activo líquido e disponível para satisfazer o passivo exigível[24. Ou, na formulação de Catarina Serra, a insolvência iminente é a situação em que o devedor antevê que estará impossibilitado de cumprir as suas obrigações quando elas se vencerem, no futuro próximo[25].
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Recentrando na situação concreta, o Tribunal recorrido refere que «atentos os factos provados, o passivo relatado na petição não se mostra superior ao activo. Por outro lado, a existência de execuções contra a sociedade requerida, também, não significa que esta não possa pagar ou tenha impedido o pagamento da generalidade das obrigações vencidas (provocando uma moratória geral de pagamento das suas obrigações vencidas)».
Da consulta dos autos resulta que, no âmbito da execução interposta, após pesquisas efectuadas pelo Agente de Execução, não foram apurados quaisquer bens imóveis penhoráveis nem saldos bancários nas contas da Recorrida.
Aquilo que está retratado na matéria de facto é que a Requerente nada recebeu da Requerida para pagamento da quantia exequenda, permanecendo em dívida, naqueles autos, a quantia de € 21.625,07 (vinte e um mil e seiscentos e vinte e cinco euros e sete cêntimos), acrescida de juros de mora até ao integral pagamento.
Perscrutada a matéria de facto nada se encontram elementos adicionais relativamente ao activo da requerida e a requerida admitiu, na oposição apresentada[26], que não dispunha de qualquer património para além do penhorado no âmbito do processo executivo.
Foram penhorados bens móveis, de valor diminuto, existentes na sede da requerida, relativamente aos quais foram deduzidos embargos de terceiro pela sociedade “(…), Lda.”, que era uma sociedade que foi participada pela Autora.
Ademais, no ano de 2019, a Requerida era detentora de uma quota no valor de € 12.500,00 (doze mil e quinhentos euros) na empresa “Assunto (…), Lda.”, actualmente designada por “(…), Lda.”, que, repete-se, corresponde à sociedade que deduziu os ditos embargos de terceiro.
Por fim, no dia 19 de Janeiro de 2023 – três dias antes do vencimento da factura emitida pela Requerente – a Requerida cedeu a respectiva quota à empresa “(…) Fruits, SA”.
Apesar de não estar integrada na matéria de facto, resulta da lista pública de execuções que correram termos outros processos executivos, que foram declarados extintos por insuficiência de bens e que o passivo da devedora que ascende, pelo menos, a € 1.946.986,64 – conforme resulta da soma dos débitos indicados relativamente aos 5 maiores credores.
No ponto 11 da oposição apresentada, a Recorrida afirmava ser titular de créditos penhoráveis no valor global superior a € 3.500.000,00, mas tal não ficou demonstrado nem está incluída na factualidade assente qualquer facto relacionado com o activo da requerida, a existência de créditos sobre terceiros ou algum ponto relevante relacionado com o exercício da actividade desenvolvida e com a capacidade de gerar receitas tendentes a garantir o pagamento do seu passivo.
Escreveu-se recentemente que «os critérios de determinação da situação de insolvência estão precipitados no artigo 3.º do CIRE e são o da impossibilidade de cumprimento das obrigações e, numa segunda linha, de vocação particular para um determinado conjunto específico de sujeitos, o do passivo superior ao activo. Surgindo num terceiro patamar avaliativo a insolvência iminente»[27].
Nesse texto ainda é dito que «a lápis grosso, a avaliação dessa incapacidade de cumprimento pode ser realizada através do critério do fluxo de caixa (cash flow) e do balanço ou activo patrimonial (balance sheet ou asset), sendo que o ordenamento jurídico português manifesta preferência pelo primeiro, reservando o segundo para as situações subsidiárias abrangidas pelo n.º 2 do artigo 3.º do CIRE»[28].
E lida a matéria de facto nada se encontra quanto ao balanço ou activo patrimonial existe, tal como já acima se evidenciou.
Prosseguindo, «quanto à demonstração da insolvência, no domínio processual, basta a prova imediata de que o devedor não consegue cumprir uma ou mais obrigações vencidas e que, face à sua situação financeira e patrimonial, se possa inferir, através de presunções judiciais, que este não tem a possibilidade de cumprir as restantes.
É ao credor que requeira a declaração de insolvência do devedor que incumbe alegar e provar algum ou alguns dos factos-índice enumerados no n.º 1 do artigo 20.º, cuja verificação faz presumir a situação de insolvência, tal como a caracteriza o artigo 3.º do CIRE.
A verificação de qualquer deles permite presumir a situação de insolvência do devedor, mas este pode sempre ilidir esta presunção, provando que, não obstante a ocorrência de um ou mais factos do tipo enunciado, a situação de insolvência não se verifica.
Cabe então ao devedor provar a sua solvência, baseando-se na escrituração legalmente obrigatória, se for o caso, devidamente organizada e arrumada, sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 3.º, tal como proclama o n.º 4 do artigo 30.º do CIRE, se o proponente não for o devedor.
Efectivamente, o devedor pode comprovar que os bens e direitos incorporados no seu património são suficientes para garantir a liquidação das suas dívidas no momento do respectivo vencimento.
Desta sorte, tal como é reconhecido por toda a jurisprudência, o Tribunal só deve declarar a insolvência se ocorrer um quadro em que o credor logra demonstrar a verificação de algum dos factos-índice previstos no artigo 20.º do CIRE e o devedor não consegue ilidir a correspondente presunção.
Tal como já se defendeu em acórdãos por nós proferidos, é incontroverso que a alegação e a prova dos factos cuja verificação faz presumir a situação de insolvência constitui ónus que impende sobre o credor que requeira a declaração de insolvência, como decorre da interacção processual entre a previsão contida no n. º 1 do artigo 23.º do CIRE[29] [30] e o conceito de insolvência. E este entendimento está completamente estabilizado na interpretação que os Tribunais Superiores fazem da norma sub judice[31] [32] [33].
O preenchimento dos conceitos contidos no artigo 20.º do CIRE não pode ser concretizado apenas por uma indexação formal remissiva para as diversas alíneas em que são estabelecidos os factos-índice, antes é exigível que exista um mínimo de determinabilidade de um quadro caracterizador da impossibilidade de cumprir as obrigações vencidas, sendo precisa alguma consistência descritiva e um suporte probatório mínimo que permita concluir pela situação de insolvência»[34].
Na presente situação, a Requerente logrou comprovar estarem verificados os pressupostos do n.º 1 do artigo 20.º do CIRE, designadamente a falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações, situação prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 20.º do CIRE. Isto para além da insuficiência de bens penhorados verificada em pretéritos processos executivos.
E, em contraponto, tal como decorre dos artigos 25.º, n.º 2, ex vi do artigo 30.º, n.º 1 e 30.º, n.º 4, todos do CIRE, caberia à aqui Recorrida fazer prova da sua solvência, demonstrando, desse modo, que não se encontraria em situação de insolvência, ilidindo as presunções que sobre si recaem.
Porém, o devedor não comprovou que os bens e direitos incorporados no seu património eram suficientes para garantir a liquidação das suas dívidas no momento do respectivo vencimento
Num esforço de síntese, no processo de insolvência, o devedor tem de demonstrar que tem capacidade bastante para assegurar o cumprimento das suas obrigações aquando do vencimento das mesmas e, dessa forma, solver os seus débitos, enquanto, no pólo oposto, face ao enquadramento conjugado das dívidas, da liquidez, do património e da possibilidade de obtenção de crédito, uma vez preenchidos qualquer um dos factos-índice, a declaração da insolvência se basta com a impossibilidade de o devedor cumprir uma ou várias obrigações[35].
Ao contrário daquilo que se havia proposto comprovar, a recorrida não conseguiu demonstrar a existência de uma situação patrimonial, financeira e económica que permitisse concluir que tinha capacidade para assumir com êxito o cumprimento das obrigações passadas, presentes e futuras.
Ao contrário daquilo que é dito na sentença recorrida, estamos perante uma pessoa colectiva que regista um passivo que é manifestamente superior ao activo. E, assim, é de concluir pela insolvência da “(…), Portugal, Unipessoal Lda.”, ao abrigo do disposto nas alíneas b) e e) do artigo 20.º do CIRE.
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V – Sumário: (…)
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VI – Decisão:
Nestes termos e pelo exposto, tendo em atenção o quadro legal aplicável e o enquadramento fáctico envolvente, decide-se julgar procedente o recurso interposto, revogando a decisão recorrida, decidindo:
a) declarar a insolvência de “(…) Portugal, Unipessoal, Limitada”, com o número de pessoa coletiva (…), com sede na Rua (…), Lote 22, 7800 - 256 Beja.
b) Fixar a residência do gerente único da insolvente, (…), para efeitos da presente insolvência, na sede social da empresa insolvente.
c) Proceda-se a sorteio electrónico de administrador judicial, ficando o mesmo nomeado nos termos do mesmo, fazendo essa menção parte integrante da presente decisão.
d) Determinar que a sociedade insolvente entregue imediatamente ao administrador da insolvência os documentos a que alude o n.º 1 do artigo 24.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, que ainda não constem dos autos.
e) Decretar a apreensão e imediata entrega ao administrador da insolvência de todos os elementos da contabilidade e de todos os bens da insolvente, ainda que arrestados, penhorados ou por qualquer forma apreendidos ou detidos.
f) O administrador da insolvência deverá reportar o resultado da apreensão em causa.
g) Advertir os devedores da insolvente que as prestações a que estejam obrigados deverão ser feitas ao administrador da insolvência e não à própria insolvente.
h) Determinar a avocação dos processos de execução fiscal – n.º 2 do artigo 180.º do Código do Processo Tributário (Decreto-Lei n.º 433/99, de 26/10, na versão actual).
i) Fixar em 30 dias o prazo para a reclamação de créditos.
j) Advertir os credores de que devem comunicar prontamente ao administrador da insolvência as garantias reais de que beneficiem.
k) Não nomear, neste momento, comissão de credores, nomeação essa que deverá ser realizada, no Tribunal de Primeira Instância.
l) Caso o administrador da Insolvência, qualquer credor ou a própria insolvente o entendam, e venham a requerer expressamente, a realização de assembleia de credores, a mesma será marcada, aquando da descida dos autos ao Juízo Local de Competência Cível de Beja.
m) Determinar que, no prazo de 45 dias, o administrador da insolvência apresente o seu relatório, descrevendo as causas da situação de insolvência, indicando os créditos reclamados, reconhecidos e não reconhecidos, os bens que foram apreendidos e prestando informação sobre se defende a liquidação do património ou o encerramento do processo por insuficiência de bens, assim como se pronunciando sobre outras questões relevante para a insolvência.
n) Determinar que o administrador da insolvência notifique a insolvente e os credores do teor de tal relatório, com a advertência de que os credores e a insolvente gozam de um prazo de 10 dias para se pronunciarem sobre o teor do relatório, juntando comprovativos aos autos de tais notificações.
o) Não declarar por ora aberto o incidente de qualificação da insolvência, por ausência de indícios.
p) O pagamento da remuneração do Senhor Administrador da Insolvência e da provisão para despesas será determinado na Primeira Instância.
q) Notifique o gerente da Devedora nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 37.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
r) Proceda às notificações a que alude o n.º 2 do artigo 37.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
s) Cite os credores nos termos estabelecidos nos n.ºs 3 a 7 do artigo 37.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
t) Publicite e registe nos termos do disposto no artigo 38.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
Custas a cargo da massa insolvente.
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Extraía de imediato traslado de todo o processo e remeta à Primeira Instância, independentemente do trânsito em julgado, a fim de ser dado cumprimento às determinações constantes do dispositivo.
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Processei e revi.
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Évora, 11/07/2024
José Manuel Costa Galo Tomé de Carvalho
Isabel Maria Peixoto Imaginário
Mário João Canelas Brás
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[1] O Tribunal ad quem seguiu a numeração utilizada pela Primeira Instância, a qual não tem a ordem numérica sequencial habitual, antes apresenta como referência os artigos da petição inicial.
[2] Facto alterado na sequência da operação de reavaliação da matéria de facto realizada no ponto 4.1 do presente acórdão.
[3] Facto alterado na sequência da operação de reavaliação da matéria de facto realizada no ponto 4.1 do presente acórdão.
[4] Ficou ainda consignado na sentença recorrida que: «a demais matéria invocada afigura-se repetitiva, conclusiva ou de direito pelo que não admite resposta».
[5] O facto em questão passou a integrar o elenco dos factos provados na sequência da operação de reavaliação da matéria de facto realizada no ponto 4.1 do presente acórdão.
[6] O facto em questão passou a integrar o elenco dos factos provados na sequência da operação de reavaliação da matéria de facto realizada no ponto 4.1 do presente acórdão.
[7] O facto em questão passou a integrar o elenco dos factos provados na sequência da operação de reavaliação da matéria de facto realizada no ponto 4.1 do presente acórdão.
[8] (21) No contexto supra descrito, nomeadamente em decorrência das diligências executivas encetadas pela aqui Requerente, verificou-se a inexistência de bens suficientes na esfera jurídica da Requerida para que esta liquidasse as suas obrigações junto da Requerente.
[9] (22) Tanto assim foi que, no decurso da ação executiva, avançou a Requerente com a diligência de penhora de bens móveis, em consequência de não ter sido possível determinar a existência de bens penhoráveis.
[10] (28) O que demonstra inequivocamente as dificuldades financeiras que a Requerida passa, bem como que o passivo da Requerida junto da aqui Requerente é superior ao seu activo.
[11] (41) Facto é que, perante o cenário evidente do incumprimento generalizado das suas obrigações, a Requerida já não dispõe de crédito, como já se demonstrou anteriormente.
[12] (44) Além da circunstância de à Requerida não lhe ser conhecido património suscetível de responder pelas suas responsabilidades vencidas.
[13] Artigo 662.º (Modificabilidade da decisão de facto):
1 - A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
2 - A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente:
a) Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento;
b) Ordenar, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova;
c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta;
d) Determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados.
3 - Nas situações previstas no número anterior, procede-se da seguinte forma:
a) Se for ordenada a renovação ou a produção de nova prova, observa-se, com as necessárias adaptações, o preceituado quanto à instrução, discussão e julgamento na 1.ª instância;
b) Se a decisão for anulada e for inviável obter a sua fundamentação pelo mesmo juiz, procede-se à repetição da prova na parte que esteja viciada, sem prejuízo da apreciação de outros pontos da matéria de facto, com o fim de evitar contradições;
c) Se for determinada a ampliação da matéria de facto, a repetição do julgamento não abrange a parte da decisão que não esteja viciada, sem prejuízo da apreciação de outros pontos da matéria de facto, com o fim de evitar contradições;
d) Se não for possível obter a fundamentação pelo mesmo juiz ou repetir a produção de prova, o juiz da causa limitar-se-á a justificar a razão da impossibilidade.
4 - Das decisões da Relação previstas nos nºs 1 e 2 não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.
[14] Artigo 1.º (Finalidade):
1 - O processo de insolvência é um processo de execução universal que tem como finalidade a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência, baseado, nomeadamente, na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente, ou, quando tal não se afigure possível, na liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores.
2 - Estando em situação económica difícil, ou em situação de insolvência meramente iminente, a empresa pode requerer ao tribunal a instauração de processo especial de revitalização, de acordo com o previsto nos artigos 17.º-A a 17.º-I.
3 - Tratando-se de devedor de qualquer outra natureza em situação económica difícil ou em situação de insolvência meramente iminente, este pode requerer ao tribunal processo especial para acordo de pagamento, previsto nos artigos 222.º-A a 222.º-I.
[15] Artigo 47.º (Conceito de credores da insolvência e classes de créditos sobre a insolvência):
1 - Declarada a insolvência, todos os titulares de créditos de natureza patrimonial sobre o insolvente, ou garantidos por bens integrantes da massa insolvente, cujo fundamento seja anterior à data dessa declaração, são considerados credores da insolvência, qualquer que seja a sua nacionalidade e domicílio.
2 - Os créditos referidos no número anterior, bem como os que lhes sejam equiparados, e as dívidas que lhes correspondem, são neste Código denominados, respectivamente, créditos sobre a insolvência e dívidas da insolvência.
3 - São equiparados aos titulares de créditos sobre a insolvência à data da declaração da insolvência aqueles que mostrem tê-los adquirido no decorrer do processo.
4 - Para efeitos deste Código, os créditos sobre a insolvência são:
a) ‘Garantidos’ e ‘privilegiados’ os créditos que beneficiem, respectivamente, de garantias reais, incluindo os privilégios creditórios especiais, e de privilégios creditórios gerais sobre bens integrantes da massa insolvente, até ao montante correspondente ao valor dos bens objecto das garantias ou dos privilégios gerais, tendo em conta as eventuais onerações prevalecentes;
b) ‘Subordinados’ os créditos enumerados no artigo seguinte, excepto quando beneficiem de privilégios creditórios, gerais ou especiais, ou de hipotecas legais, que não se extingam por efeito da declaração de insolvência;
c) ‘Comuns’ os demais créditos.
[16] Artigo 128.º (Reclamação de créditos):
1 - Dentro do prazo fixado para o efeito na sentença declaratória da insolvência, devem os credores da insolvência, incluindo o Ministério Público na defesa dos interesses das entidades que represente, reclamar a verificação dos seus créditos por meio de requerimento, acompanhado de todos os documentos probatórios de que disponham, no qual indiquem:
a) A sua proveniência, data de vencimento, montante de capital e de juros;
b) As condições a que estejam subordinados, tanto suspensivas como resolutivas;
c) A sua natureza comum, subordinada, privilegiada ou garantida, e, neste último caso, os bens ou direitos objecto da garantia e respectivos dados de identificação registral, se aplicável;
d) A existência de eventuais garantias pessoais, com identificação dos garantes;
e) A taxa de juros moratórios aplicável.
f) O número de identificação bancária ou outro equivalente.
2 - O requerimento é endereçado ao administrador da insolvência e apresentado por transmissão eletrónica de dados, nos termos definidos na portaria prevista no n.º 2 do artigo 17.º.
3 - Sempre que os credores da insolvência não estejam patrocinados, o requerimento de reclamação de créditos é apresentado no domicílio profissional do administrador da insolvência ou para aí remetido por correio eletrónico ou por via postal registada, devendo o administrador, respetivamente, assinar no ato de entrega, ou enviar ao credor no prazo de três dias da receção, comprovativo do recebimento, sendo o envio efetuado pela forma utilizada na reclamação.
4 - A reclamação de créditos prevista no n.º 1 pode efetuar-se através do formulário disponibilizado para o efeito no portal a definir por portaria do membro do governo responsável pela área da justiça ou através do formulário-tipo de reclamação de créditos previsto nos artigos 54.º e 55.º do Regulamento (UE) n.º 2015/848 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de maio de 2015, nos casos em que aquele regulamento seja aplicável.
5 - A verificação tem por objecto todos os créditos sobre a insolvência, qualquer que seja a sua natureza e fundamento, e mesmo o credor que tenha o seu crédito reconhecido por decisão definitiva não está dispensado de o reclamar no processo de insolvência, se nele quiser obter pagamento.
[17] Artigo 149.º (Apreensão dos bens):
1 - Proferida a sentença declaratória da insolvência, procede-se à imediata apreensão dos elementos da contabilidade e de todos os bens integrantes da massa insolvente, ainda que estes tenham sido:
a) Arrestados, penhorados ou por qualquer forma apreendidos ou detidos, seja em que processo for, com ressalva apenas dos que hajam sido apreendidos por virtude de infracção, quer de carácter criminal, quer de mera ordenação social;
b) Objecto de cessão aos credores, nos termos dos artigos 831.º e seguintes do Código Civil.
2 - Se os bens já tiverem sido vendidos, a apreensão tem por objecto o produto da venda, caso este ainda não tenha sido pago aos credores ou entre eles repartido.
[18] Artigo 3.º (Situação de insolvência):
1 - É considerado em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas.
2 - As pessoas colectivas e os patrimónios autónomos por cujas dívidas nenhuma pessoa singular responda pessoal e ilimitadamente, por forma directa ou indirecta, são também considerados insolventes quando o seu passivo seja manifestamente superior ao activo, avaliados segundo as normas contabilísticas aplicáveis.
3 - Cessa o disposto no número anterior quando o activo seja superior ao passivo, avaliados em conformidade com as seguintes regras:
a) Consideram-se no activo e no passivo os elementos identificáveis, mesmo que não constantes do balanço, pelo seu justo valor;
b) Quando o devedor seja titular de uma empresa, a valorização baseia-se numa perspectiva de continuidade ou de liquidação, consoante o que se afigure mais provável, mas em qualquer caso com exclusão da rubrica de trespasse;
c) Não se incluem no passivo dívidas que apenas hajam de ser pagas à custa de fundos distribuíveis ou do activo restante depois de satisfeitos ou acautelados os direitos dos demais credores do devedor.
4 - Equipara-se à situação de insolvência actual a que seja meramente iminente, no caso de apresentação pelo devedor à insolvência.
[19] Artigo 20.º (Outros legitimados):
1 - A declaração de insolvência de um devedor pode ser requerida por quem for legalmente responsável pelas suas dívidas, por qualquer credor, ainda que condicional e qualquer que seja a natureza do seu crédito, ou ainda pelo Ministério Público, em representação das entidades cujos interesses lhe estão legalmente confiados, verificando-se algum dos seguintes factos:
a) Suspensão generalizada do pagamento das obrigações vencidas;
b) Falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações;
c) Fuga do titular da empresa ou dos administradores do devedor ou abandono do local em que a empresa tem a sede ou exerce a sua principal actividade, relacionados com a falta de solvabilidade do devedor e sem designação de substituto idóneo;
d) Dissipação, abandono, liquidação apressada ou ruinosa de bens e constituição fictícia de créditos;
e) Insuficiência de bens penhoráveis para pagamento do crédito do exequente verificada em processo executivo movido contra o devedor;
f) Incumprimento de obrigações previstas em plano de insolvência ou em plano de pagamentos, nas condições previstas na alínea a) do n.º 1 e no n.º 2 do artigo 218.º;
g) Incumprimento generalizado, nos últimos seis meses, de dívidas de algum dos seguintes tipos:
i) Tributárias;
ii) De contribuições e quotizações para a segurança social;
iii) Dívidas emergentes de contrato de trabalho, ou da violação ou cessação deste contrato;
iv) Rendas de qualquer tipo de locação, incluindo financeira, prestações do preço da compra ou de empréstimo garantido pela respectiva hipoteca, relativamente a local em que o devedor realize a sua actividade ou tenha a sua sede ou residência;
h) Sendo o devedor uma das entidades referidas no n.º 2 do artigo 3.º, manifesta superioridade do passivo sobre o activo segundo o último balanço aprovado, ou atraso superior a nove meses na aprovação e depósito das contas, se a tanto estiver legalmente obrigado.
2 - O disposto no número anterior não prejudica a possibilidade de representação das entidades públicas nos termos do artigo 13.º.
[20] Catarina Serra, «O Novo Regime Português da Insolvência», Uma Introdução, 3ª edição, Almedina., Coimbra, pág. 25.
[21] Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3ª edição, Quid Juris, Lisboa, 2015, pág. 71.
[22] Menezes Leitão, Direito da Insolvência, Almedina, Coimbra, 2009, pág. 76.
[23] Neste sentido, vide Maria do Rosário Epifânio, Manual do Direito da Insolvência Almedina, Coimbra, 2016, págs. 19-30.
[24] Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3ª edição, Quid Juris, Lisboa, 2015, pág. 87.
[25] Catarina Serra, Revitalização – a designação e o misterioso objecto designado. O Processo Homónimo (PER) e as suas ligações com a Insolvência (situação e processo) e com o SIREVE, in I Congresso de Direito da Insolvência, Almedina, Coimbra, 2013, pág. 91.
[26] Artigo 10.º da contestação «(…) o único património que a Requerida detém é apenas o que foi penhorado no referido processo executivo (…)».
[27] José Manuel Costa Galo Tomé de Carvalho, A situação de insolvência, os factos-índice e outras questões, Scientia Ivridica – Revista de Direito Comparado Português e Brasileiro, Tomo LXXII, números 361-363, Janeiro/Dezembro 2023, págs. 116-117.
[28] José Manuel Costa Galo Tomé de Carvalho, A situação de insolvência, os factos-índice e outras questões, Scientia Ivridica – Revista de Direito Comparado Português e Brasileiro, Tomo LXXII, números 361-363, Janeiro/Dezembro 2023, pág. 117.
[29] Acórdão do TRE de 4/6/2020, proc. 2727/19.4T8STR.E1 (Tomé de Carvalho).
[30] Acórdão do TRE de 25/3/2021, proc. 291/20.0T8ORQ-A.E1 (Tomé de Carvalho).
[31] Com a mesma compreensão também se pode ler no acórdão do TRL de 6/3/2008, proc. 1060/2008-2 (Borges Carneiro), que assume que constitui “ónus do requerente da insolvência a alegação e prova dos factos-índice ou presuntivos da insolvência. Tais factos, enunciados nas diversas alíneas do artigo 20.º do CIRE, têm em conta a circunstância de, pela experiência, manifestarem a insusceptibilidade de o devedor cumprir as suas obrigações”.
[32] Em idêntico sentido pode ser consultado o acórdão do TRC de 26/10/2010, proc. n.º 237/10.4TBFVN-B.C1 (Judite Pires), que adianta que “[o] pressuposto objectivo para a declaração de insolvência radica na verificação da insolvência, tal como a define o n.º 1 do artigo 3.º do CIRE, e quando a mesma é requerida por alguém que não o próprio devedor, designadamente um seu credor, terá este de fundamentar a pretensão deduzida com a alegação de factos mencionados no artigo 20.º do citado diploma, factos-índice ou presuntivos da situação de insolvência ou circunstancialismo que exteriorize esse mesmo estado”.
[33] No acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães (TRG) de 2/5/2019, proc. n.º 412/18.3T8MDL.G1 (José Cravo), ficou exarado que “[é] sobre o credor que requeira a declaração de insolvência que recai o ónus de alegação e prova de algum ou alguns dos factos-índice previstos nas alíneas do n.º 1 do artigo 20.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas”.
[34] José Manuel Costa Galo Tomé de Carvalho, A situação de insolvência, os factos-índice e outras questões, Scientia Ivridica – Revista de Direito Comparado Português e Brasileiro, Tomo LXXII, números 361-363, Janeiro/Dezembro 2023, págs. 123-125.
[35] José Manuel Costa Galo Tomé de Carvalho, A situação de insolvência, os factos-índice e outras questões, Scientia Ivridica – Revista de Direito Comparado Português e Brasileiro, Tomo LXXII, números 361-363, Janeiro/Dezembro 2023, pág. 136.